ISSN - 1984 - 0454
1. Introdução
Muito se tem questionado acerca da possibilidade do empresário individual prestar fiança à empresa individual por ele mantida. A Lei n° 8.245, de 18 de outubro de 1991, conhecida como “Lei do Inquilinato”, regulamenta as locações de imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Nosso Código Civil também regula esta matéria.
2. Lei do Inquilinato
Na Seção VII (“Das garantias locatícias”) da Lei nº 8.245/91, mais precisamente no artigo 37, é apresentado o rol de possíveis garantias que o Locador tem a possibilidade de escolher e exigir no contrato de locação, a saber: (i) caução; (ii) fiança; (iii) seguro de fiança locatícia; e (iv) cessão fiduciária de quotas de fundo de investimento.
Não obstante, a referida Lei não traz nenhum dispositivo relacionado à possibilidade do empresário individual prestar fiança à empresa individual por ele mantida.
3. Código Civil Brasileiro
Com relação ao Código Civil, todos os seus dispositivos são válidos para qualquer espécie de empresário, não havendo diferença de tratamento entre empresário comercial e empresário individual.
Nos termos do artigo 966 do Código Civil, “Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”.
Para fins de exercício de atividade empresarial, ainda que de forma individual, deve o empresário registrar-se na Junta Comercial. No entanto, esse registro não implica na criação de pessoa jurídica. Significa, apenas, que o empresário pode praticar atos empresariais (Artigo 967, CC).
4. Diferença entre empresário comercial e empresário individual
Para maior clareza e compreensão da matéria, é necessário abrir um parêntese e conceituarmos empresário comercial e empresário individual.
O empresário individual, na concepção de De Plácido e Silva, consiste “no indivíduo que exerce em nome próprio atividade empresarial. O empresário individual representa a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pela obrigação pelas obrigações que assumiu, quer sejam civil, quer sejam comercial”.
O empresário comercial, por sua vez, é aquele que exerce profissionalmente a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Ou seja, o empresário comercial consiste na pessoa que exercita a atividade empresarial.
O empresário comercial que exercitar a atividade empresarial individualmente será um empresário comercial individual.
Portanto, em nosso sistema jurisdicional, a empresa individual não tem personalidade jurídica. Suas ações se confundem com as ações, com os direitos e com as obrigações do seu titular, ou seja, o empresário.
Acerca desta matéria, Rubens Requião diz o seguinte:
À firma individual (hoje denominada firma mercantil individual pela Lei nº 8.934, de 18 de novembro de 1994, artigo 32, inciso II, alínea a), do empresário individual, registrada no Registro do Comércio, atualmente Registro Público de Empresas Mercantis, chama-se também de empresa individual. O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito bem que o comerciante singular, vale dizer, o empresário individual, é a própria pessoa física ou natural, respondendo os seus bens pelas obrigações que assumiu, quer sejam civis, quer sejam comerciais. A transformação de firma individual em pessoa jurídica é uma ficção do direito tributário, somente para o efeito do imposto de renda (Ap. civ. nº 8.447 – Lajes, in Bol. Jur. ADCOAS, nº 18.878/73).
Em síntese, existe apenas um patrimônio, que é o da pessoa física, proprietária não apenas dos bens destinados à atividade empresarial, mas também de todos os outros bens não correlacionado com a empresa individual. Há apenas um patrimônio, cuja titularidade pertence à pessoa física.
5. Fiança Locatícia
Fiança é a terminologia utilizada para designar o contrato ou o ato de uma pessoa (Fiador), que tem por objetivo garantir, no todo ou em parte, a obrigação que outrem assumiu perante seu credor, em caso de não cumprimento por ela mesma.
Em relação à fiança, o artigo 818, do Código Civil dispõe que “Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra”.
Ainda nesse sentido, Orlando Gomes define fiança como “Há contrato de fiança quando uma pessoa assume, para com o credor, a obrigação de pagar a dívida, se o devedor não o fizer”.
6. Conclusão e entendimento jurisprudencial
Deste modo, a fiança é a garantia de um terceiro perante o credor, caso o devedor não satisfaça a obrigação acordada. Entretanto, como os direitos e obrigações do empresário individual (pessoa física) se confundem com as da empresa individual, a jurisprudência majoritária para o caso em tela é a de que o empresário individual não pode ser fiador em um contrato de locação em que a empresa individual de sua propriedade configure como Locatária.
Por fim, à titulo de ilustração e embasamento jurídico, seguem duas ementas proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo a respeito deste entendimento:
“LOCAÇÃO DE IMÓVEL - LOCATÁRIO - COMERCIANTE INDIVIDUAL - FIANÇA PRESTADA PELO MESMO COMERCIANTE - CONTRATO INEXISTENTE - BEM DE FAMÍLIA – IMPENHORABILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO”.(Classe do Processo: Apelação com revisão nº 868.075-0/0, Data do Julgamento: 25.04.2007, Órgão Julgador: 34ª Câmara, Relator Nestor Duarte).
“EMBARGOS DE TERCEIROS - LOCAÇÃO DE IMÓVEIS - FIANÇA PRESTADA PELO DEVEDOR EM BENEFÍCIO DE SUA PRÓPRIA FIRMA INDIVIDUAL - INEXISTÊNCIA DA GARANTIA - RECURSO PROVIDO.” (Classe do Processo: Apelação com revisão nº 909.513-0/4, Data do Julgamento: 02.08.2006, Órgão Julgador: 30ª Câmara, Relator Orlando Pistoresi).
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