ISABELLA LEONEL CEREDA
(orientadora)
Resumo: O estudo investiga os desafios jurídicos e sociais enfrentados pela população LGBTQIAPN+ no sistema prisional brasileiro, avaliando a eficácia das leis de proteção aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição de 1988. O objetivo central é compreender como as políticas públicas e práticas institucionais afetam a dignidade, segurança e saúde dessa população em um contexto de privação de liberdade. A metodologia adotada é qualitativa e exploratória, baseada em análises bibliográficas e documentais, utilizando o método hipotético-dedutivo para formular hipóteses e avaliar intervenções necessárias. Os resultados evidenciam lacunas estruturais significativas no cumprimento das políticas inclusivas existentes, com destaque para a falta de segurança, inadequações no respeito à identidade de gênero e exposição a elevados níveis de violência e discriminação. Apesar de esforços normativos, como a Resolução Conjunta nº 1/2014, sua aplicação permanece inconsistente, agravada por barreiras culturais e limitações de infraestrutura. Esses fatores perpetuam a marginalização e vulnerabilidade dos indivíduos LGBTQIAPN+ em ambientes carcerários. Conclui-se que a criação de políticas públicas mais inclusivas, capacitação contínua dos agentes penitenciários e monitoramento rigoroso são essenciais para garantir condições dignas e respeitosas no sistema prisional. As medidas propostas incluem a segregação em alas específicas, acesso à saúde integral e adoção do nome social, promovendo um ambiente mais seguro e humano para todos.
Palavras-chave: Sistema Carcerário; Direitos Humanos; LGBTQIAPN+; Inclusão; Políticas Públicas.
Abstract: Abstract: The study investigates the legal and social challenges faced by the LGBTQIAPN+ population in the Brazilian prison system, evaluating the effectiveness of laws protecting fundamental rights guaranteed by the 1988 Constitution. The central objective is to understand how public policies and institutional practices related to dignity, safety and health of this population in a context of deprivation of liberty. The methodology adopted is qualitative and exploratory, based on bibliographic and documentary analyses, using the hypothetical-deductive method to formulate hypotheses and evaluate rigorous decisions. The results highlight significant structural gaps in compliance with existing inclusive policies, with emphasis on the lack of security, inadequacies in respect for gender identity and exposure to high levels of violence and discrimination. Despite regulatory efforts, such as Joint Resolution No. 1/2014, its application remains inconsistent, worsened by cultural barriers and infrastructure limitations. These factors perpetuate the marginalization and vulnerability of LGBTQIAPN+ individuals in prison environments. It is concluded that the creation of more inclusive public policies, the continuous training of prison officers and rigorous monitoring are essential to guarantee dignified and respectful conditions in the prison system. The proposed measures include segregation in specifications, access to comprehensive healthcare and the adoption of a social name, promoting a safer and more humane environment for everyone.
Keywords: Prison System; Human Rights; LGBTQIAPN+; Inclusion; Public Policies.
Nas últimas décadas, o Brasil tem avançado na visibilidade e inclusão dos direitos das pessoas LGBTQIAPN+, especialmente com iniciativas que promovem o reconhecimento estatístico e social desses grupos. Um exemplo relevante é a inclusão de dados sobre população transgênero, travesti e não binária pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Contudo, a visibilidade por si só não garante proteção e respeito a esses grupos, especialmente em contextos de vulnerabilidade extrema.
A Constituição Federal de 1988, ao garantir princípios fundamentais de igualdade e dignidade, assegura que todos os cidadãos, incluindo aqueles que são privados de liberdade, tenham seus direitos resguardados. No entanto, apesar das proteções constitucionais, pessoas LGBTQIAPN+ encarceradas enfrentam discriminação, abusos e violência, que refletem uma resistência estrutural às suas identidades e expressões de gênero. Embora os Princípios de Yogyakarta10, que propõem um tratamento equitativo e sem discriminação para a população LGBTQIAPN+, incluindo o direito ao reconhecimento de sua identidade de gênero e à proteção contra tratamentos desumanos, bem como, a Resolução Conjunta nº 1, de 2014, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (p. 2)11 tenham estabelecido orientações sobre a alocação e o tratamento de travestis e transexuais de acordo com sua identidade de gênero, o cumprimento dessas diretrizes é limitado, expondo lacunas nas políticas inclusivas aplicadas no sistema prisional.
O problema central deste estudo consiste na falta de políticas e práticas eficazes que garantam os direitos das pessoas LGBTQIAPN+ no sistema prisional brasileiro, perpetuando situações de vulnerabilidade e riscos de integridade física e psicológica desses indivíduos. Nesse contexto, é imperativo entender as estruturas institucionais e as normativas atuais para a invisibilização e marginalização dessa população.
O objetivo geral deste artigo é examinar os desafios jurídicos e sociais para a inclusão e proteção das pessoas LGBTQIAPN+ no sistema prisional, analisando as lacunas e limitações existentes na aplicação das normas vigentes e propondo recomendações para políticas que assegurem o respeito à dignidade e aos direitos fundamentais esse grupo. Especificamente, o estudo busca: (i) avaliar a efetividade das políticas públicas e normas legais relacionadas à proteção LGBTQIAPN+ no sistema prisional; (ii) entender a experiência vivenciada por essas pessoas no ambiente prisional brasileiro; e (iii) propor diretrizes para a criação de políticas mais inclusivas.
Este artigo utiliza uma metodologia qualitativa, com abordagem em pesquisa bibliográfica e documental, abrangendo uma análise crítica de legislações, resoluções institucionais e de literatura científica. Além disso, são analisados casos exemplares que ilustram a realidade das pessoas LGBTQIAPN+ no sistema prisional brasileiro, com o intuito de captar as especificidades de suas vivências.
Estruturado em diferentes argumentos, este artigo inicia-se com uma revisão das condições de direitos humanos nas prisões brasileiras, com destaque às particularidades enfrentadas pela população LGBTQIAPN+. Em seguida, explora-se o contexto jurídico e normativo, com análise das regulamentações nacionais e internacionais pertinentes. Posteriormente, discute-se os desafios sociais e estruturais que resultam em uma proteção protetora no ambiente carcerário. Por fim, são recomendações de políticas inclusivas que visam romper com o ciclo de exclusão e violência sistêmica, promovendo um sistema prisional que respeita a dignidade e os direitos de todos os indivíduos.
1.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO TEMA E JUSTIFICATIVA
No Brasil, os direitos e a inclusão das pessoas LGBTQIAPN+ têm recebido maior atenção nas últimas décadas, impulsionados por dados recentes, como os do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que incluíram pela primeira vez informações sobre a população transgênero, travesti e não-binária (p. 25)1. A visibilidade estatística, contudo, não é suficiente para assegurar o respeito e a proteção a esses grupos em contextos de vulnerabilidade extrema, como o sistema prisional, onde a marginalização e a violência persistem (p. 16)2. A Constituição Federal de 1988, com seus princípios de igualdade e dignidade da pessoa humana, estabelece que todos os cidadãos, mesmo privados de liberdade, devem ser tratados com dignidade, o que inclui o direito à segurança, à integridade física e mental e ao respeito à identidade e orientação sexual (p. 1)3.
Apesar das garantias constitucionais, pessoas LGBTQIAPN+ no sistema prisional enfrentam cotidianamente discriminações, abusos e violência, que refletem uma resistência estrutural à sua identidade e à sua expressão de gênero (p. 20)2. A Resolução Conjunta nº 1, de 2014 (p. 1 a 3)11, emitida pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) em conjunto com o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT), representa um esforço institucional para mitigar esses abusos, orientando que travestis e transexuais sejam alocadas conforme sua identidade de gênero, com o direito ao uso do nome social (p. 14)2. No entanto, essa diretriz é frequentemente ignorada ou negligenciada na prática, revelando lacunas significativas na aplicação de políticas inclusivas no ambiente carcerário (p. 15)2.
O crescimento populacional no Brasil traz consigo desafios relacionados à inclusão e ao combate à marginalização, sobretudo no contexto prisional, onde as demandas por respeito e garantia dos direitos humanos se intensificam. Em presídios onde a estrutura organizacional frequentemente se apoia em um binarismo de gênero rígido, surgem questões complexas, como a adequação dos pavilhões para pessoas transgênero (p. 63)4 e a falta de proteção efetiva contra abusos. Em particular, mulheres trans enfrentam obstáculos históricos e frequentes ao serem alocadas em prisões masculinas, justificativa baseada na ausência de unidades adequadas e na categorização prisional que se ancora na condição biológica ou no status jurídico, ignorando a identidade de gênero (p. 15)5. Essas práticas perpetuam a invisibilização da violência e da discriminação institucional, refletindo um alto nível de tolerância social com a lgbtfobia no sistema prisional. Há também o risco de ocorrência de gravidez entre pessoas transgênero e cisgênero em ambientes prisionais mistos ou inadequados. Casos como o de uma encarcerada transgênero em New Jersey (EUA), que engravidou duas colegas de cela em uma prisão feminina (p. 1)6, revelam a complexidade desse cenário e os desafios que o sistema prisional enfrenta ao lidar com as questões de gênero e proteção individual. Esse episódio trouxe à tona a necessidade de políticas específicas que garantam segurança e respeito à identidade de gênero, evitando situações que possam resultar em gravidez, seja em contextos consensuais ou forçados.
Dessa forma, é imprescindível analisar criticamente a situação das pessoas transgênero e LGBTQIAPN+ no sistema prisional brasileiro, compreendendo que a identidade de gênero não se restringe ao sexo biológico, mas se desenvolve por meio das vivências sociais de cada indivíduo. Este artigo busca contribuir para o debate sobre a necessidade de intervenções estatais específicas que garantam a dignidade e os direitos desse grupo nas prisões, promovendo políticas que rompam com o ciclo de exclusão e violência sistemática e assegurem a dignidade da pessoa humana em todos os âmbitos do sistema carcerário.
1.2 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA E OBJETIVOS
Este estudo examina a inclusão da população LGBTQIAPN+ no sistema prisional brasileiro, abordando áreas cruciais para a garantia de direitos e dignidade dessa comunidade. Os objetivos incluem investigar as políticas de separação de pavilhões com base na identidade de gênero e avaliar a eficácia dessas medidas, além de analisar os riscos à saúde pública, como a possibilidade de gravidez no ambiente prisional, e propor medidas mitigadoras.
A pesquisa também buscou distinções claras entre orientação sexual, identidade de gênero e sexo biológico, explorando conceitos de gênero e sexualidade. Com base nesses aspectos, serão apresentadas recomendações de políticas inclusivas, interrompendo o ciclo de exclusão e violência, promovendo um sistema prisional que respeite a dignidade da pessoa humana.
1.3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS E REFERENCIAL TEÓRICO
O método utilizado neste estudo compreende pesquisa bibliográfica e pesquisa documental. A pesquisa bibliográfica é essencial para a revisão e análise crítica de materiais já publicados sobre o tema, proporcionando fundamentação teórica consistente (Cervo; Bervian, p. 13)8. A pesquisa documental, por sua vez, envolve a análise de legislações e documentos oficiais relevantes para o estudo, permitindo um embasamento jurídico e normativo sólido (Gil, p. 25)7.
Em relação ao nível de pesquisa, este trabalho adota uma abordagem exploratória. Esse enfoque permite identificar variáveis envolvidas no objeto de estudo, buscando uma compreensão mais profunda e detalhada do problema (Gil, p. 25)7.
Quanto à abordagem metodológica, será adotada uma perspectiva qualitativa. Esse método permite uma análise aprofundada e multifacetada dos dados encontrados, focando as experiências e percepções dos participantes em relação ao tema estudado (Creswell, p. 25)9.
Além dos métodos mencionados, este estudo adotou o método hipotético-dedutivo, que se inicia com a formulação de problemas e hipóteses para orientar a pesquisa, visando contribuir para um entendimento mais aprofundado e para a proposição de soluções eficazes na área estudada. Como afirmam Cervo e Bervian (p. 13)8, o método hipotético-dedutivo é crucial para estruturar a investigação e conduzir análises que ofereçam insights significativos sobre o tema em questão.
Assim, este estudo visa não apenas revisar a literatura existente e analisar documentos relevantes, mas também realizar uma análise com intuito de capturar nuances e realidades específicas relacionadas aos direitos e às condições dos detentos LGBTQIAPN+ no Sistema Carcerário Brasileiro.
2 DIREITOS E DIGNIDADE DE PESSOAS LGBTQIAPN+ NO SISTEMA CARCERÁCIO
No Brasil, o tratamento adequado da população LGBTQIAPN+ em privação de liberdade foi formalmente abordado com a Resolução Conjunta nº 1, de 2014 (p. 1 a 3)11, estabelecida pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) em parceria com o Conselho Nacional de Combate à Discriminação (CNCD/LGBT). Esta resolução define parâmetros específicos para a inclusão e proteção de pessoas LGBTQIAPN+ em contextos prisionais, respeitando a dignidade, a segurança e a identidade de gênero de cada indivíduo. O documento considera a necessidade de políticas baseadas em direitos humanos, como as previstas na Constituição Federal de 1988 (CF) e em convenções internacionais de proteção a grupos vulneráveis.
A resolução11 estabelece diretrizes para garantir os direitos da população LGBTQIAPN+ no sistema prisional, assegurando, entre outros, o direito ao uso do nome social por travestis e transexuais, a alocação de pessoas transexuais conforme sua identidade de gênero e a criação de espaços seguros para travestis e homens gays em prisões masculinas, sempre respeitando a autonomia e o desejo do indivíduo. Além disso, garante a possibilidade de manter características físicas e o uso de roupas que correspondam à identidade de gênero, conforme os Princípios de Yogyakarta10, promovendo respeito à identidade e à expressão de gênero.
Os Princípios de Yogyakarta10, estabelecidos em 2006, são diretrizes internacionais para a proteção dos direitos humanos de pessoas LGBTQIAPN+, abordando a discriminação com base em orientação sexual e identidade de gênero. No Brasil, esses princípios influenciam as medidas que buscam garantir o respeito e a segurança da população LGBTQIAPN+ no sistema prisional. Destacam-se, entre os princípios, o direito à privacidade (Princípio 9), à saúde (Princípio 17), e à proteção contra tortura e tratamentos cruéis (Princípio 10). A Resolução Conjunta nº 1/2014 do Brasil11 garante direitos fundamentais para a população LGBTQIAPN+ privada de liberdade, incluindo a continuidade de tratamentos hormonais para pessoas trans e o acesso a cuidados de saúde conforme as políticas nacionais de saúde integral LGBT e para pessoas privadas de liberdade. Ela também assegura o acesso à educação e à formação profissional, além de garantir direitos trabalhistas e previdenciários, como o auxílio-reclusão para dependentes de segurados reclusos, incluindo cônjuges do mesmo sexo. Embora haja desafios na implementação dessas políticas devido a resistências culturais e limitações estruturais, a resolução representa um avanço nas políticas públicas de respeito à dignidade e direitos humanos no sistema prisional, alinhando-se aos princípios da Lei de Execução Penal, que preza pela dignidade e integridade física dos detentos.
No âmbito internacional, a promoção da justiça e do tratamento humanizado para pessoas LGBTQIAPN+ em privação de liberdade é enfatizada por instrumentos como os Princípios de Yogyakarta (p. 10 a 35)10, que propõem um tratamento equitativo e sem discriminação para a população LGBTQIAPN+, incluindo o direito ao reconhecimento de sua identidade de gênero e à proteção contra tratamentos desumanos. Esses princípios sustentam a importância de proteger esses indivíduos de abusos e assegurar que sua condição de encarcerados não justifiquem práticas que desrespeitem suas características e escolhas individuais.
2.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E DIREITOS HUMANOS
Os princípios constitucionais e os direitos humanos são fundamentais para a proteção da dignidade de todas as pessoas (p. 40)14, incluindo a comunidade LGBTQIAPN+. A Constituição Federal do Brasil (p. 1)3, em seu artigo 5º, assegura a igualdade perante a lei, sem discriminação de qualquer natureza, como gênero, orientação sexual ou identidade de gênero. A dignidade da pessoa humana, também prevista como princípio central na Constituição, deve ser respeitada em todas as esferas sociais e políticas.
Além disso, vários tratados internacionais estabelecem e protegem os direitos humanos, incluindo os direitos da comunidade LGBTQIAPN+. Alguns dos principais tratados que buscam garantir a dignidade e a igualdade para todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero, incluem a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 194815, embora não seja tratado diretamente a comunidade LGBTQIAPN+, esta declaração, imposta pela Assembleia Geral das Nações Unidas, estabelece os princípios fundamentais de igualdade, liberdade e dignidade para todas as pessoas, sem discriminação. O Artigo 1º afirma que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 196616, este tratado, ratificado pelo Brasil, assegura a igualdade e a proibição de discriminação em diversas áreas, incluindo direitos civis e políticos. O Artigo 26 do Pacto assegura a igualdade perante a lei e a proteção contra discriminação, abrangendo, implicitamente, a discriminação por orientação sexual. A convenção Americana sobre Direitos Humanos de 196917, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, a Convenção Americana garante, em seu Artigo 1º, o direito à igualdade e distinção de discriminação. Embora a convenção não mencione explicitamente a orientação sexual, sua interpretação tem sido ampliada para abranger a proteção dos direitos das pessoas LGBTQIAPN+. A resolução 17/19 do Conselho de Direitos Humanos da ONU de 201118, foi promovida pela Assembleia Geral da ONU para tratar da condenação a violência e a discriminação com base na orientação sexual e identidade de gênero. Foi um passo importante para o reconhecimento dos direitos LGBTQIAPN+ no âmbito internacional. Essas resoluções tratadas são importantes para a promoção da igualdade e proteção dos direitos humanos para a comunidade LGBTQIAPN+. A implementação e a efetividade desses instrumentos dependentes de cada Estado, mas representam um compromisso internacional com os direitos de todas as pessoas, independentemente de sua orientação sexual ou identidade de gênero. Sendo estes princípios e direitos essenciais para construir uma sociedade mais justa e igualitária, onde a diversidade seja celebrada e todas as pessoas possam viver com respeito e liberdade.
2.2 POLÍTICA CRIMINAL E DIREITOS DA POPULAÇÃO LGBTQIAPN+ NO BRASIL
A política criminosa no Brasil tem avançado em relação aos direitos da população LGBTQIAPN+, mas ainda enfrenta desafios significativos, especialmente no combate à violência e à discriminação. O Código Penal Brasileiro não trata diretamente da homofobia ou transfobia, mas crimes como homicídios (art. 121), lesões corporais (art. 129) e ameaças (art. 147) podem ser aplicados a atos violentos contra essas pessoas.
Em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF)19, decidiu que a homofobia e a transfobia devem ser tratadas como crimes de racismo20, nos termos da Lei nº 7.716/1989, que tipifica os crimes resultantes de discriminação (art. 1º, inciso I). Esse entendimento representa um avanço importante na proteção da população LGBTQIAPN+, mas a legislação penal ainda precisa ser mais específica e eficaz para garantir a segurança e os direitos dessa comunidade, especialmente no que diz respeito ao acesso à justiça. Além disso, é essencial a capacitação de agentes públicos para lidar com as questões de diversidade e a implementação de políticas públicas de proteção. A legislação tem potencial para promover mudanças significativas, mas a implementação prática e a educação contínua são fundamentais para garantir o funcionamento ideal.
Para alcançar os objetivos desta pesquisa, optou-se por uma abordagem qualitativa e exploratória, a qual possibilita uma análise mais profunda das questões sociais e jurídicas que envolvem a garantia dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa LGBTQIAPN+ no sistema carcerário brasileiro. Utilizou-se o método indutivo, pois ele permite partir de observações específicas para desenvolver uma compreensão mais ampla sobre o tema, considerando o contexto de discriminação e vulnerabilidade dessa população no sistema prisional.
A pesquisa foi conduzida por meio de métodos documentais e bibliográficos, permitindo a análise crítica de documentos legais e acadêmicos sobre direitos fundamentais, dignidade humana e as condições da população LGBTQIAPN+ em unidades prisionais. Assim, a metodologia escolhida busca assegurar uma compreensão densa e fundamentada do problema abordado, focando-se na análise qualitativa de documentos que contribuam para a reflexão e conscientização sobre a proteção dos direitos dessa população no sistema de justiça penal brasileiro.
3.1 DESCRIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS E FONTES DE PESQUISA
Os procedimentos metodológicos envolveram, primeiramente, um levantamento bibliográfico detalhado sobre os direitos fundamentais e a dignidade humana aplicados à população LGBTQIAPN+ no sistema prisional. Foram consultados livros, artigos acadêmicos e estudos de caso sobre temas correlatos, buscando compreender as complexidades e especificidades dos direitos dessa população.
Em seguida, procedeu-se à análise de documentos jurídicos, incluindo a Constituição Federal do Brasil, tratados e convenções internacionais de direitos humanos, bem como, resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Foram utilizadas tanto fontes primárias quanto secundárias, o que permitiu uma análise rica e fundamentada sobre o tema. Dessa forma, o embasamento teórico e documental oferece suporte para uma discussão crítica e informada sobre os direitos e a dignidade da pessoa LGBTQIAPN+ no contexto carcerário brasileiro.
3.2 ABORDAGEM METODOLÓGICA E JUSTIFICATIVA
A escolha da abordagem qualitativa se justifica pela natureza complexa e sensível do tema, uma vez que se trata de uma população em situação de vulnerabilidade no sistema prisional. A abordagem qualitativa é essencial para capturar nuances e especificidades que, muitas vezes, não são adequadamente representadas em pesquisas quantitativas. Além disso, o método documental permite um aprofundamento nos aspectos legais e normativos que regulam os direitos fundamentais, proporcionando uma base sólida para a compreensão das condições vivenciadas pela população LGBTQIAPN+.
Este estudo é de extrema relevância ao buscar dar visibilidade às condições dessa população dentro do sistema prisional, promovendo uma reflexão necessária sobre o cumprimento das garantias de dignidade e de direitos fundamentais. Assim, espera-se que os resultados possam contribuir para a formulação de políticas públicas e para a conscientização de profissionais do sistema judiciário, acadêmicos e da sociedade civil.
3.3 DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
A análise dos dados coletados revela um cenário preocupante em relação à garantia dos direitos fundamentais da população LGBTQIAPN+ em instituições prisionais. Embora a Constituição Federal e tratados internacionais de direitos humanos assegurem a dignidade e proteção a todas as pessoas, essas garantias nem sempre são efetivas para essa população no sistema prisional. A pesquisa confirma que a população LGBTQIAPN+ enfrenta discriminação sistemática e diversas formas de violência, evidenciando uma violação tanto dos direitos humanos quanto do princípio da dignidade humana, assegurado constitucionalmente.
Conforme o artigo “Transgêneros e o Sistema Prisional Brasileiro”2, de Lívia Chemp Rodrigues e Daniela Garcia Botelho, a situação de vulnerabilidade da população carcerária LGBTQIAPN+ exige que o sistema prisional priorize a segurança e dignidade desses indivíduos, prevenindo atitudes nocivas que possam colocá-los em risco. De acordo com as autoras, as unidades prisionais deveriam empenhar-se em oferecer condições adequadas para a população LGBTQIAPN+, assegurando sua saúde física e mental e promovendo a liberdade de expressão conforme o gênero. Destaca-se que a criação de espaços específicos para essas pessoas não se trata de uma medida de isolamento, mas sim de uma estratégia para maximizar a proteção do princípio da dignidade humana para os grupos mais vulneráveis dentro do ambiente prisional. As autoras evidenciaram que o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (INFOPEN) de junho de 2014 aponta, contudo, que menos de 6% das unidades prisionais consultadas possuíam alas ou celas específicas para a população LGBTQIAPN+, apesar de serem coordenadas pelo Ministério da Justiça e pelo Sistema Nacional de Prisões. Esse dado revela uma carência significativa na estrutura oferecida para assegurar o bem-estar e a proteção dos direitos dessa população. Em resposta, alguns estados brasileiros avançaram e publicaram resoluções com diretrizes específicas para o tratamento da população LGBTQIAPN+ em unidades prisionais, baseando-se na Resolução Conjunta nº 1, que visa estabelecer normas para o atendimento e respeito à dignidade dessas pessoas. Concluíram em sua análise que apesar desse avanço, as diretrizes ainda são implementadas de forma desigual entre os estados, enfrentando barreiras como a superlotação dos presídios, inadequação das estruturas físicas, e frequentes manifestações de preconceito dentro do ambiente prisional (ANDRADE; CARTAXO; CORREIA, 2018)21. Conforme a Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação (2022)2, o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) tem trabalhado ativamente para desenvolver políticas públicas que promovam a igualdade de direitos e minimizem as reações discriminatórias no sistema prisional. Contudo, o cumprimento pleno das normas previstas nas resoluções ainda demanda esforços significativos, sendo essencial o fortalecimento de políticas de treinamento para profissionais do sistema carcerário e a ampliação de recursos para a implementação das medidas previstas.
Conforme a análise de Doralice Oliveira do Nascimento em seu artigo "A violação dos direitos humanos dos transgêneros no sistema penitenciário brasileiro" (p. 12 e 13)4, a escassez de dados sobre a população transgênero encarcerada revela a invisibilidade desses indivíduos perante o governo e a sociedade. Em 2013, o antropólogo Márcio Zamboni, da Universidade de São Paulo (USP), estimou que cerca de 1.215 travestis e mulheres transexuais estavam encarceradas no Brasil. Ainda assim, apenas 15% dos presídios nacionais possuem alas específicas para a comunidade LGBT. Esse número, quando comparado à população prisional total, estimada em 726.712 pessoas pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN, demonstra que, embora transgêneros representem uma minoria, sua invisibilidade e as frequentes violações de seus direitos não podem ser justificadas pelo silêncio das leis ou pela escassez de dados. Concluiu em sua análise que a realidade enfrentada por essas pessoas inclui relatos constantes de violência, não apenas por parte de outros presos, mas também por agentes penitenciários e diretores das unidades prisionais. O sistema carcerário brasileiro, conforme apontado por Doralice, não está preparado para acolher pessoas com identidades de gênero e orientações sexuais diversas, deixando-as vulneráveis em um ambiente onde a diferença não é aceita. A falta de um olhar humanizado em relação a essas pessoas reflete a necessidade de defender os direitos dessa população, pois a questão em jogo não é apenas uma causa da comunidade LGBTQIAPN+, mas o direito de todo ser humano à dignidade e ao respeito.
Conclui-se, portanto, que embora existam normas e diretrizes para a proteção da população LGBTQIAPN+ no sistema prisional, a efetividade dessas políticas ainda é limitada por obstáculos estruturais e culturais. É necessário que o sistema prisional adote medidas urgentes e específicas para atender essa população de forma digna, combatendo as violências e discriminações, de modo a promover um ambiente carcerário mais justo e inclusivo.
4 POLÍTICAS DE SEGREGAÇÃO E DIREITOS DA IDENTIDADE DE GÊNERO NO SISTEMA PRISIONAL
A discussão sobre identidade de gênero é essencial para promover uma sociedade mais inclusiva e informada, onde os direitos e a dignidade de todos sejam respeitados. Esse tema, muitas vezes cercado por preconceitos e mal-entendidos, se baseia em distinções fundamentais, como identidade de gênero, orientação sexual e sexo biológico, que, embora relacionadas, possuem significados diferentes.
Sexo biológico22 refere-se aos aspectos físicos e biológicos com os quais a pessoa nasce, como genitálias, cromossomos e características hormonais, que geralmente são classificadas como masculino ou feminino. No entanto, a biologia não é determinante da identidade ou das experiências subjetivas de uma pessoa.
Identidade de gênero22 e 24 é a maneira como uma pessoa se identifica em relação ao gênero, que pode ou não estar alinhada ao sexo biológico atribuído no nascimento. Uma pessoa pode se identificar como homem, mulher, nenhum dos dois, ambos, ou em uma variedade de identidades dentro do espectro de gênero. Identidade de gênero é, portanto, uma vivência interna e pessoal, sendo algo sentido e não necessariamente visível ou atrelado às características físicas.
Orientação sexual22 diz respeito à atração afetiva e/ou sexual que uma pessoa sente por outras pessoas, podendo ser por pessoas do mesmo gênero, de outro gênero ou de múltiplos gêneros. Diferente da identidade de gênero, que diz respeito a como alguém se sente em relação ao próprio gênero, a orientação sexual trata da atração por terceiros.
Compreender a diferença25 entre esses conceitos e debater a identidade de gênero são passos fundamentais para combater discriminações e construir uma sociedade mais acolhedora, onde as diferenças são respeitadas e as pessoas têm a liberdade de viver de acordo com sua identidade e expressão autênticas.
Uma das hipóteses propostas para enfrentar os desafios enfrentados pelas pessoas LGBTQIAPN+ no Sistema Carcerário Brasileiro é a criação de presídios com alas separadas (p. 63 e 64)2 considerando não apenas a identidade de gênero autodeclarada, mas também o reconhecimento legal com base nos documentos civis e nas características físicas dos detentos.
Essa abordagem visa criar um ambiente mais seguro e respeitoso (p. 64)2, em que os detentos LGBTQIAPN+ possam ser alojados de acordo com sua identidade de gênero e orientação sexual, levando em conta também aspectos como o sexo biológico. Pavilhões separados com base nessas múltiplas variáveis poderiam reduzir conflitos internos, promover um ambiente de convivência mais harmonioso e garantir a proteção dos Direitos Humanos Fundamentais dentro das prisões.
O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, por meio da Secretaria Nacional de Proteção Global, no Departamento de Promoção dos Direitos de LGBTQIAPN+, sob a direção de Marina Reidel e consultoria de Amilton Gustavo da Silva Passos, elaborou um documento técnico (p. 10)26 contendo um diagnóstico nacional sobre o tratamento penal de pessoas LGBTQIAPN+ nas prisões do Brasil, publicado em 12 de setembro de 2019. O documento conclui que:
As prisões brasileiras têm realizado majoritariamente a divisão do seu espaço interno utilizando o pertencimento às facções criminosas como critério. Com o tempo, cada prisão passou a organizar outros grupos a partir de critérios particulares e localizados. Na Cadeia Pública de Porto Alegre, no anteriormente denominado Presídio Central, por exemplo, existem galerias com acesso restrito a determinadas populações, utilizando parâmetros específicos sendo que cada um deles é efeito de organizações institucionais distintas entre si. Existe uma galeria para aqueles que pertencem a religiões neopentecostais (a galeria dos evangélicos), para ex-policiais, para trabalhadores, para a facção ‘bala na cara’, para facção ‘os manos’ e, mais recentemente, no ano de 2018, foi reservada uma galeria para a facção ‘V7’, entre outras. Embora a existência dessas galerias tenha respaldo em uma noção institucional que agrupa as práticas estratégicas de controle dos apenados, um tipo de gestão do risco prisional (PASSOS, 2014), cada uma dessas galerias surge a partir da formação de uma série de saberes sobre esses grupos que se articulam com práticas orientadas de forma particular (MMFDH, 2020, p. 10).
Dessa forma, a necessidade de separação em pavilhões para grupos específicos se aplica igualmente às pessoas LGBTQIAPN+, comparando-se às divisões destinadas aos grupos mencionados na pesquisa. Para cada subgrupo — lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer, intersexuais, assexuais, pansexuais, não-binários e demais orientações sexuais e identidades de gênero — seriam considerados critérios específicos que atendam às suas particularidades.
5. DESAFIOS DE SAÚDE PÚBLICA E GRAVIDEZ EM AMBIENTES PRISIONAIS
A decisão do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal27, garante que mulheres trans e travestis com identidade de gênero feminina possam optar por cumprir pena em estabelecimentos prisionais femininos ou masculinos, com a condição de que, no caso de escolha por unidades masculinas, elas sejam alocadas em áreas reservadas para segurança. Essa decisão é amparada pelo relatório "LGBT nas prisões do Brasil" e pela Nota Técnica 7/2020, que defendem que a dignidade e os direitos dessas pessoas sejam assegurados, incluindo a escolha de onde cumprirão pena, de acordo com sua identidade de gênero.
Contudo, ao aplicar essa diretriz, a juíza da Vara de Execuções Penais do Distrito Federal teve um entendimento diferente29. Ela negou o pedido de alocação de mulheres trans em unidades femininas, justificando que a decisão de Barroso não tinha efeito vinculante para todos (erga omnes) e que a Resolução Conjunta 1 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação não menciona explicitamente a transferência para presídios femininos. A juíza destacou as diferenças biológicas entre mulheres trans e mulheres cis, ressaltando que a musculatura e a força física de pessoas trans poderiam resultar em desvantagens para as mulheres cis no confinamento, além de aumentar o risco de desentendimentos e brigas. Por isso, concluiu que a separação física seria mais segura para todas, optando por alocar as presas trans em áreas separadas dentro de presídios masculinos.
Esse debate se torna ainda mais complexo quando se observa o caso ocorrido nos Estados Unidos28, onde uma mulher trans, Demi Minor, foi transferida de um presídio feminino para uma unidade masculina após engravidar duas presas. Minor, que manteve relações consensuais com as encarceradas, relatou abusos durante a transferência, o que também evidencia o risco de violência institucional e o dilema das interações afetivas em espaços prisionais. Esse caso ilustra os desafios práticos de conciliar a identidade de gênero com a proteção de direitos e a segurança no ambiente carcerário, tanto para a pessoa trans quanto para as demais encarceradas.
6. IMPACTOS PSICOLÓGICOS E SOCIAIS DA CONDIÇÃO PRISIONAL
O sistema prisional brasileiro, em especial para a população LGBTQIAPN+, é marcado por profundas questões sociais e psicológicas, evidenciadas nos depoimentos de encarceradas e detentos do primeiro presídio destinado a esse grupo em Goiás30. As falas dessas pessoas revelam o impacto direto da marginalização e da falta de reconhecimento de sua identidade dentro do sistema, o que aprofunda a exclusão e o sofrimento psicológico.
Em entrevistas realizadas por Michel Gomes para o g1 Goiás, uma encarcerada trans de 21 anos descreveu a vulnerabilidade constante enfrentada nos presídios convencionais. Ela narra o assédio recorrente por parte de outros detentos, que a tratavam como um objeto, além de lidar com o estigma e preconceito dos policiais, que muitas vezes a viam como uma aberração. Esse tratamento desumanizador evidencia a falta de políticas inclusivas e preparadas para lidar com a diversidade de gênero no ambiente prisional, onde a ausência de respeito pela identidade de gênero gera impactos emocionais e reforça o sentimento de alienação.
Outro relato marcante é o de uma encarcerada trans de 34 anos, que enfrentou violência física e psicológica por insistir em ser chamada pelo seu nome social, um direito fundamental assegurado por lei. O uso do nome de registro, reforçado à força pelos agentes, retira das pessoas trans o direito de se verem e serem vistas conforme sua identidade, um direito crucial para a dignidade humana. A violência psicológica resultante desse ato se traduz em um trauma profundo, que pode dificultar sua reintegração social após o cumprimento da pena.
Além disso, o isolamento e o abandono familiar são desafios únicos enfrentados pela população LGBTQIAPN+ encarcerada. Antiara Cardoso, coordenadora do presídio, menciona que o número de visitantes para essas pessoas é significativamente inferior ao de outros presos. A rejeição familiar não apenas agrava o isolamento emocional, mas também contribui para a perda de uma rede de apoio essencial para a reabilitação e reintegração dessas pessoas na sociedade.
A experiência de autoaceitação também se torna ainda mais complexa no ambiente prisional. Segundo uma encarcerada, a constante reafirmação de sua identidade trans nas interações com os demais intensificou a dor de não ser vista como mulher, uma percepção já sensível para ela. Essa dinâmica interna de busca por aceitação, somada ao preconceito estrutural no presídio, expõe essas pessoas a um sofrimento psicológico contínuo, que exige atenção e suporte específico para mitigar seus efeitos e permitir uma vivência com dignidade.
Esses depoimentos demonstram que, além das questões estruturais do sistema prisional brasileiro, é urgente desenvolver políticas específicas para acolher e proteger a população LGBTQIAPN+ em condições de privação de liberdade.
7.LIMITAÇÕES E CRÍTICAS ÀS POLÍTICAS VIGENTES
A ausência de políticas específicas e regulamentações claras voltadas à população transsexual no sistema penitenciário brasileiro contribui para a perpetuação de práticas discriminatórias e desiguais, especialmente em relação às mulheres transsexuais.
Em seu artigo Corpos à Margem Social: A Violência Contra Mulher Trans Apenada em Face da Disfuncionalidade do Sistema Penitenciário e da Aplicação do Direito Penal (p. 2)31, Ana Júlia Z. Borges, Emanueli O. Flores, Maria Eduarda Maffini e Márcio S. Bernardes discutem a ineficácia do texto legal, que não inclui diretrizes sobre o tratamento de mulheres trans. A análise indica que, devido a essa lacuna legislativa, a interpretação das normas fica a cargo dos magistrados e depende de uma analogia jurídica ainda carente de embasamento legislativo específico.
Em conclusão, a análise das políticas e regulamentações vigentes evidencia que a ausência de diretrizes específicas para a população transexual, especialmente para as mulheres trans no sistema penitenciário brasileiro, perpetua práticas discriminatórias e vulnerabiliza ainda mais esse grupo. A falta de uma legislação clara e inclusiva obriga os magistrados a realizarem interpretações muitas vezes arbitrárias e desiguais, intensificando a desfuncionalidade de um sistema já falho. Essa lacuna normativa destaca a urgência de reformas legislativas que assegurem os direitos fundamentais e promovam a dignidade da pessoa humana para todos os indivíduos, sem discriminações.
A pesquisa evidencia que a população LGBTQIAPN+ no sistema prisional brasileiro enfrenta desafios persistentes e estruturais na garantia de seus direitos humanos. A Constituição de 1988 e diretrizes como a Resolução Conjunta nº 1/2014 preveem proteção e dignidade para pessoas em situação de privação de liberdade. No entanto, a realidade mostra que esses direitos são frequentemente violados, com detentos LGBTQIAPN+ expostos a situações de violência, discriminação e abandono institucional. Os avanços normativos alcançados ainda carecem de implementação eficaz, o que reforça a necessidade de novas abordagens que tornem o sistema prisional um espaço de respeito e inclusão.
Os resultados deste estudo apontam que, apesar de políticas e resoluções direcionadas à inclusão, o sistema prisional brasileiro ainda não consegue garantir proteção adequada para a população LGBTQIAPN+. Essas pessoas, muitas vezes, são alocadas em ambientes que desconsideram sua identidade de gênero e orientação sexual, o que aumenta os riscos de violência e exclusão. O estudo reforça a importância de iniciativas específicas, como a criação de pavilhões destinados a essa população, além de um treinamento adequado para os agentes prisionais. Conclui-se que, para uma mudança real, o sistema prisional deve adotar uma postura mais ativa na promoção de direitos humanos, com medidas concretas que assegurem um ambiente carcerário inclusivo e respeitoso.
10 SUGESTÕES PARA POLÍTICAS PÚBLICAS E DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA PRISIONAL
Para promover políticas públicas eficazes e assegurar os direitos humanos no sistema prisional brasileiro, é imprescindível implementar ações específicas para a proteção e inclusão da população LGBTQIAPN+. Uma das iniciativas mais urgentes é a criação de pavilhões separados para detentos LGBTQIAPN+, respeitando suas identidades de gênero e orientações sexuais. Essa medida visa não só a garantir a segurança dessas pessoas, mas também a promover um ambiente onde elas possam viver com dignidade, livres de violência física e psicológica. Em paralelo, é necessário investir em capacitação contínua de agentes prisionais e outros profissionais que atuam no sistema penitenciário, para que compreendam a importância do respeito à diversidade e desenvolvam abordagens inclusivas e humanizadas. Tal treinamento deve incluir o uso de linguagem apropriada, o respeito ao nome social e a compreensão das especificidades das identidades de gênero e orientações sexuais.
Além disso, uma política de saúde integral é essencial para atender às necessidades específicas dessa população, oferecendo acesso a tratamentos hormonais, suporte psicológico e cuidados médicos, conforme as diretrizes de saúde inclusiva. Esse tipo de atendimento garante que as pessoas LGBTQIAPN+ tenham acesso aos mesmos direitos básicos de saúde que os demais detentos, promovendo o respeito à sua dignidade. Outro aspecto relevante é a implementação rigorosa do uso do nome social no sistema prisional, pois essa prática é uma forma de reconhecer a identidade de gênero dos indivíduos e promover uma convivência mais respeitosa.
Para assegurar a efetividade dessas políticas, é fundamental que o sistema prisional seja regularmente monitorado e fiscalizado por órgãos de direitos humanos e instituições de justiça. Esses órgãos devem garantir que as diretrizes voltadas para a proteção da população LGBTQIAPN+ estejam sendo cumpridas e que eventuais abusos sejam rapidamente investigados e punidos. Com uma abordagem que combine infraestrutura adequada, capacitação profissional e supervisão institucional, é possível construir um sistema prisional mais justo e respeitoso, comprometido com os direitos humanos e com a dignidade de todos os indivíduos, independentemente de suas identidades ou orientações. Essas ações representam passos concretos para transformar o ambiente carcerário e promover a inclusão social de uma população historicamente marginalizada.
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31. Zuse Borges, A. J.; Flores, E. de O.; Maffini, M. E.; Bernardes, M. de S. Corpos à margem social: a violência contra mulher trans apenada em face da disfuncionalidade do sistema penitenciário e da aplicação do Direito Penal. Disciplinarum Scientia | Sociais Aplicadas, v. 19, n. 1, p. 79–97, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.37778/dscsa.v19i1.4401. Acesso em: 15 nov. 2024.
Graduação em Direito pela FASEH.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, Emily Martins. Desafios jurídicos e sociais na garantia dos direitos das pessoas LGBTQIAPN+ no Sistema Carcerário Brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 nov 2024, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67125/desafios-jurdicos-e-sociais-na-garantia-dos-direitos-das-pessoas-lgbtqiapn-no-sistema-carcerrio-brasileiro. Acesso em: 04 dez 2024.
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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