RESUMO: O presente artigo tem por objetivo, frente ao modelo de Estado Laico adotado no Brasil, trazer reflexões e problematizações a respeito da prática do ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental. O tema se faz importante diante das reiteradas manifestações de intolerância religiosa vivenciadas no país, rompendo com a lógica de Direitos Humanos protegidos pela Constituição. A constitucionalização do ensino religioso, a partir de uma analise histórica, está relacionada a estratégias políticas e simbólicas da Igreja Católica, como forma de perpetuação de suas diretrizes na sociedade brasileira. Neste contexto, a escola pública atual, ao oferecer a disciplina religiosa, pode servir como espaço de segregação e de não reconhecimento do outro. A pesquisa baseia-se em outras literaturas sobre o assunto, bem como, em legislações nacionais. O que se depreende do texto é que há total omissão legal que discipline os contornos práticos da matéria religiosa, abrindo espaço para discricionariedades de cada ente educacional e causando grandes anomalias em uma educação que, em tese, deveria ser laica. Deste modo, traz-se a alternativa do ensino de Direitos Humanos no ensino infantil de modo a criar a consciência e respeito a qualquer diferença, inclusive a religiosa.
Palavras-chave: Direitos Humanos, Educação, Ensino Religioso, Laicidade.
ABSTRACT: This article has the aim, in view of the standart of Secular State adopted in Brazil, to bring reflections and problematizations in the matter of religious education’s practise in elementary public schools. The theme is importante as reiterated religious intolerance manifestations happen in the country, breaking the logic of the Human Rights protected by the Constitution. The constitucionalization of religious education, since a historical analysis, is related to political and simbolical strategies of the Catholic Church, as a way of perpetuating its guidelines in brazilian society. In this context, the actual public school, when offering the religious subject, can be a space of segregation and not noticing the other. The research is based on other literatures about this matter, as well as, in native laws. From this text is possible to conclude that there is a total legal omission about the pratical shapes of religious subject, opening space to the discricionarity of each religious entity, causing great anomalies in an education that, in thesis, should be secular. Thus, there is the alternative of teaching Human Rights in elementary school, in a way of creating conscience and respect to any diference, including the religious one.
Keywords: Human Rights, Education, Religious Education, Secularity.
INTRODUÇÃO
Quando se vive em um Estado que se pretende “democrático de Direito” há (ou deve haver) uma preocupação constante em não se afastar da legalidade e das diretrizes constitucionais. A dificuldade se intensifica quando o sistema constitucional tutela direitos aparentemente conflitantes e controversos como o suposto direito à educação religiosa no ensino fundamental e o direito a um Estado devidamente Laico.
A religião, em uma abordagem não aprofundada, gera respostas diversas na sociedade em razão de um sentimento histórico de condenação (as Cruzadas, as inquisições católica e protestante, os atentados terroristas por motivação religiosa[1] etc.), de medo, de resistência (grupos de minorias, como alguns grupos feministas, a comunidade LGBT, comunidades religiosas de matriz africana, entre outros[2]) e de respeito (reverência).
Acredita-se, quase como um senso comum, que a educação é a principal forma de libertação do indivíduo e da construção de sua identidade para a vida em sociedade. A educação transformadora, como principal caminho de desenvolvimento do indivíduo, é concebida no direito contemporâneo como uma garantia fundamental e um direito humano. É dever do Estado, portanto, oferecer educação gratuita e de qualidade, permitindo a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A questão se coloca em evidência quando existem movimentações de grupos opostos para neutralizar a exposição de correntes teóricas e ideológicas nas matrizes curriculares[3].
A situação fica ainda mais delicada quando o texto constitucional apresenta o ensino religioso (sem especificar se na modalidade confessional, interconfessional ou supraconfessional)[4] nas escolas públicas, retomando uma prática há muito afastada para se garantir a neutralidade do Estado. Assim, grupos religiosos adotando estratégias de catequização e conquista de espaços político-ideológicos na sociedade desejam impor suas visões do “sagrado” nos currículos escolares sob o pretexto que isso garantiria a formação cidadã[5].
Essa reflexão tem relevância multidisciplinar por apresentar questões de Direito Constitucional, Direitos Humanos, Sociologia, Política, Teologia, História, entre outros. A manutenção (ou talvez, melhor dizendo o “resgate”) de um Estado Laico é condição de garantia de direitos e liberdades, especialmente de grupos vulneráveis e de minorias, violentados por ideais religiosos que reivindicam para si o monopólio da verdade e da “salvação”.
Frente a tais considerações, o ensino religioso (confessional ou interconfessional) pode coexistir de alguma forma com o Estado Laico? O ensino religioso confessional patrocinado em espaços públicos (escolas) não desconstrói a laicidade do Estado e impõe o favorecimento das religiões hegemônicas invisibilizando (e violando) as liberdades de grupos hostilizados por essas (religiões minoritárias, grupos LGBTs etc.)? A adoção de modalidades (interconfessionais e supraconfessionais) que apregoam suposta isenção de credo é realmente a melhor alternativa?
Como se percebe a questão é complexa e demanda uma análise pontual, que não se pretende conclusiva. A abordagem se dá especialmente vinculada a reflexões do texto constitucional de 1988, no âmbito brasileiro, destacadamente apresentando um resgate histórico comparativo, que permite compreender como a proposta do ensino religioso é um retrocesso, visto que já superada pelo desenrolar histórico. Para responder a esta questão o trabalho utiliza-se ora do método dialético reflexivo, ora do método historicista. O tema, dada sua relevância e complexidade, exigiu a adoção coordenada das duas metodologias. Como ferramenta de pesquisa utilizou-se o levantamento bibliográfico de obras, textos jurídicos, artigos de referência, legislações pertinentes e documentos oficiais que possuem relevância para a proposta.
A primeira parte da pesquisa buscou a revisão conceitual do Estado Laico e seus aspectos democráticos, analisando o amparo constitucional do tema. Primeiramente, o objetivo foi entender os contornos da laicidade, posteriormente amadurecendo as concepções diversas das relações entre Estado e Religião (Estado Ateu, Estado Teocrático etc.). O segundo foco dessa fase, traçou diretrizes da laicidade como garantias fundamentais da CRFB/88, os princípios e seus reflexos. O resultado dessa pesquisa permitiu a produção do tópico 1.
Superada essa fase conceitual e principiológica, a pesquisa executou um resgate histórico da relação Estado e Igreja na catequização como estratégia de influência religiosa sobre a sociedade brasileira, que resultou na produção do segundo tópico do presente trabalho. Dialogando com a superação histórica apresentada, a terceira parte da pesquisa se dedica a trazer questões legislativas e constitucionais, bem como posições de pesquisadores e juristas sobre o tema, abordando sempre que possível visões divergentes para construção de uma visão ampla sobre o assunto. A análise dos resultados decorrentes dessas fases permitiu a produção dos tópicos 2 e 3, respectivamente.
A quarta fase da pesquisa buscou construir a lógica do ensino religioso nas escolas públicas de ensino fundamental como estratégia contemporânea de doutrinação e catequização, o que vai de encontro com a laicidade necessária para a democracia, com a apresentação do tópico 4.
No ano de 1988, com a promulgação do texto constitucional, inaugurou-se no Brasil uma nova fase do constitucionalismo brasileiro, rompendo com a lógica militar autoritária vivida nas décadas anteriores. Estabeleceu-se a democracia constitucional no país que, por meio de emendas, contou com “o maior grau de legitimidade popular” (PIOVESAN, 2009, p. 29). Assim, fez-se valer o princípio democrático adotado logo no primeiro artigo da Constituição, em seu parágrafo único, o qual diz que todo o poder emana do povo, seja da forma direta, como nas iniciativas populares, ou indireta, na escolha de seus representantes.
Nesse sentido, a democracia representativa e a laicidade estão intrinsicamente ligadas (BLANCARTE, 2008, p. 31). Não há de se falar em liberdade religiosa, direitos civis e políticos, sem democracia, esta que é substrato para o exercício daqueles e de outros direitos fundamentais (SORIANO, 2009, p. 164).
1.1. Aspectos conceituais da Laicidade
O termo “Laico” surge em 1871, na França, em meio a uma conjuntura de ideais republicanos que objetivavam um Estado livre do sistema monárquico e de seus fundamentos divinos, de modo a reconhecer não só as diferentes crenças, como também as liberdades religiosas (ORO, 2008, p. 81). “Laico” deriva da palavra grega “laikos”, que significa “leigo, do povo”[6]. O princípio da laicidade adota uma postura de imparcialidade quanto aos conteúdos religiosos, não apoiando e nem se opondo a nenhuma religião. Permite aos cidadãos a escolha da matriz religiosa que pretendem seguir, livre de qualquer discriminação direta ou indireta, promovendo a liberdade e a igualdade entre os indivíduos em um ambiente plurirreligioso (DOMINGOS, 2009, p. 50-51).
Um Estado que se denomina laico entende adotar “um regime social de convivência, cujas instituições políticas são legitimadas principalmente pela soberania popular e não por elementos religiosos”. A laicidade veda a submissão ou cerceamento praticados por qualquer religião ou organização religiosa às diretrizes e aos direitos do Estado, ou ainda, “apropriar-se dele para seus interesses”, garantindo com isso a pacificação em um cenário de pluralidade religiosa em que o Estado não privilegia nenhuma delas (BLANCARTE, 2008, p. 27). Deste modo, José Gomes Canotilho resume o princípio da laicidade em outros três princípios: “secularização do poder político, neutralidade do Estado perante as igrejas, liberdades de consciência, religião e culto” (CANOTILHO, 1993, p. 490).
No entanto, embora a cisão “orgânica e formal” entre Estado-Religião tenha sido fundamental para o próprio surgimento do Estado Nacional (HUACO, 2008, p. 35.), muitos países têm demonstrado que sua separação é apenas institucional, e que suas políticas continuam sendo inspiradas em valores, crenças e princípios confessionais (HUACO, 2008, p. 49).
No Brasil, a laicidade é um “princípio constitucional autêntico, um princípio fundamental”, fundado no Estado Democrático de Direito (HUACO, 2008, p. 42). O constituinte brasileiro optou por adotar um modelo de laicidade “por meio da separação institucional entre Estado e religião, com possibilidade de cooperação em determinadas áreas entre o Estado e as igrejas” (RIOS, 2015, p. 27), o que é conhecido como modelo “pluriconfessional”[7].
Este modelo brasileiro de laicidade contrasta com o modelo da “neutralidade religiosa”. Este último se apresenta neutro e indiferente ao fator religioso, desconsiderando assim, ao realizar atos públicos, toda a diversidade cultural e religiosa da comunidade civil. Veda, ainda, a colaboração do Estado com entes religiosos nas execuções de políticas públicas e tem a pretensão de barrar a ascensão de grupos religiosos nos espaços públicos (RIOS, 2015, p. 28)[8]. Tal sistema dialoga com o que é conhecido por “laicismo”, no qual há a clara presença de hostilidade às religiões e indiferença, ou passividade, ao fenômeno religioso. Seria, portanto, a militância exagerada da defesa da laicidade (HUACO, 2008, p. 47).
Por sua vez, no modelo da laicidade pluriconfessional, adotado pela ordem constitucional brasileira, se presa pela igualdade entre os seres e pela liberdade do indivíduo, resguardando a liberdade religiosa de consciência, crença e culto. A diversidade cultural e religiosa é protegida pelo Estado como bem constitucional, levando-se em conta os diversos fenômenos religiosos. Há neutralidade apenas no que tange às diferentes visões ideológicas e filosóficas das religiões, ou seja, há imparcialidade do Estado frente à pluralidade de religiões e seus conteúdos, não se podendo falar em indiferença ao fator religioso, muito menos de hostilidade a este (RIOS, 2015, p. 27).
Ao contrário do que ocorre em constituições como a da França[9], o constituinte, ao se referir ao Estado brasileiro, não deixou expresso o termo “laico”, no entanto, os dispositivos constitucionais reforçaram a laicidade do Estado quando avocaram princípios democráticos, igualitários, de liberdade religiosa, e sua separação em relação à religião (MARTIN, 2009, p. 59).
O artigo 19, inciso I, da CRFB/88 trouxe que é defeso à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
Deste modo, a expressão “estabelecer cultos religiosos” deve ser entendida em sentido amplo, ou seja, é proibido ao Estado criar religiões/seitas, ou ainda, fazer qualquer difusão ou publicidade de práticas religiosas. O termo “subvencionar” indica que é vedado ao Estado subsidiar práticas religiosas, seja por meio de apoio financeiro ou de vantagens, o que, infelizmente, pode ocorrer quando o Estado, utilizando-se das escolas públicas, oferece ensino religioso confessional aos alunos e, com isso, embora vedado pelo dispositivo constitucional, patrocina a prática religiosa no interior de seu sistema educacional. Já o termo “embaraçar-lhes o funcionamento” significa que o Estado não pode dificultar e nem restringir as práticas psíquicas ou materiais do exercício da fé (PONTES DE MIRANDA apud SILVA, 2005, p.251-252).
Já a colaboração entre Estado-Religião pode ocorrer em casos que envolvam o interesse público, desde que disciplinada por lei devidamente aprovada por cada ente federativo que desejar estabelecer tal cooperação, observado, obviamente, as restrições da primeira parte do artigo 19, inciso I, sob pena de ser decretada inconstitucional (JAYME, 2009, 538).
Ocorre que a expressão utilizada pelo legislador “interesse público” trata-se de uma previsão aberta, admitindo muitas interpretações e tornando complexo estabelecer seus limites. Sendo assim, “a lei, pois, é que vai dar uma forma dessa colaboração. É certo que não poderá ocorrer no campo religioso. Ademais, a colaboração estatal tem que ser geral a fim de não discriminar entre as várias religiões” (SILVA, 2005, p. 252). O entendimento, portanto, deve ser de que a colaboração entre Estado e Religião deverá ser de caráter social, jamais de caráter religioso, permitida em “atividades assistenciais; promoção dos direitos humanos; a formação cultural e educacional dos cidadãos; as campanhas educativas e preventivas no âmbito da Saúde Pública, do Trânsito, do Meio ambiente e Cidadania” (RODRIGUES JUNIOR, 2009, p. 103).
Entende-se, então, que o Estado não pode estabelecer nenhum tipo de aliança, ou ainda, nenhum tipo de dependência com entidades confessionais. No entanto, se previsto em lei, pode estabelecer convênios com estas instituições em projetos que envolvam interesses de ordem pública – e não de governantes ou expressões religiosas específicas - que visem ao bem comum de uma determinada sociedade ou localidade.
1.3 Compreendendo as formas de relações entre Estado e Religiões
A adoção de uma determinada relação entre o Estado e as religiões professadas dentro de seu território por sua população se dá como resultado de uma série de questões históricas, sociais, culturais, geográficas e até econômicas. Entretanto, no âmbito da relação Estado-Religião, importante se faz distinguir a laicidade de outros três sistemas: Estado Confessional, Estado Teocrático e Estado Ateu.
Quanto ao Estado Confessional, este “assumindo uma determinada religião como religião de Estado, preocupa-se com o comportamento religioso dos próprios súditos e com este objetivo lhes controla os atos externos, as opiniões, os escritos” de maneira a impedir “qualquer manifestação de dissenso e perseguindo os dissidentes” (BOBBIO, 2007, p. 124).
Há, portanto, neste regime, a escolha de uma religião oficial - vedando ou apenas tolerando as demais confissões - e, com isso, a concessão de privilégios a esta. Estes privilégios podem vir de diversas maneiras, como por meio de recursos financeiros públicos, direta ou indiretamente, da incorporação das diretrizes morais religiosas no ordenamento jurídico do Estado, dentre outros.
Tal predileção é justificada pelos Estados com base no fato de a religião escolhida ser adotada pela maior parte da população, ou ainda, por considerar aquela crença a única verdadeira, fazendo jus à sua superioridade. Sendo assim, apenas seus seguidores têm a identidade religiosa garantida de forma igualitária. Há neste regime a união entre Estado e Religião: o Estado declara sua fé e garante a ela certa autoridade, o que pode resultar em conflitos religiosos (GALLEGO, 2010, p.122-123). No Brasil, este modelo de Estado se fez presente no período Imperial[10].
No Estado Teocrático não há de se falar em união entre religião e Estado, mas sim em um sistema de confusão entre as duas instituições de modo a atingir suas próprias essências (SILVA, 2005, p. 250-251). Assim, a religião adotada, por sua vez, não se apresentará apenas com meras influências, mas sim, irá traçar as próprias políticas do Estado, bem como, as relações privadas dos indivíduos (VECCHIATTI, 2008, n.p.). Nota-se, portanto, um regime baseado no autoritarismo religioso no qual ir de encontro aos preceitos religiosos é também ir de encontro ao próprio Estado.
O Estado Ateu é aquele anticlerical, ou ainda, antirreligioso, no qual o poder público tenta suprimir toda e qualquer religião por entender que esta é causa de alienação em termos sociais e individuais. Este sistema, portanto, veda ao cidadão o direito de manifestar sua fé religiosa (VECCHIATTI, 2008, n.p.), retirando a ideia do divino tanto da vida pública, quanto da esfera privada dos indivíduos (ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 54-56). Tudo isto “implicaria uma ofensa aos sentimentos íntimos dos cidadãos” e, ainda, “suporia a imposição social duma única e determinada mentalidade – o indiferentismo ou o ateísmo – e consequentemente uma violação da liberdade” (CIFUENTES, 1989, p. 175).
1.4. Laicidade Brasileira na concretização dos Direitos Humanos
Em vista dos diferentes regimes no que tange a relação Estado-Religião, vê-se que a escusa em adotar um Estado Laico Pluriconfessional “inviabiliza qualquer projeto de sociedade pluralista, justa e democrática” (PIOVESAN; PIMENTEL, 2003, np). Desta forma, importante frisar que a adoção do modelo laico pelo constituinte é essencial para a garantia e para a concretização dos Direitos Humanos. Sabe-se que a CRFB/88 representou o “fim aos últimos vestígios formais do regime autoritário” (FAUSTO, 1995, p. 526.), estabelecendo a democracia constitucional e significando o marco jurídico da promoção dos direitos humanos[11] em território nacional (PIOVESAN, 2009, p. 28). A importância da laicidade para a proteção da dignidade humana é tamanha que, “alguns autores como G. Jellinek, vão mesmo ao ponto de ver na luta pela liberdade de religião a verdadeira origem dos direitos fundamentais” (CANOTILHO,1993, p. 503).
Ocorre que, segundo Bobbio, o atual grande problema em relação aos direitos humanos, “não é tanto justificá-los, mas o de protegê-lo” (BOBBIO, 2004, p. 16). Tal dificuldade se faz presente, por exemplo, quando se trata de ensino religioso em escolas públicas, pois no caso de imposição e de doutrinação dos alunos por parte do professor confessional, estar-se-ia infringindo um direito fundamental do ser: a livre escolha de crer, ou não, em algo transcendental.
A adoção de um sistema laico pelo constituinte veda, portanto, um sistema em que o Estado seja capaz de sufocar as liberdades do indivíduo, sobretudo as religiosas, e possibilita conceber uma sociedade plural, que repele qualquer tentativa de padronização e de uniformização das identidades próprias do ser (BLANCARTE, 2008, p. 46). Neste contexto, a laicidade relaciona-se intrinsicamente com dois direitos humanos primordiais: a liberdade e a igualdade, ambos de primeira dimensão[12].
O direito à liberdade, no campo religioso, refere-se, sobretudo, à liberdade de consciência[13], de crença[14], e de culto[15], que se resumem na denominada “Liberdade Religiosa”, garantida na Constituição Federal no artigo 5º, inciso VI[16]. Este tripé constitucional – liberdade de consciência, de crença e de culto - opera-se no íntimo de cada indivíduo, sendo sua manifestação um direito e não um dever.
O ser humano, fundado em sua própria existência, reclama a capacidade de determinar-se livremente por acepções filosóficas, sociais e religiosas que deem a realidade mais perfeita sobre si. Atentar contra esta liberdade é negar dimensões essenciais e colocar fim à dignidade (CIFUENTES, 1989, p. 184). Sobre o assunto, no dia mundial da paz em 1999, o papa João Paulo II afirmou que a liberdade religiosa compunha o coração dos direitos humanos e que ninguém poderia aceitar a imposição de uma religião, independente da circunstância em que se encontra (GALDINO, 2006, p. 13-14).
Percebe-se, portanto, que a previsão do ensino religioso no Brasil, a depender da maneira ministrada, pode ferir, segundo as palavras do papa João Paulo II, o próprio coração dos Direito Humanos já que se abre a possibilidade do instituto servir como meio de doutrinação e de imposição de uma religião, ou ainda, de um modo de pensar religioso de uma coletividade hegemônica, a exemplo da cristã.
Em um segundo momento, a laicidade vincula-se a outro importante pilar dos Direitos Humanos: a igualdade, “signo fundamental da democracia” (SILVA, 2005, p. 211). Esta recebeu previsão logo no caput de um dos artigos mais importantes da Constituição Federal de 1988 para consagração dos direitos humanos e fundamentais no Brasil: o artigo 5º[17]. Assim disciplinou: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros [...] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”.
Neste aspecto, o princípio laico, fundado na garantia à igualdade, vem como ferramenta fundamental para viabilizar a todos o mesmo respeito e consideração vindos do Estado, sem que este faça qualquer distinção entre os indivíduos pela crença professada por eles (SARMENTO, 2008, p. 192). O artigo 5º, caput, usa ainda o termo “sem distinção de qualquer natureza”, o qual deve ser entendido como a proibição absoluta de toda e qualquer forma de discriminação, incluindo no âmbito religioso. Reforça-se, ainda, que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa, ou de convicção filosófica ou política [...]” (Art. 5º, VII). Assim, qualquer indivíduo deverá receber tratamento igual no que tange aos direitos e obrigações, tornando o povo brasileiro, em tese, profundamente democrático (SILVA, 2005, p. 226).
Ainda no que tange ao princípio da igualdade, este proíbe qualquer estabelecimento de benefícios à determinada religião de modo a excluir as demais. O favoritismo dado pelo Estado a uma crença, religião ou instituição religiosa implica uma “inaceitável violência” contra o ideal de igualdade por dar entendimento inadequado e desleal de que as outras crenças são menos dignas de reconhecimento (SARMENTO, 2008, p. 192), ou ainda, que são apenas “toleradas” (HUACO, 2008, p. 46).
Muitas são as doutrinas religiosas cultuadas pelo povo brasileiro, havendo ainda aqueles que se eximem de ter fé em algo transcendental, como os ateus e agnósticos. Este fato, por si só, mostra como é problemático garantir o ensino religioso confessional nas escolas públicas brasileiras tendo em vista que, em se tratando de um Estado Laico garantidor da igualdade entre as religiões, no mundo fático seria impossível disponibilizar a disciplina de modo que todas denominações estivessem representadas. A partir do momento em que uma determinada crença não tem condições de se fazer presente no sistema de ensino imposto, há claro desrespeito à igualdade constitucional e o consequente rompimento da laicidade que o Estado diz garantir.
Quando se coloca em pauta a questão do ensino religioso nas escolas públicas, o tema suscita a necessidade de um resgate histórico, tendo em vista sua adoção no Brasil desde o Período Colonial, se repetindo pelas épocas posteriores. Não é preciso muito para observar que o enlace Igreja e Estado trouxe consequências sociais e históricas que perduram até o tempo presente[18]. Assim, é preciso apontar (de forma pontual apenas) a historicidade do ensino religioso em solo nacional para entender a prejudicialidade de replicá-la no Brasil contemporâneo.
2.1. Período Colonial e Imperial (Pré-Republicano)
Em meados do século XV, Portugal estabeleceu com a Igreja Católica um modelo de relação conhecido como Regime do Padroado Real, pelo qual Portugal passa a ser o administrador da Igreja, com o poder de administrá-la e organizá-la em todo o território, seja em terras conquistadas, seja nas que viria a conquistar. Tomou para si funções vitais do clero, como a nomeação das autoridades eclesiásticas e o recolhimento de dízimos (FAUSTO, 1995, p. 60-61).
O Estado deveria patrocinar as missões católicas e suas instituições eclesiásticas em terras colonizadas, fornecer os missionários necessários, remunerar os membros católicos, construir e manter seus templos, mosteiros, colégios e, o mais importante, expandir o catolicismo em suas terras (FAUSTO, 1995, p. 60-61). Colonização passa, então, a ser também sinônimo de evangelização, o que ocorreria, sobretudo, por meio do sistema educacional imposto nas colônias.
Acontece que, na Europa, uma forte ameaça surgia para a Igreja Católica: o protestantismo. O movimento liderado por Martinho Lutero fez com que o Catolicismo perdesse grande número de fiéis no continente europeu. Em resposta, a instituição católica tomou uma série de medidas para conter o avanço do protestantismo, o que ficou conhecido como Contrarreforma.
A expressão mais forte de contenção da ameaça ao catolicismo foi o Concílio de Trento (1545-1563), ocorrido em Trento, na Itália[19]. O objetivo principal da Igreja com esta organização era barrar a proliferação das ideias protestantes e evitar que estas chegassem ao “Novo Mundo”. Para isso, os jesuítas eram missionários e educadores encarregados de catequisar e reeducar países inteiros na fé católica (FERREIRA JR, 2007, p. 9-10). Assim, sua atuação foi de suma importância para o surgimento do sistema educacional brasileiro e a consequente difusão e imposição da fé cristã no Brasil Colônia.
Enviados para catequização dos habitantes indígenas, os jesuítas chegaram ao Brasil na companhia do Governador-Geral, Tomé de Souza, em 1549 (CÁCERES, 1993, p. 58-59). Aqui, foram os grandes responsáveis pelo desenvolvimento do sistema educacional e pela fundação de grandes e importantes colégios no período colonial, com o papel de “salvar almas” estabelecendo a moral e os bons costumes em terras recém descobertas. Para isso, houve imposição de todo um arcabouço cultural baseado na moral cristã, incorporando os convertidos ao corpo da Igreja Católica. Segundo Certeu, com as campanhas escolares e missionárias da Igreja, “uma unidade nacional é então promovida e delimitada pela aquisição, inicialmente catequética, do conhecimento. O ‘resto’ será rejeitado para o folklore ou eliminado” (CERTEAU, 1982, p. 121).
Com o início do Período Imperial (após a declaração de independência) restou promulgada a primeira constituição brasileira, datada de 25 de março de 1824 (FAUSTO, 1995, p. 149). Logo em seu artigo 5° instituiu-se que “a religião católica, apostólica, romana continuará[20] a ser a religião do Império”. A Igreja Católica passa, oficialmente, a ser um dos principais pilares do Estado, ou ainda, um dos seus “principais aparelhos ideológicos” (SOUZA, 2006, p. 1215).
No que tange à educação, ainda sob os moldes coloniais continuou a se dar sob o motivo religioso: “o que se faz na Escola é o Ensino da Religião Católica Apostólica Romana” (SOUZA, 2006, p. 1215). Como meio de evangelização, o legislativo empreendeu esforços para a aprovação da lei de 15 de outubro de 1827 que tratava da criação das escolas em terras brasileiras.
Dentre as funções estabelecidas aos professores, o artigo 6º estabelecia a responsabilidade destes no ensino dos “princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana”. É neste contexto de estabelecimento forçado do cristianismo, de submissão da educação a preceitos cristãos e de dizimação da cultura em prol da hegemonia católica, que se chega ao Brasil República.
2.2. Período Republicano
Com o advento da República, em 15 de novembro de 1889 (FAUSTO, 1995, p. 261), inspirado em ideias liberal-positivistas, foi publicado o decreto n° 119-A, de autoria de Ruy Barbosa, então Ministro da Fazenda do Governo Provisório, que dissolveu a união entre Estado-Igreja vigente até então no país. O intuito não era tornar o Brasil um Estado Ateu, mas um Estado leigo quanto à matéria religiosa, e, em seu primeiro artigo proibiu[21] o Governo Federal de editar leis, regulamentos ou ainda atos administrativos de matéria confessional. O decreto foi uma prévia do que iria ser consolidado um ano depois, com a promulgação da primeira constituição republicana (SOUZA, 2007. p. 160-163).
A Constituição de 1891 foi elaborada por uma comissão de cinco pessoas e revisada por Ruy Barbosa, vindo a ser aprovada pela Assembleia Constituinte em 24 de fevereiro de 1891 (FAUSTO, 1995, p. 249). O texto constitucional afirmou o disposto no Decreto 119-A e delineou as linhas de separação entre as duas instituições (Estado-Igreja), o que fez dela um marco para a laicidade do Estado Brasileiro, seguida por todas as outras constituições nacionais. No tocante ao ensino religioso, ocorreu importante modificação em relação à constituição anterior, pois o artigo 72, §6 do texto constitucional assim dispôs: “será leigo o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos”. Sendo assim, a Constituição de 1891 determinou a secularização da educação brasileira.
Ocorre que, no Brasil, a década de 20 foi marcada por constantes conflitos políticos tendo em vista o grande descontentamento por parte dos estados do Sul e da elite industrial que estava surgindo, com o regime de alternância de poder adotado pelos estados de Minas Gerais e São Paulo, conhecido por política do “café com leite” (ROSA, 2011, p. 84-86). Assim, esta fase de instabilidade política foi vista pelo clero como momento propício para a articulação de estratégias políticas e para obtenção de suas aspirações com o fim de “alterar o modelo de Estado laico adotado em 1889” (ROSA, 2011, p. 86). Tal articulação passou a ser prioridade da Igreja local que contou com agentes enviados pela Santa Sé para manter e consolidar relações com o governo brasileiro (ROSA, 2011, 86-96).
Além das relações políticas, a Igreja voltava seus olhos, com preocupação, para as relações de cunho social. Era época do avanço do espiritismo, do protestantismo e do comunismo em terras brasileiras, bem como do anticlericalismo difundido pela imprensa. Desse modo, passou a se empenhar em lutas contra pautas contrárias aos seus dogmas e interesses, como, por exemplo, a insistência do ensino religioso e sua volta à ordem constitucional (ROSA, 2011, 86-96).
Após o golpe de 1930, que colocou fim à alternância de poderes entre governantes dos estados de Minas Gerais e São Paulo[22], assumiu como chefe do governo provisório Getúlio Vargas, que detinha, entre suas bases de apoio, a Igreja Católica. Esta instituição foi responsável pela condução de seus fiéis ao apoio do governo então vigente, sendo que, como retribuição, ganharia certo fortalecimento advindo de medidas públicas adotadas, como por exemplo, a permissão do ensino religioso nas escolas públicas (FAUSTO, 1995, p. 332-333).
Era preciso iniciar um processo de constitucionalização capaz de legitimar e dar status de regime legal ao novo governo. Nesse novo cenário, a Igreja passou a buscar articulação política para a defesa de seus interesses na nova constituição. Em reunião ocorrida no Rio de Janeiro, em 1931, entre os membros da Igreja, reivindicaram uma carta ao presidente da república buscando a promulgação da nova constituição “em nome de Deus”, bem como, entre os vários pedidos, que nas escolas fosse ministrado o ensino religioso (ROSA, 2011, p. 168-188).
Deste modo, a primeira conquista legal da Igreja Católica foi com o decreto 19.941, de 30 de abril de 1931, o qual estabeleceu o ensino religioso de inscrição facultativa nas escolas brasileiras e autorizou às autoridades eclesiásticas estabelecer os programas, manuais, professores e ainda “fiscalizar a fidelidade à doutrina e à moral” (PAULY, 2004, p.175). Mais tarde, em 1934, preambularmente “pondo a confiança em Deus”, foi promulgada a nova constituição que, em seu artigo 153, restabeleceu o ensino religioso de caráter facultativo, outrora concedido por meio de decreto, vindo a ganhar status de direito constitucional. Todas as outras constituições brasileiras mantiveram a previsão constitucional do ensino religioso desde então.
A Constituição de 1937 estabeleceu a possibilidade do ensino religioso como matéria do curso ordinário das escolas primárias, normais e secundárias. Acrescenta que não poderá constituir objeto de obrigação para mestres ou professores, nem frequência obrigatória por parte dos alunos.
O Texto Magno de 1946 disciplinou a matéria no artigo 168, V: “o ensino religioso constitui disciplina dos horários das escolas oficiais, é de matrícula facultativa e será ministrado de acordo com a confissão religiosa do aluno, manifestada por ele, se for capaz, ou pelo seu representante legal ou responsável”. O mesmo se deu em 1967, com o seguinte texto “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas oficiais de grau primário e médio” (Art. 167, §3°, IV).
Como se vê, após a reaproximação da religião e da educação nacional realizada no governo Vargas, pelo decreto 19.941/31 e confirmado pela Constituição de 1934, tornou-se comum nas constituições posteriores a previsão do ensino religioso nas escolas públicas brasileiras e com a Constituição de 1988 não foi diferente. Ocorre que o texto constitucional e as legislações infraconstitucionais não deram maiores contornos a respeito do tema, deixando-o à mercê da própria sorte.
Há que se refletir que a situação, na prática, é extremamente problemática quando se depara com o ensino infantil, pois a educação religiosa prevista na constituição pode vir imersa em repetições de claros discursos de segregação ou ainda em “preconceito velado no âmbito escolar”, nesse sentido “o preconceito existe a partir da incorporação, anexação de padrões estabelecidos de valores, sentimentos, ideias”, de modo que “vão perpetuando-se e sendo disseminados por pais, professores, pessoas do convívio social no qual se está inserido”, (RODRIGUES; LOPES, 2015, p.126). Portanto, a aplicação do ensino religioso no ensino fundamental das escolas públicas, como previsto no texto legal, abre a possibilidade de transformação do ambiente escolar em ambiente de segregação, hostil à pluralidade dos saberes religiosos, podendo trazer profundas marcas na formação e construção do ser.
3.1. Aspectos constitucionais e infraconstitucionais e o silêncio legislativo
No artigo 210, §1°, da Constituição Federal de 1988, ao tratar “da educação, da cultura e do desporto”, o legislador confirmou que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental”. O que se extrai do texto é que o ensino religioso nas escolas públicas deve ser oferecido obrigatoriamente pelo Estado no ensino fundamental, sendo a frequência dos alunos facultativa (SAD, 2009, p. 2269). Assim, aquele que não deseja realizar a matrícula em matéria confessional deve ter este direito intocado, respeitada sua liberdade religiosa. Por outro lado, o crente tem o direito de requerer o ensino religioso em sua educação básica.
Ocorre que, a Constituição de 1988 não traçou maiores contornos sobre o tema, deixando lacunas de como este ensino deveria ser realizado, por quem seria ministrado, qual conteúdo seria ensinado e quais atividades seriam desenvolvidas por aqueles alunos que não optassem pelo ensino religioso. Cabe explicar que o ensino religioso pode se apresentar em três modalidades: ensino confessional, interconfessional e supraconfessional.
O ensino confessional, com viés catequético, aborda uma única religião, com apresentação de doutrinação específica (adotado, em regra, pelas escolas confessionais) [23]. Já o interconfessional, tem viés teológico, no qual se apresenta uma noção geral do “divino”, com diálogos ecumênicos, através dos quais as religiões mais comuns (majoritárias, com maior projeção político-social) são estudas e debatidas. Por fim, tem-se o ensino supraconfessional, com viés científico, em que a análise das religiões não se dá no plano teológico ou de crença, mas com análises científicas (estudos das histórias das religiões, antropologia religiosa, análises sociológicas, etc. entram nesta modalidade).
Diante da omissão constitucional, foi editado em 1996, pelo Ministério da Educação, a Lei Federal 9.394/96, ou Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB-EN), que pouco resolveu a questão. Em seu texto original, trazia:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter:
I – confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou
II – interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa.
Ocorre que o dispositivo logo foi alterado, pois restou percebida a sua inconstitucionalidade, por estabelecer a relação de dependência entre o Estado e as organizações religiosas, bem como, por negar a forma pluralista da sociedade religiosa brasileira (ZYLBERSZTAJN, 2012. p. 152). O texto então foi reformado, dispondo:
Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso.
Percebe-se que o legislador retirou a vedação de a disciplina constituir ônus aos cofres públicos – o que “abre possibilidade de recursos públicos dos sistemas para essa oferta” (CURY, 2004, p. 186). Outro ponto importante, e preocupante, foi a opção de incumbir aos poderes públicos de cada sistema de ensino a tarefa de regular o conteúdo da disciplina religiosa, bem como, de habilitar e admitir professores, sendo omisso quanto à qualificação destes (CURY, 2004, p. 186).
Esta descentralização da competência de estabelecimento dos conteúdos religiosos e admissão dos professores a cada sistema de ensino (estatal e municipal), por si só, gera grandes problemas e dificuldades práticas frente ao princípio laico brasileiro. A legislação, ao direcionar a reponsabilidade de confecção dos conteúdos ministrados pela disciplina a cada sistema de ensino, oportunizou a ocorrência de anomalias devastadoras à educação do país. O ensino religioso seria ofertado nas mais diferentes formas em todo o país ante a ausência de unificação a nível nacional. Assim, cada gestor de escola, valendo-se da discricionariedade em compor o conteúdo da disciplina e admissão de professores, poderia impor, a partir de interesse próprio ou de outrem, determinada crença a todos os alunos da unidade, indo de encontro à toda gama de liberdades que a Constituição prevê.
Destaca-se que muitos professores que professam confissões religiosas predominantes podem repelir conhecimentos que afrontem sua fé, o que tornaria a disciplina um veículo (a mais) de perpetuação (ou ao menos de tentativa) de manutenção no poder, onde conteúdos “menos ou mais ‘pertinentes’ sejam tratados de forma camuflada, dependendo de quem seja o professor” (RODRIGUES; LOPES, 2015, p.134-135). Assim, a qualidade das aulas, a forma que será ministrada, o que será objeto de estudo e quais serão os reais objetivos deste ensino, ficariam à mercê da própria sorte, podendo esta reverter-se de acordo com cada instituição de ensino. Fica a aplicação e o ensino do conteúdo sob o crivo discricionário do professor (servidor público) que, como observado, pode impor sua visão de mundo, marginalizando as demais.
É o que se verificou, por exemplo, em pesquisa realizada em escolas dos municípios gaúchos de Porto Alegre, São Leopoldo e Alvorada. Segundo os autores da pesquisa, foi observado que, ante a falta de normas nacionais que regulam o ensino religioso no país, há grande autonomia dada pela direção da escola aos professores da disciplina para que estes formem, como bem entenderem, o currículo do ensino religioso. Pôde-se perceber, como resultado desta autonomia, que alguns professores “criam programas bastante interessantes e adequados aos adolescentes”. Por outro lado, há docentes que, levando em conta sua crença particular, “fazem programas mais estreitos, que com facilidade deixam de lado aspectos importantes do respeito pela diversidade religiosa, e que privilegiam de modo declarado as religiões cristãs, com ênfase na católica romana” (SEFFNER; SANTOS, 2012, p.72-73).
Na mesma pesquisa, é esclarecido que há o consenso entre professores e alunos a respeito do conteúdo a ser ministrado: “valores”. Embora o termo seja genérico, importante perceber que esta percepção de caráter moralizante da disciplina leva à errônea conclusão de que “os valores, a ética, as regras de sociabilidade são intrinsecamente religiosos, não havendo possibilidade de sua discussão fora do campo religioso”, o que segundo os pesquisadores, “constitui grave equívoco, ainda mais quando pensamos no ordenamento político republicano brasileiro, na noção de república e coisa pública” (SEFFNER; SANTOS, 2012, p.74-76).
Outras problemáticas são, ainda, travadas, como o uso do ensino religioso enquanto disciplina “coringa” usada para preencher “buracos” na grade curricular, servindo para que muitos professores, como forma de complementação de carga horária, se responsabilizem pelo ensino da disciplina religiosa. O resultado é, pois, aulas de Matemática, História, Língua Portuguesa e outras disciplinas que nada têm com o ensino religioso, desvirtuando completamente o dispositivo constitucional (SEFFNER; SANTOS, 2012).
Ademais, a respeito do conteúdo da disciplina e admissão dos professores – muitas discussões doutrinárias têm sido travadas a respeito. Posições como de Anna Cândida da Cunha Ferraz (FERRAZ, 1997, p.19-47) defendem que o ensino religioso deveria ser disciplinado de maneira confessional e por membros da própria denominação religiosa, pois, caso fossem abordados pela matéria religiosa apenas aspectos históricos e sociais das religiões, tal disciplina não necessitaria de previsão constitucional. O constituinte teria, portanto, optado pelo ensino confessional em que o Estado deveria adotar uma postura neutra e negativa frente ao conteúdo disciplinado, sendo sua função apenas fiscalizatória para garantir a ordem do estabelecimento e a promoção de direitos fundamentais.
No entanto, para a autora, a contratação destes membros religiosos não poderia se dar por meio de concursos públicos, sob pena de ferir o artigo 19, I, da CRFB/88, que veda o Estado em estabelecer vínculo com entidade religiosa. A solução, segunda ela, seria abrir os espaços escolares às entidades religiosas, sendo de competência destas a escolha do membro que disciplinaria a matéria. Porém, esta visão não deve prosperar, uma vez que também se configura claro estabelecimento de relação e subsídio por parte dos entes públicos às matrizes religiosas, pois se valeriam das instituições de ensino, um espaço público, para suas práticas religiosas e disseminação de sua fé, o que é expressamente vedado pela Constituição Federal no artigo 19, inciso I.
Por outro lado, posições como de Joana Zylberstztajn (ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 150-168), Iso Chaitz Scherkerkewitz (SCHERKERKEWITZ, s.d, n.p) e Marco Huaco (HUACO, 2008, p. 63), condenam a prática do ensino religioso sob o molde doutrinal, alegando ruptura da neutralidade e laicidade do Estado. Creem em um ensino religioso voltado para a ciência e história das religiões, levando-se em conta aspectos gerais como “valores éticos e morais de caráter cívico e laico” (HUACO, 2008, p. 63), de modo a promover o desenvolvimento do ser humano e o respeito às diferentes religiões, caso contrário – se fosse de caráter confessional – estar-se-ia diante de uma afronta ao artigo 33 da LDB-EN que veda o proselitismo religioso nas escolas públicas.
Além do mais, segundo os autores, a contratação dos professores deveria ser feita por meio de concursos públicos no qual seria cobrado dos candidatos o conhecimento de aspectos gerais das mais diversas religiões professadas pelo povo brasileiro como as religiões cristãs, budistas, judaicas, de origens africanas, entre outras. Isto por entender que a liberação dos espaços escolares para membros religiosos favoreceria aquelas denominações hegemônicas, com maiores recursos e maior instrumentalização para o preparo de seus membros, pois, em aspectos práticos, seria inviável uma escola oferecer aulas de todas as matrizes religiosas, cada qual contando com seu representante espiritual. Assim, de certa forma, “ainda que se garanta a igualdade formal de não financiamento a nenhuma confissão, a igualdade material permanece prejudicada” (ZYLBERSZTAJN, 2012, p. 154).
Outro ponto importante para os autores é o possível constrangimento moral que o aluno, ao optar por não se matricular no ensino religioso, ou por matricular-se em religiões não hegemônicas, poderia sofrer. “A realidade demonstra que quando a escola pública não é laica se produz anomalias como discriminação de alunos que não professam a religião dos demais companheiros de classe”, sendo que tal discriminação pode se dar, por exemplo, no simples fato de “revelar as próprias convicções religiosas ou de consciência para solicitar a exoneração das disciplinas religiosas” (HUACO, 2008, p.75).
3.2. Propostas para o ensino religioso na atual conjuntura constitucional
Para solucionar estes conflitos, a Procuradoria Geral da República (PGR) propôs uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4439), em 2010, na qual questiona o artigo 33, § 1° e §2°, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), bem como, o artigo 11 do Decreto n° 7.107/2010. Este é fruto de um acordo estabelecido entre Brasil e Santa Sé, cujo status é de tratado internacional, que dispõe:
Art. 11. A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação.
O pedido da PGR é para que o Supremo Tribunal Federal interprete o artigo 33, § 1° e § 2° da LDB e o artigo 11 do decreto 7.107/2010 de modo a entender que “o ensino religioso nas escolas públicas só pode ser de natureza não confessional, com proibição de admissão de professores na qualidade de representantes das confissões religiosas” (BRASIL, 2010b, p.1). A seu posto, caso o STF decida pela improcedência do pedido, subsidiariamente requer a retirada do trecho “católico e de outras confissões religiosas” constante no artigo 11, do decreto 7.107/2010.
A peça inicial da ação de inconstitucionalidade, de autoria da então procuradora geral da república Débora Duprat, alega que o único sistema que se compatibiliza com o caráter laico do Estado é o não confessional, por não implicar estabelecimento ou subvenção de qualquer denominação religiosa. Nele deveriam ser estabelecidos conteúdos que levassem às salas de aula a exposição “das doutrinas, das práticas, das histórias e de dimensões sociais das diferentes religiões”, até mesmo “posições não-religiosas” de modo a explicar, por exemplo, o ateísmo e o agnosticismo. Apenas assim, segundo Duprat, estar-se-ia respeitando a real função da educação, que é formar cidadãos autônomos, capazes de proferir suas escolhas e decisões de maneira crítica (BRASIL, 2010b, p.1). Ocorre que, até o presente momento, a ação encontra-se em tramitação no Supremo Tribunal Federal, aguardando julgamento[24].
Na prática, o que se tem visto é a adoção do sistema confessional por diversos Estados e Municípios brasileiros. Como exemplo mais emblemático, tem-se a lei estadual do Rio de Janeiro, n° 3.459, de 12 de setembro de 2000. O texto legal determinou, em seu primeiro artigo, que neste estado o ensino religioso, de matrícula facultativa, seria disponível “na forma confessional de acordo com as preferências manifestadas pelos responsáveis ou pelos próprios alunos a partir de 16 anos”.
A referida lei, ao tratar das condições impostas ao professor da matéria religiosa, em seu artigo 2°, instituiu que fossem “credenciados pela autoridade religiosa competente, que deverá exigir do professor, formação religiosa obtida em Instituição por ela mantida ou reconhecida”. No artigo 3°, afastou, ainda, a responsabilidade do Estado em elaborar o conteúdo do ensino, deixando a obrigação para a entidade religiosa, “cabendo ao Estado o dever de apoiá-lo integralmente”.
Os artigos supracitados também estão sendo objeto de ação de inconstitucionalidade no STF (ADI 3268-2). Proposta pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, a ação baseia-se no fato de que o legislador, ao optar pelo modelo confessional e estabelecer como condição para o professor a formação religiosa na Instituição clerical, desobedeceu ao disposto na lei 9.393/96 (LDB-EN), bem como, aos artigos 5°, VIII; 19, I e 210, §1°, todos da Constituição Federal. Isto porque estabeleceu relação de dependência ou aliança com as denominações religiosas e restringiu direitos por motivo de crença religiosa ao promover “distinções com base no credo dos cidadãos para permitir-lhes ou negar-lhes acesso ao cargo de Professor de Ensino Religioso” (BRASIL, 2004, p. 3), proibidos em um Estado Laico e Democrático de Direito. No entanto, a ADI 3268-2 também se encontra em tramitação no STF, estando concluso ao relator.
4. A (IM)POSSIBILIDADE DO ENSINO RELIGIOSO E A VIABILIDADE DO ENSINO DE DIREITOS HUMANOS COMO ALTERNATIVA.
Quando se traz à discussão as aplicabilidades práticas do artigo 210, §1° da Constituição Federal, “a própria ideia de um ensino religioso é associada a uma imposição ao meio escolar, oriunda mais de preocupações político-religiosas do que verdadeiramente de uma formação integral e integradora dos educandos”. Não obstante, soma-se a isso a problemática envolvendo a forma que será ministrada essa disciplina “em um país de inúmeras formações, bases culturais ou religiosas, enfim, em um país de pluralidades, onde qualquer fenômeno adquire proporções equiparáveis às de um continente” (DOMINGOS, 2009, p.60).
Assim, entre as várias interpretações e discussões a respeito do tema, busca-se contradizer os modelos - confessional, interconfessional, e supraconfessional - propostos para o ensino religioso nas escolas primárias. Ainda, cabe colocar em xeque o próprio dispositivo constitucional que torna obrigatório o oferecimento de disciplina religiosa aos alunos das escolas públicas. Isto se justifica, uma vez que a própria Constituição, ao garantir outros direitos, como o direito à liberdade de crença, de consciência, de culto, à igualdade e, também, ao adotar um modelo laico e democrático, se opõe à citada previsão. De antemão, cabe ressaltar que o que está sendo defendido não é uma escola sem religião, ou ainda hostil a esta, mas sim uma escola sem imposição religiosa que poderia advir da precariedade do ensino religioso, bem como da disputa de fiéis dentro do ambiente escolar.
4.1 O ensino religioso confessional e o interconfessional
Como trabalhado no presente texto, o princípio constitucional brasileiro da laicidade veda, no artigo 19 do Texto Magno, a confusão ou união do Estado com entidades religiosas de modo a garantir as plenas liberdades do ser. Em se tratando de ensino religioso nos moldes confessional ou interconfessional, sua própria gênese fere completamente a laicidade do Estado, tendo em vista o claro estabelecimento de relação com entidades religiosas e de concessão de subsídio[25] para suas práticas no interior de prédios públicos. Envolve, além, a ideia implícita de pregação de valores atrelados ao ensino religioso como se apenas por meio das religiões alcançaria uma consciência ética e moral voltada para o bem, caracterizando assim, por si só uma discriminação velada.
Mesmo no sistema interconfessional, que pretende a formação religiosa plural, há clara relação com entidades religiosas, pois seriam estas, e apenas estas, os responsáveis pelo estabelecimento do conteúdo ensinado de acordo com valores comuns das religiões. Resta óbvio que, pela facilidade, a uniformização dar-se-ia apenas entre as religiões cristãs, afastando outras confissões minoritárias por apresentarem visões e filosofias não hegemônicas.
Ademais, no que concerne ao princípio constitucional da igualdade, é, como explicado no presente artigo, impossível garantir representatividade a todas as denominações religiosas ante a multiculturalidade do povo brasileiro. A situação se agrava no ensino confessional, pois, diante da própria forma organizacional e tradicional de cada instituição religiosa, apenas as denominações hegemônicas teriam estrutura suficiente para oferecer docentes à disciplina, o que não seria possível, por exemplo, a religiões afro-brasileiras que, por essência, contêm uma estrutura não organizada e não hierarquizada.
Destaca-se ainda que, quando se fala em ensino confessional[26], as autoridades religiosas serão os responsáveis por oferecer preparo e credenciamento dos professores indicados para ministrar a disciplina de ensino religioso. Pois então, como ficariam as religiões sem autoridade específica (como os espíritas – que não possuem uma autoridade institucional hierárquica)? Como ficaria o caso do judaísmo que é notadamente marcado pela diversidade ideológica (havendo judeus ortodoxos, moderados e sionistas) sem nenhuma autoridade comum para todos?
Quem defende o sucesso do ensino religioso nos moldes confessional ou interconfessional nas escolas públicas, em tese, acredita que representaria ganhos para o sistema educacional por, supostamente, indicar caminhos de comunhão de várias crenças. Ocorre que a aplicação prática dessa sistemática não é tão fácil quanto aparenta no primeiro momento. Aqui cabe observar que existem crenças dominantes e dominadas, crenças essas que mais dividem do que unem. Assim, a proposta do ensino religioso confessional e interconfessional é, como visto, direcionada para religiões específicas e influentes na sociedade. Desse modo, as demais ficam impedidas de acessar o espaço público, o que ofende os princípios da isonomia e impessoalidade da Administração Pública (ROCHA, 2010, p.82).
O ensino religioso, confessional ou interconfessional, representaria, ademais, uma disputa por novos crentes, além de oportunizar a intensificação do preconceito e discriminação que já existem (de forma velada ou não) nesses espaços. Isto porque “adeptos das religiões afro-brasileiras e de religiões minoritárias, os agnósticos e os ateus parecem aos professores e alunos filiados aos credos dominantes como seres exóticos, frequentemente alvo de chacotas e de estigmas violentos” (CUNHA, 2013, p.935-936).
É o que ocorreu, por exemplo, em uma escola pública de São Bernardo, no estado de São Paulo, em 2012. Ainda que não se tratasse de disciplina religiosa, um adolescente de 15 anos, praticante do candomblé, passou a ser vítima de bullying após se recusar a seguir o ritual religioso – que compreendia leitura da bíblia e pregação evangélica - realizado por uma professora antes de dar início às aulas de história. Como resultado da violência praticada pelos colegas, o aluno passou a ter problemas na fala, no apetite e tiques nervosos (RIBEIRO, 2012, n.p).
O fato demonstra total despreparo à aceitação e ao respeito da multiculturalidade religiosa dentro das instituições educacionais por parte dos próprios professores, o que poderia ser agravado ao se propor ensino religioso nestas entidades públicas. O combate à intolerância religiosa e a criação de uma consciência de respeito à diversidade devem ser trabalhados nos mais diversos setores da sociedade, inclusive nas escolas. No entanto, acredita-se que a ferramenta mais adequada para esse objetivo não seja a imposição da disciplina religiosa nas escolas públicas, ainda mais se tratando de ensino infantil.
Luiz Antônio Cunha apresenta um dado interessante para colocar em xeque a funcionalidade do ensino religioso no sistema educacional. As respostas aos questionários da Prova Brasil indicam que 66% das escolas oferecem ensino religioso, nas quais mais da metade dos diretores (51%) afirmaram que em suas escolas se faz oração e se canta músicas de teor religioso. Quase metade dos gestores “reconhece que obriga os alunos” a frequentar as aulas de ensino religioso[27] e a maioria (79%) não oferece nenhum tipo de atividade alternativa para os estudantes que não queiram participar das aulas de Ensino Religioso (2013, p.935-936). Esses dados demonstram a fragilidade de se acreditar na efetividade desse tipo de sistemática em escolas públicas e põem em dúvida o cumprimento do caráter facultativo da disciplina.
Ademais, as pesquisadoras Debora Diniz, Tatiana Lionço e Vanessa Carrião, por meio da Universidade de Brasília (UNB), realizaram uma pesquisa a respeito dos materiais didáticos oferecidos ao ensino religioso. Importante esclarecer que todo material didático, de qualquer disciplina, necessita da aprovação do Programa Nacional do Livro Didático, com exceção de uma matéria: a religiosa. O resultado é desolador. “Cedendo ao ímpeto catequizador das religiões, os estados criaram um ensino religioso que ignora a diversidade e o pluralismo cultural da sociedade brasileira, estimula a intolerância e transmite preconceitos” (LAICIDADE, 2011, p.60).
A análise se deu em 25 livros com os títulos mais aceitos pelo Governo Federal, a partir da qual se verificou que entre as citações referentes aos grupos religiosos, os de religião cristã são citados 609 vezes, com uma porcentagem de 65% da citações, enquanto religiões afro-brasileiras aparecem 30 vezes, sendo a porcentagem de 3%, seguida pelas religiões indígenas com 21 citações, o que se refere à apenas 2% de presença nos livros didáticos[28] (LAICIDADE, 2011, p.60).
Para as autoras, “o ensino religioso não só tornou a escola pública um espaço de disputa entre crenças, mas permitiu a preponderância das religiões cristãs e o silenciamento de outras religiões minoritárias”. Soma-se a isto os trechos de cunho preconceituoso apresentados nos livros ‘didáticos’, como por exemplo, tratar a homossexualidade como desvio moral em que o indivíduo apresenta “conflitos internos” (LAICIDADE, 2011, p.62). Resta óbvia a falência desta disciplina quando trazida à luz da realidade brasileira.
Ainda, quanto ao ensino confessional, este é inviável, pois obrigaria a abertura das escolas para (sob o risco de ser discriminatória) todos os credos organizados (o que já excluiria os credos não organizados), o que significariam dezenas de possíveis professores e turmas que teriam que ser abertas independentemente de quantos alunos inscritos, o que geraria gastos contínuos de recursos – ainda que não fosse pago salário aos professores. Portanto, na prática, ocuparia espaços e recursos (humanos e materiais) que já são precários na educação pública.
O ensino interconfessional, por sua vez, se mostra igualmente problemático em razão da delicadeza do tema. De sua proposta, como ensinamento de valores comuns das religiões de forma ecumênica, pressupõe-se que existiriam diretrizes expostas metodologicamente, em um processo de aprendizagem que atendesse a diversidade cultural, no qual o elemento religioso colabora na constituição do sujeito. Não obstante, se esquece de considerar que “a mentalidade de quem irá ministrar tais aulas pode não acompanhar esse ‘rigor cientifico’, teoricamente totalmente desvinculado de valores pessoais” (RODRIGUES; LOPES, 2015, p.133). Assim, a depender do professor e a maneira que é ministrada a disciplina, esta poderia não contemplar valores de grupos minoritários, correndo-se ainda o risco de afronta aos integrantes de outras religiões não abordadas (especialmente as não cristãs, as de matriz africana) e os que não possuem crenças (ateus) (RODRIGUES; LOPES, 2015, p.134).
4.3. Ensino religioso supraconfessional
A proposta de ensino supraconfessional como ciência (ou História) das religiões, dentre os modelos pode se apresentar o menos nocivo ao ideal de laicidade do Estado bem como à garantia das liberdades laicas dos alunos. No entanto, ressalta-se que mesmo este modelo pode apresentar falhas quando trazido à realidade do sistema educacional brasileiro.
A formação de “cientistas da religião” no Brasil é ainda pequena[29], não sendo oferecida em todos os estados da federação, levando-se assim a um pequeno quadro de profissionais capacitados a nível nacional, o que traria grandes problemas práticos em sua aplicação, principalmente em cidades do interior. Como saída para a falta de professores da área, colocar-se-ia sob a responsabilidade da disciplina profissionais que não têm relação com o assunto central. Então, haveria o desvirtuamento da real função do ensino, sendo ministradas diversas disciplinas alheias ao tema - como matemática, língua portuguesa, história -, ou até mesmo a volta ao sistema confessional ou interconfessional, com o ensinamento de doutrinas e valores religiosos hegemônicos.
Outro ponto importante resguarda os conteúdos que podem ser exigidos desses professores em concurso (ementas do edital), especialmente “por não consagrar uma religião como a única ou oficial, o Estado brasileiro não tem como minimante definir por conta própria os conteúdos da matéria religiosa a ser lecionada”. Logo, não se teriam parâmetros para as “provas que compõe o concurso para admissão na carreira de magistério de ensino religioso”, uma vez que seriam as diversas confissões religiosas a “fixar os critérios e conteúdos a serem exigidos dos candidatos” (PÊCEGO, 2014, p.55). Novamente, teríamos ofensa ao princípio da vedação de relações de dependência ou aliança entre Estado e Igreja[30].
Há, ainda, a falta de critérios objetivos para se apresentar uma ementa que possa dialogar com o respeito religioso e a liberdade de crença dos envolvidos, inclusive que esteja de acordo com a faixa etária do público alvo: alunos do ensino fundamental de 6 a 14 anos. São descabidas, portanto, visões e teorias antropológicas, sociais, históricas muito complexas, pois seriam incompreensíveis à maturidade dos alunos. Além do mais, as religiões, em regra, se baseiam em um “gênesis” místico e fantástico, que pode ser contestado por argumentos históricos. A negação da origem mística das religiões poderia soar como ofensiva por, subliminarmente, dizer que são “fantasias”.
Ademais, não deve prosperar a ideia de que a intenção do constituinte, ao prever o ensino religioso nas escolas, se referiria ao ensino supraconfessional, cujo objetivo principal seria o de promover a cidadania do indivíduo e a tolerância religiosa no país. Como aduz acertadamente Ferraz (1997), para isso não é necessária norma expressa no texto maior de um Estado Democrático de Direito, nem mesmo se explica a ressalva do caráter facultativo à matéria religiosa já que não assiste razão alguma deixar à discricionariedade do aluno e dos pais a inscrição em uma matéria que, em tese, nada teria com promoção de valores religiosos.
Observa-se que o próprio recorte histórico do ensino religioso mostra que seu retorno enquanto matéria constitucional se deu no governo de Getúlio Vargas, como forma de retribuição ao apoio por ele recebido da Igreja Católica. Mesmo com o advento de outras constituintes, esta previsão constitucional vem se arrastando nos textos legais até os dias de hoje. O referido dispositivo é, pois, fruto de estratégias políticas e jogo de interesses estabelecidos pelos representantes brasileiros que, como é notório, muitas vezes imerge seus atos públicos em sentimentos religiosos.
4.4. A alternativa do ensino dos direitos humanos à luz de breves considerações hermenêuticas
A despeito da existência de menção no texto constitucional[31] (Art. 210, §1º), é fácil perceber que a própria hermenêutica constitucional veda a aplicação do ensino religioso em espaços públicos, mesmo que em parâmetro “facultativo”. A justificativa do ensino religioso na escola pública é uma falácia, como observado, que deve ser desconstruída, especialmente por partir de uma premissa discriminatória. Observa-se que a afirmação de que o ensino religioso permite uma formação cidadã e humanitária afirma, em contrapartida, que pessoas sem formação religiosa não são cidadãs ou não seriam “boas”[32]. Essa visão é, pelo próprio sentido da vedação à discriminação por orientação (profissão) religiosa, inconstitucional (PAULY, 2004, p.174).
Outro ponto que merece observação na presente análise é a existência de necessidade imperiosa ou não de se obedecer ao dispositivo constitucional. A CRFB/88, como exaustivamente apresentado acima, traz diversos elementos que colocam a aplicabilidade do ensino religioso em dúvida. A mesma Lei Magna estabelece a vedação que o Estado discrimine e promova determinada religião ou profissão religiosa, ou seja, aquele não pode nem incentivar, nem proibir (Art. 19, I e III). Nesse sentido, a escola, como espaço público que eminentemente deve ser agregador e não segregador, não pode permitir ser palco de promoção de discursos ideológicos-religiosos[33].
As escolas públicas, pensadas dentro do ideal de acesso universal, ao contrário daquelas confessionais, devem estar abertas a uma formação cidadã. Permitir a propagação religiosa por meio de uma disciplina específica, seja confessional ou interconfessional, criaria distinções entre pessoas (crentes e ateus) e estabeleceria preferência entre eles (os crentes são melhores que os não crentes), em clara afronta ao texto constitucional. Há a necessidade de, novamente, reforçar que a escola não deve ser hostil às manifestações religiosas, podendo, por exemplo, estar presente em trabalhos e feiras escolares, apresentações culturais, entre outros, no entanto, quando se põe a religião como disciplina obrigatória nas escolas brasileiras, sujeita inclusive à aprovação por meio de provas, esta se mostra totalmente descabida.
A hermenêutica constitucional afasta a aplicabilidade do dispositivo que prevê o ensino religioso, como se observa ao analisar outros dispositivos como liberdade religiosa, vedação de subvenção de religiões e a vedação a criar distinção ou preferência entre brasileiros[34]. O ensino religioso na Constituição tem um papel político-simbólico não compatível com o atual contexto democrático, que gera uma anomia jurídica no plano infraconstitucional[35].
Como uma solução não definitiva do assunto, o ensino da matéria de Direitos Humanos nas escolas públicas como meio de emancipação do ser e de desenvolvimento de seu convívio social em uma comunidade heterogênea, se faz muito mais relevante para suprir a necessidade de formar indivíduos capazes de respeitar e tolerar qualquer diferença, inclusive a religiosa.
O ensino dos direitos humanos nas escolas públicas se faz tão imprescindível que o Ministério da Educação estabeleceu por meio da resolução n°1, de 30 de maio de 2012, as diretrizes nacionais para a educação em Direito Humanos em toda e qualquer instituição de ensino, pois, segundo o artigo 9 da resolução, deverá estar presente “na formação inicial e continuada de todos(as) os(as) profissionais das diferentes áreas do conhecimento”. Dentre os princípios que fundamentam a educação em direitos humanos, previsto no artigo 3, destaca-se a finalidade de promover a dignidade humana, a igualdade de direitos, o reconhecimento e valorização das diferenças e das diversidades, a laicidade do Estado e democracia na Educação.
No parecer da resolução, ao tratar da laicidade do Estado como princípio fundamental da educação em Direitos Humanos, a comissão afirma que constitui uma “pré-condição para a liberdade de crença” garantida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos e pela Constituição Federal. O parecer observa ainda que “respeitando todas as crenças religiosas, assim como as não crenças, o Estado deve manter-se imparcial diante dos conflitos e disputas do campo religioso”, no entanto “desde que não atentem contra os direitos fundamentais da pessoa humana fazendo valer a soberania popular em matéria de política e de cultura”. Deste modo, o Estado “deve assegurar o respeito à diversidade cultural religiosa do País, sem praticar qualquer forma de proselitismo” (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 2012, p. 9-10).
Defende-se, então, que a previsão do ensino religioso, seja confessional ou interconfessional, não só fere o princípio da laicidade como produziria anomalias na rede pública de ensino brasileiro. Tal perigo é, pois, afastado quando, para atingir os mesmos objetivos daqueles que acreditam, erroneamente, no sucesso da disciplina, propõe-se o ensino dos direitos humanos, capaz de promover e desenvolver as responsabilidades cidadãs do indivíduo e o respeito às diferenças, sem a necessidade de romper com a laicidade do Estado por estabelecer relação e subsidiar entidades religiosas para o ensino constitucionalmente previsto.
Em um sistema laico e democrático, de modo a respeitar a sociedade plural que a compõe, a educação básica (e o modus operandi dos professores, vez que são servidores – membros do Estado, que é laico) deve ser edificada em aspectos que respeitem a diversidade, jamais em preceitos religiosos (que são potencialmente excludentes), pois estes se baseiam no divino, compreensíveis apenas ao que crê (afastando os que optam por não crer, inclusive).
Assim, não há argumento nem estabelecimento de diálogo democrático com dogmas religiosos (RIOS, 2015, p. 21), razão pela qual, levar às salas de aula do ensino público ensinamentos e fundamentos religiosos (sejam do ponto de vista unitário, seja multifacetado/ecumênico), pela impossibilidade de alcançarem a democracia de acesso, não cumpriria o principal papel da educação: emancipação do ser pautado no desenvolvimento de sua criticidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tema laicidade e Estado é um problema complexo e antigo, que surge como demanda para garantir a liberdade e lutar contra poderes políticos (e religiosos) estabelecidos. O Estado Laico apresenta dificuldades “operacionais” de concretização quando se está diante de uma sociedade multicultural, multifacetada e com diversidade religiosa e de pensamento. Conciliar tantas visões conflitantes se coloca como árduo desafio, especialmente considerando a necessidade de se respeitar o conceito de democracia. O Brasil adota o modelo pluriconfessional, o que reflete tais desafios de gestão da diversidade diante de uma sociedade tão plural. Esses desafios se intensificam dentro da lógica de se proclamar um Estado defensor dos direitos humanos (e das garantias fundamentais) que (in)diretamente estão em pauta quando o tema é “religião”.
As políticas públicas, dentro dessa perspectiva, não devem perseguir nem favorecer qualquer credo (ou qualquer pensamento de cunho religioso ou filosófico), mantendo o Estado em uma postura neutra de atuação. As ações estatais devem resguardar os elementos básicos da liberdade, jamais permitindo que interesses particulares de grupos (religiosos ou não) se sobreponham aos interesses coletivos.
Historicamente o Brasil viveu situações conturbadas quando se analisa a relação de Estado-Igreja, desde tempos coloniais em que a interferência mútua entre esses poderes privilegiou determinadas crenças em prejuízo (e perseguição) de outras denominações não dominantes ou expressivas. A catequização indígena no período colonial e a presença cultural cristã em elementos de formação do Estado Brasileiro ilustram o mutualismo histórico existente entre as instituições, e que passou por um longo processo de superação legislativa e ideológica. Apesar dessa superação, alguns (talvez muitos) resquícios dessa vinculação entre Estado e Igreja ainda permanecem presentes no cenário nacional e necessitam de análise crítica e reflexiva.
O ensino religioso, como abordado, se apresenta dentro de uma lógica estratégica na realidade contemporânea para doutrinação e catequização em ambientes públicos de educação. Essa estratégia de catequização “maquiada” de conteúdo disciplinar implica proselitismo religioso financiado (direta e indiretamente pelo Estado), além de construir um espaço de segregação e discriminação dentro do ambiente escolar, o que não é desejado e nem pode ser tolerado.
O ensino público apresenta muitas fragilidades (e não é preciso muita reflexão para compreender isso), e não tem estrutura metodológica (e, como apresentado, nem maturidade dos gestores escolares) para oferecimento de conteúdos isentos e não tendenciosos. As modalidades do ensino religioso, como observado, estão na contramão do que é apregoado pela CRFB/88, quando esta defende a dignidade da pessoa humana, a vedação a qualquer forma de discriminação.
Os modelos confessionais e interconfessionais, como destacado, são claras estratégias de catequização e proselitismo religioso, sob o argumento de que contribuiriam para uma formação cidadã e para o respeito ao próximo, o que é, por si mesmo, um raciocínio preconceituoso e excludente. O interconfessional, que apregoa o debate de um respeito ao “divino” presente em todas as religiões implica o mesmo erro: presumir que exista uma “divindade” única (visto que para os ateus não existe divindade). Em ambos os casos teríamos apenas a utilização da escola (e do público “cativo” dos alunos) como um palco para pregação religiosa e luta por novos adeptos, o que estigmatizaria os alunos que se recusassem a participar das aulas ou mesmo os que escolhessem participar de aulas sobre religiões socialmente excluídas (as de matriz africana ou mulçumana, por exemplo).
Claro está que valores religiosos podem confundir-se com valores civis - e é importante notar que não raro isto ocorre - no entanto, para ver respeitado a laicidade e a democracia do Estado Brasileiro, a fonte e as razões motivadores dos atos públicos devem ser unicamente os valores civis e não os confessionais. Isto porque o Estado, de modo algum “busca a salvação das almas, mas sim, a máxima expansão das liberdades humanas em um âmbito de ordem pública protegida, ainda que às vezes o exercício de tais liberdades seja contrário aos padrões éticos das religiões” (HUACO, 2008, p. 43).
O ensino religioso supraconfessional, dentro dessa dinâmica de imposição de um “ensino religioso alternativo”, pode parecer a proposta possível, mas não ideal. Essa aplicação de saberes científicos, vez que se propõe isenta de religiosidade e que apenas apresentaria reflexões críticas sobre a história das religiões e seus reflexos sociais, como observado no artigo, entra em uma seara delicada.
Primeiro, pois o pensar crítico de uma religião (notadamente se abordando sua origem histórica e política) leva à negação de sua existência mística e sobrenatural, o que pode configurar ao devoto em desrespeito e ofensa ao seu direito de crença.
Em segundo lugar, a forma como essas disciplinas se dariam seria comprometida pela inexistência de parâmetros nacionais objetivos que garantissem um ensino metodologicamente pensado. Ao deixar a exploração do tema ao arbítrio do professor, como destacado, corre-se o risco de voltar a disciplina para análises religiosas de cunho confessional (ou mesmo interconfessional) cujos problemas já se abordou.
Terceiro, em razão da formação ainda deficiente de docentes com saberes científicos, implicaria contratação de profissionais não especializados em tais conhecimentos (História das Religiões ou Ciência das Religiões), o que resultaria em aulas mal preparadas (e possivelmente tendenciosas), ou até mesmo no ensinamento de outras disciplinas que nada tem a ver com o tema central da disciplina religiosa.
Por ultimo, o nível de profundidade e de maturidade exigido para esse tipo de análise extrapola a realidade encontrada nas escolas públicas, e o próprio grau de maturidade de crianças em idade escolar.
Se uma das justificativas para se oferecer o ensino religioso seria uma formação cidadã, de respeito ao próximo, de preparação para vida em sociedade (plural, como já destacado), o que se observa é que há uma falta de sentido na proposta. Como observado, esse argumento é discriminatório, por reproduzir um pensamento que “pessoas sem deus” são “pessoas ruins”. Tais argumentos fariam muito sentido, como defendido, como elementos da disciplina de Direitos Humanos, que facilmente é adaptável ao nível de idade e maturidade de estudantes de ensino fundamental, especialmente por abordar questões como: racismo, questões de gênero, homofobia, xenofobia, cidadania, entre outros.
Por fim, não se está defendendo uma escola que hostilize qualquer manifestação religiosa, como uma “escola sem partido”. A crítica é a de apresentação da religião como conteúdo disciplinar, em que não há necessária liberdade de pensamento e sim uma presunção de que existem respostas “certas” e “erradas”. A escola pode dar espaço para manifestações religiosas enquanto manifestações culturais, desde que não seja elemento institucional e disciplinar.
O tema ainda possui poucas análises jurídicas, o que compromete o aprofundamento da questão. As referências existentes se desdobram sobre outros olhares (que não os legais) e muitos adotam a saída “fácil” do ensino supraconfessional, que, como demonstrado, não responde a todas as questões.
A presença do ensino religioso na Constituição e a relativa pressão para sua aplicação nas escolas públicas claramente é direcionada e sustentada por interesses políticos, como foi sua inserção no texto constitucional. A abordagem, muito relevante, não foi possível no presente trabalho, mas merece estudo específico, e se espera que o presente artigo possa contribuir como um estudo de base ou inicial, de alguma forma, com tais estudos derivados.
Como se verifica, trata-se de um tema tortuoso e complexo, e nesse sentido o presente resultado de pesquisa não se pretende conclusivo ou definitivo sobre a questão. A proposta é de contribuir para os debates nacionais, apresentando um questionamento sobre a inaplicabilidade de adoções alternativas de ensino religioso (seja confessional, interconfessional ou supraconfessional), numa proposição que supere o elemento religioso, garantindo assim a laicidade do Estado, com a adoção de propostas de ensino de Direitos Humanos. Ainda que não seja possível trazer uma resposta definitiva, o artigo espera ter contribuído para o amadurecimento das reflexões indicando as fragilidades das propostas estabelecidas para dar uma resposta à previsão constitucional (que, como visto, hermeneuticamente nem mesmo se justifica) que reflete muito mais a uma figuração política e simbólica do poder religioso no Brasil.
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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PGR ajuíza ações contra obrigatoriedade de Bíblia em escolas e bibliotecas públicas. Notícias STF. 12 de março de 2015. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=287170>. Acesso em: 08 nov. 2016.
VECCHIATTI, Paulo Roberto Iotti. Tomemos a sério o princípio do Estado laico. Revista JusNavigandi, Teresina, ano 13, n. 1830, 5jul.2008. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/11457>. Acesso em: 19 ago. 2016.
ZYLBERSZTAJN, Joana. O Princípio da Laicidade na Constituição Federal de 1988. 2012. 226 f. Tese (Doutorado em Direito) – Departamento de Direito do Estado, Universidade de São Paulo. São Paulo. 2012.
[1] Em momento algum se afirma que as religiões motivem e/ou incentivem ataques terroristas, apresentando-se tais acontecimentos como deturpações de ideais religiosos que servem a interesses egoísticos de determinados grupos (que se auto intitulam como intérpretes do Sagrado). Também se destaca que o uso de terrorismo não é exclusivo para grupos mulçumanos, sendo testemunhado pela história atos como o “massacre de São Bartolomeu” (1572), no qual católicos assassinaram calvinistas franceses (huguenotes), na Irlanda do Norte (com os “Orange Volunteers” e os “pastores demônios” em atos de violência física e ideológica contra católicos), nos EUA o Ku Klux Klan (grupo protestante contra católicos, negros, judeus e outras minorias) etc.
[3] Nesse sentido se encontram movimentos como a “Escola sem Partido”, que questiona a neutralidade do ensino. Cabe aqui refletir que nenhum ensino é neutro, a subjetividade (e autonomia) do professor carrega conceitos e pré-conceitos particulares, visões de mundo oriundas de fatores familiares, religiosos, culturais, experiências vividas, entre outros. Se ciências com conhecimentos metodologicamente estabelecidos (como História e Geografia, por exemplo) podem ser abordadas de forma tendenciosa ou parcial, muito mais vulneráveis seriam as aulas de ensino religioso, visto que concepções de divindade são plurais, contraditórias e íntimas do ser.
[4] Alguns autores dividem o ensino religioso em: a) confessional, com viés catequético, o qual se ensina uma única profissão de fé ou credo. Em questões práticas, a escola oferecia turmas específicas para cada religião (para os não crentes, seriam oferecidas outras atividades alternativas, visto não ser de participação obrigatória – em tese); b) interconfessional, com viés teológico, o qual tem a abordagem de várias ideologias religiosas, com caráter ecumênico, buscando uma suposta “comunhão” inter-religiosa (em tese, também de frequência facultativa); e, c) supraconfessional, com viés de “ciência da religião”, que pretende apresentar uma visão isenta de caráter religioso, analisando (em suposta abordagem metodológica) as religiões em uma perspectiva crítica. Considerando que tal divisão é oportuna a mesma é adotada no presente artigo. Para maior aprofundamento sugere-se a leitura de “A educação religiosa em escolas públicas: fundamentos constitucionais para a defesa da modalidade supraconfessional”, de autoria de Gabriel Lima Marques (2014).
[5] É o caso preocupante que se tem noticiado de leis que determinam a distribuição de bíblias cristãs em escolas públicas, sendo o caso de preterimento de outras profissões religiosas ou mesmo do direito de não ter religião. Houve, inclusive, uma série de ações ajuizadas contra a obrigatoriedade de bíblias em escolas e bibliotecas públicas pela Procuradoria Geral da República (STF, 2015).
[6] Cabe mencionar que, nessa concepção, o termo se aproxima ainda mais da ideia de Estado Democrático.
[7] A referida colaboração, ainda que pesem posicionamento em contrário, pode ser notada em diversas possibilidades trazidas pelos dispositivos constitucionais como, por exemplo, dar ao casamento religioso os efeitos civis, ou ainda, garantir às entidades civis e militares de internação coletiva a assistência religiosa.
[8] Para exemplificar a lógica deste modelo, tem-se o caso emblemático do governo francês que, com apoio do Tribunal Europeu, proibiu o uso de véu por mulçumanos em espaços públicos. Neste caso, há evidente restrição dos direitos à liberdade do ser humano – incluindo sua liberdade religiosa - e, com isso, violação de sua dignidade.
[9] A Constituição Francesa de 1958, de maneira expressa, declarou que o estado francês é laico em seu artigo 1ª: “A França é uma República indivisível, laica, democrática e social. Ela garante a igualdade perante a lei para todos os cidadãos sem distinção de origem, raça ou religião. Ela deve respeitar todas as crenças. Sua organização é descentralizada” (tradução livre).
[10] A Constituição Imperial brasileira, datada de 25 de maro de 1824, manteve a relação entre Estado e Igreja outrora vigente no período colonial. Seu artigo 5° tornou expresso que a religião católica apostólica romana continuaria a ser a religião do Império, institucionalizando-se assim a concessão de diversos privilégios e garantias à Igreja Católica.
[11] Direitos Humanos devem ser compreendidos a partir de uma concepção de luta e ação social pela dignidade humana (PIOVISAN, 2013, p 187), são “mais que direitos propriamente ditos, são processos; ou seja, o resultado sempre provisório das lutas que os seres humanos colocam em prática para ter acesso aos bens necessário para a vida” (FLORES, 2009, p.34). Tais lutas se iniciam justamente pela necessidade de condições materiais e imateriais que possibilitem ao indivíduo bens indispensáveis para a sua existência. Assim, chega-se à dignidade respaldada em um acesso igualitário, não hierarquizado, que seja capaz de reverter o quadro de opressão e subordinação daqueles que se encontram em estado de vulnerabilidade social.
[12] A teoria das gerações dos Direitos Humanos surgiu pela primeira vez com Karel Vasak e, ao longo dos anos, foi sendo desenvolvida por pensadores como Norberto Bobbio. Dividida em gerações/dimensões, em que não há um processo de substituição entre elas e sim de acumulação, a primeira dimensão é reflexo da Revolução Francesa e diz respeito à preservação de direitos como a vida, liberdade e igualdade. Já a segunda dimensão diz respeito aos direitos sociais decorrentes da luta de classes, sendo que o Estado deve promover uma vida digna com trabalho, educação, saúde, moradia, entre outros. A terceira compreende os direitos de preservação do meio ambiente e do consumidor. Fala-se ainda em uma quarta dimensão, que se referiria aos avanços das tecnologias, como, por exemplo, as pesquisas biológicas e o patrimônio genético, e seus limites constitucionais (BOBBIO, 2004, p. 9-11).
[13] Por liberdade de consciência entende-se, em apertada síntese, um conceito mais amplo que implica direito de foro íntimo do indivíduo em se autodeterminar e fazer escolhas quanto sua concepção de mundo e seus valores livremente. No aspecto religioso, isto significa o direito de crer ou não crer em algo divino, sobrenatural ou místico.
[14] A liberdade de crença configura-se um conceito restrito que envolve o direito do indivíduo em crer na expressão religiosa que melhor atenda seus anseios filosóficos, ou, “escolher uma fé religiosa, alterar seu vínculo com a igreja escolhida ou ainda deixar de acreditar em determinada expressão da religiosidade” (RODRIGUES JUNIOR, 2009, p. 101).
[15] Liberdade de culto refere-se à livre manifestação da fé, seja pela prática de rituais, cerimônias, reuniões ou cultos, de acordo com as tradições do credo escolhido. Importante destacar que pode haver liberdade de crença sem que haja liberdade de culto, como outrora foi estabelecido no Brasil Imperial, quando o Código Penal de 1830, em seu artigo 276, criminalizou o culto em público de religiões que não fosse aquela adotada pelo Estado – o catolicismo. Estas religiões conter-se-iam apenas no âmbito privado e doméstico, sendo defeso sua forma exterior de templo sob pena de o mesmo ser demolido, bem como, de ser imposto o pagamento de multa de dois a doze mil réis para cada indivíduo “infrator”.
[16] Assim dispõe o texto legal: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
[17] A redação do referido dispositivo trouxe o direito à igualdade de forma pleonástica e exaustiva, provavelmente uma opção do legislador para enfatizar a importância de tal preceito.
[18] Pode-se afirmar que uma das mazelas que persistem até hoje foi o genocídio (inclusive cultural) das populações indígenas e uma influência cristã na organização social.
[19] Cabe informar que dentre os vários feitos realizados por este concílio, dar-se-á destaque às Companhias de Jesus, cujo fundador foi Inácio de Loyola (FERREIRA JR, 2007, p. 9-10).
[20] Note-se que o termo utilizado foi “continuará”, neste sentido reconheceu um fato que antecedia a publicação do dispositivo, dando à Igreja todos os privilégios e garantias de que ela já detinha, mas que agora estava institucionalizado e reconhecido como “direito adquirido da nação brasileira.” (CARNEIRO, 1981, p. 66).
[21] Ocorre que, para Mauro Ferreira de Souza (2007), o dispositivo de Ruy Barbosa, a princípio, não realizou a total ruptura entre a duas instituições - Estado e Igreja – já que os seminários católicos e os professores clérigos continuaram em atividade.
[22] A crise institucional, política e econômica se acirrou no final da década de 20. Washington Luis, então presidente do Brasil e representante do Estado de São Paulo, apoiou para as eleições de 1930 outro candidato paulista: Júlio Prestes, rompendo assim com a lógica da política do café com leite vigente no Brasil. O estado de Minas Gerais, deste modo, buscou apoio no Rio Grande do Sul que, assumindo a oposição, lançou o candidato Getúlio Vargas. Ocorre que, Júlio Prestes venceu as eleições de 1° de março de 1930, no entanto, não veio assumir. Os generais do exército e da marinha, no dia 24 de outubro de 1930, depuseram Washington Luis, constituindo uma junta provisória que entregou o poder ao Getúlio Vargas, vindo este a assumir a presidência da república com status de “governo provisório”, em 03 de novembro de 1930 (FAUSTO, 1995, p. 319-329).
[23] Assim, acontece o ensino religioso de fato (como o apregoado nas catequeses católicas ou escolas dominicais protestantes, por exemplo), nesse sistema a escola ofereceria ensino religioso em turmas separadas por credos, o qual crianças católicas (ou interessadas no catolicismo) fariam aula sobre a fé e doutrina católica, as crianças protestantes no mesmo sentido e assim por diante com as demais profissões religiosas.
[24] A despeito do posicionamento apresentado, é necessário fazer ressalvas a essa proposta. Na prática, o ensino religioso nesse modelo continuaria expondo conteúdo religioso em espaço público e que poderia, dada a delicadeza do tema, cair na “doutrinação” de um posicionamento religioso sobre os demais. A ideia da função da educação de “formar cidadãos autônomos” não está vinculada ao ensino de alguma religião ou de várias, perpassando muito mais por uma ideia de vida em comunidade e de respeito às diferenças (não exclusivamente religiosas). Outro problema, como se nota, é a ausência de profissionais habilitados para esse tipo de abordagem, especialmente preparados para ensino de base e fundamental (que demanda uma pedagogia acessível para crianças que dificilmente assimilariam conteúdos muito profundo como histórias das religiões ou conteúdos demasiado científicos).
[25] Mesmo que se argumente que o Estado não fornecerá “remuneração” aos professores, ainda sim haverá subsídio institucional (desde recursos materiais a recursos humanos, além de subsidiar espaço, “visibilidade política” entre outros).
[26] Cabe destacar que Luiz Antonio Cunha, no artigo “Ensino religioso nas escolas públicas: a propósito de um seminário internacional” (2006) apresenta um panorama internacional sobre como o ensino religioso é tratado em diversos países (como França, Itália, EUA), ficando a sugestão da leitura do trabalho para um maior aprofundamento na perspectiva comparada.
[27] Não é preciso muito para observar que esses gestores agem em plena infração à CRFB/88 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
[28] É interessante observar nessa pesquisa que, quanto aos líderes citados, Jesus Cristo aparece 81 vezes enquanto lideres negros quatro vezes, Maomé três vezes, e líderes indígenas apenas uma vez.
[29] Em consulta ao site do Ministério da Educação – MEC (emec.mec.gov.br), buscando-se pelo curso de “Ciência da Religião”, “Ciências da Religião” e “Ciências da Religião – Ensino Religioso” (são as três nomenclaturas do curso, tanto para bacharelado quanto licenciatura) verifica-se que apenas 16 instituições nos país todo oferecem o curso (modalidade presencial e à distância, a depender da situação).
[30] Não é o caso de se justificar com a ressalva de que seria por “interesse público”. O interesse público é por uma educação de qualidade, não uma educação confessional, interconfessional ou supraconfessional. Essa crítica (da influência das religiões majoritárias nas ementas dos concursos para seleção de professores) cabe, também, para o ensino interconfessional.
[31] O presente artigo não se aprofundará nas análises de constitucionalidade ou inconstitucionalidade do dispositivo constitucional, pois se parte do pressuposto que se trata de um dispositivo apenas formalmente constitucional, não tendo aplicabilidade obrigatória. Nesse sentido, entende-se que o dispositivo, ainda que esteja no texto constitucional, não é de aplicação imperiosa partindo-se de uma análise ampla da Constituição e seus princípios (e dispositivos).
[32] Esse preconceito e discriminações contra pessoas ateias se verifica presente em discursos midiáticos sensacionalistas que atribuem a pessoas suspeitas ou condenadas por crime a pecha de que são “pessoas sem Deus no coração” ou “que não deve acreditar em Deus”, como se a crença em alguma divindade tornasse alguém essencialmente bom, e a não crença, em essencialmente mau.
[33] Como referenciado em muitos aspectos, temas religiosos e maneira que são tratados podem ser elementos de discriminação e prática de bullying que podem resultar em outras sequelas.
[34] Como destaca Ricardo Sanchez Boronovsky a CRFB/88 é muito mais do que analítica, prolixa ou casuística, ela é “minuciosa” e, em razão de querer tudo regular, apresenta em seu texto constitucional uma série de disposições “não fundamentais” (que são apenas no plano formal, constitucionais). Boronovsky, chama esse fenômeno de “constitucionalismo ciarlare” (em direta menção ao italiano, em que essa palavra significa “falar muito”, “tagarelar”) e, ao citar Robert Pelloux esse fenômeno gera a presença de “falsos direitos” no texto constitucional o que dificulta compreender o que é realmente fundamental (2015).
[35] Como destaca Luis Antonio Cunha o “Conselho Nacional de Educação que, na Resolução CNE/CEB n. 2/1998, promoveu o Ensino Religioso a área de conhecimento, rebatizada de Educação Religiosa, uma redenominação bem significativa. O Parecer CNE/CEB n. 2/1998, que propôs aquela resolução, trouxe uma formulação que é uma pérola lógica: ‘A Educação Religiosa, nos termos da lei, é uma disciplina obrigatória de matrícula facultativa no sistema público’. Cumpre indagar: se nenhum aluno a quiser, como pode ser ela uma disciplina obrigatória?”. O autor ainda ironiza a inaplicabilidade dessa proposta ao afirmar que “a situação é ainda mais esdrúxula, pois, no ano anterior, havia sido aprovado o Parecer CNE/CEB n. 12, determinando que o tempo despendido com o Ensino Religioso não poderia ser computado para a totalização da duração mínima do Ensino Fundamental. Disciplina obrigatória ou área de conhecimento obrigatória, mas que não computa carga horária?” (2013, 932)
Graduado em Direito pela Universidade Federal da Grande Dourados. Pós graduado em Direito Administrativo pela Faculdade Campos Elíseos. Defensor Público do Estado do Paraná .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Matheus Paulo de. A laicidade e a (im)possibilidade do ensino religioso nas escolas públicas do Brasil: os perigos da “catequização” institucionalizada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 dez 2023, 04:52. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64125/a-laicidade-e-a-im-possibilidade-do-ensino-religioso-nas-escolas-pblicas-do-brasil-os-perigos-da-catequizao-institucionalizada. Acesso em: 23 dez 2024.
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