Resumo: Trata-se de trabalho visando apresentar as principais fases do constitucionalismo moderno, indicando os processos históricos que perpassaram cada uma delas e a relação intrínseca entre os marcos históricos para cada uma destas fases do constitucionalismo moderno e das gerações de direitos fundamentais. Por fim, busca-se discutir eventual novo marco que pode estar surgindo em decorrência dos recentes desafios sociais desde a deflagração da pandemia do novo coronavírus, tais como os impactos climáticos e avanço das inteligências artificiais e como se pode vislumbrar uma superação ao neoconstitucionalismo.
Palavras-chave: Constitucionalismo. Constituição. Direitos Fundamentais. Gerações. Fases. Liberalismo. Estado Social. Pandemia. Covid-19.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa apresentar o conceito de constitucionalismo moderno, a fim de demonstrar, em sequência, a evolução de suas fases.
Neste mote, busca-se apresentar os principais marcos históricos que perpassaram cada uma das gerações de direitos fundamentais e como estas dialogam com as teorias político-econômicas e, por fim, as consequências materiais em cada uma das denominadas fases do constitucionalismo moderno.
Visa-se, assim, demonstrar, em especial, o contexto no qual emergiu o último marco do constitucionalismo moderno e o neoconstitucionalismo e, em seguida, demonstrar como este marco pode estar em declínio em razão das consequências econômico e sociais decorrentes da deflagração da pandemia ocasionada pelo alastramento do novo coronavírus.
2. DAS FASES DO CONSTITUCIONALISMO MODERNO[1]
2.1 DO CONCEITO DO CONSTITUCIONALISMO
Precipuamente ao estudo, em si, de suas fases históricas, importante traçar breves linhas acerca do que se entende por constitucionalismo. Trata-se, em síntese, do movimento histórico-cultural e de natureza jurídica, política, filosófica e social, com vistas à limitação do poder do governo/Estado e à garantia dos direitos, que levou à adoção de constituições pela maioria dos Estados moderno, especialmente no que concerne à constituição formal (escrita).
Nesta toada, Ana Paula de Barcellos[2], didaticamente, esclarece que a concepção hodierna de “constitucionalismo” (e, portanto, da própria constituição como norma) nem sempre foi a moderna. É dizer, a expressão “Constituição” que remete a um documento escrito “que se ocupa de prever e garantir direitos aos indivíduos e organizar o Estado, elaborado pelo chamado poder constituinte, em momentos extraordinários da vida de uma sociedade” e ao qual todos estão sujeitos, inclusive os governantes nem sempre foi assim percebida, apesar de não ser inédita. Neste ponto, assim esclarece a constitucionalista:
Na realidade, a percepção – moral, religiosa ou filosófica de forma ampla – de que existem normas superiores a outras, que devem estabelecer limites à ação dos governantes – essência do conteúdo original do constitucionalismo – é antiga e remonta, no mínimo, aos registros bíblicos do Antigo Testamento e à Grécia antiga. A legislação mosaica era considerada superior a eventuais normas expedidas pelos monarcas ou chefes tribais do momento, ainda que o único mecanismo de controle disponível fosse, em geral, as pregações dos profetas contra a conduta ilícita dos líderes.
(...)
Essa percepção de que há normas que, por seu conteúdo, são superiores a outras e, particularmente, à vontade do governante está por trás da ideia de Constituição e do constitucionalismo que vai se desenvolver a partir de meados da Idade Média, com os documentos (cartas, forais, pactos) celebrados entre reis e grupos de nobres, estabelecendo limites à atuação dos monarcas, e culminar nas revoluções liberais dos séculos seguintes, com a elaboração de Constituições propriamente ditas. (grifou-se).
Isto posto, insta salientar que, no modo tradicional, a Constituição é o modo de ser de algo. Nesse sentido, pode-se dizer é a Constituição, per se, é um fenômeno contemporâneo à emersão dos próprios Estados nacionais (todo Estado tinha um modo de ser, de regras-guia, e, por conseguinte, uma Constituição). Em todo Estado haviam regras básicas que organizavam a sociedade, mesmo que estas não fossem escritas.
Noutro giro, no sentido moderno, o constitucionalismo está ligado ao Estado de Direito, em que o ponto nodal é a limitação do poder do Estado para a proteção do indivíduo. Em outras palavras, o grande adversário do constitucionalismo moderno é o Estado Absolutista, e, tanto assim o é que as revoluções burguesas eclodem como reação aos abusos praticados no Estado Absolutista. No constitucionalismo moderno, neste sentido, o único soberano é o povo, que se manifesta por meio da Constituição. O constitucionalismo torna a constituição material, historicamente considerada, em uma constituição moderna, em sentido formal.
Assim sendo, comumente são destacadas como marcos históricos do constitucionalismo moderno as Revoluções Burguesas: Revolução Gloriosa, no século XVII, a Revolução Francesa e a Independência das Colônias Norte Americanas, ambas do século XVIII.
Ainda, com o constitucionalismo moderno, tem-se a afirmação da soberania popular, pela qual todo o poder emana do povo, isto é, todo poder se legitima da vontade popular. Note-se, portanto, que há uma inversão de perspectiva do que ocorria na Idade Média, cujo o entendimento era de que o Monarca possuía um Poder Natural, e que os súditos (o povo) obedeciam a esse poder. Não por acaso, atualmente, entende-se, em sentido quase diametralmente oposto que, como o poder emana do povo, os agentes públicos exercem mera função delegada pelo povo a eles para consecução das funções estatais.
2.2 DAS FASES DO CONSTITUCIONALISMO MODERNO
Feitas as considerações iniciais do capítulo supra, uma premissa importante deve-se ter ao estudar as fases históricas do constitucionalismo: ela relaciona-se diretamente com o momento histórico da formação dos Estados e modelo econômico pelo qual uma sociedade perpassava.
Nesse mote, Canotilho[3], ao invés de classificar diversos “constitucionalismos”, optou por destacar os diversos “movimentos constitucionais”, que, por óbvio, ecoam o momento histórico político, econômico e social do povo que influiu formação das constituições. Nesse sentido, didaticamente, o clássico autor, leciona que o constitucionalismo carrega consigo, o “princípio do governo limitado indispensável à garantia dos direitos em uma dimensão estruturante da organização político-social de uma comunidade”. É dizer, “o constitucionalismo moderno representará uma técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo.”
Isto posto, passa-se à análise sintética propriamente dita das fases do constitucionalismo moderno.
2.2.1. CONSTITUCIONALISMO LIBERAL
Há um consenso na doutrina que se debruça sobre o tema de que o constitucionalismo liberal eclode como consequência das revoluções burguesas, de modo que a teoria política por trás do constitucionalismo liberal é o liberalismo político[4].
Nesse primeiro momento, na concepção do constitucionalismo liberal foi “marcado pelo liberalismo clássico”, buscou-se abarcar “os seguintes valores: individualismo, absenteísmo estatal, valorização da propriedade privada e proteção do indivíduo. Essa perspectiva, para se ter um exemplo, influenciou profundamente as Constituições brasileiras de 1824 e 1891”[5].
Neste mote, destaca-se que o liberalismo político possui como premissa que a finalidade última do direito e do Estado é proteger o indivíduo. Nesta concepção, esta corrente teórica coloca o indivíduo a frente do todo (coletivo). Deste modo, há limites políticos que não se podem ultrapassar ainda que se busque o bem comum.
Outra importante influência do constitucionalismo liberal é o modelo econômico do liberalismo econômico. Trata-se, neste ponto, de doutrina que preconiza a mínima intervenção do Estado na economia. Baseia-se em Adam Smith e na denominada “mão invisível do mercado”, que se autorregula com leis que o próprio mercado cria. Por isso, o Estado não pode se envolver, salvo hipóteses pontuais, na economia. O Estado, sob tal perspectiva, deve proteger apenas os direitos individuais também no plano econômico sob uma perspectiva, destaca-se, de garantir a isonomia formal entre aqueles que atuam economicamente.
Assim, o modelo político de liberalismo (tanto político quanto econômico) que caracterizou a primeira fase do constitucionalismo moderno criou um modelo de Estado Mínimo, voltado a cuidar, basicamente, de segurança externa e interna e poucos serviços públicos, como o jurisdicional. Nesta perspectiva político-econômica, não competia ao Estado cuidar de serviços de educação e saúde à população. Ressalta-se, ainda, que no liberalismo político busca-se um Estado limitado, ou seja, trata-se da própria essência do liberalismo que o Estado não invada as esferas de atuação do indivíduo.
Estas características marcantes do constitucionalismo liberal tiveram forte peso na formação da primeira geração direitos fundamentais, que acompanham esta primeira fase do constitucionalismo. Os direitos fundamentais de primeira geração (ou primeira dimensão) são conhecidos como direitos de defesa, ou seja, áreas em que o Estado deve abster-se de atuar (não fazer ou “deveres negativos”). São, basicamente, as liberdades individuais, como liberdade de religião, de ir e vir e de expressão.
Contudo, no final do século XIX, o liberalismo econômico (e, consequentemente, o político) mostrou-se insuficiente às crescentes demandas sociais, em especial, na primeira metade do século XX, com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929. Com a ausência de respostas proporcionadas pelo liberalismo político e econômico ao estado de coisas e o surgimento de correntes político-filosóficas críticas ao modelo até então vigente[6], surge a segunda fase do constitucionalismo moderno: o Constitucionalismo Social.
2.2.2. CONSTITUCIONALISMO SOCIAL
Conforme delineado nas linhas supra, a concepção liberal (valorização do indivíduo com afastamento do Estado) entrou em colapso na primeira metade do século XX, dando-se início ao Constitucionalismo Social. Neste mote, a doutrina didaticamente esclarece:
(...) a concepção liberal (de valorização do indivíduo e afastamento do Estado) gerará concentração de renda e exclusão social, fazendo com que o Estado passe a ser chamado para evitar abusos e limitar o poder econômico.
Evidencia-se, então, aquilo que a doutrina chamou de segunda geração (ou dimensão) de direitos e que teve como documentos marcantes a Constituição do México de 1917 e a de Weimar de 1919, influenciando, profundamente, a Constituição brasileira de 1934 (Estado Social de Direito)[7]. (grifou-se)
Em suma, trata-se do momento histórico em que se vislumbra o Estado como desenvolvedor de políticas públicas voltadas às necessidades básicas. Ou seja, o Estado deve prover, entregar, aos indivíduos a satisfação de suas necessidades básicas. Emerge, assim, em reposta às limitações do constitucionalismo liberal, a concepção de que não basta a limitação do poder do Estado. O ser humano sente fome, frio, adoece, precisa de moradia e o Estado, nesta segunda fase, é intimado à atuar em serviços que hoje são notoriamente públicos, como saúde, educação, previdência e assistência social, alimentação e moradia.
Ademais, é neste contexto que surgem os denominados Direitos Fundamentais de Segunda Geração (ou Segunda Dimensão), que possuem uma natureza prestacional do Estado. Isto é, direitos fundamentais notabilizados por impor ao Estado uma prestação positiva aos indivíduos. Assim, é possível consignar que o principal marco distintivo do constitucionalismo social é a concepção de que o Estado não pode ficar inerte para garantir o bem estar social.
Nesta senda, esclarece Luís Roberto Barroso:
Já no século XX, no entanto, sobretudo a partir da Primeira Guerra, o Estado ocidental torna-se progressivamente intervencionista, sendo rebatizado de Estado social. Dele já não se espera apenas que se abstenha de interferir na esfera individual e privada das pessoas. Ao contrário, o Estado, ao menos idealmente, torna-se instrumento da sociedade para combater a injustiça social, conter o poder abusivo do capital e prestar serviços públicos para a população[8].
Nesta toada, enquanto com o Constitucionalismo Liberal vigorava o Estado Mínimo, com o Constitucionalismo Social, emerge o denominado Estado do Bem Estar Social, em que o Estado é o principal provedor dos direitos fundamentais. Todos os Direito Fundamentais de segunda geração são implementados pelo Estado, resultando no seu encarecimento e maior custo, pelo aumento com os gastos públicos para garantir estes direitos.
2.2.3. NOVA(S) GERAÇÃO(ÕES)/DIMENSÃO(ÕES) DE DIREITO(S) FUNDAMENTAL(IS) E A CRISE DO ESTADO DO BEM-ESTAR SOCIAL
Ainda durante o Constitucionalismo Social, como consequência dos horrores da II Guerra Mundial, observa-se o nascimento dos Direitos Fundamentais de 3ª Geração, consubstanciados em direitos de titularidade coletiva, que, em síntese, englobam os direitos difusos[9] e direitos coletivos em sentido estrito[10]. Tratam-se de direitos sujeitos à indivisibilidade, ou seja, não é possível o fracionamento subjetivo da entrega desses direitos.
Ainda, pode-se pontuar que a doutrina constitucionalista diverge sobre a existência de outras gerações de direitos fundamentais, havendo divergência sobre quantas gerações teriam surgido e quais os respectivos direitos fundamentais. Não sendo o escopo do presente trabalho, in casu, adotar-se-á o entendimento majoritário da classificação de três gerações/dimensões de direitos fundamentais[11].
Isto posto, conforme destaca Luís Roberto Barroso, houve um retorno do pêndulo, com a inevitável crise do Estado Social. Segundo o il. Constitucionalista, “como natural e previsível, o Estado social rompeu o equilíbrio que o modelo liberal estabelecera entre público e privado. De fato, com ele se ampliou significativamente o espaço público, tomado pela atividade econômica do Estado e pela intensificação de sua atuação legislativa e regulamentar, bem como pelo planejamento e fomento a segmentos considerados estratégicos[12].
É dizer, o Estado tornou-se gigante ao desempenhar muitas funções na sociedade, e, como consequência, houve um aumento dos gastos públicos, acompanhado do necessário acréscimo da tributação para fazer frente a estes dispêndios e uma tendência à estagnação econômica nos países. Economistas neoliberais imputaram esta estagnação econômica ao aumento da tributação e dos gastos do Estado: se estaria, nesta linha de raciocínio, retirando dinheiro de onde se poderia estar investir na criação de empregos.
Consequentemente, a partir da crise do petróleo observada no século XX, iniciou-se um resgate da ideia de liberalismo econômico, que resultou em medidas de desestatização, que ocorreu na Europa e EUA no início dos anos 80, com objetivo de reduzir o tamanho do Estado e o déficit público e, por outro lado, aprimorar a eficiência do Estado.
Com esta nova leva de liberalismo econômico, o Estado voltou-se a um papel de menor protagonismo, adotando um papel regulador na economia. Enquanto ao Estado cumpre o atendimento do mínimo necessário nas demais áreas de serviços públicos consagrados pelas segunda e terceira gerações de direitos fundamentais, à iniciativa privada, mais eficiente (em tese) cumpre atender as demais demandas da sociedade, como forma de diminuir o custo do Estado e movimentar a economia.
2.3. DA REDISCUSSÃO DO PAPEL DO ESTADO DESDE A DEFLAGRAÇÃO DA PANDEMIA DE 2020
Conforme delineado no presente trabalho, as fases do constitucionalismo são consequência do momento histórico pelo qual a sociedade perpassa. Neste sentido, o último marco estudado data dos anos 80 e o alastramento do neoconstitucionalismo.
Não se tratou de uma adoção unânime nos países, vez que a Europa, por exemplo, em maior ou menor medida, mantiveram-se com importante papel do Estado no Bem-Estar social, assim como a própria CF/88 brasileira traz no seu texto (apesar das recorrentes reformas) uma série de atribuições ao Estado de garantias sociais.
De todo modo, não se pode olvidar que o papel econômico do Estado, em suma, foi alterado após os anos 80, com a emersão do neoconstitucionalismo.
Entretanto, parece que a sociedade, de forma global (e talvez inédita), está diante de novo(s) marco(s) histórico(s) que se acumulam desde a deflagração do novo coronavírus.
É cristalino que eclode internacionalmente discussões acerca do papel dos Estados em face (a) a concentração de renda[13]; (b) ao avanço das inteligências artificiais e necessidade renda básica universal em decorrência da obsolescência de vários postos de trabalho e profissões[14]; (c) aos eventos decorrentes da mudança climática pode implicar necessidade de reassentamento populacional e alteração acelerada (e subsidiada) da urbanização e procedimento produtivos[15].
Contudo, pode-se destacar a importante e necessária atuação durante o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus como uma espécie de laboratório para emergir a discussão de um novo marco do constitucionalismo para atender às demandas que o neoconstitucionalismo pode carecer em responder e atender.
Com as necessárias medidas de contenção do vírus, a fim de salvar inúmeras vidas humanas, mais uma vez, as pessoas voltaram os olhos para o papel do Estado em suas diversas vertentes: garantidor da saúde; da manutenção de empregos e estímulos à economia, à salvaguarda de condições mínimas de sustento dos seus cidadãos impossibilitados de trabalhar, produtor de pesquisa e logística na encontra de remédios, vacina e sua distribuição, etc.
Neste mote, se antes se criticou o excesso de gastos do Estado Social, esta mesma característica que foi exigida dos Estados para amenizar os impactos negativos da pandemia (como injetar dinheiro na economia e mesmo a renda básica universal)[16].
Se (est)a pandemia foi contornada, novos desafios supra citados ainda estão sob um horizonte próximo, não sendo possível vislumbrar os impactos e médio e longo prazo na economia mundial. Ao que parece, no entanto, o papel do Estado está sendo, mais uma vez, ressignificado. E, possivelmente, novas leis mais garantidoras de direito sociais e fundamentais terão maior apelo nos cidadãos ou por eles serão exigidos. Nesta toada, não se vislumbra distante um aumento da participação dos Estados na gestão de saúde pública ou mesmo o alastramento de políticas econômicas lastreadas em rendas básicas e garantia de moradia à medida que se tornaram recorrentes a existência de refugiados ambientais[17].
3. CONCLUSÃO
Diante todo o exposto, verifica-se que o constitucionalismo incorpora os movimento histórico-cultural e de natureza jurídica, política, filosófica e social, com vistas à limitação do poder e à garantia dos direitos, que levou à adoção de constituições pela maioria dos Estados, especialmente no que concerne à constituição formal (escrita).
Neste mote, o constitucionalismo moderno está ligado ao Estado de Direito, visando a limitação do poder do Estado, antes Absolutista, a um conjunto de normas, como forma de proteger o indivíduo. Trata-se de uma visão que eclodiu das revoluções burguesas e cujas novas fases ao longo dos últimos quase dois séculos foram sendo detectadas e classificadas pela doutrina. Em síntese, temos a fase do constitucionalismo liberal, em consonância com o ideário de liberalismo econômico e político (Estado Mínimo) e com os direitos fundamentais de primeira geração (ou dimensão). Ainda, temos a fase do constitucionalismo social, consequente do Estado do Bem-Estar Social pós Segunda Guerra Mundial e das segunda e terceira gerações (dimensões) de direitos fundamentais. Por fim, tem-se o Neoconstitucionalismo, como um “retorno do pêndulo” das políticas sociais para uma visão neoliberal, restando um novo modelo de Estado mínimo, atrelado a uma função mais regulatória e menos intervencionista nos problemas sociais e econômicos.
Contudo, cumpre destacar que o neoconstitucionalismo, apesar de fortemente observado nos países, pós anos 1980, além de não ter sido um movimento unânime, restando importantes Estados com o modelo de Estado social, também apresenta, atualmente, um momento de fragilidade prática em sua manutenção nos países que adotaram tal modelo.
É dizer, desde a deflagração da pandemia, houve um clamor por um papel intervencionista do Estado em políticas sociais e econômicas, voltadas a garantir o sustento de seus cidadãos, que, em razão de medidas coibitivas à atividade econômica, impôs à população incertezas quanto o próprio sustento. Com isso, ganharam força políticas e normas de forte cunho social, como a renda básica universal e cujas consequências somente serão observáveis em médio ou longo prazo. Vale destacar que, com os novos desafios que se avizinham, também de impacto global, e.g. obsolescência de empregos em razão do avanço da inteligência artificial e eventos climáticos, parece que a maior participação do Estado na garantia de direitos fundamentais e intervenção direta na economia tende não só a se manter, mas como aumentar e se capilarizar.
Assim, se todas as fases do constitucionalismo moderno advieram de marcos históricos que alteraram como as sociedades viam o papel do Estado, inequivocadamente, a pandemia de 2020 pode ser caracterizada como um desses marcos, aptos a talvez, indicar um (neo)constitucionalismo social.
BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense. 2018.
BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo: Saraiva. 2. Ed. 2010.
DECICINO, Ronaldo. Refugiados ambientais - Catástrofes naturais causam êxodo. Disponível em <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/refugiados-ambientais-catastrofes-naturais-causam-exodo>. Acesso em 27 de abr. de 2024.
J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. ed.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
PORTELA, Graça. Artigo alerta sobre desafios de adaptação das metrópoles às mudanças climáticas. Disponível em < https://portal.fiocruz.br/noticia/2024/03/artigo-alerta-sobre-desafios-de-adaptacao-das-metropoles-mudancas-climaticas>. Acesso em 25 de maio de 2024.
SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional – 7. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
Pandemia renova ideias de emprego e renda universais. Cnnbrasil, 2020. Disponível em <https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/11/25/pandemia-renova-ideias-de-emprego-e-renda-universais>. Acesso em 03 de jan. de 2021.
[1] Para fins didáticos, estabelece-se no presente trabalho como “constitucionalismo moderno” aquele cuja titularidade é atribuída ao povo para o exercício do poder constituinte.
[2] BARCELLOS, Ana Paula de. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Forense. 2018. p. 24.
[3] J. J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, 7. ed., p. 51.
[4] Não se desconhece que, entre os instrumentos que lastreiam o constitucionalismo liberal estão o liberalismo político, o liberalismo econômico, a democracia, a separação dos poderes e a definição de direitos fundamentais (de primeira geração). No entanto, para o objeto do presente trabalho, optou-se pela sintetização destes instrumentos e destaque do liberalismo político, que, em última análise, transborda e/ou influi diretamente nos demais.
[5] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 79.
[6] Neste contexto, pode-se destacar como grande crítico ao modelo de liberalismo econômico, Karl Marx, que introduziu a crítica socialista do modelo que, em sua visão, estaria garantindo a exploração do homem pelo homem.
[7] LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. p. 80.
[8] BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo: Saraiva. 2. Ed. 2010. p. 84.
[9] São direitos titularizados por uma coletividade indeterminada. Ou seja, o titular é um grupo de pessoas que não se consegue identificar, porque elas estão unidas por ações meramente de fato e não de direito. O exemplo clássico é o direito ao meio ambiental ecologicamente equilibrado
[10] São direitos cujo titular é uma coletividade determinada e é possível a identificação precisa dessa coletividade, porque elas estão em unidade por uma relação juridicamente de base (por exemplo, um contrato
[11] Neste sentido, destaca-se as lições de Ingo Wolfgang Sarlet: “A controvérsia que se estabelece em torno do reconhecimento de “novas” dimensões de direitos humanos e fundamentais, para além das três dimensões já tematizadas, merece um enfrentamento particularizado, considerando especialmente as perplexidades e dúvidas que suscita. Sem que se vá, ainda, avaliar de modo crítico-reflexivo tal fenômeno, é de se referir a existência – limitando-nos aqui a contribuições de autores brasileiros – de teorizações que sugerem a existência não só de uma quarta, mas também de uma quinta e até mesmo de uma sexta dimensão em matéria de direitos fundamentais. Assim, impõe-se examinar, num primeiro momento, o questionamento da efetiva possibilidade de se sustentar a existência de uma nova dimensão dos direitos fundamentais, ao menos nos dias atuais, de modo especial diante das incertezas que o futuro nos reserva. Além do mais, não nos parece impertinente a ideia de que, na sua essência, todas as demandas na esfera dos direitos fundamentais gravitam, direta ou indiretamente, em torno dos tradicionais e perenes valores da vida, liberdade, igualdade e fraternidade (solidariedade), tendo, na sua base, o princípio maior da dignidade da pessoa. Contudo, há que referir a posição de Paulo Bonavides, que, com a sua peculiar originalidade, se posiciona favoravelmente ao reconhecimento da existência de uma quarta dimensão, sustentando que esta é o resultado da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional, que corresponde à derradeira fase de institucionalização do Estado Social” (in Direito constitucional. 7. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018. 336. p.)
[12] BARROSO, Luís Roberto. Direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção de um novo modelo. São Paulo: Saraiva. 2. Ed. 2010. p. 84.
[13] MACIEL, Camila. Patrimônio dos 26 mais ricos do mundo equivale ao da metade mais pobre. Disponível em < https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-01/patrimonio-dos-26-mais-ricos-do-mundo-e-igual-ao-da-metade-mais-pobre>. Acesso em 23 de mar. de 2024.
[14] Disponível em: < https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2023/05/destruicao-criativa-acelerada-da-nova-perspectiva-a-renda-basica-universal.shtml>. Acesso em 12 de jan. de 2024.
[15] PORTELA, Graça. Artigo alerta sobre desafios de adaptação das metrópoles às mudanças climáticas. Disponível em < https://portal.fiocruz.br/noticia/2024/03/artigo-alerta-sobre-desafios-de-adaptacao-das-metropoles-mudancas-climaticas>. Acesso em 25 de maio de 2024.
[16] Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/11/25/pandemia-renova-ideias-de-emprego-e-renda-universais>. Acesso em 24 de dez. de 2023
[17] DECICINO, Ronaldo. Refugiados ambientais - Catástrofes naturais causam êxodo. Disponível em <https://educacao.uol.com.br/disciplinas/geografia/refugiados-ambientais-catastrofes-naturais-causam-exodo>. Acesso em 27 de abr. de 2024.
Advogada, Pós-graduada em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes (UCAM) e graduada pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CUNHA, Camila Fonseca da. O constitucionalismo moderno, o neoconstitucionalismo e uma discussão acerca do novo papel do Estado desde a deflagração da pandemia do novo coronavírus Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2024, 04:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/65511/o-constitucionalismo-moderno-o-neoconstitucionalismo-e-uma-discusso-acerca-do-novo-papel-do-estado-desde-a-deflagrao-da-pandemia-do-novo-coronavrus. Acesso em: 24 dez 2024.
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