O protesto a Certidão da Dívida Ativa – CDA é um assunto que está em discussão atualmente, pelo fato do poder público iniciar a proceder a tal intento, com o objetivo de coerção dos contribuintes que devem o Estado.
A CDA apesar de demonstrar a existência de um inadimplemento, é uma etapa do processo de cobrança da dívida ativa de natureza tributária, mas não é titulo cambial apto a ser levado a protesto e nem tampouco possui base legal para ser efetivada na esfera cível.
Em decorrência do Princípio da Legalidade, para a Administração Pública só é dado fazer o que a lei determina, não ficando ao talante do administrador agir fora dos limites legais. Neste sentido é a doutrina de Hely Lopes Meireles, na obra “Curso de Direito Administrativo”, 11ª edição, São Paulo: Malheiros, 1999, p. 64. Forense, pg. 67:
“Na administração Publica não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração Publica não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é licito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.
(...) a natureza da função publica e a finalidade do Estado impedem que seus agentes deixem de exercitar os poderes e de cumprir os deveres que a lei lhes impõe.”
O Poder Público, ao agir, deve sempre se pautar segundo o interesse público determinado na própria lei, observado a finalidade de seus institutos. Assim, não pode a Administração, ainda que pretensamente buscando o interesse público, agir fora dos “trilhos” imposto pela norma.
Dessa forma, considerando-se que a CDA já possui, por determinação legal, presunção de veracidade sobre o inadimplemento e o descumprimento de obrigação fiscal; e que a finalidade legal do protesto é exatamente a mesma, resta evidente a ausência de interesse jurídico da Administração Fazendária em levar a CDA a protesto.
Mais do que isso, caso a Administração Fazendária leve a protesto a CDA, o fará notoriamente com a finalidade de receber o crédito descrito no documento, DESVIANDO, PORTANTO, A FINALIDADE DO INSTITUTO.
É inegável que a lei do protesto foi editada para o fim de provar a inadimplência do devedor, sendo esse um reclamo social, haja vista os serviços de proteção ao crédito. Dessa forma, a sua utilização para outra finalidade configura evidente desvio da vontade da lei, isto é, desvio de finalidade.
Se o protesto é lícito aos particulares, porquanto não proibido, não o é para a Administração Fazendária, sendo conclusivas as seguintes palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, na obra “A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas”, 1ª ed., São Paulo: Forense, 1993, p. 67, ipsis litteris:
"... o princípio da finalidade não é decorrência do princípio da legalidade. É mais que isto: é uma inerência dele; está nele contido, pois corresponde à aplicação da lei tal qual é; ou seja, na conformidade de sua razão de ser, do objetivo em vista do qual foi editada. Por isso se pode dizer que tomar uma lei como suporte para a prática de ato desconforme com a sua finalidade não é aplicar a lei; é desvirtuá-la; é burlar a lei sob o pretexto de cumpri-la. Daí por que os atos incursos neste vício - denominado 'desvio de poder' ou 'desvio de finalidade' - são nulos. Quem desatende ao fim legal desatende à própria lei."
Sobre o desvio de finalidade, são expressivas as seguintes palavras de Suzy Elizabeth Cavalcante Koury:
"Todo instituto jurídico corre o risco de ter sua função desviada, ou seja, utilizada contrariamente às suas finalidades. Esse desvio de função consiste na falta de correspondência entre o fim perseguido pelas partes e o conteúdo que, segundo o ordenamento jurídico, é próprio da forma utilizada."
O próprio sistema jurídico positivo traz o meio pelo qual um crédito do Estado pode ser cobrado, qual seja: a execução fiscal, isto é, a execução de uma dívida inscrita em uma CDA. Burlar essa forma específica e expressa de cobrança, desvirtuando a finalidade do protesto, configura evidente desvio de finalidade e fere o princípio da legalidade previsto no artigo 5°, inciso II, da Constituição Federal.
Anote-se, por fim, que a Fazenda Pública tem diversas prerrogativas materiais e processuais na busca da satisfação do seu crédito. Caso perceba que exista fundado receio de não receber o que lhe é devido, poderá inclusive propor medida cautelar fiscal como meio legal de assegurar o futuro recebimento do seu crédito.
Se a Fazenda Pública não se vale dessas prerrogativas processuais, buscando a satisfação do seu crédito pelo protesto, como meio coercitivo indireto e ilegal de cobrança da CDA, desvirtua as finalidades do instituto, agindo em evidente abuso de poder.
Portanto, na medida em que a Administração Pública deve observar os estritos termos da lei, além de lhe faltar interesse para levar as CDAs a protesto, ao fazê-lo nitidamente desvia a finalidade legal do instituto e, por esta razão, sua conduta deve ser revista ou rechaçada pelo Judiciário.
O protesto da CDA é uma forma de forma de coerção indireta para o pagamento da dívida e tal procedimento tem sido rechaçado pelos Tribunais de Justiça do país, conforme julgado abaixo:
"REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - PROTESTO - MEIO COERCITIVO DESNECESSÁRIO E INJUSTIFICADO DE COBRANÇA - SENTENÇA RATIFICADA.
A certidão de dívida ativa não é título cambial, e o seu apontamento a protesto constitui meio coercitivo para forçar o contribuinte ao pagamento do imposto, por ser desnecessário e injustificado.
(TJMT - RNSen 8538/2003 - 1ª C.Cív. - Rel. Des. Rubens de Oliveira Santos Filho - J. 09.06.2003).”
Deste modo, resta demonstrado que a intenção do Poder Público em utilizar o protesto para a CDA não é legitima, na medida em que desvia a finalidade da CDA e ainda é um meio coercitivo desnecessário e injustificado de cobrança. Devendo assim, ser rechaçada pelo Poder Judiciário.
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