RESUMO: Ao longo da história o processo penal foi sendo aprimorado e tendo sua aplicação de acordo com a realidade atual. Ressalta-se que, embora haja diversos avanços na seara penal, ainda é notória a existência de lacunas a serem preenchidas, uma delas é justamente a composição dos jurados no Tribunal de Júri, uma vez que podem atuar de maneira parcial e trazer grandes impasses ou injustiças diante de um processo penal delicado e de grande relevância para a sociedade. O presente trabalho tem como objetivo retratar sobre o Tribunal do Júri e as problemáticas oriundas da formação do corpo de jurados, bem como os requisitos para ser jurado e as possíveis consequências da tomada de decisão de um crime. Os jurados possuem o poder de decisão no Tribunal do Júri, nos casos de crimes dolosos contra a vida. Sendo de suma importância os votos para que se realize o julgamento em face do réu, seja ele condenado ou absolvido. Diante da importância do Tribunal do Júri, faz-se necessário analisar sobre a responsabilidade de pessoas comuns do povo, inseridas para atuar na composição de jurados, para tomar decisão diante de crimes que possuem extrema relevância para a comunidade como um todo.
Keywords: jury court, jurors, problematic, crime malicious.
ABSTRACT: Throughout history, the criminal process has been improved and having its application according to the current reality. It is emphasized that, although there are several advances in the criminal field, it is still notorious the existence of gaps to be filled, one of them is precisely the composition of the jurors in the Jury Court, since they can act partially and bring great impasses or injustices before a delicate criminal process and of great relevance to society. The present work aims to portray on the Court of the Jury and the problems arising from the formation of the jury, as well as the requirements to be sworn and the possible consequences of the decision of a crime. Jurors have the power to judge the Court of the Jury in cases of crimes committed against life. Being of paramount importance the vows to hold the trial in the face of the defendant, whether he is convicted or acquitted. Given the importance of the Court of the Jury, it is necessary to analyze the responsibility of ordinary people of the people inserted to act in the composition of jurors to make decisions in the face of crimes that have extreme relevance to the community.
1 Introdução
O Tribunal do Júri foi instituído no Brasil em 1822 e atualmente possui a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, seja ele de forma tentada, consumada e/ou conexas, conforme estabelece o art.78 do Código de Processo Penal.
Tal Tribunal possui o poder de julgar, todavia, nesse procedimento, o juiz será substituído por 7 (sete) jurados que constituirão o Conselho de Sentença, sendo estes meros cidadãos do corpo social, não possuindo a necessidade de conhecimento acerca da área jurídica, tendo que decidir sobre o futuro dos réus, de acordo com a sua íntima convicção.
Diante do dever de julgar daqueles que compõem o Tribunal do Júri que, diga-se de passagem, é de extrema responsabilidade, podendo condenar ou absolver, sempre haverá repercussões dentro do âmbito social, de modo que a composição dos jurados pode atuar tanto de maneira parcial ou imparcial, uma vez que não possuem conhecimento técnico.
Tendo em vista a relevância do Tribunal do Júri e da importância da decisão que os jurados possuem, questiona-se na exatidão dos votos, bem como a influência e a imparcialidade, uma vez que, para que seja jurado, em regra, precisa preencher alguns requisitos, tais como: ser maior de 18 anos de idade, ter notória idoneidade, sendo de caráter obrigatório.
O intento do presente artigo científico é relatar sobre os impasses existentes na composição do Tribunal do Júri, no que consiste no poder de votar e decidir sobre a vida do réu a partir do chamado júri popular que possui relação aos crimes de interesse social, abordando sobre a atividade dos jurados, uma vez que são pessoas leigas e não possuem entendimento de cunho jurídico para a tomada de decisões, levando em consideração a gravidades dos crimes que são julgados nesse instituto.
2 Contexto Histórico do Tribunal do Júri
A introdução do Tribunal do Júri ocorreu antes da declaração da independência, pela Lei de 18 de julho de 1822, com influências oriundas das mudanças ocorridas em Portugal, tendo, também, influência inglesa.
Todavia, à época, não tratava de crimes dolosos contra a vida, mas sim, possuía competência para tratar de crimes de imprensa.
Posteriormente, em 1824, houve, de fato, a consolidação do Tribunal do Júri em consequência da promulgação da Constituição Federal, pelo imperador D. Pedro. Conforme a Constituição Imperial passou a integrar o Poder Judiciário como um de seus órgãos, tendo sua competência estendida para julgar causas cíveis e criminais, tendo sido sedimentado no Brasil, que instaurava em seu art. 151:
"O Poder Judicial é independente, e será composto por juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível, como no crime nos casos, e pelo modo, que os Códigos determinarem."
É nesse ambiente político conturbado e de liberdade da Metrópole que nasceu o júri, na Lei de 18 de julho de 1822, antes, portanto, da independência (7 de setembro de 1822) e da primeira Constituição brasileira (25 de março de 1824) e, ainda sob o domínio português, mas sob forte influência inglesa. Na época, o júri era apenas para os crimes de imprensa e os jurados eram eleitos. (RANGEL, 2018, p. 69).
Em 1871, houve a promulgação da Lei nº 2.033, sendo responsável por algumas alterações, no que tange a respeito da organização judiciária, de modo que, a formação da culpa e pronúncia, mas não abrangia sobre os crimes graves, sendo de competência do juiz togado. Em análise, é possível depreender a existência do sistema inquisitório, tendo em vista mantinha o recolhimento de provas sob a responsabilidade do Estado, ente responsável pela acusação.
Nesse contexto, era possível analisar que as proveniências inquisitórias eram travestidas com a fantasia democrática, já que a produção de provas para a pronúncia era ordenada pelo mesmo ente que a proferia, mas agora com um status constitucional. (SIMIONI, 2010)
Já em 1890, houve a criação da primeira Constituição da República, a qual manteve o tribunal do júri, em oportuno, na matéria pertinente aos direitos e garantias individuais, foi estabelecido o Júri Federal através do Decreto nº. 848 daquele mesmo ano.
Com o Decreto de nº 848 de 1890, que instaurava o Júri Federal, havia a composição de 12 (doze) jurados, sendo sorteados dentre 36 (trinta e seis) cidadãos comuns da circunscrição judiciária.
Em 14 de julho de 1934, foi publicado o Decreto de nº 24.776, que tratava sobre a liberdade de imprensa. No mesmo capítulo, referente ao processo e julgamento, fora determinado no ordenamento jurídico brasileiro, um júri com composição reduzida.
Nele, ficou estabelecido a composição do tribunal do júri, cuja competência seria do tribunal especial, conforme aludido no art. 53 do Decreto:
Art. 53. O julgamento compete a um tribunal especial, composto do juiz de direito que houver dirigido a instrução do processo, como seu presidente, com voto, e de quatro cidadãos, sorteados dentre os alistados como jurados.
Posteriormente, com a Constituição de 1946, em seu capítulo II, dos direitos e das garantias individuais, foi mantida a instituição do júri, conforme verifica-se no art. 141, §28:
§ 28 - É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Na Carta de 1967, também se manteve, desta vez no art. 150, §18:
Art 150 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: § 18 - São mantidas a instituição e a soberania do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Em 17 de outubro de 1969, por rigor da Emenda Constitucional de nº 01, todavia, não havia mais citação à soberania, anteriormente sedimentada na Constituição de 1967, como é possível observar na redação da emenda, in verbis:
Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 18. É mantida a instituição do júri, que terá competência no julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Em outubro de 1988, houve a promulgação da atual Constituição Federal, instituindo o Tribunal do Júri, desta vez, como cláusula pétrea (dispositivo constitucional estabelecido como regra e que não pode sofrer nenhuma alteração) como estabelece o art. 5º, inciso XXXVIII, tendo a competência para julgar crimes dolosos contra a vida:
Art. 5º, XXXVIII: é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
[1]a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. (BRASIL,1988)
Ultrapassadas as Constituições de 1946, 1967 e 1969, e sob a Constituição democrática de 1988, permanece o Júri com sua soberania inalterada, como garantia constitucional, apesar de subsistir a polêmica quanto à conveniência de sua existência. É importante compreender, ainda que sem muitos detalhes técnicos, o funcionamento do Tribunal do Júri porque é ele, justamente, que vai julgar os crimes passionais nos quais o autor causa a morte da vítima ou, pelo menos, tenta fazê-lo. (LITUF, 2007, pág. 168/169).
Atualmente, nos julgamentos pelo tribunal do júri que uma parcela da população atua, no entanto, ainda com melhoramentos da legislação com o passar dos anos, há resquícios de falhas no ordenamento jurídico, no que tange às pessoas leigas na composição do tribunal.
3 Princípios basilares no Tribunal do Juri
A Constituição Federal norteia os princípios do Tribunal do Júri, vejamos:
Art. 5º, XXXVIII:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida. (BRASIL, 1988).
3.1 Plenitude de Defesa
O cânone da plenitude da defesa tem por fundamento exercer uma defesa inteira, total, ou seja, vai além da ampla defesa, que é o direito que o réu tem de defender-se de toda e qualquer acusação, direito esse que lhe é garantido constitucionalmente, tendo correlação com a defesa técnica e indo além da estratégia de defesa comum, de modo que o defensor aplica razões de natureza para além da natureza jurídica de ordem trivial (CAPEZ, 2012)
A garantia de plenitude da defesa, porém, não confere ao acusado a prerrogativa de ficar imune à vedação ao uso da prova ilícita, nem de sobrepor-se ao princípio do contraditório, daí por que ao acusador devem ser conferidas idênticas faculdades processuais, de modo a garantir o equilíbrio na relação processual (“paridade de armas”). (GONÇALVES; REIS, 2022 p.1087).
Nesse sentido, a Plenitude de Defesa permite que o acusado possa ter sua defesa, conforme os ditames legais, para que seja assegurado uma decisão justa, sem qualquer cerceamento, garantindo seu direito pleno da defesa.
3.2 Sigilo das Votações
O Sigilo das votações, além de constar na Constituição Federal, já supracitado no art. 5º, XXXVIII, alínea b, também está expresso no art.485 do Código de Processo Penal:
Art. 485. Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação.
§ 1o Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo.
§ 2o O juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida qualquer intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará retirar da sala quem se portar inconvenientemente. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008). (BRASIL, 1941).
Nesse princípio, ocorre a incomunicabilidade dos jurados, para que ocorra uma decisão imparcial, preponderando o sistema da íntima convicção.
O segredo das votações é postulado que se origina da necessidade de manter os jurados a salvo de qualquer fonte de coação, embaraço ou constrangimento, por meio da garantia de inviolabilidade do teor de seu voto e do recolhimento a recinto não aberto ao público (sala secreta) para o processo de votação. (GONÇALVES; REIS, 2022 p.1088).
Antes do sorteio dos membros do Conselho de Sentença é informado sobre a incomunicabilidade dos integrantes para garantir a efetividade do procedimento e que não haja a inviolabilidade do princípio, conforme expõe o art. 466, § 1º:
Art. 466. Antes do sorteio dos membros do Conselho de Sentença, o juiz presidente esclarecerá sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades constantes dos arts. 448 e 449 deste Código.
§ 1o O juiz presidente também advertirá os jurados de que, uma vez sorteados, não poderão comunicar-se entre si e com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa, na forma do § 2o do art. 436 deste Código. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008). (BRASIL, 1941).
Após a votação de cada quesito, verificados os votos, o presidente mandará que o escrivão escreva o resultado em termo especial, sendo tomada a decisão por maioria dos votos, conforme o Código de Processo Penal:
Art. 488. Após a resposta, verificados os votos e as cédulas não utilizados, o presidente determinará que o escrivão registre no termo a votação de cada quesito, bem como o resultado do julgamento.
Parágrafo único. Do termo também constará a conferência das cédulas não utilizadas.
Art. 489. As decisões do Tribunal do Júri serão tomadas por maioria de votos. (BRASIL, 1941)..
Verifica-se que tal princípio visa assegurar a exclusão de fontes externas, para não haver influência e se ter um resultado justo.
3.3 Soberania dos Veredictos
A Soberania dos veredictos é um dos princípios primordiais, uma vez que assegura o efetivo poder jurisdicional não podendo o Tribunal substituir a decisão dos jurados, condenando ou absolvendo o réu.
Caso haja decisão contrária a prova dos autos, tendo em vista que a decisão não pode ser modificada por juízes, deverá ser realizada por outro Conselho de Sentença.
Todavia, é pacífica a recorribilidade na soberania dos veredictos, no que tange os casos especiais, de modo que não há violação do princípio, como é o caso da revisão criminal, conforme art. 593 do Código de Processo Penal:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos. (BRASIL, 1941).
Bem como a possibilidade de realizar a revisão criminal, com fulcro no art. o 621 do Código de Processo Penal:
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena. (BRASIL, 1941)
Da soberania dos veredictos decorre a conclusão de que um tribunal formado por juízes togados não pode modificar, no mérito, a decisão proferida pelo Conselho de Sentença. Por determinação constitucional, incumbe aos jurados decidir pela procedência ou não da imputação de crime doloso contra a vida, sendo inviável que juízes togados se substituam a eles na decisão da causa. (LIMA, 2019).
3.4 Da Competência do Tribunal do Júri
A competência do Tribunal do Júri está elencada no art. 74 § 1ª do Código de Processo Penal, que dispõe:
Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados. (BRASIL, 1941).
O tribunal do júri possui a competência de julgar os crimes dolosos, quais sejam: o homicídio doloso (incluindo o feminicídio), o infanticídio, o auxílio, induzimento ou instigação ao suicídio e o aborto, em suas formas consumadas ou tentadas.
Tal competência não se trata de um rol taxativo, podendo ser abrangida a qualquer tempo por leis infraconstitucionais. Além disso, pode o júri estender o julgamento para além dos crimes previstos a sua competência, quando estes forem infrações conexas, incluindo infrações de menor potencial ofensivo. (ALVES; MASTRODI NETO, 2016, p. 7)
Ademais, insta salientar que, se um crime doloso contra a vida for praticado com conexão a outro crime que não seja de competência do Tribunal do Júri, caberá ao Júri o julgamento de ambos os crimes, conforme entendimento jurisprudencial:
EMENTA: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO E SEQUESTRO - ANÁLISE DO CRIME CONEXO - COMPETÊNCIA DO JÚRI. O crime de sequestro, conectado ao doloso contra a vida, deverá ser submetido ao Júri Popular, competente para julgar o evento em sua integralidade.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA. APURAÇÃO DE FATOS DELITUOSOS CONEXOS AO CRIME DE HOMICÍDIO TENTADO. CONEXÃO PROBATÓRIA EVIDENCIADA. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO TRIBUNAL DO JÚRI. 1) Havendo clara conexão probatória entre os crimes de homicídio tentado e de tráfico de drogas, porte irregular de arma de fogo e receptação, compete ao Juízo Especializado no Tribunal do Júri o processamento e julgamento do delito doloso contra a vida, bem como dos crimes a ele conexos, em obediência ao disposto nos artigos 74, 76 e 78 do Código de Processo Penal. 2) CONFLITO CONHECIDO E JULGADO PROCEDENTE, PARA DECLARAR COMPETENTE O JUÍZO SUSCITADO.
De maneira resumida, competência do Tribunal do júri abrange o julgamento de crimes repugnantes diante da sociedade, muitas vezes pelo modus operandi, causando repulsa e gerando audiência sobre o caso, uma vez que se trata sobre o maior bem: a vida.
Nessa conjuntura, dentre os bens jurídicos de que o indivíduo é titular e para cuja proteção à ordem jurídica vai ao extremo de utilizar a própria repressão penal, a vida destaca-se como o mais valioso. A conservação da pessoa humana, que é a base de tudo, tem como condição primeira a vida, que, mais que um direito, é condição básica de todo direito individual, porque sem ela não há personalidade, e sem esta não há que se cogitar de direito individual (BITENCOURT, 2001, p. 27).
4 DOS FATORES PROBLEMÁTICOS
4.1 Falta de Capacidade Técnica Jurídica dos Jurados
Inicialmente, o art.436 do Código de Processo Penal elege alguns requisitos, a saber:
Art. 436. O serviço do júri é obrigatório. O alistamento compreenderá os cidadãos maiores de 18 (dezoito) anos de notória idoneidade. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008). (BRASIL, 1941).
Os jurados são convocados segundo requisição do juiz, conforme §2º do art. 425 do Código de Processo Penal:
Art. 425. § 2o O juiz presidente requisitará às autoridades locais, associações de classe e de bairro, entidades associativas e culturais, instituições de ensino em geral, universidades, sindicatos, repartições públicas e outros núcleos comunitários a indicação de pessoas que reúnam as condições para exercer a função de jurado. (Incluído pela Lei nº 11.689, de 2008). (BRASIL, 1941).
A composição do Conselho de Sentença do Tribunal do Júri está expressa no artigo 447 do Código de Processo Penal, que informa:
Art. 447. O Tribunal do Júri é composto por 1 (um) juiz togado, seu presidente e por 25 (vinte e cinco) jurados que serão sorteados dentre os alistados, 7 (sete) dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento. (Redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008)
Nota-se que o cidadão deve estar em pleno gozo dos direitos políticos; não ter sido processado criminalmente; prestar o serviço gratuitamente. Salienta-se que não poderá atuar como jurado os elencados nos artigos 448 e 449 do Código de Processo Penal.
Verifica-se que qualquer cidadão, desde que preencha os requisitos básicos exigidos, poderá ser um particular em colaboração. Dito isto, significa dizer que não há óbice para ingressar como jurado uma pessoa com baixa escolaridade, por exemplo.
Nessa linha, Aury Lopes Júnior, retrata: Os jurados carecem de conhecimento legal e dogmático mínimo para a realização dos diversos juízos axiológicos que envolve a análise da norma penal e processual penal aplicável ao caso, bem com uma razoável valoração da prova. É grave paradoxo apontado por FAIREN GUILLEN: um juez lego, ignorante da la Ley, no puede aplicar um texto de la Ley porque no la conoce.- Um juiz leigo, ignorante da Lei, não pode aplicar o texto da Lei porque não o conhece. (LOPES JÚNIOR, 2016, p. 858)
Quando se fala em conhecimento mínimo, não significa dizer sobre a exigência de conhecimento aprofundado por partes dos jurados, mas uma base mínima para se ter competência para julgar e analisar as provas existentes.
Salienta-se que as provas são obtidas durante a primeira fase processual, que será presidida por um juiz togado, do qual verificará se os elementos apresentados, ditas suficientes para enviar o acusado para julgamento de seus pares. Isso ocorre sem a vigilância dos jurados.
A falta de profissionalismo, de estrutura psicológica, aliados ao mais completo desconhecimento do processo e de processo, são graves inconvenientes do Tribunal do Júri. Não se trata de idolatrar o juiz togado, muito longe disso, senão de compreender a questão a partir de um mínimo de seriedade científica, imprescindível para o desempenho do ato de julgar. (LOPES JÚNIOR, 2004, p.171).
Nesse sentido, é preciso que o jurado tenha conhecimento sobre aquilo que está sendo tratado, não podendo ele estar perdido quanto ao conteúdo tratado, tendo em vista que “Pelos jurados não possuírem conhecimentos jurídicos, se tornam mais vulneráveis ao convencimento baseado na retórica, e não nas provas efetivamente colhidas nos autos” (OLIVEIRA, Laís. 2017 p. 11).
Logo, diante da falta de conhecimento mínimo, as decisões dos jurados podem gerar falhas e, consequentemente, injustiças irreparáveis, tanto para a vítima, o Estado e o próprio réu
4.2 Da Inexigência de Fundamentação nas Decisões Proferidas
O princípio da íntima convicção foi adotado pelo Código de Processo Penal, sendo aplicável aos casos de competência do Tribunal do Júri. Tal princípio é, de fato, de acordo com a sua íntima convicção do jurado, não precisando, portanto, fundamentar a decisão em nenhum dispositivo de lei.
A Constituição Federal determina que as decisões do Poder Judiciário devem ser fundamentadas, in verbis:
Art. 93. IX - Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes. (BRASIL, 1988).
Ademais, também na Constituição Federal, é garantido o princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5º, inciso LIV, sendo um direito fundamental:
Art. 5 ºLIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (BRASIL, 1988).
Todavia, constantemente as decisões dos jurados se caracterizam apenas pela argumentação das partes, que acaba sendo convencida para o seu veredicto, e não pela verdade dos fatos, uma vez que não há exigência de fundamentação para tal, de modo que não precisam expor suas razões, o que vai de encontro com o direito fundamental estabelecido na Constituição Federal.
Se o Estado estabelece com sua Constituição um compromisso ético com o indivíduo, em si, participante que é da vida pública, não pode negar-lhe os direitos e garantias fundamentais, dentre eles o direito ao devido processo legal, que exige a fundamentação das decisões judiciais. (RANGEL, 2018, p.23).
Nesse sentido, uma vez que não há fundamentação para que se realize a decisão, em regra, estamos diante de um cerceamento de defesa, que pode gerar a nulidade, bem como preconiza o doutrinador Rangel: A Constituição Brasileira de 1988 consagrou em seu texto, de forma dogmática, a publicidade e a fundamentação como princípios a serem obedecidos nas decisões judiciais, onde a desobediência a estes princípios acarretará a sanção de nulidade a estas decisões não fundamentadas (2014, p. 826).
Outrossim, caberá ao magistrado apenas aplicar a pena ao réu, sem realizar comentários sobre a decisão tomada pelos jurados: No Tribunal do Júri, não há necessidade de relatório ou fundamentação, pois se trata de ato jurisdicional vinculado ao veredicto dado pelos jurados. Estes, por sua vez, em exceção constitucionalmente assimilada pelo princípio do sigilo das votações, decidem por livre convicção plena, sem fornecer qualquer motivação. Assim, descabe ao magistrado tecer comentários sobre a culpa ou inocência do acusado, bastando-lhe fixar a pena, que é justamente o dispositivo. Neste, entretanto, deve dar a fundamentação para a sanção penal escolhida e concretizada (NUCCI, 2008, p. 659).
Ademais, a íntima convicção despida de qualquer fundamentação permite a incoerência de que alguém seja julgado a partir de qualquer elemento, o que violenta a segurança social e o respeito aos direitos humanos, haja vista que o objetivo é conciliar a tutela da segurança social com respeito à pessoa humana (REALE JÚNIOR, 1983, p.81)
A decisão a ser tomada é desprovida de qualquer fundamento. Os jurados apenas votam, sendo favorável ou não, sem precisar apresentar qualquer justificativa de seu convencimento.
Conforme Bandeira (2010, p. 37) é de suma importância uma análise crítica do Tribunal do Júri com uma visão voltada ao Estado Democrático de Direito, colocando frente a frente as regras do Código de Processo Penal de 1941 com os princípios constitucionais, para que seja conferida sua validade. Isto no sentido de evitar em nosso sistema infraconstitucional normas “moribundas”, que apesar de estarem em vigor não se sustentam como normas validadas pela Constituição Federal de 1988.
O modelo atual do Tribunal do Júri não pode prosseguir da forma que se encontra, ou seja, sem uma justificação e fundamentação devida, tendo em vista que pode gerar inconvenientes.
Logo, “a inexistência de motivação das decisões proferidas pelos jurados faz com que o julgamento possua alta carga subjetiva, já que a decisão é baseada na íntima convicção, não necessitando fundar-se unicamente nas provas colhidas nos autos.” (OLIVEIRA, Laís. 2017, p. 9).
Não há dúvida, portanto, de que há no júri expresso exercício de poder que, como tal, deve ser democrático, sob pena de invalidar a decisão dos jurados. Logo, não basta a decisão ser apenas por maioria; ela tem que estar comprometida com a liberdade do outro, ou seja, deve haver um compromisso ético, na decisão, que somente será alcançado pela plena comunicação entre o conselho de sentença e sua necessária fundamentação (RANGEL, 2007, p. 19).
4.3 Possível Parcialidade nas Decisões por Influência da Mídia
O Princípio da Plenitude de Defesa é consagrado para não haver parcialidade, bem como com o objetivo de fazer com que a defesa do réu não fique prejudicada.
No entanto, tendo em vista que os jurados são populares, sendo pessoas comuns do povo, e são convencidos pelas partes, sofrem diversas influências externas, podendo julgar de forma parcial.
No âmbito do júri, pode-se dizer que, ao invés de se valer da prova constante dos autos, as partes tentam formar o convencimento dos jurados apelando para uma anterior decisão do juiz presidente ou do Tribunal acerca do caso concreto. Como os jurados são pessoas leigas, geralmente desprovidas de conhecimento técnico, podem ser facilmente influenciados no sentido da condenação (ou absolvição) do acusado se lhes for revelado o entendimento do juiz togado acerca do caso concreto. Daí a importância de se vedar a utilização do argumento de autoridade. (LIMA, 2019, p. 1451).
Um dos motivos de haver uma possível parcialidade é o medo urbano ocasionado pela mídia, como colaciona Rangel, 2018, p.39: O júri, por sua vez, contaminado pelo medo urbano, acaba decidindo pelo medo que sente dos seus medos internos e inconscientes exteriorizados na vida do outro, durante o julgamento. Não são poucos os jurados que, após o julgamento, afirmam ter passado por situação idêntica àquele objeto de julgamento e que, portal razão, sabem que aquilo que foi dito pela acusação (ou pela defesa) é verdadeiro, mesmo que as provas dos autos não sejam tão convincentes assim. É o famigerado princípio da íntima convicção em desarmonia com a Constituição da República (art. 93, IX), que exige que toda e qualquer decisão judicial seja fundamentada, sob pena de nulidade, e a do júri não pode fugir desse imperativo. Se assim o fosse, dar-se-ia transparência às decisões do júri.
Ademais, há a influência da mídia nos casos de grande repercussão, interferindo na análise e julgamento do caso, criando uma grande pressão social e muitas notícias provocando no público maior curiosidade sobre o assunto.
Esse fator colabora ainda mais para que os jurados baseiem suas decisões nas notícias e exposições, que fogem ao objetivo de mero repasse de informações, pela mídia. Assim, uma eventual prova de inocência do acusado submetida ao plenário de nada adiantará, de modo que, os julgamentos antecipados exercidos pela mídia influenciam os jurados de modo fácil e concreto. (SILVA, 2016)
Para julgar não basta o bom senso, nem tampouco o rigorismo com o delinquente. “A tarefa é muito mais vasta e complexa e requer, por isso, amadurecimento e reflexão baseada em conhecimentos científicos bem sedimentados” (MARQUES, 1997, p. 26).
5 Considerações Finais
Como já retratado, os jurados no Tribunal do Júri exercem o papel de decidir se o réu é culpado, ou inocente, com base nas teses defendidas em Plenário.
Foi criado como forma de garantir a participação do povo no julgamento e prevenir o poder absoluto de decidir nas mãos do estado.
O tribunal do júri possui competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, os quais estão elencados no Código Penal, havendo casos excepcionais,
Ademais, tal instituto é considerado Cláusula Pétrea, não podendo ser abolido, sendo seus princípios assegurados no art.5°, inciso XXXVIII, da Constituição Federal.
Em que pese o Tribunal do Júri ser de extrema importância, garantindo que o réu seja julgado por seus pares, sendo pessoas do povo e tratar de crimes de alta relevância para a sociedade, tendo em vista os crimes bárbaros contra a vida, tal instituto ainda é exercido com algumas incoerências, possuindo algumas falhas a serem sanadas, uma vez que os jurados podem exercer seu poder de voto de maneira contraditória às provas constantes nos autos, de modo a prejudicar a decisão.
Nessa linha, diante de algumas falhas que ocorre no Tribunal do Júri, precipuamente no que diz respeito aos jurados, concluiu-se que algumas situações óbvias precisam ser corrigidas.
Desse modo, uma das falhas é a existência de influência da mídia e da sociedade que julgamento, visto que a exposição dos fatos pela mídia e na sociedade anteriormente ao processo pode fazer com que os cidadãos que participam do Conselho de Sentença.
Com a informação, ou o excesso delas, uma vez que a mídia muitas vezes expõe de forma exacerbada a notícia em relação ao caso a ser julgado, fazendo com que tomem o pré-convencimento, chegando à sessão de julgamento com a decisão praticamente formado.
Outra falha que ocorre no Tribunal do Júri é a não exigibilidade de conhecimento técnico por parte dos jurados, tendo em vista que não precisam ter o mínimo de saber jurídico para figuar o papel de jurado, bastando preencher requisitos básicos, sem exigência do conhecimento efetivo da lei. Tal situação possui um caráter duvidoso, tendo em vista que uma pessoa comum do povo exerce um poder extremamente sério, já que decidirá sobre crimes dolosos contra a vida, sem conhecer o âmbito jurídico é muito mais fácil haver erros e consequências irreversíveis.
De igual modo, a falta de fundamentação por parte dos jurados acerca da decisão tomada, é uma contrariedade no instituto, uma vez que a Constituição Federal exige a fundamentação das decisões, sob pena de nulidade. O que não acontece nas decisões realizadas pelos jurados, já que não existe exigência de fundamentação, somente prevalecendo sua íntima convicção. Tal modalidade, exercida sobre a falta de qualquer fundamentação diante das decisões pelos jurados, o que pode causar prejuízo, podendo dificultar ao réu o direito de recurso, já que o dever de fundamentar garante o direito à ampla defesa e ao contraditório.
Assim, diante o exposto no presente estudo, conclui-se que o Tribunal do Júri, embora seja instituto de suma importância a sociedade, por conta de possuir natureza democrática, todavia, sua estrutura possui muitas fissuras, sofrendo diversas críticas por parte doutrinadora, onde se ressalta a vulnerabilidade do banco de réus, diante as fragilidades que o Conselho de Sentença enfrenta durante os julgamentos.
Logo, tais características estabelecidas em face do Tribunal do Juri, no que tange a votação por parte de jurados leigos, carecem de revisões para que se tenha um resultado justo e conciso, tendo em vista se tratar de crimes dolosos contra a vida, que necessita de extremo cuidado na decisão, para haver condenação de pessoas inocentes e inocentar culpados.
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Graduada em Direito pelo Centro Universitário do Norte - UNINORTE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Yana Paiva da. A problemática do corpo de jurados na composição do tribunal do júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 maio 2024, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /65316/a-problemtica-do-corpo-de-jurados-na-composio-do-tribunal-do-jri. Acesso em: 29 dez 2024.
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