RESUMO: O presente artigo aborda a matéria relacionada à responsabilidade jurídica ambiental, com ênfase à atuação da Defensoria Pública na preservação dos direitos ambientais. A finalidade do artigo é observar como é realizada a tutela do direito difuso ao meio ambiente pela Defensoria Pública, bem como demonstrar a importância na proteção do direito ambiental. O artigo inicia tratando da possibilidade de atuação da Defensoria Pública, seja em juízo ou extrajudicialmente, destacando a base legislativa, doutrinária e jurisprudencial ao exercício dessa atividade, seja em face do Poder Público ou de particulares, desenvolve a maneira como é realizada essa atuação, seja através da tutela judicial ou extrajudicial, e expõe como o meio ambiente ecologicamente equilibrado é a base de sustentação da dignidade humana e de toda a sociedade, para a possibilidade de vida atual e futura.
Palavras-chave: Defensoria Pública. Responsabilidade Jurídica Ambiental. Direito Ambiental. Direitos difusos.
1. INTRODUÇÃO
A tutela do meio ambiente consiste numa obrigação moral, política e jurídica de todos, relacionada à defesa dos direitos fundamentais inter-relacionados ao meio ambiente e à preservação do futuro da humanidade. A responsabilidade jurídica ambiental, com suas consequências políticas e socioeconômicas, possui elevado destaque no meio jurídico, necessitando de atuação eficaz do Poder Público e das instituições responsáveis pela proteção dos interesses daqueles que, muitas vezes, não têm voz para reivindicar seus direitos, como é o caso da Defensoria Pública.
A Responsabilidade Jurídica Ambiental é interdisciplinar e dinâmica, com a finalidade de preservar as interações entre a sociedade, o Estado e o meio ambiente, para mitigar os danos ambientais e restaurar os ecossistemas. Por isso, a Defensoria Pública, instituição essencial à justiça e à cidadania, possui fundamental importância, como porta-voz dos vulneráveis – pessoas mais afetadas pelos danos ambientais.
O presente artigo se propõe a vislumbrar a atuação da Defensoria Pública no contexto da Responsabilidade Jurídica Ambiental, tratando do seu papel na tutela dos direitos ambientais e na garantia de acesso à justiça. Observa-se a função institucional da Defensoria Pública na proteção dos direitos difusos, como é o caso do direito ao Meio Ambiente, promovendo a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos vulneráveis, como através da admissibilidade de todas as ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela desses direitos, seja em face do Poder Público ou de particulares.
2. O DIREITO AO MEIO AMBIENTE E AS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS DA DEFENSORIA PÚBLICA
De acordo com o que dispõe o art. 225, caput, da Constituição do Brasil, todos possuem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, tratando-se de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. A partir desta disposição constitucional, a doutrina considera o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental heterotópico, ou seja, aqueles estipulados fora do art. 5º ao 17 da Constituição Federal de 1988, mas dentro do texto constitucional, por estarem relacionados aos princípios adotados pela Constituição, como através da relação entre a dignidade humana (art. 1º, III, CF/88) preservada a partir de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. [1]
Por oportuno, insta salientar que os direitos fundamentais possuem por característica a interdependência. De acordo com André Carvalho Ramos:
Trata-se do reconhecimento de que todos os direitos humanos contribuem para a realização da dignidade humana, interagindo para a satisfação das necessidades especiais do indivíduo, o que exige, novamente, a atenção integral a todos os direitos humanos, sem exclusão. O conteúdo de um direito pode se vincular ao conteúdo de outro, demonstrando a interação e a complementaridade entre eles, bem como que certos direitos são desdobramentos de outros.[2]
Neste sentido, é imprescindível para a vida e a saúde (art. 5º e 6º, CF/88) do indivíduo, como direitos fundamentais individuais de primeira dimensão, a preservação do direito ambiental como direito difuso fundamental de terceira dimensão.
Além da interdependência, os direitos fundamentais também são indivisíveis e unos, de modo que todos os direitos humanos (ou fundamentais, sinônimos, portanto) possuem a mesma proteção jurídica, uma vez que são essenciais para uma vida digna.
Já no que diz respeito à atuação da Defensoria Pública e suas funções institucionais – dentre outras – incumbe à Defensoria Pública: (i) a solução extrajudicial dos litígios; (ii) a difusão e conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico; (iii) promover a ação civil pública e todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada tutela dos direitos difusos, quando o resultado da demanda puder beneficiar pessoas hipossuficientes; (iv) promoção mais ampla dos direitos fundamentais dos necessitados, abrangendo seus direitos individuais, coletivos, sociais, ambientais, sendo admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela; exercício da defesa dos interesses individuais e coletivos e de outros grupos sociais vulneráveis que mereçam proteção especial do Estado (art. 4º, incisos II, III, VII e X e XI, da Lei Complementar 80/94).
Ainda, de acordo com a Lei 11.448/2007, que realizou a inclusão do inciso II no art. 5º da Lei de Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), expressamente a Defensoria Pública é legitimada para a propositura de Ação Civil Pública, como para as ações de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, sacramentando a legitimidade institucional para a tutela ambiental. (art. 1º, I, LACP).
Em âmbito jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça também salientou a legitimidade da Defensoria Pública prevista na Lei de Ação Civil Pública (LACP), derivada da sua disposição constitucional, de acordo com os arts 5º, LXXIV e 134. Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO COLETIVA. DEFENSORIA PÚBLICA. LEGITIMIDADE ATIVA. ART. 5º, II, DA LEI Nº7.347/1985 (REDAÇÃO DA LEI Nº 11.448/2007). PRECEDENTE. 1. Recursos especiais contra acórdão que entendeu pela legitimidade ativa da Defensoria Pública para propor ação civil coletiva de interesse coletivo dos consumidores. 2. Este Superior Tribunal de Justiça vem se posicionando no sentido de que, nos termos do art. 5º, II, da Lei nº 7.347/85 (com a redação dada pela Lei nº 11.448/07), a Defensoria Pública tem legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar em ações civis coletivas que buscam auferir responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e dá outras providências. 3. Recursos especiais não providos.[3]
Ainda, deve-se destacar a Emenda Constitucional 80/94, que expressamente reiterou a tutela coletiva da Defensoria Pública no caput do art. 134 da CF/88, assim dispondo:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
Por fim, no que diz respeito a eventual restrição à hipossuficiência econômica dos indivíduos como pressuposto da atuação coletiva da Defensoria Pública, dispõe a doutrina de Franklyn Roger:
A tutela coletiva não pode ser restrita à hipossuficiência econômica dos indivíduos como pressuposto para a atuação da Defensoria Pública. Sabe-se que as funções institucionais da Defensoria Pública podem ou não estar relacionadas às condições econômicas dos assistidos (…) Nesse passo, a defesa dos interesses difusos e coletivos enquadra-se como verdadeira função atípica da Defensoria Pública, em razão da desvinculação econômica dos beneficiários.[4]
3. A RESPONSABILIDADE JURÍDICA AMBIENTAL E A ATUAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA
A Responsabilidade Jurídica Ambiental consiste nas obrigações de reparação por danos ambientais decorrentes de ações ou omissões que violem normas de direito ambiental. Abrange tanto a responsabilidade civil, com finalidade à compensação dos danos ocasionados, bem como a responsabilidade administrativa e penal, que busca sanções contra os responsáveis, através dos princípios do poluidor-pagador, da responsabilidade e do equilíbrio ambiental. Todavia, a efetividade da responsabilidade jurídica ambiental demanda diversas dificuldades, como vejamos:
1. Prova do evento danoso: Demonstrar o nexo de causalidade entre a ação do particular e o Poder Público e os danos ambientais pode ser extremamente difícil. Os danos ambientais muitas vezes resultam de ações cumulativas no tempo.
2. Recursos Financeiros: Aos indivíduos ou comunidades que não têm os meios para arcar com as despesas legais necessárias, a responsabilidade jurídica ambiental pode ser obstada. Para tanto, a Defensoria Pública e a gratuidade de justiça podem romper esse obstáculo.
3. Falta de Conscientização: A falta de consciência sobre as questões ambientais e o conhecimento de direitos das comunidades afetadas pode perpetuar as violações ambientais, dificultando a busca pelo acesso à justiça.
4. Morosidade do Sistema Judicial: Pela demora nos processos judiciais, a busca pela reparação dos direitos violados pode ser desincentivada, bem como até mesmo não alcançada.
5. Complexidade Técnica: As violações aos direitos ambientais envolvem conhecimentos interdisciplinares, como estudos de especialistas em áreas como a física, geologia ou a química, por exemplo.
6. Pressões Econômicas: Eventualmente, a responsabilidade jurídica ambiental encontra resistência pela economia local, gerando resistência por parte de comunidades que dependem de indústrias poluentes.
Nesse contexto, a Defensoria Pública desempenha fundamental importância. No que diz respeito à responsabilidade jurídica ambiental, a atuação da Defensoria Pública pode se dar de diversas formas:
1. Assistência Jurídica para Comunidades Vulneráveis: Na maioria das vezes, comunidades carentes e minorias étnicas são desproporcionalmente afetadas por danos ambientais. A Defensoria Pública, pela sua função de fiscal dos vulneráveis (custos vulnerabilis), deve tutelar os direitos dessas comunidades, a partir da representação nos processos judiciais e administrativos relacionados aos danos ambientais que as afetam.
2. Ações Civis Públicas Ambientais: A Defensoria Pública é legitimada para a tutela coletiva ambiental, com a finalidade de responsabilização dos poluidores e degradadores do meio ambiente, pleiteando a reparação dos danos e a prevenção. Além da tutela coletiva para a reparação e/ou prevenção, cabe o exercício de tutela cautelar, com a finalidade imediata de conservar ou assegurar o direito ao meio ambiente, prevenindo o dano ou garantindo o resultado útil do processo.
3. Mediação e Resolução de Conflitos: Trata-se de função institucional da Defensoria Pública a promoção prioritária da solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio da mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos, em razão da celeridade e efetividade desta forma de atuação. Por exemplo, é possível para a Defensoria Pública tomar dos interessados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título extrajudicial (art. 5º, §6º, LACP).
4. Educação e Conscientização: De acordo com as suas funções institucionais, a Defensoria Pública deve promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos (ou fundamentais), da cidadania e do ordenamento jurídico. Por isso, com base no princípio da precaução e da prevenção, o conhecimento sobre o direito ambiental e as ações que podem prevenir, mitigar e reparar danos ambientais devem ser difundidas, atingindo o maior número de pessoas e promovendo a consciência de toda a sociedade.
Com base no exposto, a atuação da Defensoria Pública na responsabilidade jurídica ambiental é fundamental para a proteção dos direitos fundamentais, e que aqueles que causam danos ao meio ambiente sejam responsabilizados. A Defensoria Pública é instituição permanente, e deve atuar como expressão e instrumento do regime democrático, orientando juridicamente e promovendo os direitos humanos, no que se faz imprescindível a tutela ambiental, de modo que sem o acesso a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, é impossível promover qualquer outro direito humano.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A responsabilidade jurídica ambiental é fundamental na proteção do meio ambiente e na garantia dos direitos fundamentais da humanidade. Deve-se buscar a responsabilização daqueles que causam danos ambientais, o que pode ser extremamente complexo e enfrentar diversos desafios, de natureza financeira, jurídica, social e política. Deve-se prestigiar o exercício da Defensoria Pública como um meio à justiça ambiental e a proteção dos interesses dos vulneráveis, como a instituição constitucionalmente incumbida desta tarefa.
Ao longo do artigo, exploramos o exercício da Defensoria Pública na tutela ambiental, salientando sua função na defesa de comunidades vulneráveis, na promoção de ações civis públicas ambientais, na resolução de conflitos e na educação da sociedade. Não se trata apenas da responsabilização judicial dos causadores de danos ambientais, mas também visa a precaução e prevenção desses danos e a promoção de uma consciência ambiental à sustentabilidade humana.
A degradação ambiental e as mudanças climáticas ameaçam todos os demais direitos humanos, e a responsabilidade jurídica ambiental e a atuação da Defensoria Pública são essenciais para a proteção da dignidade humana como um princípio fundamental da República Federativa do Brasil. Governos, instituições jurídicas e a sociedade devem reconhecer a importância desse objetivo e cooperarem para a garantia que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado seja protegido. O meio ambiente é a base da vida e sustento da civilização.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Primeira Turma). Recurso Especial nº 912.849/RS, Relator Min. José Delgado, julgado em 26 fev. 2008.
CARVALHO RAMOS, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 6. ed. São Paulo: SARAIVA, 2016, p. 97.
ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 430.
NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11. Ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 301.
[1] NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 11. Ed. Rev. Ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 301.
[2] CARVALHO RAMOS, André de. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. 6. ed. São Paulo: SARAIVA, 2016, p. 97.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (Primeira Turma). Recurso Especial nº 912.849/RS, Relator Min. José Delgado, julgado em 26 fev. 2008.
[4] ESTEVES, Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios Institucionais da Defensoria Pública. 3. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p. 430.
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Santos
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CALVES, Sérgio Vinícius. A responsabilidade jurídica ambiental e a atuação da Defensoria Pública: a Defensoria Pública como instrumento essencial à justiça do direito ao meio ambiente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2023, 04:42. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64015/a-responsabilidade-jurdica-ambiental-e-a-atuao-da-defensoria-pblica-a-defensoria-pblica-como-instrumento-essencial-justia-do-direito-ao-meio-ambiente. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Gudson Barbalho do Nascimento Leão
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