Co-autor: Guilherme Luiz de Souza Pinho: Pós-graduando em Direito de Empresa pelo CAD-Universidade Gama Filho
Advogado
A crise política e diplomática entre Brasil e Honduras que teve início em 28 de junho de 2009, em decorrência do golpe de estado que depôs o presidente eleito Manuel Zelaya, alcançou um novo patamar no dia 21 setembro, quando o presidente deposto apareceu, misteriosamente, após diversas tentativas de retornar ao país, na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. Desde então, o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, encontra-se refugiado na embaixada brasileira, criando uma crise sem precedentes entre estes dois países, com reflexos do ponto de vista politico e jurídico, desafiando principios gerais comuns tanto ao Direito Internacional quanto ao Direito Constitucional brasileiro.
O Golpe em Honduras e a Constituição Federal de 1988
A decisão do governo brasileiro de acolher o presidente deposto de Honduras na embaixada brasileira em Tegucigalpa desafia principios basilares da Constituição Federal de 1988, de maneira que principios fundamentais da República Federativa do Brasil, inscritos no artigo 4º, encontram-se em forte tensão. O artigo 4º é parte integrante do Título I da CF/88, e estabelece os principios que regem o Brasil em suas relações internacionais. Dentre eles, a prevalência dos direitos humanos, a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, a não-intervenção e a concessão de asilo político. Tais principios encontram fundamento em diversas convenções internacionais, das quais o Brasil é parte integrante, incluindo a Carta das Nações Unidas.
O Conflito entre Principios Constitucionais
Enquanto a proteção dos direitos humanos, informada pelo principio da dignidade da pessoa humana, fundamento da própria República Federativa do Brasil, aponta para prevalência dos direitos humanos, o principio da não-intervenção, aponta para principios fundamentais que regem os Estados em suas relações internacionais, com base no reconhecimento do principio da soberania que informa o Direito Internacional moderno, sendo uns dos pilares que sustenta a ordem internacional contemporânea.
Muitas vezes o principio da não-intervenção encontra-se em conflito com o principio da proteção dos direitos humanos, de maneira que o principio da não-intervenção é aplicado em detrimento do principio da proteção dos direitos humanos. Durante o período da guerra fria, esta foi a situação em diversas partes do planeta, inclusive na América Latina. Entretanto, no contexto atual, o golpe de estado em Honduras surge como uma perigosa excessão em um continente em que a regra passa a ser a de governos democraticamente eleitos, incluindo diversos governos de esquerda, a exemplo do governo da Nicarágua, da Venezuela, da Bolívia e do Equador.
A Condenação Internacional
Independente de afinidades ideológicas, a posição da Organização dos Estados Americanos, a OEA, foi consensual e inequívoca: a resolução 953 aprovada pelo Conselho Permanente no dia 28 de junho de 2009 condena energicamente o golpe de estado contra o governo constitucional de Honduras e a detenção arbitrária e expulsão do país do Presidente Constitucional José Manuel Zelaya, que provocou uma alteração inconstitucional da ordem democrática, e exige o imediato, seguro e incondicional retorno do Presidente José Manuel Zelaya às suas funções constitucionais. No mesmo sentido, a Assembléia Geral da ONU, no dia 30 de junho de 2009, condenou o golpe de estado em honduras e pediu pelo restauração presidente democraticamente eleito e o retorno da ordem constitucional.
A condenação internacional, entretanto, não garantiu a recondução do presidente deposto, de maneira que diversas tentativas de retorno fracassaram, incluindo o episódio, no início de julho, no qual o avião que transportava Zelaya acompanhado de outros presidentes latino-americanos, bem como representantes da OEA, foi impedido de pousar em Honduras. Transcorridos mais de dois meses após o início da crise, o Brasil assumiu papel central na crise ao abrigar o Presidente deposto na embaixada brasileira em Tegucigalpa. Esta situação, tal como esboçado anteriormente, desafia a própria sistemática constitucional brasileira, colocando em tensão os principio da proteção aos direitos humanos, e de concessão de asilo político com o principio da não-intervenção, todos inscritos no artigo 4º da CF/88.
Algumas Questões Controversas
Levando-se em conta o envolvimento da OEA e da ONU na crise em Honduras, estaria o Brasil legitimado a oferecer refugio ao presidente deposto e ao mesmo tempo pedir por seu retorno? De que maneira tal atitude do governo brasileiro é congruente com o principio da não-intervenção? Tais perguntas demandam considerações complexas, incluindo a possibilidade de abrir um novo precedente no que se refere a implementação dos direitos humanos. Em que medida o Brasil está autorizado a interferir em assuntos políticos de outros Estados latino-americanos? Neste ponto vale ressaltar o parágrafo único do artigo 4º da CF/88, o qual determina que o Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da America Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações. A prevalência do principio de proteção dos direitos humanos, em detrimento do principio da não-intervenção, seria compatível com a finalidade última dos principios que regem o Brasil nas suas relações internacionais?
Por outro lado, levando-se em conta o princípio, também inserido no artigo 4º da CF/88, em seu inciso IX, de que o Brasil deverá propugnar a defesa da cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, o apoio ativo do Brasil à recondução do presidente legitimamente eleito em Honduras não seria uma forma de contribuir para o progresso da humanidade porquanto equivale ao repudio concreto à formação de um governo ditatorial? Ou estaria o Brasil agindo como uma nação imperialista em uma república de bananas? Seja qual for o significado da atuação do Brasil na esfera internacional, faz-se necessário um juizo constitucional que aborde a situação criada em decorrência da atípica interferência do governo brasileiro nos assuntos internos de outros Estados.
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