JANAÍNA ALCANTARA VILELA
(orientadora)
RESUMO: O artigo busca analisar a desigualdade entre os direitos de visita e visita íntima de mulheres e homens em situação de encarceramento, enfatizando a importância desses direitos para a preservação dos vínculos familiares e afetivos dos detentos. Para isso, foi realizada uma pesquisa bibliográfica sobre a realidade das prisões femininas no Brasil. A pesquisa revelou uma significativa disparidade nas condições de visitas e visitas íntimas entre mulheres e homens encarcerados, influenciada por diversos fatores, como as restrições impostas pelos próprios estabelecimentos prisionais, que incluem limitações nos horários de visita e a exigência de comprovação de vínculo familiar. Além disso, há discriminações de gênero, uma vez que os homens tendem a reestabelecer suas relações com mais facilidade, enquanto muitas vezes abandonam suas companheiras encarceradas devido a uma questão cultural que associa o espaço social do crime ao gênero masculino. Observou-se, ainda, uma tendência entre as mulheres encarceradas de formar relações homossexuais como uma forma de lidar com a falta de visitas e visitas íntimas. Conclui-se que há uma necessidade urgente de mudanças nesse cenário, visando garantir às mulheres encarceradas a efetividade de seus direitos à visita e à visita íntima, conforme previsto na Constituição.
PALAVRAS-CHAVE: Desigualdade de Gênero. Visita. Mulher. Encarceramento.
ABSTRACT: This article seeks to analyze the inequality between the rights to visitation and intimate visits of women and men in prison, emphasizing the importance of these rights for preserving the family and emotional ties of inmates. To this end, a bibliographical research was conducted on the reality of women's prisons in Brazil. The research revealed a significant disparity in the conditions of visits and intimate visits between incarcerated women and men, influenced by several factors, such as restrictions imposed by the prisons themselves, which include limitations on visiting hours and the requirement to prove family ties. In addition, there is gender discrimination, since men tend to reestablish their relationships more easily, while they often abandon their incarcerated partners due to a cultural issue that associates the social space of crime with the male gender. A tendency was also observed among incarcerated women to form homosexual relationships as a way of dealing with the lack of visits and intimate visits. It is concluded that there is an urgent need for changes in this scenario, aiming to guarantee the effectiveness of women in prisons' rights to visits and intimate visits, as provided for in the Constitution.
KEYWORDS: Gender Inequality. Visit. Woman. Incarceration.
1 INTRODUÇÃO
O sistema prisional brasileiro enfrenta uma grave crise, caracterizada pela violação generalizada dos direitos e garantias fundamentais dos detentos, que se tornou uma prática comum no cotidiano. No que se refere ao encarceramento feminino, essa violação é ainda mais acentuada. Essa falta de atenção se reflete na escassez de políticas públicas que reconheçam as mulheres encarceradas como sujeitos de direitos, levando em conta as particularidades relacionadas à sua condição de gênero.
É indiscutível que as mulheres encarceradas enfrentam condições específicas de vulnerabilidade e necessitam de uma atenção especial por parte do Estado, que deveria valorizar essa realidade, algo que, infelizmente, não tem ocorrido. O Estado brasileiro tem violado de maneira significativa diversos direitos das mulheres detidas, desde a negligência em relação a direitos fundamentais, como o direito à saúde, até questões que afetam o direito à vida e aspectos relacionados a políticas de reintegração social, como trabalho, educação e a manutenção de vínculos e relações familiares.
Em geral, as mulheres encarceradas enfrentam um abandono maior do que os homens ao entrarem no sistema prisional. Enquanto os homens costumam receber visitas com regularidade, as mulheres frequentemente não recebem nenhuma. Essa disparidade é surpreendente e levanta a questão central deste artigo: quais são os obstáculos que desestimulam a visitação às mulheres encarceradas em comparação aos homens, como têm se concretizado os direitos de visita e visita íntima das mulheres nos estabelecimentos prisionais atualmente.
Para buscar respostas a essas indagações e promover reflexões sobre as visitas e visitas íntimas das mulheres encarceradas, será realizado uma pesquisa bibliográfica com textos recentes sobre o tema, a vídeos e filmes pertinentes e conversas com pessoas envolvidas no sistema prisional.
2 DIREITO À VISITA E AS PRINCIPAIS DIFICULDADES PARA SUA CONCRETIZAÇÃO
Uma pessoa encarcerada, cuja liberdade de ir e vir é restrita, ainda mantém diversos outros direitos, apesar das limitações que enfrenta. Entre esses direitos, destaca-se o de receber visitas. Odete Oliveira enfatiza que as visitas são fundamentais para os detentos, pois evitam um rompimento total com seus laços familiares e de amizade, essencial para que não se perca a conexão com o mundo exterior, o que é crucial para a recuperação e reintegração do indivíduo. A possibilidade de o sistema prisional promover a recuperação do preso depende, em grande parte, da reconstrução dos vínculos com seus familiares e amigos. Julita Lemgruber (1999. P.49) acrescenta “a importância do contato com a família é múltipla e representa, antes de mais nada, o vínculo com o mundo exterior. Quando este vínculo não pode ser mantido, o sofrimento é imenso.”
Um dos maiores riscos do encarceramento ser apenas um meio de controle social é que ele pode resultar na perda de convívio do preso com a sociedade. O isolamento social, já é um problema significativo, gera comportamentos violentos, como apontam Anthony Giddens e Ulrich Beck (OLIVEIRA; SANTOS, 2012, p. 240). Assim, o afastamento do preso em relação ao mundo, especialmente em relação aos seus círculos próximos, prejudica as relações que ele tinha antes da prisão, tornando-o mais solitário e agressivo, uma vez que não encontra espaços para reconstruir sua identidade. Simone Souza, em sua pesquisa na Penitenciária Talavera Bruce, no Rio de Janeiro, (2015) constatou que a solidão e o isolamento, causados pela falta de contato com o mundo exterior, geram sentimento de rejeição e uma intensa necessidade de aceitação e afeto entre as internas.
As mulheres encarceradas que são abandonadas por suas famílias e amigos enfrentam um processo de "prisonização" ainda mais intenso, pois têm uma maior necessidade de integração ao grupo prisional. Essa dependência da unidade prisional e do convívio com outras internas e funcionários ressalta a vulnerabilidade das mulheres nesse contexto. O contato com a família torna-se um suporte fundamental para a sobrevivência no ambiente prisional, e a maior interação com o mundo externo aumenta as possibilidades de mudança e esperança. Lemgruber destaca que “é da família que elas recebem apoio moral, emocional e, frequentemente, material”, e que o dia da visita é aguardado com ansiedade, funcionando como motivação para um “bom comportamento”.
A realidade é que muitos prisioneiros, especialmente as mulheres, perdem o contato com o mundo exterior devido à falta de visitas. De acordo com um censo penitenciário de 2002 da Fundação de Amparo ao Preso - FUNAP, 36% das mulheres em São Paulo não recebiam visitas, em comparação a 29% dos homens. Em algumas penitenciárias, como a de Ribeirão Preto, até 75% das internas não recebiam visitas.
O Grupo de Trabalho Interministerial, instituído no ano de 2007 com a finalidade de elaborar propostas para a reorganização e reformulação da parte do sistema prisional destinado às mulheres, levantou e apontou as principais barreiras para efetivação do direito é a distância geográfica, questões culturais e regras específicas de cada estabelecimento prisional dificultam ainda mais o direito de visita às mulheres encarceradas.
Além disso, o número de unidades prisionais femininas é significativamente menor em comparação aos estabelecimentos masculinos, o que contribui para o isolamento das mulheres. O transporte difícil e os altos custos para visitar as encarceradas são barreiras adicionais. A situação é ainda mais complicada pelo estigma social que as mulheres enfrentam, levando muitas a serem abandonadas por seus parceiros, enquanto os homens encarcerados frequentemente recebem apoio incondicional de suas companheiras.
Outro aspecto que dificulta as visitas às mulheres encarceradas está relacionado à questão de gênero. Diferentemente das esposas ou companheiras de homens presos, que frequentemente se dedicam integralmente a seus parceiros encarcerados, as mulheres na prisão costumam ser rapidamente abandonadas por seus companheiros e maridos. Isso ocorre tanto pelo estigma social que recai sobre a mulher que comete um crime quanto pela tendência de seus parceiros em formar novos relacionamentos com maior facilidade. Luciana Ramos, (2017, p. 728) destaca que as mulheres encarceradas enfrentam discriminações ainda mais intensas devido aos papéis de gênero que a sociedade impõe. Elas passam a ser vistas como desajustadas tanto social quanto biologicamente, já que não apenas violaram normas penais, mas também normas morais que associam o feminino à fragilidade e ao cuidado materno.
Outro obstáculo importante é a revista humilhante que os visitantes devem passar para entrar nas unidades prisionais, que muitas vezes é considerada vexatória. Estudos mostram que a experiência de revistas rigorosas, até mesmo para crianças, causa revolta entre as internas. Além disso, os horários de visita muitas vezes são inviáveis, ocorrendo em dias úteis durante o expediente, limitando a presença de amigos e familiares. Podendo ser vista na situação encontrada por Lemgruber (2005), em sua pesquisa no presídio de Talavera Bruce em que:
“Ao chegarem, os visitantes identificam-se no portão principal e, depois de passarem pelo segundo portão, são revistados. As visitas às mulheres condenadas por uso e tráfico de entorpecentes são submetidas a exame mais rigoroso. Até mesmo crianças e velhos passam por minuciosa revista, inclusive das partes genitais. Esta situação extremamente vexatória causa profunda revolta entre as internas”.
Quando se trata de visitas íntimas, a situação é ainda mais complicada. Embora a Lei de Execuções Penais reconheça o direito à visita de cônjuges e parceiros, na prática, esse direito é frequentemente tratado como uma concessão e não uma garantia. As visitas íntimas, quando permitidas, são cercadas de controle e restrições, dificultando o exercício da sexualidade das mulheres encarceradas, que enfrentam inúmeras barreiras para desfrutar desse direito.
Em outra pesquisa, Souza (2018) verificou-se que alguns estabelecimentos prisionais, como a Penitenciária Feminina de Recife e o Centro de Inserção Social Consuela Nasser, têm avançado ao permitir visitas íntimas em condições mais favoráveis. No entanto, muitas outras unidades ainda impõem limitações severas, tratando a sexualidade das internas como uma violação e não como um direito.
Por fim, é evidente que as mulheres encarceradas enfrentam discriminação de gênero, com seu direito à intimidade e à sexualidade sendo negado. O sistema prisional brasileiro, ao ignorar as especificidades femininas e tratar as mulheres como se fossem homens, perpetua uma série de injustiças e violações que tornam a experiência do cárcere ainda mais dolorosa. É fundamental reconhecer e respeitar os direitos das mulheres encarceradas, garantindo suas necessidades e desejos, incluindo o direito à visita e à visita íntima, independente de seus vínculos afetivos ou da situação de seus parceiros.
3 A VISITA ÍNTIMA E A SEXUALIDADE
Se já existem dificuldades para garantir o direito de visita às mulheres encarceradas, o que dizer sobre as visitas íntimas? O direito à sexualidade das mulheres na prisão é frequentemente tratado como uma concessão, e não como um direito, sendo muitas vezes negado no ambiente prisional. Diferentemente das penitenciárias masculinas, onde as visitas íntimas são mais informais e socialmente aceitas, nas unidades femininas, quando essas visitas são autorizadas, ocorrem sob rigoroso controle e com características discriminatórias.
Embora a Lei de Execuções Penais garanta o direito dos presos a visitas de cônjuges, companheiros, parentes e amigos em dias específicos, foi somente em 1999 que o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) recomendou a todos os Departamentos Penitenciários que assegurassem o direito à visita íntima para prisioneiros de ambos os sexos. Carmen Campos e Virgínia Feix ressaltam que, à luz da Constituição, nenhuma norma administrativa pode restringir esse direito constitucional. No entanto, na prática, muitas regulamentações penitenciárias têm limitado os direitos fundamentais das mulheres encarceradas, violando princípios constitucionais.
Embora a visita íntima não esteja explicitamente prevista, ela é um direito implícito, considerando que a sexualidade é uma dimensão da vida humana. As mulheres têm o direito de manter relações sexuais, que deve ser protegido e facilitado, independentemente de seu estado civil ou da orientação sexual do parceiro. Contudo, as mulheres encarceradas enfrentam diversos obstáculos que dificultam o exercício desse direito, como a falta de espaço e estrutura nas unidades prisionais, que, por serem menores que as masculinas, muitas vezes impedem visitas íntimas ou as realizam em condições inadequadas e sem privacidade.
Além disso, as unidades prisionais impõem várias exigências para o direito à visita íntima, como comprovação de união conjugal, casamento ou união estável, além de exigirem um período mínimo de visitação e o uso de contraceptivos.
Entretanto, algumas unidades, como a Penitenciária Feminina de Recife, permitem visitas íntimas em condições mais flexíveis desde 2000. O Centro de Inserção Social Consuela Nasser em Goiânia também é um exemplo positivo, permitindo que as internas se relacionem com homens de um presídio adjacente. Outras penitenciárias, como a Feminina Madre Pelletier, no Rio Grande do Sul, e a do Ceará, têm regras mais generosas, permitindo visitas íntimas em diferentes frequências. Por outro lado, existem muitas barreiras em presídios como a Penitenciária Feminina do Distrito Federal e a Talavera Bruce, no Rio de Janeiro, onde as visitas íntimas são severamente restritas.
Na Penitenciária Feminina de Butantã, em São Paulo, o exercício dos direitos sexuais é considerado uma falta grave, resultando em punições, como a negação da progressão de regime. As regras são geralmente impostas pela administração do presídio, que considera as infrações com base no Regimento Interno. Ademais, as internas com parceiros em outras unidades são frequentemente impedidas de receber visitas íntimas. Em contrapartida, estados como o Rio Grande do Sul e Pernambuco permitem que as mulheres recebam visitas íntimas mesmo que seus parceiros estejam em diferentes estabelecimentos.
O sistema penitenciário brasileiro apresenta diversas falhas em relação ao direito das mulheres encarceradas a visitas íntimas. As especificidades femininas são frequentemente ignoradas, e as mulheres são tratadas de forma semelhante aos homens, usando os mesmos uniformes e alojando-se em estruturas projetadas para o público masculino. Além disso, enfrentam a violação de direitos humanos básicos, como o acesso a produtos essenciais, incluindo absorventes íntimos.
As barreiras para o acesso ao direito de visita íntima revelam uma discriminação de gênero, dificultando o exercício da sexualidade feminina e buscando controlar questões como a gravidez no sistema prisional. Quando as visitas íntimas são permitidas, muitas vezes é exigido o uso de métodos contraceptivos, negando às mulheres o direito de decidir sobre a maternidade.
Outro constrangimento comum é a proibição de visitas íntimas com parceiros do mesmo sexo ou relações homoafetivas. As regras burocráticas estabelecidas pelas unidades prisionais podem prejudicar os relacionamentos das mulheres com pessoas fora da prisão.
Como resultado, muitas acabam formando laços com outras internas, buscando o apoio que não recebem de seus maridos ou companheiros. Lemgruber observou uma alta incidência de relações homoafetivas na Penitenciária Talavera Bruce, ressaltando que a realidade do homossexualismo nas prisões brasileiras destaca a dificuldade em estabelecer laços afetivos significativos. Essas relações, sejam homossexuais ou não, contribuem para o equilíbrio emocional das mulheres encarceradas.
É evidente que os direitos de visita, visita íntima e a expressão da afetividade e sexualidade das mulheres encarceradas são amplamente violados nas instituições prisionais brasileiras. A imposição de obstáculos ao exercício desses laços afetivos torna a experiência do cárcere, já severa por si só, ainda mais dolorosa.
4 A NECESSIDADE E A IMPORTÂNCIA DESSAS VISITAS PARA A RESSOCIALIZAÇÃO DAS MULHERES ENCARCERADAS
O direito é necessário para manter o equilíbrio e a ordem social, e com ele estabelecer o mínimo de harmonia e respeito (NEGREIROS NETO, 2012, p.42). As penas são impostas para que se tenha a manutenção desta harmonia e que sirva como uma forma de reeducar o cidadão que comete um ato infracional para que não acarrete o cometimento de outros.
De acordo com Nilo Batista (2007, p.21), “a função do direito de estruturar e garantir determinada ordem econômica e social, à qual estamos nos referindo, é habitualmente chamada de função ‘conservadora’ ou de ‘controle social”
Seguindo a mesma linha está o entendimento de Cláudio Guimarães (2002, p.79):
“Os militantes da teoria unificadora ou mista da pena convergem retribuição, prevenção geral e específica como aspectos do complexo fenômeno que se traduz na pena, retribuição que persegue os fins de prevenção, preservando a confiança na autoridade estatal como também garantindo os direitos fundamentais do homem.”
Como dito anteriormente, no contexto histórico das evoluções das prisões, no sistema penitenciário sempre ocorreu falhas, tendo a necessidade de as políticas criminais estarem em constante reformulação para melhor aplicabilidade das práticas penais de acordo com a realidade social. Segundo Bitencourt (1999):
(...) nenhum País jamais seguiu o extremo radical abolicionista, independentemente do regime político ou jurídico adotado, por entender, como se salienta do Projeto Alternativo Alemão de 1966, que a “pena é uma amarga necessidade de uma comunidade de seres imperfeitos como são os homens”. A humanidade demonstra, assim, o caminho da permanente reforma, de cujo roteiro compõe-se a progressiva humanização e liberalização interior, dista igualmente do outro pólo de críticas, o total conservadorismo.
Porém como o sistema prisional cada dia mais falido de infraestrutura e de apoio de políticas públicas, sua finalidade e eficácia com relação a reeducação e ressocialização se torna cada dia mais difícil de ser realizada e acreditada. Conforme aponta José Milton Negreiros Neto (2012, p.42) em sua monografia: Não se acredita mais nos moldes atuais do sistema carcerário brasileiro na eficácia do encarceramento, da pena restritiva da liberdade, na recuperação do infrator. A prisão é um instituto que tem estigmatizado o ser humano.
Se faz necessário compreender que antes de se tornarem presas elas são seres humanos e que possuem algum vínculo familiar fora dos muros, não podendo ser excluídas de uma hora para outra, pois a família muitas vezes é o apoio que elas necessitam seja psicológico ou material. Independentemente de classe social e formação, família sempre servirá de referência, pois as pessoas nascem sem ter conhecimento de nada e é o papel dos familiares instruírem e ensinarem o que é certo e o que é errado, desta forma, nascendo a personalidade e caráter de cada pessoa.
Kaloustian (2002) define a família como “instituição responsável pelo apoio físico, social e emocional, independente da forma como vem se estruturando. É caracterizada por um agrupamento de pessoas ou dinâmica de vida própria e em processo de interação”.
Os indivíduos passam por dois tipos de formação familiar a primeira é aquela que se tem o primeiro contato, e a segunda é formada através do matrimônio ou de uma relação afetiva estável. Como aduz Augusto Thompson (2002, p. 112):
No processo de integração social, temos a participação dos indivíduos em grupos sociais específicos, com características e realidades sociais próprias; ele se inicia na infância, com a família e a escola. E continua na adolescência, na fase adulta e na velhice; é um processo contínuo de aprendizagem.
Para as encarceradas, o amparo dos familiares é de grande relevância para essa população que é atingida pela rejeição e afastamento sócio-familiar. “As pessoas tendem a evitar o contato, sobretudo, pelo medo, preconceito e toda e todo um conjunto de desinformação a respeito da realidade a que estão sujeitos os encarcerados no seu cotidiano”. (NEGREIROS NETO, 2012, p.43).
A regularidade das visitas são importantes e fazem diferença para as mulheres que passam pelo cárcere, não só pelo impacto psicológico e emocional, mas também pela ajuda financeira, pois quando estão privatizadas de sua liberdade ficam impossibilitadas de exercerem alguma atividade profissional, bem como, é através dos familiares que se adquirir produtos essenciais como os de higiene pessoal que não são disponibilizados pelo presídio. Referente ao tema a irmã Margaret Gaffney (2016), integrante da Pastoral Carcerária de São Paulo, relata que:
Não receber visitas é ficar sem o jumbo [pacote com produtos de limpeza, vestuário e alimentação enviados pelas famílias]. O que o presídio manda costuma não ser suficiente e as famílias é que dão essa assistência. Não é só absorvente.
O simples fato de ser presidiária ou ex-presidiária tem um peso enorme de preconceitos sociais. Neste sentido, a família representa o alicerce fundamental para que o encarcerado consiga manter-se na linha e possa voltar ao convívio familiar e social, mesmo tendo sofrido com a situação degradante enfrentada dentro das cadeias. (NEGREIROS NETO, 2012, p. 43).
4.1. O Princípio da Dignidade Humana
Pode-se tirar a liberdade de uma pessoa, mas não sua dignidade. A dignidade humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, está prevista no art. 1º, III, da Constituição Federal de 1988. Sobre este tema, a pesquisa trará a discussão de BONAVIDES (2001, p. 15), segundo ele: “Nenhum princípio é mais valioso para compendiar a unidade material da Constituição Federal que o princípio da dignidade da pessoa humana.”. Este princípio tem por finalidade assegurar a integridade física e moral dos detentos, previsto no artigo 5º, XLIX, CF:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;
Pode-se elencar como proteção da dignidade humana, o direito a receber visitas nas penitenciárias, seja esta de familiares como mãe, irmãos, filhos como também de companheiros e conjugues.
Compartilhando do pensamento de Priscila Spricigo (2009): Não se pode deixar de aplicar um direito inerente ao ser humano, como é o exercício livre de sua sexualidade, pela precariedade das condições em que ocorre um direito anterior a ele, como é o tratamento digno e a assistência durante a execução da pena.
Existe alguns projetos de Lei que propõem a definitiva proibição das visitas íntimas, como por exemplo, o Projeto de Lei proposto pelo Sr. Deputado Delegado Waldir do partido PSL/GO em 2018, onde pretende alterar o art. 41, X da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal e revoga o art. 68 da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, para extinguir o direito de visita íntima do preso. Fundamentando a seguinte justificativa:
A visita íntima é um dos meios pelos quais o crime organizado repassa mensagens para seus asseclas e permite que seus integrantes tenham ‘direito’ à visita de prostitutas que se cadastram como ‘companheiras’, situação corriqueira que é tratada como não existente pelas autoridades.
Simone Souza (2005), na pesquisa produzida no estabelecimento prisional Talavera Bruce, no Rio de Janeiro, detectou que o isolamento e a solidão decorrentes da falta de contato com o mundo externo acarretam nas internas grande sentimento de rejeição, aumento da necessidade de aceitação e carência afetiva.
A partir do momento que a mulher é colocada em situação de cárcere, ou seja, em lugar privado, automaticamente perdendo o contato com o mundo externo ela também se torna invisível aos interesses sociais, não tendo mais importância nas pautas de estudos e discussões de juristas, políticos e até mesmo a própria população as deixam de lado. Conforme Yumi Miyamoto; Aloísio Krohling (2012, p. 223):
(...) constata-se que a pessoa, ao ficar confinada ao espaço privado, torna-se invisível já que passa a não ser vista pelos outros e, por mais que se esforce, faça o que for aquilo que lhe parece importante é desprovido de interesse pelos outros.
O afastamento e consequentemente a perda do contato das detentas com o mundo externo, provocando o sentimento de rejeição o que pode ser encarado de forma agressiva, fazendo com que percam sua identidade e não tenham mais um incentivo para sair das penitenciárias.
Essa exclusão pode se tornar o principal fator da reincidência, pois ao sair depois de ter passado certo tempo “isoladas” sem contato com familiares e amigos, essas mulheres não têm mais sua referência e apoio familiar, podendo perder o estímulo de tomar rumos diferentes daqueles que a levaram as penitenciárias, o que dificulta na ressocialização.
Após realizada pesquisa no presídio Talavera Bruce localizado na região do Rio de Janeiro, Simone Souza (2005, p. 16) pode constatar que:
(...) gera seqüelas na subjetividade da ex-presidiária que, associadas às limitações impostas pela sociedade livre, podem levar a uma nova inserção na criminalidade, retroalimentando o círculo de criminalização que a prisão reforça nos indivíduos que se propõe a recuperar. Fecha-se, assim, um circuito perverso de exclusão social.
Um dos fatores que contribui para a omissão de direitos e consequentemente a desigualdade de gênero é a falta de políticas públicas, bem como o sistema políticoeconômico implementado na sociedade, no qual tratam a mulher como sujeita de direitos com características próprias em virtude de seu gênero.
CONCLUSÃO
É inegável que qualquer forma de encarceramento é, por si só, uma experiência dolorosa para qualquer ser humano. Ter a liberdade restringida e inúmeros direitos negados já constitui uma severa punição para aqueles que se desviaram das normas sociais esperadas. No entanto, além dessa dor, o que se observa em relação ao exercício dos direitos sexuais das internas – que deveriam ser plenamente garantidos, mesmo no encarceramento – é que, ao contrário dos homens presos, o direito à visita íntima não é assegurado para as mulheres em grande parte das instituições prisionais, sendo frequentemente considerado como uma mera liberalidade.Essas constatações revelam que a prisão, além de ser um local de controle e confinamento, reflete a discriminação e a exclusão que as mulheres enfrentam na sociedade atual, priorizando apenas a segurança e a disciplina das encarceradas.
Diversos obstáculos impostos pelas instituições prisionais dificultam a manutenção dos vínculos sociais das internas com seus familiares e amigos. Há uma enorme disparidade e discriminação na concessão dos direitos de visita e visita íntima para as mulheres em comparação aos homens. As internas, portanto, experienciam de forma mais intensa o sofrimento do cárcere e frequentemente buscam relações dentro da prisão para compensar a falta de carinho e afeto resultante da escassez de visitas.
É fundamental reconhecer as internas, com todas as suas particularidades, como titulares de direitos de visita e visita íntima. A efetivação do direito à intimidade no sistema prisional deve incluir o respeito à orientação sexual da interna, seu direito de manter vínculos familiares, mesmo que seu parceiro também esteja encarcerado, e considerar seus desejos e necessidades, que podem envolver questões de gestação e maternidade.
REFERÊNCIAS
ARTUR, Angela Teixeira. As origens do presídio de mulheres do Estado de São Paulo. São Paulo, USP, 2011. Dissertação. Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011.
BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 11º ed. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2007.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
BIZZONI, Alessandra. Pesquisa da FGV mostra que brasileiras ficam fora do mercado de trabalho após licença maternidade. SEGS.2017. Disponível em: <https://www.segs.com.br/demais/80918-pesquisa-da-fgv-mostra-que brasileiras-ficam-fora- do-mercado-de-trabalho-apos-licenca-maternidade.html>. Acessado em: 22 de maio 2024
BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 11. Ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
BRASIL. Lei de Execução Penal n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal e a legislação correlata. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 de jul.1984.
BRASIL, Diário de Pernambuco. Em Pernambuco, 437 presas podem receber prisão domiciliar: Benefício pode ser concedido às detentas em condenação que estejam gestantes ou sejam mães de filhos de até 12 anos. 22 de fev.2018. Disponível em:<http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vidaurbana/2018/02/22/interna_vda urbana,742556/em-pernambuco-437-presas-podem-receber-prisao domiciliar.shtml>. Acesso em: 25 de junho de 2024.
BRASIL. Projeto de Lei de 2018 (do Congresso Nacional) PLS/GO. Deputado Delegado Walmir. Altera o art. 41, X da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal e revoga o art. 68 da Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, para extinguir o direito de visita íntima do preso. 2018. Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1686434> Acessado em: 20 de junho de 2024.
BRASILIA, Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias: INFOPE. Atualização- Junho de 2016/organização, Thandara Santos; colaboração, Marlene Inês da Rosa [et al.] Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. 2017. Disponível em: <depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen- levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf>. Acesso em: 21 de maio de 2024.
DIUANA, V.; CORREA, M.; VENTURA, M. Mulheres nas prisões brasileiras: tensões entre a ordem disciplinar punitiva e as prescrições da maternidade. Physis Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, 27 [ 3 ]: 727-747, 2017. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/physis/v27n3/1809-4481-physis-27-03-00727.pdf>. Acessado em: 26 de março de 2024.
ESTADO DE SÃO PAULO. Resolução SAP – 144. Institui o Regimento Interno Padrão das Unidades Prisionais do Estado de São Paulo, 2010.
GAFFNEY. Magaret. SER MULHER EM UM SISTEMA PRISIONAL FEITO POR E PARA HOMENS. Ponte Jornalismo. Pastoral Carcerária. 2016. Disponível em: <https://ponte.org/ser-mulher-em-um-sistema-prisional-feito-por-e-para-homens/>. Acesso em: 20 de maio de 2024.
GUIMARÃES, Claudio A. G. A função neutralizadora como fonte de legitimação da pena privativa de liberdade. Revista Jurídica, Porto Alegre-RS, v. 292, p.7-84, 2002.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatísticas de Gênero Indicadores sociais das mulheres no Brasil. Rio de janeiro, 2018. Disponível em: <https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf> Acessado em: 24 de abril de 2024.
JARDIM, Ana Caroline M. Gonsales. Entre as Redes de Apoio e o Fundo da Cadeia: A Inserção dos Familiares de Apenados nas Dinâmicas Prisionais. Disponível em: <http://www.susepe.rs.gov.br/upload/1315579866_Entre_redes_apoio_fundo_cadeia.pdf>. Acessado em: 22 de abril de 2024.
KALOUSTIAN, Sílvio Manoug (org.). Família Brasileira: a base de tudo. 5ª ed., São Paulo: Cortez, Brasília - DF, UNICEF, 2000
LEMGRUBER, Julita. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
MANSO, Jefferson Monteiro. A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SUA ATUAL EFICÁCIA. Jus.com.br, 2016 Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/47427/a-pena- privativa-de-liberdade-e-sua-atual-eficacia>. Acessado em: 01 de abril de 2024.
MIYAMOTO, Yumi; KROHLING, Aloísio. Sistema prisional brasileiro sob a perspectiva de gênero: invisibilidade e desigualdade social da mulher encarcerada. Miolo Direito. 2012. Disponível em: <file:///C:/Users/Matheus/Downloads/173-640-1-PB.pdf>. Acessado em: 21 de maio de 2024.
NEGREIROS NETO, José Milton. Importância da família no processo de ressocialização do encarcerado diante das condições do sistema penitenciário no Estado do Ceará. Monografia. Universidade federal do Ceará -UFC. Curso de pós-graduação em educação de jovens e adultos para professores do sistema prisional. Fortaleza-CE. 2012.
OLIVEIRA, Magali Glaucia Fávaro; SANTOS, André Filipe Pereira Reid. Desigualdade de gênero no sistema prisional: considerações acerca das barreiras à realização de visitas e visitas intimas as mulheres encarceradas. Caderno Espaço Feminino - Uberlândia-MG - v. 25, n.1, jan. /jun., 2012. Disponível em: <http://www.seer.ufu.br/index.php/neguem/article/viewFile/15095/11088>. Acesso em: 27 de junho de 2024.
PIZOLOTTO, Letícia Costa. A LEI 11.343/2006 e o aumento de mulheres encarceradas. Ijuí- RS, 2014. Disponível em: <http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/2553/TCC%20-%20Encarceramento%20Feminino.pdf?sequence=1>. Acesso em: 20 de junho de 2024.
PIMENTEL, Thais. ‘Condenadas’: visitas são raras em penitenciárias femininas, aponta pesquisa da UFMG. G1 MG- Belo Horizonte. 20 de jun. de 2018. Disponível em: <https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/condenadas-visitas-sao-raras-em- penitenciarias-femininas-aponta-pesquisa-da-ufmg.ghtml>. Acesso em: 26 de maio de 2024.
SPRICIGO, Priscila Wieczorek. O direito à visita íntima e a ressocialização do indivíduo submetido à pena privativa de liberdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3583, 23 abr. 2013. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/24246/o- direito-a-visita-intima-e-a-ressocializacao-do-individuo-submetido-a-pena-privativa-de- liberdade/1>. Acesso em: 17 de maio de 2024.
SOUZA, Simone Brandão. Criminalidade Feminina: Trajetórias e Confluências na fala das presas do Talavera Bruce. Dissertação de Mestrado - Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, Rio de Janeiro, 2005.
SILVA, Mateus Maciel César. Função ressocializadora da pena privativa de liberdade em regime fechado e semiaberto no direito brasileiro: problemas e alternativas de solução. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 fev. 2015. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.52592>. Acesso em: 22 de maio de 2024.
TERRA, Instituto. Relatório sobre mulheres encarceradas no Brasil. Org: Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional, CEJIL; Associação Juízes para a Democracia, AJD; Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, ITCC et.al. Brasília, DF, 2007.
THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
acadêmica em Direito (Faculdade da Saúde e Ecologia Humana - Faseh)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Gabrielle Malaquias. Desigualdade de gênero no sistema prisional: barreiras na realização de visitas e visitas íntimas as mulheres encarceradas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 nov 2024, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/67052/desigualdade-de-gnero-no-sistema-prisional-barreiras-na-realizao-de-visitas-e-visitas-ntimas-as-mulheres-encarceradas. Acesso em: 04 dez 2024.
Por: RODRIGO PRESTES POLETTO
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Precisa estar logado para fazer comentários.