RESUMO
O objetivo do presente trabalho é analisar as principais características do processo coletivo em face da mudança do Estado de Liberal para Social Democrático de direito, a utilização e adequação dos instrumentos expostos com base na tutela individual e o papel do juiz em face das necessárias mudanças e relativização de institutos como produção de provas, atuação jurisdicional e outros a fim de conceder tutela efetiva dos direitos coletivos.
PALAVRAS-CHAVE: processo coletivo, Estado liberal, função.
Sumário: 1. Introdução 2. Mudança de Paradigma do Estado 3. Fases do Processo Civil 4. a transformação brasileira em sede de processo coletivo 5. A prova e a instrumentalidade das formas no processo coletivo 6. Conclusão 7. Bibliografia
INTRODUÇÃO
O Processo civil Brasileiro da forma como foi concebido passou por diversas fases, todas construídas e idealizadas com base no Estado Liberal, inclusive o Código de Processo Civil de 1973 adotou o modelo liberalista extraídos dos diplomas processuais europeus, logo, o Processo como ciência jurídica possuiu por muito tempo a preocupação e notadamente o perfil de tutelas individuais, razão pela qual, a partir do momento em que o Estado busca justiça social, mudando seu perfil a fim de atender as necessidades de toda coletividade, o Processo civil precisa se adequar ao novo modelo, modificando dogmas e relativizando institutos.
O presente trabalho busca, sem intenção de esgotar o tema, sistematizar algumas das modificações necessárias para efetivação dos novos papéis do Estado e do novo papel do Processo na atual situação.
MUDANÇA DE PARADIGMA DO ESTADO
O Estado Liberal foi construído e pensado como uma resposta antagônica ao antes representado pelo Estado Absolutista, logo, valorização da propriedade, individualismo, pragmatismo, defesa da liberdade, do acúmulo de riquezas, da autonomia contratual, dentre outros institutos, passaram a ser absolutos e encarados como dogmas aptos a afastar definitivamente o fantasma do absolutismo das relações sociais, inspirado nesta ideologia nosso Código de Processo Civil foi feito em 1973, onde o Estado não intervencionista adotou diversas posturas como a adoção da neutralidade e inércia do Magistrado, representante do Estado na prestação da tutela jurisdicional, o apego às formalidades e à supervalorização do interesse de agir, o pensamento da prova no processo nos moldes privados, dentre várias medidas de valorização e proteção de institutos defendidos pelo Estado como propriedade, autonomia contratual, liberdade etc.
Contudo, apesar da busca de divisão entre o que era público e o que era privado, e a busca de defesa da não intervenção do Estado, possuindo este um dever negativo, o próprio mercado e as relações sociais começaram a clamar por mudanças, o capitalismo começa a sentir a necessidade de proteção do social, tendo em vista que este social é responsável pela acumulação de riquezas, objetivo mor do sistema capitalista.
Começam a surgir no âmbito do Direito os chamados direitos transindividuais, direitos que ultrapassam a esfera egoísta e individual imposta pelo modelo antes adotado, surge a Constituição Federal consagrando direitos comuns a toda coletividade, tem-se então o surgimento do Estado Social, Democrático de Direito, preocupado com a promoção dos chamados “direitos coletivos”, nova função do Estado, mais destinado à proteção do meio ambiente, direito à saúde, previdência, direito dos trabalhadores, dentre outros direitos e garantias destinados à toda população.
Tomou-se consciência que o modelo antes apresentado com o Código de Processo Civil não era apto à resolução dos novos conflitos que surgiam no contexto do judiciário, desta maneira precisou o Processo se adequar a este novo papel, a buscar meios para conseguir dirimir as lides relacionadas a estes novos direitos, questões como legitimação, sentença, coisa julgada, representação, dentre outras figuras do Processo passam a ser pensadas de maneira diversa da exposta através dos instrumentos já existentes, advindo daí diversas mudanças no sistema processual.
FASES DO PROCESSO CIVIL
O processo civil, bem como o Estado, transitou através de algumas fases a fim de aprimorar seu papel e seus meios de efetividade, tais fases foram três: praxismo, instrumentalidade e formalismo valorativo.
O praxismo acompanha a fase em que o Direito não era papel exclusivo do Estado, o próprio particular poderia buscar resolver suas lides, o processo de fato como atualmente pensado não existia, haviam direitos e deveres que não possuíam entre si a noção de casuística, temos portanto, nesta fase, a existência apenas do Direito material convivendo diretamente com a lei de Talião, com o advento do Século XIX, fase moderna do Estado temos a evolução para a fase da instrumentalidade, onde o processo ganha autonomia científica, temos o início do processo estudado de maneira autônoma como ciência, a tutela jurisdicional passa ao monopólio do Estado responsável pela concessão de respostas às lides a ele levada, o Estado passa a ser devedor dos cidadãos, deve a prestação da tutela jurisdicional, se tornando verdadeiro árbitro dos conflitos, ainda pensados de maneira individual, nesta fase o direito material acaba sendo afastado do direito processual, há a supervalorização do processo, do instrumento, das formas, esquecendo-se do conteúdo material a ele inerente.
Como última e atual fase do Processo, evoluiu-se para o formalismo valorativo que acompanha o novo papel do Estado, possuidor de maior intervenção no meio social a fim de garantir igualdade real e concretização de direitos e garantias, logo, todos os institutos que eram marcados pelo liberalismo sofrem diversas transformações, dentre elas, a postura do Magistrado, a intervenção do Estado em sua função jurisdicional a fim de garantir a igualdade entre as partes, a maior utilização de tutelas que busquem a efetividade do processo, o desapego às formas, ou ao excessivo formalismo buscando-se mais a concretização dos direitos, dentre outras alterações, é a leitura constitucional do Processo, o deslocamento do individual para o coletivo, neste sentido, passa a serem necessárias certas adequações do Magistrado em face do novo papel do Estado que representa na solução dos conflitos, razão do presente trabalho.
A TRANSFORMAÇÃO BRASILEIRA EM SEDE DE PROCESSO COLETIVO
Na Década de 70 houve a promulgação da Lei 6.513 de 20 de dezembro de 1977 que modificou o § 1º do Art. 1º da Lei da Ação Popular, bem como a Lei nº 7.347 de 24 de julho de 1985 que institui a Ação Civil Pública completada posteriormente com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, completando o chamado Microssistema de Processo coletivo, voltado para aplicação dos direitos transindividuais, sendo que, com o advento da Constituição Federal foram confirmadas as novas necessidades do Estado e suas novas funções, elevando a estatura constitucional os instrumentos para a tutela processual destes novos direitos.
Segundo os dizeres do respeitável doutrinador Barbosa Moreira, “ O Brasil pode orgulhar-se de ter uma das mais completas e avançadas legislações em matéria de proteção de interesses supraindividuais”, de acordo com esta menção entendeu o professor que existem instrumentos aptos a efetivar os direitos coletivos, o problema é no tocante à sua aplicação concreta em face da manutenção de ideologias e institutos referentes à tutela individual que precisam ser mudados e que a seguir passam a ser expostos.
O PAPEL DO JUIZ NA EFETIVAÇÃO DO PROCESSO COLETIVO
Apesar da existência de instrumentos aptos à concretização dos direitos transindividuais, é notória a percepção de que o despreparo e a manutenção de dogmas liberais impregnados no processo civil acabam por retirar eficácia aos meios hábeis existentes, é claro o tratamento dispensado erroneamente às ações coletivas, diariamente apresentadas nos meios de comunicação demonstram o aqui aludido. De uma vez por todas é preciso impregnar na mentalidade jurídica deste país que o direito metaindividual não pode jamais ser confundido com o direito individual em face das próprias peculariedades da sociedade de massa que reclamam por disposições diferenciadas.
Dentro do prisma acima apresentado percebemos o papel fundamental que o judiciário tem em programar e aplicar as adequações necessárias ao cumprimento e efetivação dos direitos coletivos, em sentido lato, portanto, primeiramente é necessário entender o princípio do inquisitivo, princípio regedor máximo do processo coletivo que dispõe justamente que uma vez proposta a demanda, o juiz atuará normalmente, bastando a provocação inicial, agirá de acordo com o impulso oficial.
Tutelas de urgência, colheita de provas, dentre outras medidas devem ser encaradas de ofício pelo magistrado em razão justamente da importância do direito posto em litígio, o juiz pensado como neutro e inerte do processo individual não possui espaço na demandas coletivas, tal neutralidade inclusive pode ser interpretada como parcialidade, entretanto, é claro que o magistrado não poderá com essa participação ofender os demais direitos garantidos como contraditório e ampla defesa, mas deve ao máximo aproveitar a tutela jurisdicional, garantindo a efetividade de sua prestação.
Tal forte presença do juiz no processo é retirada da própria experiência americana com as chamadas class actions, onde existe o chamado judicial activism que deriva do próprio interesse público nessas causas, também pode ser considerado faceta do impulso oficial, nestas ações o juiz estimula os legitimados a usarem da ação coletiva como instrumento apto a concretizar seus direitos, no caso brasileiro existe tal previsão exposta no Anteprojeto de Código de Processo Coletivo do IBDP , possuindo também previsão iniciante na própria lei de Ação Civil Pública, Art. 17 :
“Se no exercício de suas funções os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que posam ensejar a propositora da Ação Civil, remeterão as peças ao Ministério Público para as providências cabíveis”
Logo, é preciso do magistrado posição que assuma o controle da concreta efetividade do processo coletivo, deve este possuir intensa participação na colheita de provas, inclusive utilizando-se de inspeções judiciais e outras medidas que julgar necessárias nos termos de seu livre convencimento motivado, impondo que este Magistrado procure e aplique todos os meios que julgar serem necessários à própria garantia e defesa dos direitos difusos e coletivos exposto na lide, desta forma deveria haver clara mitigação do princípio da congruência, uma vez que, a correlação entre o pedido e a sentença não seria de maneira obrigatória, se conferiria assim maior maleabilidade ao Juiz a fim de solucionar a lide da melhor maneira possível.
A existência e a confiabilidade que as class actions possuem nos Estados Unidos é garantida em grande parte devido ao sistema common Law adotado naquele país, mas também é graças ao posicionamento dos Magistrados que possuem a consciência do poder e da responsabilidade que é decidir causas que afetam milhares de indivíduos, que asseguram ou não a aplicabilidade de pretenso direito, que compreendem a dimensão da ação coletiva a partir do momento em que um juiz neutro não conseguiria efetivar a tutela ali pretendida, tal consciência deve ser transportada para o juiz brasileiro, para somente após a mitigação dos dogmas do processo liberal e a abertura e concessão de maior poder tendo em vista a maior atividade do magistrado, se consiga aplicar o princípio mor do processo constitucional brasileiro, qual seja, o do acesso à justiça e à prestação efetiva da tutela jurisdicional.
A PROVA E A INSTRUMENTALIDADE DAS FORMAS NO PROCESSO COLETIVO
O juiz no processo coletivo deve possuir ampla liberdade no que diz respeito ao quesito prova, provas estas que em seu conceito devem ser entendidas como pertencentes ao Estado-juiz e jamais ao particular, sendo permitida ao mesmo a produção ex oficio destas bem como a expedição de medidas destinadas à obtenção de outras provas, vale ressaltar que a questão do ônus da prova e técnicas de distribuição ficam a encargo do juiz manter ou inverter os mesmos sobre alguns dados ou todos a fim de esclarecimentos, logo é amplo o leque de possibilidades conferidas ao Magistrado na ação coletiva, devendo este sopesar de acordo com seu juízo de conveniência e necessidade a instrução do processo, buscando sempre a proteção dos direitos litigados.
No tocante à concessão de tutelas liminares, mais restritamente à questão da tutela antecipada, devemos ressaltar que para concessão da mesma se requer prova inequívoca do direito, entendendo a melhor doutrina que tal prova inequívoca deve ser lida como prova robusta e não prova de direito certo, logo tal pedido na ação coletiva denota o risco de provável probabilidade de existência, neste caso a prova deve ser destinada às convicções prováveis e devem ser admitidas e sopesadas no caso concreto em face do perigo de prejuízo ocasionado pela sua não concessão, perigo este aumentado tendo em vista os sujeitos atingidos pela decisão.
Quanto à instrumentalidade das formas, deve o Magistrado recordar que o rol imposto de legitimados para tutela coletiva foi feito pelo legislador, é abstrato, não é tal legitimado escolhido pela sociedade, este é um impulsionador da tutela, razão pela qual o apego às formas deve ser atenuado, tal pensamento já é aplicado em diversos casos na própria tutela individual com a existência de princípios como os da fungibilidade e do aproveitamento dos atos processuais.
Relembrando-se a máxima de que não existem nulidades sem prejuízos, deve o Juiz buscar ao máximo o aproveitamento dos atos processuais garantindo sempre que possível a continuação do exercício jurisdicional.
Nas Class actions o legitimado ativo é pessoa escolhida para representar a coletividade e é papel do Juiz averiguar se esta ocorrendo a adequada representação, verificar se o legitimado ativo esta de fato procurando produzir provas, informando os legitimados, lutando pela concretização do direito exposto na lide, se tal atividade não estiver correndo de maneira efetiva e adequada o Magistrado pode substituir o legitimado por outro, razão pela qual as formalidades são excessivas e devem ser cumpridas ao máximo, justamente devido a garantia de que há representatividade adequada e que houve participação dos legitimados na construção da lide, entretanto, devido o atraso do judiciário brasileiro e devido a imposição dos legitimados ativos aptos a propositura de ações coletivas, deve haver de fato aplicação da instrumentalidade dos atos e aproveitamento ao máximo da atividade jurisdicional.
CONCLUSÃO
A ação é porta de entrada para que o cidadão busque a prestação de tutela jurisdicional e resposta à lide ali proposta, esta é a visão do direito de ação e do processo sob prisma individual, entretanto com a transformação do Estado e com o surgimento dos novos papéis que devem ser efetivados, se apresentam novos direitos a serem concretizados, direitos metaindividuais, que englobam em seu bojo toda uma coletividade, por isto, deve o processo se adequar a estas novas necessidades e novos meios de resolver lides, apesar da existência de meios e Leis que apresentam o método de aplicação do processo coletivo, deve-se mudar a forma e pensar o processo no caso concreto dos direitos coletivo, começando tal mudança através do Judiciário, responsável pela prestação da tutela jurisdicional.
O Estado social deve estimular facilitar, abrir os caminhos para o acesso à justiça e garantir a efetividade da jurisdição, revendo dogmas, relativizando institutos, forçando os atores principais do processo a se adequarem às necessidades trazidas pelos novos direitos, buscando justamente aumentar a potência de medida que de fato concretizem os direitos expostos à lide, garantindo tempo razoável, garantindo acima de tudo justiça social.
BIBLIOGRAFIA
DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPODIVM, 2007, v.4.
ABELHA RODRIGUES, Marcelo. Ações constitucionais, organizado por Fredie Didier. Salvador: JusPODIVM, 2008, 3º Edição.
ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. São Paulo: RT, 2006.
MARINONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. São Paulo: RT, 2006, 6º Edição.
Estudante de direito do Cesupa/PA, Monitora de direito processual civil I e II - Belém/PA<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Nathália Mariel Ferreira de. Apontamentos sobre o Processo Coletivo e as (novas) funções do Judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 maio 2009, 09:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/17423/apontamentos-sobre-o-processo-coletivo-e-as-novas-funcoes-do-judiciario. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Isnar Amaral
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: REBECCA DA SILVA PELLEGRINO PAZ
Por: Isnar Amaral
Precisa estar logado para fazer comentários.