O recurso hierárquico impróprio se caracteriza pela possibilidade de revisão dos atos de uma entidade da administração indireta, que são pessoas jurídicas autônomas, pelo Ministério a qual estão vinculadas.
Essa possibilidade de revisão dos atos da autarquia (entidade que iremos tratar especificamente) por uma autoridade externa se configura pelo disposto no art. 5.°, XXXIV, “a”, da Constituição Federal, a qual é assegurado a todos , independente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder. Esse controle também está previsto expressamente no art. 170 do Decreto-Lei 200/67, que dispões textualmente que “O presidente da República, por motivo de interesse público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal”.
Ademais, mesmo que não houvesse essa disposição, este entendimento estaria autorizado pela supervisão ministerial prevista no art. 87, parágrafo único, I, da CF, que dispõe:
Art. 87 [...]
Parágrafo único: Compete ao Ministro de Estado, além de outras atribuições estabelecidas nesta Constituição e na lei:
I - exercer a orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da administração federal na área de sua competência e referendar os atos e decretos assinados pelo presidente da república.
Nesse sentido é indiscutível a possibilidade de recurso hierárquico impróprio, para a Administração Direta, das decisões proferidas por autarquias comuns com vicio de constitucionalidade.
Porém, quanto à possibilidade de recurso hierárquico impróprio de decisões das agências reguladoras, a matéria se torna controvertida.
Alguns doutrinadores, como Celso Antonio Bandeira de Melo, admite essa possibilidade, sob o argumento de que a Administração central é quem detém a legitimidade democrática de condução das atividades públicas.
Para outros, como Di Pietro, entendem que, por elas serem autarquias de regime especial, estão sujeitas às normas constitucionais que disciplinam esse tipo de atividade; e que o regime especial vem definido nas respectivas leis instituidoras, dizendo respeito, em regra, à maior autonomia em relação à Administração Direta.
Nesse sentido, a possibilidade ou não do recurso hierárquico dependeria da legislação que institui essas entidades.
Outra hipótese - a que o grupo se filia - é dada no Parecer AC-51, da Advocacia-Geral da União, de junho de 2006, a qual vincula a Administração Federal, nos termos do artigo 40, parágrafo 1°, c/c 41, da Lei Complementar n° 73, de 10 de fevereiro de 1993[1]
EMENTA: PORTO DE SALVADOR. THC2. DECISÃO DA ANTAQ. AGÊNCIA REGULADORA. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DE RECURSO HIERÁRQUICO IMPRÓPRIO PELO MINISTÉRIO DOS TRANSPORTES. SUPERVISÃO MINISTERIAL. INSTRUMENTOS. REVISÃO ADMINISTRATIVA. LIMITAÇÕES.
I - “O Presidente da República, por motivo relevante de interêsse público, poderá avocar e decidir qualquer assunto na esfera da Administração Federal” (DL nº 200/67, art. 170).
II – Estão sujeitas à revisão ministerial, de ofício ou por provocação dos interessados, inclusive pela apresentação de recurso hierárquico impróprio, as decisões das agências reguladoras referentes às suas atividades administrativas ou que ultrapassem os limites de suas competências materiais definidas em lei ou regulamento, ou, ainda, violem as políticas públicas definidas para o setor regulado pela Administração direta.
III - Excepcionalmente, por ausente o instrumento da revisão administrativa ministerial, não pode ser provido recurso hierárquico impróprio dirigido aos Ministérios supervisores contra as decisões das agências reguladoras adotadas finalisticamente no estrito âmbito de suas competências regulatórias previstas em lei e que estejam adequadas às políticas públicas definidas para o setor.
IV – No caso em análise, a decisão adotada pela ANTAQ deve ser mantida, porque afeta à sua área de competência finalística, sendo incabível, no presente caso, o provimento de recurso hierárquico impróprio para a revisão da decisão da Agência pelo Ministério dos Transportes, restando sem efeito a aprovação ministerial do Parecer CONJUR/MT nº 244/2005.
V - A coordenação das Procuradorias Federais junto às agências reguladoras pelas Consultorias Jurídicas dos Ministérios não se estende às decisões adotadas por essas entidades da Administração indireta quando referentes às competências regulatórias desses entes especificadas em lei, porque, para tanto, decorreria do poder de revisão ministerial, o qual, se excepcionalmente ausente nas circunstâncias esclarecidas precedentemente, afasta também as competências das Consultorias Jurídicas. O mesmo ocorre em relação à vinculação das agências reguladoras aos pareceres ministeriais, não estando elas obrigadas a rever suas decisões para lhes dar cumprimento, de forma também excepcional, desde que nesse mesmo âmbito de sua atuação regulatória.
VI - Havendo disputa entre os Ministérios e as agências reguladoras quanto à fixação de suas competências, ou mesmo divergência de atribuições entre uma agência reguladora e outra entidade da Administração indireta, a questão deve ser submetida à Advocacia-Geral da União.
O parecer em comento parte do pressuposto de que cabe ao Ministério ao qual a Agência é vinculada a supervisão de suas atividades (art. 87, parágrafo único, I e II, da CF e arts. 4°, parágrafo único[2], e parágrafo único do art 26 do DL n° 200/67) e no direito previsto no art. 5°, inc XXXIV, “a”, da CF (direito de petição), sustenta que, por haver supervisão ministerial e, em atenção ao direito de petição constitucionalmente consagrado, seria cabível o recurso impróprio, a despeito da legislação de cada agência.
Porém, a supervisão ministerial, na lacuna legal acerca do recurso, faz-se em nome do direito de petição e deve estar estritamente vinculado a uma das hipóteses legais (art. 26 do DL 200/67).
Contudo, nos caso de atividades administrativas não finalísticas, afastamento da política de governo e desrespeito aos limites de competência, entende-se pelo cabimento de recurso hierárquico impróprio das decisões de agências reguladoras. Por outro lado, não seria cabível quando a agência decidir matéria de natureza regulatória em seu âmbito de competência, sob pena de afronta à independência que lhe é inerente.
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