RESUMO: O presente artigo tem por finalidade analisar brevemente o instituto do agravo de instrumento conforme novas regras estipuladas pelo Código de Processo Civil (“CPC”) para ingressar, então, em análise mais aprofundada acerca de seu conteúdo, de modo a permitir, ao final, conclusão acerca da necessidade da correta identificação da “ratio decidendi” decorrente do entendimento consignado pela Min. Relatora Nancy Andrighi quando da definição do tema 988 (REsp 1696396/MT e REsp 1704520/MT), segundo o qual “o rol do art. 1.015 é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento em hipóteses diversas daquelas previstas inicialmente pelo legislador quando verificada urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação”, de modo a evitar a inadmissibilidade indevida de recurso e, por consequência, a prolongação desnecessária do processo, garantindo-se ao jurisdicionado a obtenção, em prazo razoável, da solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Palavras-chave: Direito Processual Civil. Agravo de Instrumento. Hipóteses de cabimento. Taxatividade. Mitigação.
ABSTRACT: The purpose of this article is to briefly analyze the institute of the interlocutory appeal according to the new rules stipulated by the Code of Civil Procedure ("CPC") in order to then enter into a more in-depth analysis of its content, so as to allow, in the end, a conclusion about the need for the correct identification of the "ratio decidendi" resulting from the understanding consigned by Reporting Justice Nancy Andrighi when defining theme 988 (REsp 1696396/MT and REsp 1704520/MT), according to which "the list of art. 1.015 is of mitigated taxability, which is why it admits the filing of an interlocutory appeal in hypotheses other than those initially provided for by the legislator when there is urgency arising from the uselessness of judging the issue in the appeal", in order to avoid the undue inadmissibility of an appeal and, consequently, the unnecessary prolongation of the process, guaranteeing that the court will obtain, within a reasonable time, the full solution of the merits, including the satisfactory activity.
Keywords: Civil Procedural Law. Instrument Record. Fitting hypotheses. Taxation. Mitigation.
1.INTRODUÇÃO
Com a entrada em vigor, em 2016, do Código de Processo Civil, houve significativa inovação no que diz respeito ao recurso de agravo de instrumento, agora previsto no art. 1.015 e seguintes, na medida em que o mencionado recurso deixou de ter como objeto toda e qualquer decisão interlocutória proferida no processo, conforme antes previsto no art. 522 do CPC/73, o que levou a exclusão da figura do agravo retido, mediante alteração do regime das preclusões.
Extrai-se da “exposição de motivos do código de processo civil”[1] que “O agravo de instrumento ficou mantido para as hipóteses de concessão, ou não, de tutela de urgência; para as interlocutórias de mérito, para as interlocutórias proferidas na execução (e no cumprimento de sentença) e para todos os demais casos a respeito dos quais houver previsão legal expressa”.
Nota-se, assim, que o legislador entendeu por bem limitar as hipóteses de cabimento do referido recurso, por certo, na tentativa desonerar o jurisdicionado do ônus do tempo no processo, que não raras às vezes ficava com o seu trâmite suspenso por anos aguardando o julgamento de eventual recurso de agravo – muitas vezes interposto em caráter protelatório pela parte contrária -, em detrimento da garantia constitucional prevista no art. 5º, LXXVIII, da CF/83 e, também, no art. 4º do CPC/15, consistente no direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Assim, optou-se, em regra, que qualquer decisão judicial que não se enquadrasse nas hipóteses previstas no art. 1.015 não poderia ser impugnada mediante agravo de instrumento, devendo a questão ser suscitada em preliminar de apelação, a teor do disposto no art. 1.009 do CPC.
Todavia, nem sempre a legislação consegue prever todas as hipóteses para sua incidência, de modo que, passando a vigorar as novas regras do Código de Processo Civil, os operadores do direito deparam-se com situações que não se enquadravam previstas nas hipóteses legais, mas que tinha aptidão de causar grave prejuízo e de difícil reparação para a parte.
Iniciou-se, aqui, grande discussão na doutrina e jurisprudência acerca da natureza do rol contido no art. 1.015 do CPC e na possibilidade de interposição de recurso de agravo de instrumento tendo por objeto decisões que não constassem expressamente no rol do referido artigo.
E, assim sendo, o presente artigo terá por objetivo indicar, brevemente, as correntes que inicialmente surgiram acerca do tema, para então analisar o conteúdo da decisão proferida pelo E. STJ quando do julgamento, em sede de recursos repetitivos, dos recursos REsp 1.696.396/MT e REsp 1.704.520/MT, dos quais originou-se o tema 988, de modo a demonstrar a impressibilidade da correta identificação de sua “ratio decidendi”, evitando-se, assim, o não conhecimento de recursos interpostos com base apenas na tese fixada e a prolongação desnecessária dos processos.
2.DO ART. 1.015 E DAS TESES ACERCA DE SEU ROL
Conforme se extrai da leitura do art. 1.015 do CPC, “Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre”:
I - tutelas provisórias;
III - rejeição da alegação de convenção de arbitragem;
IV - incidente de desconsideração da personalidade jurídica;
V - rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;
VI - exibição ou posse de documento ou coisa;
VII - exclusão de litisconsorte;
VIII - rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;
IX - admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;
X - concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;
XI - redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;
XIII - outros casos expressamente referidos em lei.
Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.
Ocorre que, como dito acima, nem sempre a legislação consegue prever todas as hipóteses para sua incidência, de modo que, não raras as vezes, os operadores do direito deparam-se com situações que não se enquadram nas hipóteses previstas no rol acima, razão pela qual teve início grande debate entre os doutrinadores, o que permitiu o surgimento de inúmeras teses acerca da taxatividade ou não do rol contido no art. 1.015.
A primeira tese que convém dar destaque é aquela defendida, dentre outros professores, pelo Prof. Dr. Cassio Scarpinella Bueno[2], segundo a qual:
“A melhor compreensão é a de entender taxativa a enunciação, não obstante ser viável (e desejável) dar o máximo rendimento às hipóteses nela previstas, como forma adequada de atingir à inequívoca opção legislativa decorrente não só do CPC de 2015, mas também das (não poucas) reformas operadas no CPC de 1973 a respeito do tema.
Para esse fim, é fundamental ler cada um dos incisos do dispositivo levando em conta o verbo “versar” constante de seu caput, o que resulta, sem necessidade de qualquer analogia ou artifícios hermenêuticos, dar sentido mais amplo à grande maioria das hipóteses previstas nos incisos daquele dispositivo.”
Já os professores doutores Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero[3] defendem que:
“A fim de limitar o cabimento do agravo de instrumento, o legislador vale-se da técnica da enumeração taxativa das hipóteses em que o agravo de instrumento pode ser conhecido. Isso não quer dizer, porém, que não se possa utilizar a analogia para interpretação das hipóteses contidas nos textos. (...) O fato de o legislador construir um rol taxativo não elimina a necessidade de interpretação para sua compreensão: em outras palavras, a taxatividade não elimina a equivocidade dos dispositivos e a necessidade de se adscrever sentido aos textos mediante interpretação”.
Por sua vez, os professores Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini[4], trilham o entendimento de que “(...) há quem defenda a aplicação extensiva das regras contidas no art. 1.015 a esses casos. Mas não parece ser essa a solução adequada. Por mais criticável que sejam algumas das hipóteses “esquecidas” pelo legislador, não é dado ao intérprete flexibilizar um critério de cabimento que se pretendeu verdadeiramente restritivo”.
Por fim, há, ainda, entendimento defendido pelo Prof. Dr. William Santos Ferreira[5] – o qual serviu, inclusive, de base para construção da tese que deu origem o tema 988 -, segundo o qual:
O interesse recursal é representação da utilidade + necessidade, em que, na lição de Barbosa Moreira, “o recorrente possa esperar, da interposição do recurso, a consecução de um resultado a que corresponda situação mais vantajosa, do ponto de vista prático, do que a emergente da decisão recorrida” (utilidade) e ainda “que seja necessário usar o recurso para alcançar tal vantagem” (necessário).
O processualista ainda destaca que na utilidade para sua compreensão deve se empregar uma ótica prospectiva e não retrospectiva “a ênfase incidirá mais sobre o que possível ao recorrente esperar que se decida, no novo julgamento, do que sobre o teor daquilo que se decidiu, no julgamento impugnado... daí preferirmos aludir à utilidade, como outros aludem, como fórmula afim, ao proveito e ao benefício que a futura decisão seja capaz de proporcionar ao recorrente”.
(...)
No sistema processual civil brasileiro, do CPC/2015, optou-se pela recorribilidade integral das interlocutórias, somente variando o recurso, agravo de instrumento ou, residualmente, apelação.
Logo, algo que não pode ser esquecido é que para todo recurso impõe-se interesse recursal, sendo este não apenas um requisito do recurso sem o qual não é admissível, mas também é um direito do recorrente em relação ao Estado, uma vez identificada recorribilidade em lei, deve ser assegurada a utilidade do julgamento do recurso, inclusive em estrita observância do inc. XXXV do art. 5º, da CF/1988.
Se não há identificação literal das hipóteses legalmente previstas para agravo de instrumento, em primeiro momento, se defenderia a apelação, contudo se o seu julgamento futuro será inútil por impossibilidade de resultado prático pleno (ex. dano irreparável ou de difícil reparação), como no caso de uma perícia inadmitida, em que o prédio que seria objeto da perícia diante de uma desapropriação será rapidamente demolido, desaparecendo a utilidade de julgamento futuro da apelação, não é possível defender-se o cabimento da apelação, porque a lei não pode prever recurso inútil, logo é caso de cabimento do agravo de instrumento. Em outras palavras, há uma taxatividade fraca, decorrente da própria definição de recorribilidade geral das interlocutórias, mas ainda taxatividade, porque o agravante tem o ônus de demonstrar que é necessário o agravo de instrumento em razão da inutilidade de interposição e julgamento futuros de apelação
3.DA “RATIO DECIDENDI” DO TEMA 988 FIXADO PELO E. STJ.
Quando do julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos 1.696.396/MT e 1.704.520/MT, a Corte Especial do STJ optou por adotar, por maioria de 07 votos a 05, com as devidas adequações, aquela defendida pelo prof. Dr. William Santos Ferreira, chegando-se a seguinte tese:
“O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.”
Para firmar a tese, houve necessidade de se indicar, inicialmente, que “(...) as metanormas do processo civil (...) permitem que esta Corte possa exercer amplo controle acerca da mais adequada interpretação que se deva conferir aos dispositivos legais de índole processual existentes no sistema, tratando-se a hipótese em tela um emblemático exemplo dessa obrigatoriedade”.
Não por outro motivo que “(...) a exposição de motivos do anteprojeto do CPC e os inúmeros posicionamentos manifestados pelos membros da Câmara dos Deputados e do Senado Federal durante a tramitação do projeto de lei, revelam que pretendeu o legislador restringir a utilização do recurso de agravo de instrumento, conclusão da qual não se pode se afastar”, mas que “o estudo da história do direito também revela que um rol que pretende ser taxativo raramente enuncia todas as hipóteses vinculadas a sua razão de existir, pois a realidade normalmente supera a ficção e a concretude torna letra morta o exercício de abstração inicialmente realizado pelo legislador”.
Assim sendo, concluiu-se que “(...) a urgência que justifica o manejo imediato de uma impugnação em face de questão incidente está fundamentalmente assentada na inutilidade do julgamento diferido se a impugnação for ofertada apenas conjuntamente ao recurso contra o mérito, ao final do processo”.
Entendimento esse que deveria ser analisado, ainda, conforme lecionado por Olavo de Oliveira Neto, Elias Marques de Medeiros Neto e Patrícia Elias Cozzolino de Oliveira[6], “(...) em conformidade com a mais contemporânea concepção do princípio da inafastabilidade da jurisdição, que, embora inicialmente concebido como o mero exercício do direito de ação, passou a incorporar também o direito à tutela jurisdicional e de efetivo acesso à justiça, de modo a “alcançar também a plena atuação das faculdades oriundas do processo e a obtenção de uma decisão aderente ao direito material, desde que utilizada a forma adequada para obtê-la”.
Dito isso, concluiu-se, de forma simplificada, que diversas seriam as (...) situações urgentes não contempladas pelo legislador e que, se examinadas apenas por ocasião do recurso de apelação, tornariam a tutela jurisdicional sobre a questão incidente tardia e, consequentemente, inútil (...)”.
Não por outro motivo que “(...) justamente para evitar as idas e as vindas, as evoluções e as involuções, bem como para que o veículo da tutela jurisdicional seja o processo e não o retrocesso, há que se ter em mente que questões que, se porventura modificadas, impliquem regresso para o refazimento de uma parcela significativa de atos processuais deverão ser igualmente examináveis desde logo, porque, nessa perspectiva, o reexame apenas futuro, somente por ocasião do julgamento do recurso de apelação ou até mesmo do recurso especial, seria infrutífero”.
Assim, foi proposto e acatado ao final do julgamento, a tese de que “(...) a partir de um requisito objetivo – a urgência que decorre da inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação –, possibilitar a recorribilidade imediata de decisões interlocutórias fora da lista do art. 1.015 do CPC, sempre em caráter excepcional e desde que preenchido o requisito urgência, independentemente do uso da interpretação extensiva ou analógica dos incisos do art. 1.015 do CPC, porque, como demonstrado, nem mesmo essas técnicas hermenêuticas são suficientes para abarcar todas as situações”, de modo que deve-se reconhecer que “o rol do art. 1.015 do CPC possui uma singular espécie de taxatividade mitigada por uma cláusula adicional de cabimento, sem a qual haveria desrespeito às normas fundamentais do próprio CPC e grave prejuízo às partes ou ao próprio processo.”
Todavia, tal entendimento não se mostrou suficiente para sanar, ainda que minimamente, o problema outrora existente, talvez em razão da ausência de melhor definição do que poderia ser considerado como “inutilidade futura do julgamento do recurso diferido da apelação”, já que os Tribunais não costumam identificar, quando da aplicação do tema ao caso concreto, a “ratio decidendi” – que, segundo os Profs. Teresa Arruda Alvim e Rodrigo Barioni[7], é identificada mediante a “(...) a perfeita identificação dos elementos fáticos e jurídicos inerentes à fundamentação da decisão (...)”, na medida em que a ratio não é regra geral e abstrata, ela “está sempre ligada ao contexto fático analisado pelo tribunal.”
4.DO PROBLEMA CAUSADO PELA NÃO INDENTIFICAÇÃO DA “RATIO DECIDENDI” PARA APLICAÇÃO DO TEMA 988.
Imagine, agora, o seguinte caso: uma concessionária de rodovia injustamente sancionada por suposto inadimplemento contratual propõe, visando ver reconhecida a ocorrência de hipótese excludente de culpabilidade prevista expressamente em contrato, depois de devidamente intimada, a produção de prova documental complementar e técnica simplificada, com vistas a comprovar a impossibilidade de conclusão da obra no prazo inicialmente previsto e, por consequência, a configuração de hipótese excludente de culpabilidade (força maior), tendo em vista que o ritmo das obras foi diretamente afetado pelas chuvas ocorridas nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2015 e janeiro de 2016, que superaram a média pluviométrica histórica.
Para surpresa da referida concessionária, o Juiz de Primeiro Grau limita-se a proferir decisão deferindo, tão somente, a juntada de novos documentos, mas indeferindo, em contrapartida, a produção da prova técnica simplificada, sob o argumento de que o impacto das chuvas na obra exige mais do que mera opinião técnica sem análise mais profunda por profissional habilitado, ou seja, o referido magistrado entendeu que a questão posta nos autos era complexa, razão pela qual demandaria a produção de prova técnica mais robusta do que aquela pleiteada pela Concessionária, contudo deixa de determinar a sua produção, em que pese o quanto disposto no art. 370 do CPC.
Opostos embargos de declaração visando sanar os vícios existentes, estes restaram rejeitados, não tendo a concessionária outra opção senão a interposição de recurso de agravo de instrumento invocando, de modo a permitir a seu processamento e posterior julgamento, a aplicação do Tema 988.
Para tanto, sustentou que restava caracterizada, in casu, a urgência e, por consequência, a possibilidade de aplicar a taxatividade mitigada ao referido Agravo de Instrumento, uma vez que, caso não lhe fosse permitido rediscutir o equivocado entendimento firmado pelo MM. Juiz a quo – certamente sofreria dano de difícil ou incerta reparação, já que seria prolatada sentença sem a produção de prova indispensável, tal como reconhecido pelo Juiz “a quo” para demonstração do quanto alegado, em clara ofensa ao devido processo legal e aos princípios do contraditório e da ampla defesa, fazendo com que o Tribunal de Justiça tivesse que prover o recurso interposto, prologando, ainda mais a discussão, ante a clara nulidade da sentença a ser prolatada, em clara ofensa ao quanto disposto no art. 4º do CPC e no art. 5º, LXXVIII, da CF/88.
Todavia, o Des. Relator ao analisar o recurso se limitou a sustentar, para justificar o seu não processamento, a ausência de situação de urgência ou irreversibilidade no caso vertente, em que pese já houvesse entendimento fixado pelo mesmo Tribunal em linha com o quanto defendido pela Concessionária, a exemplo da ementa transcrita abaixo:
INDEFERIMENTO DA PROVA PERICIAL - Agravo de instrumento - Rol do artigo1015 do CPC de taxatividade mitigada - Falecimento dos contratantes originários - Hipótese em que os recorrentes não têm outro meio de demonstrar suas alegações, senão mediante a produção da prova técnica - Não produção que implicaria em cerceamento probatório, que poderia ensejar nulidade do julgamento a ser evitada – Decisão reformada - Agravo de instrumento provido para admitir a requisição dos extratos pleiteados e a realização da prova pericial mediante adiantamento dos honorários periciais pelos recorrentes que pediram a produção de tal prova. (Agravo de Instrumento nº 2104280-27.2019.8.26.0000, Des. Relator: Mendes Pereira, 15ª Câmara de Direito Privado, DJe: 13/08/2019)
Nota-se, assim, que a não aplicação do tema 988 ao caso em questão decorre da ausência de observância dos fundamentos da decisão proferida pelo E. STJ quando do julgamento dos recursos REsp 1696396/MT e REsp 1704520/MT (repetitivos), a qual, nos termos do art. 927 do CPC, caracteriza-se como indenizador jurisprudencial, cuja observância é obrigatória, pois, conforme afirma Cassio Scarpinella Bueno[8], “o caput do dispositivo, ao se valer do verbo “observar conjugado no imperativo afirmativo, insinua que não há escolha entre adotar e deixar de adotar as diferentes manifestações das decisões jurisdicionais estabelecidas em seus cinco incisos quando o caso, na perspectiva fática, o reclamar.”
E não poderia ser de outra forma, pois, conforme lecionam Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero[9], “O que vincula nas decisões capazes de gerar precedentes são as razões constantes da sua justificação, as quais devem ainda ser lidas a partir do caso exposto no seu relatório”. Nesse sentido, esclarecem os preclaros autores que “O precedente pode ser identificado com a ratio decidendi de um caso ou de uma questão jurídica – também conhecido como holding do caso. A ratio decidendi constitui uma generalização das razões adotadas como passos necessários e suficientes para decidir um caso ou as questões de um caso pelo juiz”, em igual sentido são os ensinamentos da Prof. Teresa Arruda Alvim[10], ao afirmar que a ratio decidendi é a parte da decisão que de fato vincula, é a proposição de direito extraída do julgamento, o core da decisão.
Todavia, ao assim agir, verifica-se que o Tribunal de Justiça desconsiderou, por completo o entendimento esposado pela Ministra no sentido de que “(...) a urgência que justifica o manejo imediato de uma impugnação em face de questão incidente está fundamentalmente assentada na inutilidade do julgamento diferido se a impugnação for ofertada apenas conjuntamente ao recurso contra o mérito, ao final do processo”, exatamente para evitar “(...) as idas e as vindas, as evoluções e as involuções, bem como para que o veículo da tutela jurisdicional seja o processo e não o retrocesso, há que se ter em mente que questões que, se porventura modificadas, impliquem regresso para o refazimento de uma parcela significativa de atos processuais deverão ser igualmente examináveis desde logo, porque, nessa perspectiva, o reexame apenas futuro, somente por ocasião do julgamento do recurso de apelação ou até mesmo do recurso especial, seria infrutífero”.
É inegável, nesse sentido, que a decisão da forma como proferida imputa ao jurisdicionado o ônus pela prestação da tutela jurisdicional, em clara afronta ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII da CF/88 e arts. 4º e 6º do CPC), visto que, conforme mencionado, em caso de provimento do recurso a ser interposto pela concessionária, o feito retornaria à primeira instância para reabertura da fase probatória para realização da prova pericial reconhecida expressamente pelo MM. Juiz de Primeiro Grau como imprescindível para solução da lide.
Dessa forma, ainda que tal questão pudesse ser suscitada em posterior recurso de apelação é certo que não surtiria o mesmo efeito prático da apreciação imediata no momento processual cabível, em total desconformidade com as normas fundamentais do processo civil.
Aqui jaz a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação – apta a justificar a incidência do Tema 988 à hipótese narrada acima-, já que os ônus já terão sido suportados pelas partes, sendo impossível reverter os seus efeitos e o reestabelecimento dos “status quo ante”.
O tempo é o único bem irrecuperável. Não é passível de ser adquirido. Uma vez ‘perdido’, os efeitos são irreversíveis. O tempo é um ônus no e do processo contra o qual o Estado/juiz precisa lutar para amenizar, ao máximo, seus deletérios efeitos.
Exatamente por este motivo que o tempo de tramite do processo há muito representa uma preocupação. A conscientização a respeito dos possíveis prejuízos decorrentes da duração dos processos, trouxe como resultado a introdução da garantia fundamental da razoável duração do processo, pela Emenda Constitucional nº 45/2004, insculpida no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal, que, segundo leciona Cassio Scarpinella Bueno[11], significa que “(...) a atividade jurisdicional deve ser prestada sempre com vistas a produzir o máximo de resultados com o mínimo de esforços (...)”.
Não por outro motivo que o Código de Processo Civil elegeu, como objetivo primordial, a diminuição do tempo no processo, prometendo às partes uma solução integral do mérito, incluindo a atividade satisfativa (arts. 4º[12] e 6º[13]), razão pela qual impõe ao juiz velar por tal direito (art. 139, II), sob pena de ser cível e regressivamente responsabilizado (art. 143, II).
Importante destacar que não se trata de mera declaração. É uma norma vocacionada à garantia de um direito fundamental: a duração razoável do processo. Direito fundamental sem garantia, é o mesmo que não ter direito. Do que adiantaria o direito fundamental de ir e vir, sem a garantia do habeas corpus; do direito líquido e certo, sem a garantia do mandado de segurança; o direito ao assecuramento de conhecimento de informações relativas à pessoa, sem o habeas data etc.
Essa mesma norma de garantia tem potencial fundamentalidade na exata medida em que foi inserida no Capítulo I, destinado às normas fundamentais do processo civil, as quais têm por finalidade orientar a todos seu propósito de compromisso com os direitos fundamentais, tanto que reproduzem aquelas previstas na Constituição.
O que fortalece a ideia de que toda aplicação das normas previstas no Código de Processo Civil deve, obrigatoriamente, seguir essa orientação inicial de comprometimento integral com os direitos fundamentais. O direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva exige, no mesmo plano, normas (arts. 4º, 6º, 7º e 8º do CPC) e técnicas processuais (a exemplo do julgamento parcial de mérito e das tutelas de urgência) que assegurem às partes a razoável duração do processo.
Torna-se inegável, portanto, que a decisão da forma como proferida acaba por imputar ao jurisdicionado o ônus pela demora na prestação da tutela jurisdicional, em clara afronta ao princípio da razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII da CF/88 e arts. 4º e 6º do CPC), visto que o feito, conforme mencionado, em caso de provimento do recurso a ser interposto pela concessionária, retornaria à primeira instância para reabertura da fase probatória para realização da prova pericial reconhecida expressamente pelo Juiz de Primeiro Grau como imprescindível para solução da lide.
5.CONCLUSÃO
Conforme indicado acima, com a entrada em vigor, em 2016, do Código de Processo Civil houve significativa inovação no que diz respeito ao recurso de agravo de instrumento, agora previsto no art. 1.015 e seguintes do referido “Códex”, na medida em que o referido recurso deixou de ser cabível em face de toda e qualquer decisão proferida no processo, conforme antes previsto no art. 522 do CPC/73, o que levou a exclusão da figura do agravo retido, mediante a alteração do regime das preclusões.
Tais alterações tiveram por finalidade, claramente, diminuir o número de recursos interpostos, permitindo, assim, que os processos em 1ª Instância tramitassem com maior celeridade. Todavia, grande celeuma criou-se acerca do rol contido no art. 1.015 do CPC.
Visando colocar, digamos assim, um fim na discussão, o E. STJ entendeu por definir, quando do julgamento dos Recursos Especiais Repetitivos 1.696.396/MT e 1.704.520/MT, a tese referente ao tema 988, segundo o qual: “O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.”
Todavia, verificou-se, na prática forense, a aplicação equivocada do referido tema pelos Tribunais, que passaram a utilizá-lo de forma irrestrita e sem a devida análise exigida pelo art. 489, § 1º, VI, do CPC, com o nítido proposito de barrar o processamento e consequente julgamento daqueles recursos cujas decisões não estivesse devidamente identificada no rol do art. 1.015 do CPC.
Porém, ao analisar o teor das decisões que negavam a aplicação do tema 988, é de fácil percepção que a inaplicabilidade decorre da ausência de identificação pelos julgadores da “ratio decidenti”, ou seja, dos fundamentos que de fato deram origem ao tema fixado, permitindo, assim, seja verificado, com a segurança necessária, que aquele tema se aplica ou não ao caso.
Logo, o que se tem, na verdade, que nada adianta, no contexto do civil law, aprofunda-se em pesquisar acerca da força vinculante dos precedentes como uma possibilidade de garantir a previsibilidade das decisões judiciais, sem que antes haja o devido preparo dos magistrados para entender a sua sistemativa e importância para o ordenamento jurídico, de modo a garantir a segurança jurídica, tal almejada pelo Código de Processo Civil (Lei 13.105/15), permitindo, assim, uma maior previsibilidade da prestação jurisdicional e, por consequência, o respeito que o Poder Judiciário tanto merece.
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[1] https://www.verbojuridico.com.br/vademecum/CPC_EXPOSICAO_DE_MOTIVOS.pdf - link acessado em 29/11/2022.
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[5] FERREIRA, William Santos. Cabimento do agravo de instrumento e a ótica prospectiva da utilidade – O direito ao interesse na recorribilidade de decisões interlocutórias in Revista de Processo nº 263, São Paulo: RT, jan. 2017, p. 193/203
[6] OLIVEIRA NETO, Olavo de; MEDEIROS NETO, Elias Marques de; OLIVEIRA, Patrícia Elias Cozzolino de. Curso de Direito processual civil: vol. 1, parte geral. 1ª ed. São Paulo: Verbatim, 2015. p. 85
[7] ARRUDA ALVIM, Teresa; BARIONI, Rodrigo. Recurso repetitivo: tese jurídica e ratio decidendi. Revista de Processo, vol. 296, p. 183-204, out. 2019
[8] BUENO, op. cit. 404.
[9] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Curso de Processo Civil: tutela dos direitos mediante procedimento comum – vol. 2. 7ª ed. rev. e atual. São Paulo: Thomson Reuters, Brasil, 2021, p. 669/670.
[10] ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso extraordinário e recurso especial e a nova função dos Tribunais Superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: RT, 2017. p. 189.
[11] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil – v. 1: Teoria Geral do Direito Processual Civil: Parte Geral do Código de Processo Civil – 12ª ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022, p. 165.
[12] Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. (grifo nosso)
[13] Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva. (grifo nosso)
Mestrando e especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Especialista em Direito Público pela Escola Paulista da Magistratura - EPM. Advogado coordenador do departamento de contencioso judicial do escritório Marques Donegá Advogados Associados.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Raphael Leandro. A urgência decorrente do ônus do tempo e a necessária identificação da “ratio decidendi” do Tema 988 para negar ou não seguimento a eventuais recursos interpostos com base em hipótese não contemplada pelo art. 1.015 do CPC. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2024, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/64692/a-urgncia-decorrente-do-nus-do-tempo-e-a-necessria-identificao-da-ratio-decidendi-do-tema-988-para-negar-ou-no-seguimento-a-eventuais-recursos-interpostos-com-base-em-hiptese-no-contemplada-pelo-art-1-015-do-cpc. Acesso em: 26 dez 2024.
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