Causou repúdio geral na Polícia Civil a reportagem veiculada na Folha de S.Paulo sob o título de “Sociólogo afirma que Policia Civil não entende de crime” (11 de novembro de 2008), pelo viés distorcido, talvez passional, com que o entrevistado, Cláudio Beato, analisa a Instituição Policial.
A Polícia Civil não se incumbe, constitucionalmente, apenas da investigação de crimes, mas também exerce a função de Polícia Judiciária. Através de seus delegados comanda, coordena, sistematiza e dirige o trabalho investigativo sobre infrações penais e é, também, o principal elo com o Judiciário, na realização do chamado processo penal, incumbindo-se de sua pré-fase, dita inquisitorial. Também se responsabiliza pelo arquivamento e processamento de Mandados de Prisão, sempre com fulcro em legislação constitucional e infra-constitucional.
Por essas e muitas outras razões, o delegado de polícia deve possuir formação jurídica, vez que atua dentro de regras específicas de Direito Constitucional, Penal, Processual Penal, Administrativo, tendo que conhecer, ainda, Direito Civil, Trabalhista, Ambiental e tantos outros, afins à suas atividades básicas.
Opera a polícia, em atividade que visa aplicação da finalidade retributiva penal, contribuindo, com a eficiência de seu trabalho, para a prevenção chamada de secundária, na inibição e desmotivação de praticas criminosas.
A prevenção primária, por outro lado, exige conhecimento mais aprofundado do fenômeno criminal, de suas causas sociais, econômicas, culturais, geofísicas, tudo de que a Sociologia Criminal deve se ocupar para fazer gerar políticas públicas de erradicação ou controle da incidência criminal. Isso, realmente, não é e nunca foi trabalho policial e, mesmo assim, em Minas Gerais, grande parte dos integrantes da polícia possuem conhecimento sistematizado sobre a gênese criminológica. A Academia de Polícia Civil, há mais de 20 anos, oferece ao público externo e interno, em experiência inédita no Brasil, curso de pós-gradução em Criminologia.
Não se pode, assim, conceber uma autoridade policial sem formação jurídica, que a impossibilite de lidar com determinados fatos e verificar sua possível tipicidade penal. É a conditio sine qua non para a decisão de instauração do procedimento apuratório adequado. Desconhecendo normas processuais, não saberá decidir sobre ritos procedimentais obrigatórios para lavratura do flagrante, prisão temporária, medidas cautelares, de proteção ambiental ou, até mesmo, regras protetivas em favor da mulher ou aplicáveis em conflitos penais domésticos ou envolvendo crianças e adolescentes.
O delegado de polícia, contextualizado com o Estado Democrático de Direito, se transforma em poderosa ferramenta do Sistema Garantista Penal, o que não deve acontecer com o investigador laico, por desconhecimento de prescrições basilares de proteção quem se investiga, através da possibilidade de violações à dignidade da pessoa humana, do sigilo telefônico, de correspondência, da indevassabilidade do domicílio, além de outras informações imprescindíveis à aplicação isenta do jus puniendi estatal.
É desalentador, por isso, que o trabalho da polícia, de modo geral, e dos delegados, em especial, tenha tido tão pouco ou nenhum reconhecimento público ou dos governos e que na questão salarial sejam tão inferiorizados como tem sido. Provoca real indignação que uma atividade, tão importante e tão requisitada, seja tão desvalorizada em relação ao Ministério Público e à própria magistratura, quando as exigências para as funções são tão semelhantes, em razão da própria natureza e por seu trabalho seqüencial e interdependente. Por isso, há que se discordar das imputações de má qualidade dos inquéritos, posto que a maioria esmagadora dos casos criminais graves e de grande relevância (homicídios e assaltos, por exemplo) somente são julgados, com condenação, devido ao pressuposto invariável da investigação policial.
De se lamentar pelas colocações inoportunas e inconseqüentes do professor Cláudio Beato, em desfavor de uma classe que tem lutado incessantemente pela reafirmação de seus valores profissionais. O grande equívoco da matéria parece ser a pretensão de que haja uma Polícia constituída exclusivamente de sociólogos, que existam em função de estudar o fenômeno criminoso e adotar medidas governamentais para sua erradicação, desprezando-se todo o arcabouço de normas democraticamente construído em nosso país.
Pode-se inferir, por final, que o crítico da Polícia Civil é completamente néscio em questões de Direito, de qualquer área de regulação, não tendo demonstrado a mínima noção do que prescreve o ordenamento jurídico pátrio em termos de Instituições Policiais e sua finalidade dentro do espírito democrático da Constituição Federal de 1988.
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