A tendência de abstrativização do controle difuso tem como característica principal dar ao caso concreto o efeito erga omnes e vinculante, em relação ao efeito normal deste controle que é o efeito inter partes. Um dos precursores desta teoria é o Ministro do STF Gilmar Ferreira Mendes. Em algumas declarações de inconstitucionalidade no controle difuso, a decisão teria eficácia erga omnes e vinculante, irradiando seus efeitos para fora do processo.
Com efeito, mencionada tendência se apresenta em dois âmbitos, quais sejam: âmbito da legislação e âmbito jurisprudencial.
No âmbito da legislação, a EC nº 45/2004 trouxe as seguintes novidades:
· Criação da Súmula Vinculante (art. 103-A da CF), consolidação de interpretações feitas pelo Supremo Tribunal Federal a respeito da Constituição Federal e que devem ser seguidas pelos demais órgãos do Poder Judiciário, bem como pela Administração Pública Federal, Estadual e Municipal.
· Exigência da demonstração de repercussão geral como requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, com o fito de restringir que as querelas de cunho eminentemente subjetivo sejam levadas ao Supremo. Por meio da repercussão geral, o recorrente necessitará demonstrar a importância da relação constitucional deduzida em juízo, demonstrando a vertente cada vez mais transparente em nosso ordenamento jurídico de que a Corte Suprema tem como papel primordial o de intérprete da Constituição – Corte Constitucional - e não um Tribunal de julgamento de causas subjetivas.
Verifica-se também essa tendência no âmbito jurisprudencial nas manifestações do Supremo relacionadas a seguir:
· Recurso Extraordinário nº 197.917/SP – tratou de decisão do Supremo concernente ao número de vereadores do Município de Mira Estrela/SP, que deu interpretação ao art. 29 da CF/88, a ser aplicada no caso específico de um município paulista. Inicialmente, a tese foi discutida em sede de recurso extraordinário (controle difuso). Contudo, o Tribunal Superior Eleitoral, como forma de ampliar esta decisão para todos os municípios brasileiros, emitiu Resolução disciplinando a matéria, dando-lhe eficácia erga omnes. Atualmente, os Ministros do Supremo não estão considerando o recurso extraordinário apenas como o instrumento para a defesa de interesses subjetivos, mas também como a forma precípua da “defesa da ordem constitucional objetiva” no controle difuso, segundo o Ministro Gilmar Mendes.
· Habeas Corpus nº 8295-9 (progressão de regime) – O Supremo neste julgamento reconheceu a inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei 8.072/90 (Lei dos crimes hediondos) para um caso concreto específico. No entanto, após o julgamento, conferiu à decisão eficácia ex nunc e erga omnes, irradiando seus efeitos para outros processos posteriores. Neste caso, cumpre ressaltar que é cabível a propositura de Reclamação Constitucional em face do ato judicial que vai de encontro ao entendimento do STF.
· Mandado de Injunção – Inicialmente, impende destacar a posição não concretista do Supremo no que tange aos julgamentos em mandado de injunção. Todavia, quando julgou o mandado de injunção referente ao direito de greve dos servidores públicos, além de adotar posição concretista, utilizando de analogia para estender a lei da iniciativa privada aos servidores públicos, com os devidos temperamentos, a decisão previu o efeito erga omnes, sendo notória a utilização nos dias atuais deste julgamento, como pode ser citado o exemplo da greve dos Advogados Públicos Federais deflagrada no início do corrente ano.
Outra vertente no âmbito jurisprudencial é a utilização por parte do Supremo da técnica de modulação dos efeitos da decisão de inconstitucionalidade no controle difuso. Tal técnica, já utilizada no controle concentrado de constitucionalidade (art. 27 da Lei 9.868/99), foi adotada no controle difuso.
Um dos efeitos oriundos da tendência de abstrativização do controle concreto de constitucionalidade é o efeito transcendente. A decisão, mesmo sendo no caso concreto, irradia seus fundamentos para o campo extraprocessual, passando a produzir efeitos “erga omnes”.
Contudo, a doutrina favorável à transcendência dos motivos determinantes ainda não está pacificada nos tribunais pátrios. Tramita no STF a Reclamação Constitucional de nº 4335/AC, com pronunciamentos de quatro Ministros, sendo que o julgamento encontra-se empatado. Os Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau entenderam pela confirmação da tendência de abstrativização, enquanto os Ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa concluíram pela manutenção do efeito “inter partes” no controle concreto de constitucionalidade.
Vale ressaltar, como forma de corroborar o acima exposto, segundo os ensinamentos do professor Dirley da Cunha Júnior que “Atualmente, há no Supremo Tribunal Federal um movimento, liderado pelo eminente Ministro Gilmar Ferreira Mendes, no sentido de se atribuir eficácia “erga omnes” às decisões de inconstitucionalidade proferidas em sede de controle incidental ou concreto, sem a interferência do Senado Federal, passando a resolução senatorial a servir apenas para conferir publicidade à decisão da Corte. Propõe o Ministro Gilmar Mendes uma mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal de 1988, para limitar o ato político da Alta Câmara do Congresso Nacional à concessão de mera publicidade da decisão de inconstitucionalidade, que já se revestiria, desde a sua publicação, de eficácia geral e vinculante”. Outros autores, como Alexandre de Moraes e Pedro Lenza também descrevem em suas obras mencionado posicionamento.
Assim sendo, evidencia-se uma aproximação entre os modelos de controle de constitucionalidade, quais sejam: controle concreto e controle abstrato, quando há a concessão de efeito transcendente à decisão de inconstitucionalidade de norma em controle concreto, em razão dos fundamentos da decisão, “ratio decidendi”, utilizados geralmente apenas entre as partes da relação processual, passando a transcender o processo originário, aplicando-se a novos casos.
BIBLIOGRAFIA:
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DIDIER JR., Fredie. Transformações do Recurso Extraordinário. In: Processo e Constituição. Estudos em homenagem a professor José Carlos Barbosa Moreira. Luiz Fux, Nelson Nery Júnior, Teresa Arruda Alvim Wambier (coordenadores). São Paulo: RT, 2006.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 9º ed., ver. atual. e ampl., São Paulo:Editora Método, 2005.
MENDES, Gilmar Ferreira. O Papel do Senado Federal no Controle de Constitucionalidade: Um Caso Clássico de Mutação Constitucional. Disponível em <http://www.senado.gov.br/web/cegraf/ril/Pdf/pdf_162/R162-12.pdf>. Acesso em 13/06/2008.
MONTEZ, Marcus Vinícius Lopes. A abstrativização do controle difuso. Revista Jus Vigilantibus, Sexta-feira, 30 de novembro de 2007. Disponível em http://jusvi.com/artigos/30062.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19.ed. ver., ampl. e atual., São Paulo: Editora Atlas, 2006.
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