Predomina no Brasil e na América Latina, ainda, uma práxis acadêmica conservadora. O motivo desta contundente afirmação resulta de uma análise diretamente vinculada a maneira de atuar dos protagonistas do direito pátrio e continental (magistrados, membros do Ministério Público, policiais, advogados, servidores da administração da justiça penal em geral), muitos fazem parte dos Corpos Docentes das instituições de ensino superior, onde carregam e defendem, nos dias atuais, inconscientemente, heranças doutrinárias ultrapassadas.
Na América Latina o sistema inquisitorial (sec. xviii) continua presente, em que pese algumas reformas e propostas literárias e legislativas que preconizam um sistema processual-penal acusatório à luz do princípio do devido, justo e necessário processo legal (penal), na tentativa de se observar com prevalência as garantias fundamentais indisponíveis da cidadania.
O Ministro Sálvio de Figueiredo Dias do Superior Tribunal de Justiça, assevera que “a experiência universitária – no Brasil – é muito jovem”, com relação a Universidade de Bolonha a mais antiga, com 900 anos; e citando Alceu Amoroso Lima para quem “A universidade tem suas raízes na própria natureza dos homens e das coisas”, e onde “a evolução da cultura é fenômeno resultante da própria evolução do homem”, parafraseando Marco Maciel (in Revista Consulex Ano I n. 1º, abril-2002-DF).
Efetivamente a cultura européia (espanhola-portuguesa) após o descobrimento da América, transportou e impregnou sua cultura, através de sua realidade; porém é de ressaltar as novas experiências e o contexto sócio-cultural da realidade latino-americana, me refiro ao conhecimento científico dogmático, acadêmico-universitário e a práxis jurídico-penal dos diferentes discursos e aplicações de política criminal na administração de justiça.
A história colonial traz ainda heranças daqueles tempos, sendo preciso, nos dias atuais, a independência cultural e a autonomia de gerenciamento político criminal, posto que “os problemas educacionais brasileiros não são de natureza apenas pedagógica, mas implicam a participação de todos os grandes complexos culturais que estão na base de nossa formação histórica, econômica e política. Cada uma dessas perspectivas deve ser considerada detidamente, referida ao conjunto, se quisermos iluminar, com verdade, a face do problema pedagógico” (Prof. Belém Teixeira, ob. Consulex).
O período de ditadura militar, pós 1964, por exemplo, reprimiu as liberdades públicas e o modelo ensino-pesquisa-extensão, sendo muito prejudicial ao desenvolvimento acadêmico-profissional, retomando e aceitando imposições de sistemas educacionais estrangeiros.
Em 1962, o Conselho Federal de Educação impõem um currículo mínimo, eliminou obrigatoriamente as disciplinas de humanismo e cultura, a fim das matérias não abarcarem assuntos vinculados com a política, economia e social, somente autorizadas estavam as disciplinas técnicas ou de formações práticas. Com pequena abertura em 1972, e hoje, rege o Estudo Jurídico a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (lei n. 9.394/1996), que permite e possibilita a criação e inovações no ensino do País, em nome dos direitos da cidadania, nos ideais de direitos humanos e na democracia, para a verdadeira “consciência jurídica”, não mais se aceitando o operador do direito, mais sim o profissional do direito, que aplica e interpreta corretamente, cria em base ao princípio mor de justiça, e não aquele indivíduo do passado operário repetitivo do direito que somente sabe a prática totalmente desvinculada da teoria.
Trata-se o ensino superior de uma esperança para a afirmação da conquista social a fim de superar dependências elevando-se o valor da mão-de-obra e a capacitação profissional, em benefício do crescimento regional e de todo o País.
É por esta razão que se faz extremamente necessária a programação de uma educação de forma intercontinental, conforme a própria proposta do Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral (Cidi), através do Programa Interamericano de Educação da OEA (Organização dos Estados Americanos), o mesmo deveria acontecer neste setor no âmbito do Mercosul, para criarmos parâmetros educacionais e políticas de capacitação profissional, multiplicando os conhecimentos.
O conteúdo programático das grades curriculares dos cursos de direito, são eminentemente antigos, de maneira encoberta, como afirma o Prof. Raúl Zaffaroni; continua presente nas legislações penais dos países latino-americanos, um conteúdo lombrosiano (César Lombroso), ferriano (Enrico Ferri) e propostas superadas como a da Escola da Defesa Social,. década de 40/60.
Considerando que ao longo do tempo, ante e pós período de ditadura militar (2a grande guerra), os mestres das ciências penais e criminológicas foram forçados a lesionar de maneira apolítica, não sendo permitida a interdisciplinariedade sócio-jurídica e ou questionamentos de nível econômico para estudar e compreender melhor o direito contemporâneo.
Hoje, em razão daquele período histórico, encontramos profissionais que propugnam por reformas já ultrapassadas ante a doutrina do direito penal ou das ciências penais, em prejuízo de teorias atualizadas e reconhecidas pelos especialistas. A exemplo podemos mencionar as propostas de políticas governamentais negativas, como: aumento de sanções em geral, da pena capital, da prisão perpétua, classificação-clínica de delinqüentes, etc.
A repressão penal em algumas Escolas de Ensino Superior ainda é ensinada como solução aos problemas da criminalidade em geral, através da construção de novas prisões, como forma a se evitar a prática de delitos ou o aumento da taxa da reincidência criminal.
Alguns profissionais do direito não acreditam na reciclagem dos conhecimentos e tolhem o aperfeiçoamento técnico-científico dos mais novos.
Também as reduzidas bolsas de pós-graduação indubitavelmente são causas para desmotivar o acadêmico. A especialização profissional seria o caminho mais viável para a qualificação profissional e para as necessárias mudanças radicais na administração da justiça e aumento da credibilidade social.
Nossas Faculdades de Direito não podem ser compostas por professores de “clinica geral”, do contrário não será possível à evolução do ensino jurídico brasileiro.
Se faz urgente empregar uma nova ótica para ensinar as ciências jurídicas, isto é, em base aos princípios gerais democráticos e as cláusulas de Direitos Humanos, onde auxiliam a maneira de aplicar e interpretar corretamente as normas e os critérios de Justiça, de acordo com o tempo e o espaço.
O sistema legal e a estrutura pública da administração de justiça se encontram em um contexto além da realidade, é preciso deslegitimar os discursos demagógicos através de uma política criminal inovadora e de um discurso da verdade, somente assim se estabelecerá uma nova estrutura estatal, no tocante ao “ius presequendi” e o “ius puniendi”.
Podemos citar a proliferação das edições e vendas de Manuais Básicos de Direito, sem qualquer conteúdo filosófico, conduzindo os alunos e os operadores do direito e não criando profissionais dos problemas sociais.
Também as fontes do direito, como a jurisprudência e a doutrina estão sendo tratadas, no dia a dia acadêmico de forma completamente invertida, estão valendo e sendo consideradas mais do que a própria lei, e é desta maneira que se está transmitindo o direito no Brasil, com sérios prejuízos à correta aplicação e interpretação da norma. Não se cria nada, tudo se copia, como se diz: “pensamos com a cabeça dos outros”; julga-se e aplica-se o direito como fossemos “maria vai com as outras” ou “voto com o relator”. Expressões jurisprudênciais do tipo: posição unânime, entendimento majoritário, etc., deturpam e confundem os novos profissionais e acadêmicos, conduzindo-os a sérios erros. E mais grave ainda são as adorações as intocáveis e indiscutíveis Súmulas dos Tribunais Superiores ou até mesmo do Pretório Excelso, quando muitas flagrantemente inconstitucionais. E agora surge a hedionda proposta das Súmulas Vinculantes, é o mesmo que tolher, castrar, censurar e aniquilar o princípio do livre convencimento. De outro lado, a atividade usual de fazer comentários à códigos, sem nenhuma responsabilidade, acaba transformando a doutrina e o próprio espírito do legislador.
A mentalidade conservadora ainda está presente em todos os segmentos da sociedade e infelizmente, também em alguns Corpos Docentes dos Cursos Jurídicos, geralmente constituídos por operadores do direito que somente lhes interessa as posições pessoais e de Poder, onde conhecem a verdade, e a distorciam ao Corpo Discente, com discursos fantasiosos.
Esta prática acadêmica gera o descrédito pela administração da justiça penal. A população tem ciência pública de suas falhas estruturais e do modo como se desenvolvem os trabalhos de respeito aos Direitos Humanos.
De outro lado, a linguagem do direito é imperativo de sucesso do profissional e de demonstração de conhecimento técnico-adequado. E na contemporaneidade os textos de leis devem ser objetivos, claros e simples para que seja compreensível a toda população, em base ao princípio de que não é a mingúem lícito alegar a ignorância da lei (“ex vi” do art. 21 Lei n. 7.209/84 – Código Penal “o desconhecimento da lei é inescusável”). O operador do direito deve se deixar levar pelos exageros e tecnicismo excessivo, burocratizando ainda mais a norma, via interpretações em descompasso com os princípios gerais do direito penal.
“O tecnicista é um profissional despojado de sentimento humano, da vida e da preocupação social. Julgadores desse jaez costumam ser frios, assépticos, insensíveis e fazem a letra da lei prevalecer sobre os critérios de Justiça.
É da própria de tais operadores do Direito – sejam professores, magistrados, advogados, doutrinadores – não se preocuparem em transmitir, o que é necessário o uso da linguagem simples, acessível, direta, a seus alunos, jurisdicionados, clientes ou leitores, os conhecimentos acumulados, como se só os tivessem adquirido para si próprio, Dotados de grande capacidade técnica e conhecimentos especializados, deixam, contudo, de se comunicar satisfatoriamente com seus patrocinados, discípulos jurisdicionados, ou leitores, porque são incapazes de singeleza, objetividade, clareza, transmitir e difundir o que sabem. A maior virtude do expositor, do cientista, do escritor, não importa quão sábio seja, é se fazer facilmente compreendido por quem o ouve ou lê. Pouca ou nenhuma valia tem conhecimento que não são transmitidos, disseminados, quando mais não sejam porque morrem com o próprio detentor do saber. O técnico que só produz para técnicos é pouca ou nenhuma utilidade. O saber tem importante função prospectiva e social, que, nesse caso, também se esvai. A melhor maneira de expor ou ensinar é se fazer compreender.
A clareza, a brevidade, a singeleza de estilo, que em alguns parecem um dom, não são virtudes fáceis de adquirir. Pressupõe aprendizado, persistência, esforço intelectual; é necessário sejam exercitadas cultivadas, praticadas” (Calheiro Bonfim, Benedito, in Consulex”, não I, n.2, maio-2002, DF).
Pois os jargões jurídicos são causas de deformação do bacharel, onde a redação inteligível marca profundas contradições e “aberratios iuris” são lançados diuturnamente no mundo jurídico.
A linguagem obscura é típica de períodos anti-democráticos, onde o sistema exigia uma linguagem obscura na tentativa de violentar as garantias fundamentais, decretos-leis redigidos por falsos legisladores, técnicos burocratas, improvisavam textos legais violentando direitos e garantias fundamentais.
Acima de tudo, o ensino deve ser ético, responsável e capaz de demonstrar as falhas e apresentar propostas de mudança. Denunciar as mazelas da justiça criminal é o único caminho para elaborar um bom trabalho, nas palavras de Freire, “reflexão-trabalho-reflexão”, somente o discurso da verdade ou da deslegitimação do sistema será capaz de operar câmbios na administração da justiça.
Os currículos dos cursos jurídicos precisam ser modernizados através de conteúdo atualizado e especializado.
São poucos os profissionais preparados didaticamente falando, não por suas culpas, mas em razão do período de autoritarismo e ditatorial, que vivemos ao longo de décadas, como a do chamado Estado Novo, e do Brasil nunca mais.
Certo tipo de mentalidade ou cultura jurídico-penal inquisitorial ainda se apresenta nos Bancos Universitários.
Grandes são os paradoxos. A linguagem cheia de jargão legal, tabus e padrões monárquicos são ensinados com galantia nas Faculdades de Direito burocratizando e prejudicando a prestação jurisdicional, como dever do Estado em prol da cidadania.
O próprio estágio acadêmico-profissional que poderia ser um meio de incentivo e de experiência para a especialização, não está sendo bem conduzido e não tem apresentado o valor que merece.
É importante existirem nas faculdades de direito projetos acadêmicos que possam contribuir, de alguma forma, para mudanças sociais exigidas.
A disciplina Direitos Humanos, como pilar de toda a estrutura curricular do ensino jurídico, não consta na maioria das Faculdades de Direito. Trata-se da Cadeira mais importante, posto que serve de introdução, como base geral para todos os ramos das ciências jurídicas, e indispensável as conclusões finais, para o entendimento do direito no seu aspecto histórico e sociológico. O mesmo acontece com a Criminologia, já considerada ciência autônoma, tem sido tratada como disciplina auxiliar do Direito Penal, sem mencionarmos a Vitimologia e o Direito Penitenciário.
Pós 88 (vigência da Carta Magna), não se aceita a difusão do “direito penal do terror”, através da inflação das leis penais, produzindo uma inversão de valores e na aplicação de métodos policiais-forenses anti-humanitários, que destroem os princípios reitores do direito penal democrático.
A interdisciplinaridade e a pesquisa científica nos cursos jurídicos do Brasil é recomendada, além de ser combatida de maneira velada, onde alguns profissionais do direito não aceitam receber instruções ou estudar as ciências jurídicas sob teorias sociológicas, econômicas, políticas ou históricas.
Faltam institutos ou núcleos de ensino avançado para investigações empíricas – de campo – que recrutem pesquisadores para criarem a nova ordem legal. É de se lamentar a falta de uma política de pesquisa científica nas Faculdades de Direito do Brasil, a fim de mobilizar os alunos para diagnosticarem, verdadeiramente, as deficiências com coragem.
Não se pode conceber nenhum curso superior sem pesquisa. Universidade é pesquisa, em tempo integral. É preciso que se disponha de professores pesquisadores, não somente de docentes de hora-aula, propriamente dito.
O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) adverte que a Educação na América Latina piorou nas últimas décadas, desde os anos 60, em consequência dos gastos públicos incorretos com a educação. O relatório da ONU indica o aumento das desigualdades educacionais, produto da desigualdade econômica, gerando uma educação de má qualidade.
Os Direitos Humanos não podem quedar relegados a meras citações, as vezes, até, considerados como “perfumarias”. Note-se, que quando foram rompidos os laços com Portugal e criados os Cursos Jurídicos no Brasil, em 11 de agosto de 1827, uma Academia de Direito na cidade de São Paulo e outra em Olinda, pelo Imperador Dom Pedro I, tínhamos, faço questão de destacar as matérias de Direito Natural e Das Gentes (leia-se Direitos Humanos), e hoje pouco se fala e poucos estudam.
Naquela época sob a égide do Estado Nacional é preciso consolidar a ideologia do liberalismo e formar burocratas encarregados de disciplinar a elite brasileira, assim não houve no “currículo” matérias ou ensino de interpretações ou hermenêuticas jurídicas. O estudo era eminentemente em base a ideologia do poder e de dominação.
Mais tarde com o advento da República e com a separação Estado-Igreja a cátedra de Direito Público Eclesiástico foi eliminada, porém surge e se incorpora a necessidade do espírito e da doutrina positivista.
A educação jurídica deve corresponder aos anseios sociais legítimos, e a política penal-penitenciária do governo não deve ser direcionada unicamente a repressão da classe economicamente mais carente, num tipo de gerenciamento político-partidário de controle social demagógico, onde se busca apresentar falsamente à comunidade um direito igual para todos e uma justiça penal imparcial.
Nas universidades e centros superiores de educação do direito, o ensino das ciências penais e criminológicas ainda sofre um forte controle ideológico, através de instruções (dogmática-positivista) com a minimização dos Direitos Humanos, impedindo idéias que demonstrem a realidade do sistema, desvalorizando inclusive a sociologia e outras ciências afins mais avançadas ou de vanguarda. Esta práxis vem preparada desde os ensinos de 1º e 2º graus, efetivamente por políticas governamentais não democráticas.
O estudo dos Direitos Humanos e das ciências penais, no Brasil, e na América Latina serão reformados no momento em que prestarmos maior atenção aos princípios gerais do direito liberal avançado e aplicado, sem qualquer espécie de discriminação, ante a lei e o tratamento dos Tribunais.
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