RESUMO: O presente artigo tem como finalidade mostrar as atribuições do delegado de polícia face ao ordenamento jurídico brasileiro para justificar a aplicação do princípio da insignificância e também a sua finalidade, demonstrando os principais requisitos que autorizam a sua aplicação. O presente tema é de suma importância, tendo em vista que o grande acúmulo de processos desnecessários tornam o sistema judicial lento e extremamente oneroso ao estado. Com a aplicação deste princípio pela autoridade policial na fase pré-processual funcionaria como um filtro, levando a apreciação judicial somente daqueles processos de maiores relevâncias jurídicas de forma a atender aos anseios da sociedade com uma solução rapida e precisa de uma demanda judicial. O princípio da insignificância não se limita a verificar se a conduta se enquadra em um tipo penal, ainda deve ser relevante ao direito, isso é, ser danosa aos direitos protegidos pela norma. Em outras palavras, o princípio da insignificância não considera crime a conduta que não cause um dano significativo à sociedade. Por isso, quando se trata de um caso concreto, cabe ao delegado de policia realizar uma análise juridica onde há tipicidade formal, porém, desprovido de tipicidade material, não necessitando utilizar do Estado para casos que podem ser resolvidos pela propria autoridade policial, de modo rápido e eficiente, em vez de lavrar auto de prisão em flagrante e encaminhar para a fila do sistema judiciário.
Palavras-chave: Código Penal. Delegado. Insignificância. Tipicidade. Crime.
ABSTRACT: The purpose of this article is to show the duties of the police chief in relation to the Brazilian legal system to justify the application of the principle of insignificance and also its purpose, demonstrating the main requirements that authorize its application. This topic is extremely important, given that the large accumulation of unnecessary processes makes the judicial system slow and extremely burdensome for the state. With the application of this principle by the police authority in the pre-procedural phase, it would function as a filter, leading to judicial assessment only of those processes with the greatest legal relevance in order to meet society's desires with a quick and accurate solution to a judicial demand. Furthermore, the principle of insignificance deals with the analysis of criminal conduct in terms of typicality, specifically if it was materially relevant to Criminal Law, that is, the principle discussed here does not analyze criminal conduct only by its formal fit to a criminal type, but also analyzes the relevance of the injury caused to the protected legal asset. Therefore, when it comes to a specific case, it is up to the police chief to carry out a legal analysis where there is formal typicality, however, devoid of material typicality, not needing to use the State for cases that can be resolved by the police authority itself, so quickly and efficiently, instead of issuing a report of arrest in the act and sending it to the judicial system.
Keywords: Criminal Code. Delegate. Insignificance. Typicality. Crime.
1 INTRODUÇÃO
A priori, a fim de que haja uma base teórica sólida, será analisado e apresentado não somente o princípio da insignificância, mas também, outros conceitos basilares do Direito Penal, no que diz respeito ao crime e, especialmente a noção da tipicidade, mormente o importante conhecimento do que é a tipicidade material.
O princípio da insignificância, também conhecido como princípio da bagatela, surgiu na década de 1970, a partir do entendimento do doutrinador alemão Claus Roxin. (Bitencourt, 2014, p. 60).
O doutrinador alemão Claus Roxin defende que a tipicidade material é um elemento indispensável para a configuração de um crime. Segundo seu entendimento, para que sua conduta enquadre-se como crime, sua conduta deve efetivamente causar um dano ou expor a perigo um bem jurídico tutelado.
Conforme Rogério Greco, o princípio da insignificância atua na exclusão da tipicidade, no caso a material, sendo ela um dos elementos do crime, se analisar pelo conceito analítico do crime idealizado por Welzel. (Greco, 2015, p. 113).
No entendimento de Guilherme de Souza Nucci, a tipicidade é o encaixe do fato tido como típico a um tipo penal estabelecido em uma determinada norma, assim, segundo ele seria uma união entre os tipos concretos e abstratos, subsunção do fato acontecido no mundo real com algo abstrato do mundo jurídico (Nucci, 2014, p. 174).
O assunto em discussão é de extrema importante, já que em respeito ao consagrado princípio da fragmentariedade, o direito penal somente deve-se preocupar com efetiva lesão ou, ameaça de lesão ao bem jurídico protegido pela norma
Logo, conforme este entendimento, não se pode punir da mesma forma e com o mesmo grau de reprovabilidade alguém que furtou um pacote de biscoito de uma grande rede de supermercado porque estava com fome, daquele que furtou o cofre desta mesma empresa.
É evidente que, no primeiro caso, a lesão ao patrimônio da vítima seria insignificante para justificar a intervenção do Estado, pois o valor do bem subtraído não seria suficiente para causar prejuízo relevante ao bem jurídico tutelado, bem diferente da situação descrita no segundo caso.
Formado esse pilar teórico, será trazido à tona o debate acerca da aplicação do princípio da insignificância, especialmente sobre a legitimidade do delegado de polícia para fazê-lo, por meio de uma pesquisa descritiva e exploratória através consulta a fontes bibliográfica, fontes primárias e secundárias com ênfase em doutrinas, as leis, e os instrumentos normativos, bem como nas jurisprudências e outras fontes relacionadas com o tema.
2 PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA INCIDÊNCIA NO DIREITO PENAL
2.1 Conceito
O Princípio da insignificância ou bagatela se aplica em casos de mínima ofensividade, ou seja, é utilizado quando é possível comprovar a ausência de periculosidade social, em casos que o bem não tenha valor para a vítima, com reduzido grau de reprovabilidade e lesão jurídica. Este princípio não é aplicado em todos os casos, a exemplo, ele não pode ser aplicado em crimes contra a Administração Pública, em casos praticados mediante violência ou em crimes de tráfico de drogas. (Teixeira, 2009).
O crime de bagatela é aquele onde a conduta do agente é desprovida de interesse do estado de agir, de acionar a máquina publica para algo que não lesionou de modo efetivo o direito de terceiro, logo, haveria a exclusão da tipicidade material do fato frente a desproporção entre lesão causada e o mal que a intervenção do estado ocasionará de forma injusta. (Teixeira, 2009).
No Brasil, para a aplicação deste princípio deve-se observar alguns critérios, como local que foi praticado, extensão do dano ao bem jurídico e como o crime se consumo, desta forma, é necessário fazer uma análise global da relação delito, vítima e infrator, onde cada elemento para sua aplicação e o princípio em se não subsiste isoladamente, podendo além do direito penal ser utilizado em outros ramos do direito. (Teixeira, 2009).
3 A INSIGNIFICÂNCA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Neste capítulo busca-se trabalhar a aplicabilidade do princípio da insignificância pelo Supremo Tribunal Federal.
Tendo em vista a ausência legislativa, apesar de alguns defenderem sua existência no Código Penal Militar, para a aplicação deste princípio, ele deve incidir em casos concreto e não ser analisados abstratamente. A análise do princípio da insignificância é feita de forma casuística, leva-se em consideração as particularidades de caso a caso. Isso significa que o juiz deve avaliar a amplitude da ofensividade da conduta na situação concreta, de forma a buscar a solução mais adequada.
De forma a estabelecer um padrão de julgamentos e evitar decisões incongruentes diante de casos semelhantes, o STF estabeleceu requisitos objetivos mínimos para o servir com base ao aplicador da lei, são os citados objetivos: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.
Cumpre destacar a decisão do Ministro Celso de Mello, que, no Habeas Corpus nº 84.412/SP, assim se manifestou:
O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina. Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.(HC 84.412- SP, 2 ª Turma, DJ de 19.11.2004)
Em determinadas situações, além dos requisitos objetivos fixados pelo Supremo Tribunal Federal, há ainda circunstâncias relevantes que impedem, em regra, a aplicação deste princípio, tais como antecedentes criminais, presença de reincidência no mesmo crime e habitualidade delitiva, já que o infrator faz do crime, ainda que ínfimo, o seu modo de vida.
Deve-se destacar o entendimento de Andreucci (2014) que defende a aplicação do princípio da bagatela, aqueles delitos sem relevância jurídica, como pequenos furtos que de nenhuma forma lesa o patrimônio de uma grande rede de supermercado, a exemplo, o furto de uma caixa de chocolate. Neste mesmo entendimento esteira, julgou o STJ uma tentativa de furto de seis barras de chocolates:
HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO SIMPLES. RES FURTIVA: 6 BARRAS DE CHOCOLATE AVALIADAS EM R$ 33,00. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRECEDENTES DO STJ E DO STF. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. ORDEM CONCEDIDA PARA DECLARAR ATÍPICA A CONDUTA PRATICADA, COM O CONSEQUENTE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL 1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmentariedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial tanto desta Corte, quanto do colendo Supremo Tribunal Federal, como causa supra-legal de exclusão de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado. 2. Verificada a excludente de aplicação da pena, por motivo de política criminal, é imprescindível que a sua aplicação se dê de forma prudente e criteriosa, razão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente; (b) a ausência total de periculosidade social da ação; (c) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica ocasionada, consoante já assentado pelo colendo Pretório Excelso (HC 84.412/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 19.04.2004). 3. Tem-se que o valor do bem furtado pelo paciente, além de ser ínfimo, não afetou de forma expressiva o patrimônio da vítima, razão pela qual incide na espécie o princípio da insignificância, reconhecendo-se a inexistência do crime de furto pela exclusão da tipicidade material. 4. Ordem concedida para, aplicando o princípio da insignificância, declarar atípica a conduta praticada, com o consequente trancamento da Ação Penal, em que pese parecer ministerial em contrário. (STJ, HC 19.1683 – RJ (2010/0220220-7), Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Dj 01/02/2011).
A despeito deste crime, o critério utilizado pelo Tribunal Superior na aplicação do princípio da insignificância foi o valor do bem furtado e os vetores paradigmáticos.
É perfeitamente possível aplicar esse princípio aos delitos praticados quando não há lesão ou perigo de lesão aos bens juridicamente protegidos, porém, no crime de furto, devem estar presentes os requisitos imprescindíveis para afastar a tipicidade material do crime. No julgado a seguir o Supremo Tribunal Federal – STF denegou a ordem de Habeas Corpus para inocentar o réu que havia furtado uma bicicleta e um aparelho celular, pois o STF entendeu que ao caso concreto não estavam presentes os pressupostos necessários para aplicação do princípio da insignificância.
HABEAS CORPUS. PENAL. FURTO DE BICICLETA E APARELHO CELULAR. ALEGAÇÃO DE INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INVIABILIDADE. ORDEM DENEGADA. 1. A tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado. 2. O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal. 3. Para a incidência do princípio da insignificância, “devem ser relevados o valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada” (HC 109.739, de minha relatoria, julgado em 13.12.2011). 4. Furtar uma bicicleta e um aparelho celular, além de não ser minimamente ofensivo, causa efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma penal, circunstâncias suficientes para afastar a incidência do princípio da insignificância, considerando o valor e a importância dos bens furtados para a vítima. 5. Ordem denegada. (STF, HC 112858 MS, Relatora Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 18/10/2013).
Depreende-se desse julgado que não é apenas o valor econômico da coisa a ser levada em consideração, mas também os elementos formadores da aplicação do princípio da insignificância. Logo, quando inexistente os requisitos específicos, não se pode aplicar a insignificância no caso concreto.
O magistrado não pode deixar de aplicar a pena ao agente que furta uma canoa, ferramenta de trabalho de um pescador pobre, porque ela é o único meio de sustento deste, por mais que insignificante seja o grau de lesividade da conduta do agente delituoso e o valor do bem seja inexpressivo.
Essa questão pode ser vista de outro ângulo quando no polo passivo está uma pessoa rica, cujo bem subtraído não vai lhe causar prejuízo material, psicológico ou moral, porem devem estar conjugados os elementos caracterizados da aplicação da insignificância mais o valor econômico do bem subtraído, tal valor, a depender do caso concreto, pode chegar até um salário mínimo.
Logo, se presentes os requisitos objetivos estabelecidos pelo STF, a conduta não possuir grande ofensividade, sem periculosidade, se o grau de reprovabilidade pela sociedade for baixo e a lesão for ínfima a vítima. Cabe aqui salientar que o valor é levado em questão até certo ponto, já que, a exemplo, o furto de um anel sem valor comercial, mas com grande valor afetivo por pertencer à mãe da vitima já falecida, poderia tal principio não ser reconhecido.
3.1 Critérios Objetivos do Princípio Da Insignificância:
Seguindo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal com base no Habeas
Corpus 94.439/RS, para que seja possível aplicar o princípio em análise, se faz
necessário que sejam preenchidos alguns requisitos objetivos, concernente aos
fatos, e subjetivos no que se refere ao agente e a vítima.
Relacionado aos requisitos objetivos, observando o HC 94.439/RS do Supremo Tribunal Federal, são eles:
· mínima ofensividade da conduta do agente, logo não pode haver violência nem grave ameaça no crime;
· ausência de periculosidade social da ação;
· reduzido grau de reprovabilidade do comportamento;
· inexpressividade da lesão jurídica provocada.
No que concerne aos critérios subjetivos, deve-se analisar a habitualidade delitiva, a condição, ou não, de militar do agente e a condição aquisitiva da vítima.
No que concerne este princípio aqui estudado, entende Cleber Masson (2017, p. 29-30) que este princípio está atrelado a uma politica criminal, deste modo, deve se disponibilizar os meios favoráveis para que o aplicador da lei diante de um caso concreto, decida se oportuna a sua aplicação, se presente as situações e requisitos autorizadores.
Sobre o tema, os Tribunais Superiores entendem que o Princípio da Bagatela se estabelece como uma causa supralegal de exclusão da tipicidade, ou seja, trata de uma criação doutrinária e jurisprudencial, não tipificado na legislação pátria.
Ademais, vale ressaltar que o Princípio da Insignificância concerne sobre a tipicidade material da conduta, onde caso a conduta não demonstrar “relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico tutelado”, apesar de haver a adequação formal ao tipo penal, será demonstrado a atipicidade do delito em razão da insignificância.
4 A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICANCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA
Neste capítulo será dada a importância da aplicabilidade do princípio da insignificância pelo Delegado de Polícia ainda na fase policial, com os fins de resguardar direitos fundamentais já consagrados pela Constituição Federal, respeitando o renomado princípio da dignidade da pessoa humana. Salienta-se a discussão doutrinária acerca da possibilidade da aplicação do princípio de bagatela pela Autoridade Policial, entendendo alguns doutrinadores que essa atribuição é inerente ao magistrado.
Deve-se considerar ao presente capítulo, as atribuições do Delegado de Polícia e sua discricionariedade diante da possível lavratura do auto de prisão em flagrante, fazendo juízo de valor consubstanciado em sua análise técnico-jurídica e seu poder dever de aplicação do princípio da insignificância.
Apesar deste princípio não possuir previsão legal expressa em lei, a doutrina o reconhece como sendo de suma importância, sendo aplicado recorrentemente pelos tribunais superiores em casos que chegam a sua apreciação.
A dúvida reside na possibilidade da autoridade policial, se no caso apresentado na delegacia de sua responsabilidade, presentes as situações autorizadoras do princípio da insignificância, deixar de lavrar o auto de fragrante e demais atos de policia judiciária, a exemplo da peça informativa e investigativa, o inquérito policial.
É sabido que para responder este questionamento, cumpre analisar primeiramente, que o princípio da insignificância é fundamentado em valores de politica criminal e busca uma aplicação restritiva da lei penal, defendendo uma análise da tipicidade material e não apenas forma, ou seja, não basta apenas a mera subsunção do fato à norma penal.
Sobre a possibilidade de a autoridade policial aplicar tal princípio, o STF se manifestou no HC 154.949/MG, deve o delegado de policia, em respeito ao princípio do estrito cumprimento do dever legal, deverá autuar em flagrante delito os suspeitos que lhes forem apresentados se os requisitos da prisão estiverem presentes e somente posteriormente em um momento oportuno o poder judiciário analisará a possibilidade de cabimento deste princípio.
O entendimento do STF em uma análise lógica e critica, deveria ser revista, conforme explicita Masson (2015, p.44) que o princípio da insignificância afasta a tipicidade material do fato, o tornando atípico para o poder judiciário, logo, também é atípico para o delegado de polícia.
Diante deste entendimento, o que se extrai dele é que delegado de polícia deve desempenhar um papel que atenda aos princípios da racionalidade e da proporcionalidade do poder punitivo, desta forma, é desejável e natural que ele tenha atribuição para fazer uma análise técnica-jurídica necessária em relação a tipicidade do fato. Se o fato for atípico, não justificaria uma persecução penal e o indivíduo não deveria ser mantido preso em flagrante por um fato insignificante, não bastando ser formalmente típico, é necessário igualmente ser materialmente típico.
Diante deste entendimento, o delegado de polícia, visando resguardar a legalidade e justiça, figurando como primeiro garantidor da lei e a primeira autoridade a ter contato com o fato, ao realizar uma análise técnica-jurídica, já que é bacharel em direito em plenamente capaz, assim como juiz de direito, deixar de realizar atos de polícia judiciária que de outro modo estaria obrigado pelo princípio da obrigatoriedade, como realizar a prisão em flagrante delito, abster de instaurar inquérito policial, fundamentando sua decisão de não o fazer.
A aplicação deste princípio, ainda em sede policial, evitaria a estigmatização do sujeito infrator perante a sociedade, e o desperdício de tempo e recursos públicos com um fato materialmente atípico.
4.1 Funções Constitucionais do Delegado de Polícia
É prerrogativa do delegado de polícia presidir o inquérito policial, , conforme dispõe o artigo 144, §4 da CF.
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – Polícia federal;
II – Polícia rodoviária federal;
III – Polícia ferroviária federal;
IV – Policiais civis;
V – Policiais militares e corpos de bombeiros milites.
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de policia de carreira, incubem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. (Brasil, 1988, p.1).
Há ainda no ordenamento jurídico brasileiro lei específica versando sobre a competência de investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, a lei 12.830 em seus art. 2º e art 2º § 6 aduz que o delegado de polícia exerce funções de natureza jurídica que são essenciais e exclusivas do estado, bem como possui de forma privativa a capacidade de realizar o indiciamento de um indivíduo mediante a realização da análise técnica-jurídica do fato que lhe é apresentado durante o cumprimento de suas funções de polícia judiaria.
Assim, em uma análise direta destes dispositivos, fica evidente que o papel do delegado de polícia possui natureza pré-processual, e não somente administrativo como muitos acreditam. O delegado de polícia é o primeiro garantidor e guardião da legalidade, dos direitos e das garantias individuais do cidadão, é a primeira autoridade que tem o contato com o fato delituoso e consequentemente poderia evitar injustiças e violações das garantias fundamentais, tais como a dignidade da pessoa humana e liberdade.
A dúvida reside na faculdade do delegado de polícia não lavrar auto de prisão em flagrante, proceder a instauração do inquérito policial ou deixar de indiciar o investigado com base no princípio da bagatela.
Para responder a esta questão, deve ser ater que este principio deriva das ações de políticas criminais onde se busca evita-se custos ao estado em processos e despesas carcerárias.
Em 2014, no Seminário de Policia Judiciária foi editada e aprovada diversas súmulas que serviram como base legal e entendimento interno das instituições de Policia Civil, com destaque para a súmula nº 6 que diz: “É lícito ao Delegado de Polícia reconhecer, no instante do indiciamento ou da deliberação quanto à subsistência da prisão-captura em flagrante delito, a incidência de eventual princípio constitucional penal acarretador da atipicidade material, da exclusão de antijuridicidade ou da inexigibilidade de conduta diversa”. (Acadepol/RJ, 2014).
A súmula nº 6 serve como referência e orientação para a aplicação do princípio da insignificância no Estado do Paraná, que, embora não possui súmula sobre o tema, os delegados daquele estado utilizam-se dela como alicerce e justificativa para a aplicação do referido princípio.
Logo, com base no entendimento extraído da Súmula nº 6, a autoridade policial diante de uma situação flagrância que estejam presentes os requisitos de admissibilidade da aplicação do princípio da insignificância, é lícito, assim conforme manda a lei, não realizado a prisão em flagrante, indiciando o agente e instaurando inquérito policial, sendo uma exceção ao princípio do estrito cumprimento do dever legal em relação a prisão e demais procedimentos de polícia judiciária.
4.4 HIPÓTESES
4.4.1 Prisão em Flagrante
A prisão em flagrante delito comporta diversas fases, sendo a primeira prisão ou captura do agente, sua condução de forma coercitiva até a delegacia de policia com a realização de seu interrogatório, com os devidos respeitos as suas garantias constitucionais, seu recolhimento provisório ao cárcere deste estabelecimento e posterior comunicação ao juiz, aguardando o preso para ser submetido a audiência de custódia.
O Delegado de polícia atuaria como um defensor dos direitos individuais das pessoas envolvidas na ocorrência, analisando a situação e fundamentadamente, decidiria sobre a legalidade da prisão e a necessidade de sua manutenção.
Durante a exposição da defesa pelo acusado ou seu defensor, se a autoridade policial convencer que ali não há justa causa legal para submeter o preso ao cárcere, o delegado após a elaboração do boletim de ocorrência será o preso posto em liberdade, e o boletim elaborado figurará como uma espécie de notitia criminis.
Ao contrário do que se poderia pensar, o flagrante não se limita à relação de imediatismo entre o fato e a captação ou conhecimento. O artigo 302 do Código de Processo Penal contempla outras situações que caracterizam o flagrante, como: flagrante:
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. (Brasil, 1941)
Conforme entendimento doutrinário, os incisos I e II do artigo antecedente é descrito como flagrante improprio ou quase flagrante, já o inciso III é denominado flagrante presumido, mas, em se tratando de consequências jurídicas, tais distinções não são relevantes, devendo sua prisão ser comunicada em um prazo de 24 horas ao juízo competente que ao receber a comunicação, deverá em igual prazo proceder a realização de audiência de custódia, podendo ser de forma virtual ou presencial.
Assim, se algum elemento autorizador faltar e o fato torne-se atípico, o delegado não deverá prosseguir com o flagrante e formal indiciamento do acusado que lhe foi apresentado, devendo ele ser posto em liberdade após os trâmites legais de policia judiciária.
4.4.2 Afogamento do Sistema Judiciário Brasileiro
Dados apresentados no relatório “Justiça em Números” do ano de 2018 (CNJ) apresentou dados alarmantes sobre fatos levados até a apreciação judiciária, para se ter uma ideia, no ano de 2017 em sede de primeiro grau com 94% deles, tramitou-se 80 milhões de processos, sendo 85% dos processos ingressados no sistema judiciário entre o período de 2015 à 2017, com efetivo especifico nesta instância correspondente a 84% das áreas do judiciário.
No ano de 2021 (CNJ, 2022), forma julgados pelo poder judiciária a espantosa quantia de 26,9 milhões de processos, correspondendo-os 11,1% dos números de casos julgados se comparados ao ano anterior e neste mesmo período, o ingresso de novos casos foi de 27,7 milhões que corresponde a uma elevação de 10,4%, mas devido a implementação do sistema eletrônico de processo, 97,2% foram inseridos desta forma.
Já em 2022 (CNJ, 2023), foi estabelecido um recorde de 31,5 milhões de novos processos, ficando evidente que a tendência é somente crescer e sobrecarregar ainda mais o sistema judiciário lento e ineficiente frente nas demandas necessárias que a atual situação nacional exige.
Esta lentidão não está ligada ao baixo rendimento no quesito julgamento dos juízes, pois um juiz brasileiro atualmente tem um rendimento médio de sete sentenças por dia, segundo o Índice de Produtividade dos Magistrados (IPM), cada juiz durante o ano de 2016 produziu uma média de 1.749 sentenças.
Tanto na sociedade brasileira assim como no Judiciário, a falta da procura entre a mediação e o acordo entre as partes causa um grande número de processos e recursos somados a estrutura “ultrapassada” do sistema judiciário que causa um enorme afogamento dos processos.
Principalmente no ramo penal, inúmeros processos são iniciados por crimes onde princípios já adotados por instâncias superiores deveriam sanar praticamente quando se iniciarem, como o Princípio da Intervenção Mínima, o Princípio da Fragmentariedade e o Princípio da insignificância, o direito penal deve se atentar somente a fatos ligados diretamente a condutas que interferem nos valores tutelados pelo Direito Penal.
3 CONCLUSÃO
O princípio da insignificância é um instrumento importantíssimo de política criminal se levar em consideração a lentidão de nosso sistema jurídico e as demandas crescentes de novos processos, e a sua observação e aplicação evita a criminalização de condutas de pequena relevância na seara criminal. Sua aplicação é bem difundida, seja no âmbito do Poder Judiciário, nos Tribunais Superiores e Inferiores.
Respondendo ao questionamento, entende-se que a própria Constituição seria a garantia mais cediça para a aplicabilidade da insignificância pelos delegados de polícia, ainda com o aval dos tribunais, que entendem ser uma corrente doutrinaria correta.
É inegável que se ao delegado de polícia somente fosse permitido à subsunção do fato a norma, puramente a análise da tipicidade formal, de fato ocorreria injustiças ao realizar o indiciamento de suspeitos que praticasse um fato penalmente irrelevante, ferindo assim princípios constitucionais dos direitos e garantias fundamentais, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana.
Conclui-se que a aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial é desejável e correta, agindo desta forma, aperfeiçoará o sistema judiciária brasileiro que somente analisará aqueles processos que realmente mereça a atenção estatal, podendo de esta forma dar uma resposta rápida a sociedade e atuar de forma inibitória para o crime.
REFERÊNCIAS
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graduando em Direito pelo Centro Universitário de JALES (UNIJALES)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, VAGNER LOPES DOS. Aplicação do princípio da insignificância pelo delegado de polícia como forma de desafogar o sistema judiciário brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 nov 2023, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64016/aplicao-do-princpio-da-insignificncia-pelo-delegado-de-polcia-como-forma-de-desafogar-o-sistema-judicirio-brasileiro. Acesso em: 24 dez 2024.
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