1. O Surgimento do Welfare State[1]
A Constituição americana de 1787 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, foram os documentos que introduziram no mundo o movimento constitucionalista que foi norteado no seu início por ideais liberais. A herança de temor deixada pelas monarquias absolutistas, tese a qual o constitucionalismo se tornou a antítese, fez com que a necessidade de afastamento do povo e o Estado se revelasse como um meio viável à evolução humana.
As primeiras Constituições do mundo (dos Estados Unidos e da Franca) tiveram duas preocupações básicas: divisão do poder, uma vez que a concentração num só corpo se revelou arbitrária; e a limitação do poder de ingerência do Estado sobre as pessoas e seus direitos, reconhecendo um rol de direitos mínimos, basicamente ligados à liberdade, onde o Estado os reconhecia e lhe impunha uma única função, a de não intervir nem atentar arbitrariamente contra esses direitos.
Esse distanciamento entre Estado e seu povo inicialmente era o ideal, diante do quadro que se apresentava o mundo comandado por reis déspotas, o Estado se apresentava como um perigo. Os movimentos que ascendiam no mundo, como o iluminismo e o renascimento, traziam ao homem um conhecimento pelo qual, ele não mais podia aceitar desculpas transcendentais para os desmandos dos reis absolutistas. O homem passava a ser um ser racional e ter a sensação de que podia e devia ser autopoiético, bastando em si mesmo, de maneira que o seu afastamento do Estado era imperioso.
Contudo, além da evolução no conhecimento, e até mesmo por conta dela, os séculos XVIII e XIX também foram marcados pela evolução tecnológica e, por isso, do próprio capitalismo, o que levou o povo a perceber que esse distanciamento do Estado seria prejudicial, até mesmo porque a história evolutiva da sociedade mostra que esta sempre se dividiu em classes escalonadas, onde há aqueles que podem mais, e aqueles que podem menos.
Ainda no século XVIII, em sua última década, o Código Prussiano de 1794 trouxe uma sistema de proteção social que foi, mais a frente, desenvolvido por Otto Von Bismarck. “Esse sistema preconizava a função exclusiva do Estado em garantir políticas que pudessem aliviar o sofrimento dos despossuídos, inclusive com a criação de empregos para os excluídos da máquina econômica.” (GOMES, 2006, p. 205) Em 1883 ele aprovou a Lei de Seguro-saúde, em 1884 a Lei de seguro-acidente e em 1889 a Lei de pensões por velhice e invalidez, e muito embora tenham sido leis que afagavam socialmente os trabalhadores, tinham por fim garantir o desenvolvimento industrial protegendo a classe que tornava isso viável, o proletariado.
Outro exemplo da promoção de atos assistenciais por parte do Estado aos menos favorecidos socialmente, estava na chamada ‘lei dos pobres’ aprovada na Inglaterra em 1834 na qual se obtinha aos auspícios da coletividade a subsistência dos mais pobres. No entanto, num mundo que começava a ser guiado pelo o capitalismo, tais atitudes eram tidas como um desvio moral da própria idéia de capitalismo liberal, onde cada um é responsável pelos seus ganhos, através de seu merecimento. Desta forma, essas políticas assistenciais eram vistas como uma contradição aos direitos civis e políticos, gerando para os que se beneficiaram dela renúncia de tais direitos, em troca dos favores concedidos pelo Estado. (BOBBIO, 2000, vol. I, p. 416)
O liberalismo e a democracia burguesa aspiravam alcançar uma harmonia pré-estabelecida da ordem natural espontânea pelo livre jogo dos egoísmos individuais. Já o socialismo quer estabelecer uma sociedade solidária, colocando no lugar do governo sobre os homens, o governo sobre os bens. Em suma, a democracia liberal consolidou a emancipação da burguesia. A democracia liberal pretende a emancipação do proletariado. (BERCOVICI, 2004, p. 123)
Os séculos XVVIII e XIX apresentaram traços fortes desses dois movimentos políticos, o liberal e o social, sendo que o primeiro conseguiu maior consistência, servindo inclusive de inspiração para as primeiras Constituições do mundo. Já o socialismo, mais fraco, não foi além de acasos pontuais, por isso, mesmo que estes séculos tenham apresentados políticas sociais, não há como apontar desde então o surgimento do Welfare State[2], pois tais políticas, apesar de beneficiar os menos favorecidos, não tinham neste o objeto de sua concentração. Isso porque, um dos fatores basilares para a afirmação do Estado de Bem-estar social é a de que tais políticas, antes vistas como meros favores sociais, neste perfil de Estado elas se tornam um direito do cidadão. O discurso do merecimento no capitalismo-liberal, dará lugar à análise empírica de que a desigualdade está no âmago da sociedade, sendo produto dela, desde os tempos mais remotos.
No início do século XX se torna claro que, para promover uma sociedade habilitada a desfrutar e ter direitos civis e políticos é necessário garantir um mínimo existencial para que tais direitos possam se desenvolver. A idéia contribuição universal para a promoção do bem-estar de todos e, por fim, o desenvolvimento da sociedade passa a ser aceita pelos indivíduos, o que faz defluir disso as bases para o aparecimento real do Welfare State. Os benefícios sociais ganham status de direitos, e assim passam a ser encarados.
A idéia do Estado de Bem-estar social está fincada na constituição de estruturas de seguridade social, principalmente no que diz respeito à assistência social. Por conta disso, esse modelo de Estado tomou diferentes molduras a depender das necessidades das comunidades no qual era inserido. No século XX, o trabalhador não será sua única fonte de inspiração, mas sim a sociedade como um todo, com inspiração direta na própria evolução dos direitos fundamentais que no início do século passado estava concentrada na garantia de igualdade de condições a todos.
O início do século XX ainda estava marcado pela idéia de intervenção mínima no Estado na economia, na idéia de que cada indivíduo deve ser responsável por si mesmo, mas a crise econômica ocorrida nos Estados Unidos em 1929, já mostrou que se tornava cada vez mais difícil evoluir com esses ideais liberais. Em 1933, sob a presidência de Franklin Delano Roosevelt, o país norte-americano lança um programa emergencial destinado à recuperação da economia, era marcado por uma posição mais ativa do Estado diante da economia. A esse programa se deu o nome de New Deal e ele inaugurou nos Estados Unidos a estrutura do Estado de Bem-estar social, baseado na livre-iniciativa, mas com acentuada participação do Estado na promoção de benefícios sociais que tinham por fim conceder padrões mínimos de vida. (FARIAS, 2007, p. 74)
Na Inglaterra, país que mais a frente se tornará um dos maiores expoentes do chamado neoliberalimo, em 1936 lorde John Maynard Keynes revoluciona a economia com sua obra ‘A teoria geral do emprego, do juro e da moeda’. Ele preconizava a intervenção do Estado na economia, através da geração e canalização de investimentos, era contra a máxima liberal de que o mercado com sua lógica própria e contando com a mão invisível do Estado, alcançaria bons resultados a longo prazo. O lorde britânico era temerosa às políticas de longo prazo em detrimento daquelas que priorizavam o momento atual. (idem, 2007, p. 74-75)
Outros dois fatores tornaram insustentável a idéia de distanciamento entre o Estado e o povo, as duas grandes guerras mundiais. Os absurdos causados a direitos fundamentais durante as guerras, bem como os grandes prejuízos econômicos inerentes a qualquer pós-guerra, somados a grande depressão empreendida com a crise nos Estados Unidos em 1929, tornaram impossível a viabilidade de um Estado tipicamente liberal. Ainda durante o intervalo entre a I e a II guerra mundial, o mundo pode ter conhecimento do documento que, muito embora não tenha sido eficiente, representou a ruptura total com o liberalismo, a Constituição de Weimar de 1919.
A Carta de Weimar foi muito mais um instrumento retórico do que eficaz, contra o individualismo liberal, mas com certeza duas contribuições suas foram muito importantes para a concepção do Welfare State: a positivação em categoria constitucional de direitos sociais, relativos à relações de trabalho, educação, cultura, seguridade social; e a organização do Estado voltado para a sociedade e não para o ser individualizado.
Sob a ótica singular de quem foi derrotado numa Guerra Mundial, a Alemanha ao editar sua nova Constituição, se deixar levar por aquele momento instantâneo, assim:
A Constituição de Weimar era um compromisso politicamente aberto de renovação democrática na Alemanha. O difícil em sua análise não é demonstrar suas incoerências, mas definir qual seria a saída satisfatória no contexto complexo e contraditório de uma sociedade industrial moderna nas condições alemãs do pós-Primeira Guerra Mundial. (BERCOVICI, 2004, p 26)
O movimento em prol da sociedade ganha outros contornos, ainda mais fortes após os absurdos patrocinados por regimes totalitários durante a II Guerra Mundial, a dicotomia aparentemente existente entre a consideração do individuo, individualmente e a sociedade, se atenua de maneira que ambos devem ser considerados, tanto no individual, como no coletivo. Após, a II Guerra Mundial, o mundo é presenteado com uma avalanche de diplomas recheados de direitos sociais e direitos fundamentais individuais, principalmente porque as condições sociais, econômicas e políticas do pós-guerra favoreciam à imposição de freios ao capitalismo do tipo libera que diante de situações tão extremadas, presenciadas durante o confronto mundial, não encontrava argumento de sustentação parta prosperar.
Neste quadro, parece que o Estado de Bem-estar começa a se afirmar. Na Inglaterra na década de 1940, é possível encontrar explicitamente o princípio maior do novo modelo de Estado, “independentemente de sua renda, todos os cidadãos, como tais, têm direito de ser protegidos.” (BOBBIO, 2000, vol. I, p. 417) Desta forma, o Welfare State é o modelo de Estado que se apresenta como garantidor, o grande provedor de direitos e subsídios mínimos de sobrevivência e desenvolvimento de seu povo.
Numa acepção bem mais adequada à atualidade, o Welfare State significa:
[...] conjunto de serviços e benefícios sociais de alcance universal promovidos pelo Estado com a finalidade de garantir uma certa ‘harmonia’ entre o avanço das forças de mercado e uma relativa estabilidade social, suprindo a sociedade de benefícios sociais que significam segurança aos indivíduos para manterem uma mínimo de base material e níveis de padrão de vida, que possam enfrentar os efeitos deletérios de uma estrutura de produção capitalista desenvolvida e excludente. (GOMES, 2006, p. 203)
Em texto que analisa o desenvolvimento do Welfare State, Fábio Guedes Gomes traz um quadro em que demonstra que na década de 1960 até meados da década seguinte, países como Estados Unidos, Noruega, Canadá, Japão, Finlândia, Holanda, e Suécia, o gastos com seguridade social nestes países passava dos 9% do total de seus receitas. Outros países como Alemanha, Grã-Bretanha, França, Suíça, também tiveram elevação dos gastos de suas receitas com relação à seguridade social. Segundo o autor, esses dados mostram que, mesmo antes de se desencadearem os movimentos neoliberais pela Europa, o Estado de Bem-estar já estava consolidado. (2006, p. 215-216)
Nas décadas de 1950 e 1960 e, até mesmo, parte da década de 70 o Estado Assistencial prosperou, inclusive, por conta da superação completa da contradição propugnada no século XVIII e XIX entre direitos civis e políticos e os direitos sociais. Agora, eram vistos como um lugar comum, sendo um o determinante para o outro, o equilíbrio social faz com que as pessoas possam exercer melhor seus direitos civis e políticos.
1.1. A difícil introdução do Welfare State no Brasil
No Brasil os direitos sociais, base do Estado Provedor, começaram a surgir na Constituição de 1934, sob influência direta da Constituição de Weimar. Contudo, concordando com o que diz Fábio Guedes Gomes, o país nunca construiu um sistema de seguridade social capaz de implementar o Estado Assistencial. E o autor tributa isso ao fato de que no Brasil, a classe operária jamais chegou a um nível de amadurecimento capaz de impulsionar lutas em favor dos benefícios do proletariado (2006, p. 222-223). Talvez esse seja um mal dos países ditos em subdesenvolvimento, que foram flagrados pela globalização e pelo capitalismo industrial um pouco mais tarde.
Nas três primeiras décadas do século XX o Brasil ainda era dominado pelas oligarquias agrárias, e grande parte do proletariado se concentrava no campo, a avalanche de industrialização que acabara por gerar os motivos determinantes para a criação de benefícios aos trabalhadores, ainda não havia alcançado o trabalhador brasileiro. A partir de 1930 a burguesia industrial começa a ganhar campo político no Brasil e então, as disputas de classes que na maioria do mundo, deu impulso à aquisição de benefícios sociais, no Brasil foi feita entre as classes ‘privilegiadas’, ou seja, as classes oligárquicas agrárias querendo manter seu poder, contra a classe burguesa que queria ascender e os trabalhadores apenas como meros espectadores dessa luta.
A Constituição Brasileira de 1934 veio a piorar ainda mais a situação dos trabalhadores em termos de opinião. Esta Carta apesar de trazer vários benefícios ao trabalhador como a criação do Ministério do Trabalho, obrigatoriedade da carteira profissional e a jornada de trabalho limitada à oito horas diárias, durante sua égide sob o Governo de Getúlio Vargas, houve a estatização da luta de classes. Ao conceder parte da representação da Câmara dos Deputados aos representantes das organizações profissionais (art. 23), a discussão sobre os anseios da classe operária estabeleceu-se em nível estatal, o que por si só já tornou inviável a formulação de opinião contrária ou diferente àquela apresentada, por fim, pelo próprio Estado.
A briga de classes entre as oligarquias agrárias e a burguesia industrial perdurou ainda por um bom tempo, e enquanto elas ocorriam, a classe operária se via sem poder político suficiente para fazer valer o movimento social. Então com a Carta de 1946 e o governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra, a idéia de adoção pelo Brasil do Estado de Bem-estar social ficou ainda mais distante. Isso porque, na contramão do que vinha fazendo todo o mundo dando ênfase aos direitos sociais, a nova ordem constitucional brasileira foi lastreada principalmente pelo desenvolvimentismo.
O governo do presidente Eurico Gaspar Dutra, deu bastante ênfase ao investimento em infra-estrutura, foi em seu governo que se iniciou a construção de uma das rodovias mais importantes do país, a Rodovia Presidente Dutra que liga o Rio de Janeiro a São Paulo. Também foi em seu governo que surgiu o Estatuto do Petróleo (mais a frente, no segundo governo de Getúlio Vargas em 1953, foi criada a estatal Petrobrás), teve início a construção das primeiras refinarias e, também, o surgimento da Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF).
Nesse cenário, não havia campo para discussão de criação de um sistema de seguridade social para o trabalhador. A nova Carta não trouxe grandes evoluções no campo social, principalmente no que diz respeito a seguridade social, sistema que ainda se encontra no Brasil bastante negligenciado. A Constituição de 1946 tomou por bases as Constituições de 1891 e 1934, daí porque José Afonso da Silve diz que ela “nasceu de costas para o futuro.” (2005, p. 85)
Mais a frente, no governo do Presidente Juscelino Kubitschek, período reconhecidamente dedicado ao avanço industrial e a obras de infra-estrutura no Brasil, esse período contribuiu sobremaneira para o enfraquecimento da classe operária como voz capaz de empreender conquistas mais substanciais para o campo social e para o aumento da inflação, dois fatores que foram decisivos para a ausência de bases sólidas para a criação do Welfare State.
Logo após, o país viveu um período de instabilidade política com a adoção do parlamentarismo em 1961 e o retorno ao sistema presidencialista. Após, o Brasil vive a ditadura militar, período que conseguiu fazer evoluções no campo social através da definição mais eficaz dos direitos trabalhistas, da dedicação a projetos de habitação popular, da unificação do sistema previdenciário com a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Contudo, o país não conheceu um sistema de seguridade social de cobertura universal, aos moldes dos países do Estado Assistencial em evolução no mundo.
E mesmo que a República brasileira conseguisse evoluir a ponto de criar um sistema de contribuição universal para a assistencial social, ainda sim o Estado de Bem-estar social não teria campo para prosperar. Isso porque, como fora dito anteriormente, esse modelo de Estado é tido quando o campo social evolui a ponto de permitir a otimização dos direitos civis e políticos, ou seja, há uma convergência entre as dimensões de direitos fundamentais, através de um realce dos direitos sociais.
Num regime ditatorial, muito embora haja avanços em campo social, há desprezo pelos direitos que, em análise última, são a própria razão para o fortalecimento dos direitos sociais, quais sejam, os direitos civis e políticos. Assim, a negação a direitos fundamentais de primeira geração, e a própria centralização política e, por conseqüência, dos direitos políticos, fez com que o Brasil não experimentasse a promoção do Welfare State quando de fato ele prosperou.
1.2. A crise do Welfare State e a Constituição de 1988
O Estado de Bem-estar social tentou surgir no mundo, em meio à forte evolução industrial e do capitalismo. Os autores não apresentam uma posição pacífica a respeito da consolidação ou não desse modelo de Estado, o que por si só já demonstra, indiscutivelmente, a sua fragilidade. Vários são os motivos que podem ser apontados como determinantes para a crise do Estado Assistencial, no presente estudo estão elencados àqueles que se mostraram como mais coerentes, são eles: a fragilidade teórica das bases de fundamentação do modelo de Estado; os vícios capitalistas que permearam os motivos que determinaram a conquistas dos direitos sociais, base do Estado Social; e, por fim, a própria inviabilidade de adoção de um Estado como este, diante da crise econômica e fiscal que atravessou o mundo nas décadas de 1970 até 1990.
Os avanços obtidos com a tentativa de implementação do Estado Assistencial no mundo, ofereceram aquela que pode ser a maior conquista contra o Estado Liberal, o fim da separação e distanciamento entre a sociedade e o Estado. Muito embora o pós-II Guerra Mundial tenha marcado a possível consolidação do Welfare State, teorias liberais nunca deixaram de existir nessa trajetória. Assim, em 1944 Friedrich Hayek publicou a primeira obra acadêmica de cunho neoliberal, ‘O caminho da servidão’, discorrendo acerca do limite entre intervenção e controle do Estado sobre a sociedade.
Em 1950 o mundo toma conhecimento do pensamento de Milton Friedmam, apontado como maior expoente neoliberal, teórico da chamada escola monetarista. Mesmo que muito incipiente e concentradas na academias, a própria coexistência da consagração do Estado Provedor com os estudos e evolução das teorias neoliberais, fizeram com que se tornasse difícil a consolidação teórica do Welfare State.
Estudar o Estado de Bem-estar social não é das tarefas mais fáceis. A doutrina apesar de aparentemente vasta, não enfrenta os principais pontos, quais sejam, delimitar um conceito e discorrer sobre os fundamentos que atestem a plena consolidação deste modelo de Estado. Talvez essa ausência de estudos sobre a fundamentação teórica tenha sido um dos principais motivos de seu enfraquecimento, as bases do surgimento são do socialismo, mas após a II Guerra Mundial, ficou claro que a adoção de um socialismo radical poderia levar ao esquecimento dos direitos individuais, quando então o Welfare State surge como a congregação desses dois valores, com uma ênfase maior nos diretos sociais.
José Afonso da Silva aponta a própria variedade hermenêutica da expressão social, como motivo complicador à consolidação do Estado Social. “Todas as ideologias, com sua própria visão do social e do Direito, podem acolher uma concepção do Estado Social de Direito.” Conclui dizendo que o Estado Social é de possível adequação a qualquer forma de regime político, seja democrático, facista ou socialista. (2005, p. 115-116)
Outro ponto de fragilidade, está no vício de motivos que determinaram a agregação de um sistema social em benefício da sociedade. Fábio Guedes Gomes tenta demonstra em texto seu que adoção do Estado de Bem-estar social, se deu não com o intuito de beneficiar o povo carente socialmente e, sim, fortalecer o capitalismo que viu na cessão de benefícios sociais, uma inevitável e viável maneira de prosperar. O autor demonstra dois motivos essenciais para a criação do Estado social: a) a integração das classes trabalhadoras à sua ordem capitalista, o capitalismo cede à concessões sociais com o objetivo maior de legitimar sua hegemonia e continuar no controle do processo produtivo; b) com evolução da produção e do consumo em massa o capitalismo ver nas concessões sociais um meio necessário para não quebrar esse ciclo de produção e acumulação de capital. (2006, p. 211-213)
A esses acordos e acertos deu-se o nome de contrato social fordista e este é
[...] o regime de acumulação intensiva, em que a classe capitalista intenta administrar a reprodução global da força de trabalho assalariada através de relações de produção mercantis, sob as quais os trabalhadores assalariados adquirem seus meios de consumo. (Aglietta apud GOMES, 2006, p. 213)
Tudo isso vai de encontro ao próprio ideário do sistema social que ver no trabalhador o ponto de transformação e evolução de uma comunidade. Com essas perspectivas, o trabalhador sai do papel de agente da transformação, para ser o meio pelo qual o sistema que lhe é oposto, o capitalismo, vai evoluir e conseguir atingir seus objetivos. O trabalhador, foco do Welfare State, seu principal beneficiário, se ver sendo utilizado para a legitimação e afirmação cada vez mais forte do regime capitalista.
Tal regime perdurou até o fim da década de 1970, quando foi quebrado pelos próprios capitalistas, ao sentirem os efeitos colaterais da excessiva acumulação de riqueza. A inflação começou a perturbar os mercados que se viram compelidos a pagar uma alta carga tributária, em decorrência da necessidade de o Estado necessitar desenvolver políticas sociais e, mais, aprimorá-las e direcioná-las cada vez mais ao coletivo.
O Estado de Bem-estar social apesar de ser uma maravilha, trouxe efeitos colaterais e inevitáveis. Para patrocinar um Estado altamente provedor é necessário ter uma reserva financeira bem vultosa, há um dissenso natural entre a idéia de solidariedade social e a acumulação de capital, um prever a divisão e outro a acumulação. A intervenção volumosa e direta do Estado na economia, produziu estagnação e inflação que colaborou para a crise economia pela qual passou o mundo no fim da década de 1970.
O Estado, preso numa administração burocrática, não conseguiu acompanhar a velocidade com que o mercado evoluiu, oferecendo com mais agilidade e com custo baixo, os serviços essenciais ao bem-estar do povo. O mercado começava a enxergar no Estado, um obstáculo a sua evolução, e a sociedade clamava por uma distribuição eficiente dos serviços básicos. Contudo o Estado, como se propôs ser, não apresentava um planejamento viável para a consecução de seus compromissos, por duas razões básicas: pelo volume de compromissos que assumiu e pela deficiência de caixa.
Num cenário de crise como este, não haveria momento melhor do que este para trazer à baila os ideais neoliberais. Essa nova era foi conduzida, essencialmente, pelas políticas aplicadas nos Estados Unidos, durante do governo de Ronald Reagan e na Inglaterra, com a ascensão da Primeira Ministra Margaret Thatcher. Havia um norte bem delineado, qual seja, a diminuição da área de atuação do Estado, notadamente na economia e duas palavras-chaves guiaram as políticas: descentralização e privatização.
Luiz Carlos Bresser Pereira aponta 3 grandes crises no início dos anos 1980: a crise do Welfare State; nos países subdesenvolvidos que não consolidaram de fato o modelo de Estado social, o aumento das importações como cobertura aos esgotamento da industrialização; e o colapso do estatismo nos países comunistas. Somada a tudo isso, o alto custo e a baixa retribuição de uma administração exageradamente burocrática. (2002, p. 36)
No início dos anos 1980 o Brasil, assim como os países da América Latina, enfrentou uma das suas piores crises financeiras, contribuindo para isso o aumento da dívida externa, a inflação, a crise fiscal, a crise do petróleo e problemas com o financiamento externo. Dessa forma, “as políticas públicas se concentravam nas políticas econômicas ficando todas as demais subordinadas aos resultados do ajustamento externo.” (GOMES, 2006, p. 229) Com certeza, a área social era diretamente afetada com isso sendo então, relegada à segundo plano.
Entretanto, mesmo com um quadro claro de crise, o constituinte brasileiro de 1988 foi, mais uma vez, desatento aos acontecimentos mundiais e consagrou um Estado de Bem-estar social. Para Luiz Carlos Bresser Pereira, o país em meados de 1980 e durante a Assembléia Nacional Constituinte, foi dominada por correntes populistas que na ânsia de retomar a democracia no país e ascender ao poder, foi incapaz de reconhecer a crise fiscal que vivia do Estado brasileiro e optar por um Estado mais condizente com a realidade.
Um exemplo claro de ato populista que só fez agravar ainda mais a crise no país, foi a inclusão dos trabalhadores rurais como beneficiários do sistema previdenciário e a adoção de uma sistema único de previdência para os funcionários do Estado. A adoção de um sistema de seguridade social tão amplo foi utópico, porque desde o princípio já se sabia que seria impossível torná-lo viável e o país sofre até hoje os efeitos dessa decisão populista.
Fábio Guedes Gomes, faz uma observação interessante sobre o processo de redemocratização do Brasil ao falar do fracasso do sistema de seguridade social. Segundo ele:
[...] esse fracasso também se deveu porque a sociedade brasileira, mais precisamente as classes trabalhadoras, não tinham, ainda, amadurecido a idéia de que a abertura democrática também poderia servir de trampolim para a luta por reivindicações sociais para além da abertura democrática apenas. (2006, p. 231)
Essa afirmativa do economista se coaduna perfeitamente com o que já fora discutido mais acima, o fato de que as classes operárias no Brasil, não conseguiram empreender uma força capaz de guiar os rumos sociais dos pais. O resultado disso foi uma Constituição recheadas de direitos sociais, no entanto, em grande parte esculpidos como normas de eficácia limitada, muita das quais só vieram a ser reguladas muito tempo após a promulgação da Carta de 1988, já sofrendo influência do modelo de Estado Regulador.
Em 1989 os Estados Unidos lançaram um pacote de medidas que foram vistas como uma nova dimensão do liberalismo, a esse pacote se deu o nome de ‘Consenso de Washington’. Esse termo foi cunhado por John Williamson e tinha por fim reunir as principais medidas de cunho conservador aplicadas nos Estados Unidos e deixadas como herança do governo de Ronald Reagan. O país norte-americano que à esta época já alcançava o patamar de maior influente econômico no mundo, imaginou tais medidas como o caminho de saída para crise que vivia os países da América Latina.
As principais medidas do pacote de Washington e que deveriam ser tomadas pelos países latino-americanos seriam:
- Disciplina fiscal e reforma fiscal: o que significaria, entre outras coisas, a diminuição das despesas com a área social e necessária diminuição do tamanho do Estado.
- Direcionamento das políticas públicas para setores com alto grau de retorno do investimento, ou seja, educação, saúde e infra-estrutura;
- liberalização das taxas de juros e taxa de câmbio competitiva, outra falha do constituinte brasileiro de 1988, que ao tratar do sistema financeiro estipulou como limite para taxa de juros o percentual de 12%, quando tinha orientação e bases para saber que não haveria condições de praticar tal taxa;
- Liberalização do comércio e abertura para a entrada de investimento estrangeiro direto: um efeito inevitável da globalização e do próprio processo de industrialização, os países subdesenvolvidos viam seu campo industrial se esgotar por falta de bases econômicas para sustentá-lo, assim a abertura do comércio e a ajuda financeira direta dos países mais ricos, seria uma saída prática. Além disso, já se desenvolvia no mundo as bases teóricas para a formação de grandes blocos econômicos, blocos esse que só teriam sentido com a abertura de mercados.
- Privatização: no Brasil esse processo só veio se iniciar no final de 1991 com da USIMINAS;
- Desregulamentação: como primado das ideais neoliberais, era necessário a diminuição da intervenção do Estado na economia e na promessa e imposição de uma legislação trabalhista tão benéfica.
- Garantia dos direitos de propriedade industrial: no Brasil a lei que regula essa proteção só veio surgir em 1996.
Quanto a serem boas ou ruins essas medidas, se elas escondiam um óbvio interesse dos países desenvolvidos em lucrar com a fragilidade dos países subdesenvolvidos, isso é uma discussão que não é pertinente aos propósitos deste trabalho. Conquanto, todas essas informações foram utilizadas para demonstrar que, mesmo que não seguisse a risca a tendência liberal mundial, até porque impossível num país tão fraco socialmente como o Brasil, o constituinte de 1988 tinha plena consciência da inviabilidade do Estado que estava se propondo a assumir.
A adoção do Welfare State, é indiscutivelmente uma maravilha, porém muito falaciosa a afirmação de que ele poderá prosperar e será mais forte do que o capitalismo. É uma utopia acreditar que um país pode se desenvolver e prosperar cuidando apenas da parte social, esquecendo totalmente da parte econômica e financeira, até porque esta última determinará qual a intensidade e o volume de políticas sociais que poderão ser adotadas.
No entanto é preciso ter cuidado para que o capital não anule o social, com isso se espera que os donos do poder político e a sociedade aprendam com a lição mais forte deixada pelo Welfare State: que direitos civis, políticos e sociais devem estar em equilíbrio. Um povo só pode prosperar no exercício de suas liberdades e de seus direitos políticos, se tiver uma base mínima que o qualifique para isso e antes mesmo de apontar o Estado como grande garantidor disso é preciso ter em mente outra lição do Estado Social: que não deve haver uma separação entre Estado e sociedade e que esses dois devem trabalhar em cooperação em prol do bem-estar de todos.
Diante de tudo aquilo que já foi dito o Estado brasileiro não teve outra saída, a não ser empreender um processo de reformas, mas é preciso ter cuidado com a afirmação coerente de que “ as reformas tendem a fortalecer as relações capitalistas”. (Navarro apud GOMES, 2006, p. 212) Tal posição é totalmente coerente e lógica se colocada em um cenário político como o brasileiro no qual os políticos, em sua grande parte, são os condutores diretos do processo de econômico do país. Por isso, por mais que se queira ter um país voltado para o social, não há como negar a vertente capitalista que diretamente o guiará.
2. A reformulação do Estado: o Estado Regulador
2.1. A necessária reforma do Estado
O Estado Democrático de direito aparece para o homem como resposta aos grandes entraves da humanidade. Tem-se a limitação do poder, através da idéia de repartição do mesmo e, ainda, a previsão inicialmente de liberdades negativas que impunham ao Estado o dever de abstnência e obediência à direitos mínimos. Com o passar do tempo, a própria necessidade humana e acontecimentos que ocorreram pelo mundo, acabaram por dar ao Estado uma tarefa não só de abstenção, como também o dever de promover o bem estar de seu povo. Como foi demonstrado, após os absurdos ocorridos na segunda guerra mundial, mais precisamente na Alemanha nazista, se viu a necessidade de reformulação da idéia de Estado, pois mesmo sob a égide de uma Constituição Social como a de Weimar, não houve como se evitar tais afrontas a direitos fundamentais.
Eis que então surge no mundo Constituições que traziam verdadeiras imposições ao Estado, no sentido de que ele viesse a garantir e concretizar direitos dos cidadãos. Esta abertura para um Estado-Provedor foi também uma resposta, em alguns Estados, para ditadura fechada que sofriam, à exemplo do Brasil. A Carta da República do Brasil de 1988, trouxe à baila um super Estado, um verdadeiro Estado-mãe, onde este tem a obrigação de prover muitos direitos e atividades, muitos dos quais não tem como fazer ou até mesmo não tem necessidade de fazer.
A previsão de tantas obrigações, cumulado com o quadro de crise econômica, fiscal e institucional apresentado anteriormente, fez com que o Estado e a administração pública não conseguisse realizar tarefas mínimas, não conseguiu dar ao povo brasileiro direitos mínimos e acabou por tornar a máquina estatal, um equipamento sem qualidade e altamente burocratizado. Vários fatores levaram à crise estatal que justificou a recente onda de reformas em nosso país. Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta 3 principais temas que levaram à eclosão da crise: a adoção de um federalismo demasiadamente rígido, a adoção do do Estado de bem-estar social e a existência de uma Constituição extensa e dirigente. (1995, p. 1-3)
O autor traz a idéia de que a crise começou com o nascimento da República no Brasil e a adoção do federalismo que, ao contrario do que ocorreu no mundo, se deu por uma segregação, numa tentativa de acentuar a descentralização. Isso porque o Brasil, antes de se transformar numa federação, teve sua história cercada por movimentos separativistas e a federação, muito emobora tenha conseguido a união, nunca ficou isenta de sofrer as influênias dessa história.
O maior erro teria sido a adoção da estrita igualdade entre os Estados, independentemente do desenvolvimento da região, mostrando que o Brasil não soube lidar com o federalismo assimétrico. Já advertia Montesquieu, que as leis de um país para serem elaboras, devem observar diversos fatores como condições geográficas, econômicas, territoriais. O Brasil, um país tão grande e cheio de diferenças regionais e de tão vasta cultura, cometeu um erro ao querer tomar por igual todos os seus entes federativos e o resultado disso, foi o aumento das disparidades regionais.
Isso acarretou um déficit social enorme, fazendo existir no Brasil diversas comunidades extremamente à margem de quaisquer direitos básicos, tais como, saneamento básico, educação, saúde, etc. A partir de 1930 é possível observar esta deficiência brasileira, o Estado começa a combater as desigualdades, o que levou a uma enorme centralização do poder na esfera federal. Essa preocupação, acabou por culminar com a adoção do Estado de bem-estar social com a Constituição Federal de 1988.
Na contramão do que os outros países já reconheciam sem eficiência, a opção do legislador Constituite de 1988 foi pelo Estado de Bem-estar social, onde se pretende um Estado super-provedor, que quer resolver todos os problemas, que quer ser o maior fornecedor de bens e serviços da sociedade, que aceita para si a missão de criar e sustentar todo o seu povo. Porém, para sustentar um Estado como este, é preciso que o mesmo esteja em plenitude com suas finanças e que estas sejam vultuosas, sendo que para tanto, necessário se faz a arrecadação ainda maior de tributos, o que é impossível em termos de povo brasileiro, pois este já suporta uma alta carga tributária. Some-se a isso o fato de que as crises ocorridas durante a década de 1980 sinalaram um período intenso de crise fiscal e o aumento da dívida externa, fatos que clamavam uma imperiora necessidade de mudanças na forma de agir do Estado brasileiro, mas que ainda não acontece em 1988.
Por fim, Manoel Gonçalves Ferreira Filho aponta como um outro erro do Constituinte de 1988, a adoção de uma Constituição-dirigente (com inspiração na Constituição portuguesa) que visa a previsão de vários programas que deverão ser observados pelos governantes. Segundo o autor a dificuldade maior de conviver com uma Constituição desse tipo está no fato dela permitir governos de esquerda e de direita, (1995, p. 2) que têm programas e prioridades diferentes, e a cada ascenção ao poder de um dos dois lados, há a adoção de programas que atendam uma parte dos previstos na Constituição, esquecendo da outra, já que a Constituição acabou por abarcar todo tipo de programa e metas, fazendo promessas desejáveis, mas muito difícil de serem cumpridas.
Fato inegável é que a necessidade de reformulação do Estado guarda estrita ligação com os anseios do povo diante da globalização. Esta que foi produto da Revolução das comunicações que possibilitou uma nova etapa civilizatória: a Era do conhecimento. (MOREIRA NETO, 1998, p. 1) Esta evolução leva à população maior informação, o que acaba por gerar maior conhecimento e consciência do seu papel querendo, desse modo, participar mais ativamente da vida do Estado e da própria sociedade e, com isso tudo, se tornam mais exigentes, “as pessoas querem ver seus interesses satisfeitos, pouco importando quem o faça.” (idem, 1998, p. 2) O que o cidadão espera é a eficiência e qualidade na prestação dos serviços, não precisando mais que apenas o Estado o faça, pois o excesso de nacionalismo não justifica mais a adoção de qualquer tipo de monopólio pelo Estado, só porque o é, e mesmo que seja exercido de forma ineficiente.
Luiz Carlos Bresser Pereira define a reforma como “resposta ao processo de globalização” (1998, p. 31). O processo que culmina com a reforma gerencial contemporânea, se inicia nos anos 1980. Inicialmente o processo caminhou para a consecução de um Estado Mínimo, porque naquela década os governos pouco fizeram para compreender a crise que estava ocorrendo, chegando até mesmo a negar que existia qualquer crise fiscal. Negando a existência da mesma, o regime militar iniciou um política expansionista que foi referendada pelos governos populistas que comandaram o Brasil na década de 1980, piorando a situação dos cofres públicos brasileiros.
Esta crise diminui a capacidade de intervenção do Estado. O referido autor aponta três formas pelas quais se externaram a crise no modo de intervenção estatal: a crise do Estado de bem-estar social no primeiro mundo, a substituição da industrialização pela a importação, na maioria das vezes de produtos e serviços dos países desenvolvidos e o colapso do estatismo comunista. (Idem, 1998, p. 36)
A contradição veio com a Constituição de 1988, enquano o mundo pendia mais para a adoção do Estado Mínimo, a República brasileira adota o Estado Provedor, mesmo sem ter condições para tal opção. A conclusão pela não possibilidade do Estado Mínimo decorre da consciência da necessidade de intervenção do Estado, como foi dita anteriormente, entre o mínimo (Estado Liberal) e o máximo (Estado do Bem-estar), deve haver o equilíbrio. Pois, mesmo falhando algumas vezes em seu mister, não poderia a sociedade ficar totalmente ao arbítrio do mercado, pois este está preocupado em lucrar e ignora a distribuição de renda, sendo então, o Estado o grande condutor do devido equilíbrio entre as conquistas sociais e o desejo do capitalismo.
A globalização estava cada vez mais em expansão, a competitividade mundial aumentava e a necessidade dos Estados em desenvolvimento de participarem da globalização, obrigava os mesmos a assumirem novas funções e redefinir seu modo de intervenção. Vê-se que a necessidade não está em fazer quase desaperacer o Estado (como seria no Estado mínimo) e sim reconstruí-lo.
O que se quer é dotar o Estado de mecanismos eficazes para combater as falhas do mercado, garantir maior governabilidade e acima de tudo, torná-lo mais efeciente e mais capaz de atender aos anseios mínimos de seu povo. O Estado desenhado em 1988 parece ter essa finalidade, mas acabou querendo ir muito além do que devia. Não se restringiu a atribuir ao Estado a tarefa de garantir direitos básicos do cidadão, se somam a estes outros tantos que acabaram por sobrecarregar o Estado. O resultado foi a sua falha constante em garantir aos cidadãos direitos mínimos, como saúde, educação, segurança.
Luiz Carlos Bresser Peireira observa que depois do Plano Cruzado “ a sociedade brasileira se dá conta, ainda que de forma imprecisa, de que estava vivendo fora do tempo, que a volta ao nacionalismo e ao populismo do anos 50 era algo espúrio além de inviável.” (2002, p. 178) Muito embora a observação do autor e mais a frente, autor do Plano de Reforma do Estado, a pressão populista parece ter sido mais forte, conseguindo com que a Constutuição de 1988 fosse aprovada aos moldes de um Estado-Provedor, mesmo sem que o Estado brasileiro tivesse condições de mantê-lo.
Após o episódio da hiperinflação em 1990, no final do governo Sarney, a sociedade brasileira toma dimensão da crise e falência do Estado. No governo seguinte, do Presidente Fernando Collor, muito embora marco de um dos piores episódios críticos institucionais brasileiro, é em seu governo que se dá início a reforma da economia. Empreende uma processo de abertura comercial e de privatizações seguidas, mas esse processo de remodelação do Estado sofre um pequeno freio, uma vez que, o presidente que lhe sucede e em virtude da corrupção ocorrida em seu governo, é obrigado a concentrar suas atenções num outro ponto, na administração pública.
No Governo Itamar Franco há a centralização das atenções na administração pública, e em decorrência dos absurdos de corrupção ocorrido no governo anterior, na tentativa de protegar ainda mais o patromônio público, há um específico retrocesso no processo de reforma, com a elevação da burocracia do serviço público. Contudo é no final de seu governo que surgirá um dos grandes impulsonadores da reforma econômica do país, o Plano Real. A partir então do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, se inicia um processo sistêmico de reforma do Estado, em setembro de 1995 com o Plano diretor da reforma do aparelho do Estado, há o início das mudanças constitucionais que visam a implantação do Estado-Gerencial[3].
Arnoldo Wald resume com muita precisão a nova ideologia que deve marcar esta reforma, que tem início em 1995 e que até hoje está em andamento:
A reforma constitucional, o reajuste fiscal, a revisão da legislação em vigor não devem nem podem revigorar o Estado do passado, o dos donos do poder, cabendo aproveitar o momento histórico para, simultaneamente, retirar-lhe o excesso de atribuições e dar-lhe maior eficiência, submetê-lo aos interesses superiores da sociedade e criar uma contexto institucional econômico, financeiro e social e um quadro jurídico adequado para essa reforma que a Nação aguarda, há longo tempo, e que não mais pode tardar. (1996, p. 30)
2.2. O Estado Regulador
Este novo modelo de Estado está inspirado na administração das empresas privadas, onde se tem a busca da qualidade e da eficiência, através da oferta de condições para que o gestor público possa melhor atender o cidadão brasileiro, com um serviço bom, eficiente e, de preferência, de custo baixo. Esssas são as práticas que o Estado precisa adotar para que possa evoluir num mundo capitalista. Todo este movimento parte da premissa em que o Estado admite a impossibilidade de ser o Welfare State, reconhece a insuficiência de recursos e se preocupa agora como vai atender melhor seu povo. Chega a conclusão então que é melhor que ele fique com as atividades principais e as demais delege ou transfira à sociedade civil, mas não ficando totalmente de fora, acompanhando os resultados como se um gerente fosse.
Eis então uma das mais importantes características do Estado-Regulador, a nítida separação entre o Estado prestador e o Estado regulador. (PAULA, 2006, p. 1351) Neste novo modelo de Estado, o aspecto social emerge dentro do Estado prestador, ele se concentra nas áreas mais importantes e essenciais, por exemplo: previdência social, educação, saúde. Por outro lado, a vertente liberal, de um Estado que só participa diretamente da atividade econômica quando necessário aos imperativos da segurança nacional e relevante ao interesse econômico (art. 173 da Constituição Federal de 1988). No entanto, um Estado que não se afasta completamente da economia fiscalizando, incentivando e planejando-a, por ser seu agente normartivo e regulador. (art. 174 do mesmo diploma)
O afastamento total da economia, não é uma tendência a ser acompanhada pelos Estados. No Brasil a Constituição Federal oferece uma título inteiro sobre a ordem econômica e financeira, disciplinando em seu art. 170 define os princípios que devem nortear a atuação do Estado. As alterações por Emendas que sofreram alguns dos incisos do referido artigo (VI e IX) e o próprio aprimoramente legal , judicial e doutrinário que tais princípios vêm sofrendo, demonstram que esses preceitos são os cerne da conduta estatal. É como diz Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, ao tratar do papel do Estado frente à economia:
Esse papel, em verdade, não tende a sofrer sensível redução com a nova postura do Estado. Se por um lado há reduções das áreas objeto de disciplina estatal, por outro lado deve haver aprimoramento das áreas sob regulamentação, mormente para a proteção dos princípios básicos que pauta a ordem econômica. (1997, p. 72)
O Estado que ora se desenha está longe de ser o Estado Liberal minimalista (como muitos acham que o seja) e nem perto de ser o Estado Provedor que quis o constituinte de 1988, ele quer buscar este meio termo. Quer para si as atividades essenciais, reconhece a impossibilidade de executar outras, transferindo-as, mas supervisionando-as através de uma atividade gerencial e reguladora. Reforçando o que já foi mencionado, a maior contribuição do antaginismo existente entre Estado Liberal e Estado Assistencial é que a versão moderada dos dois pode resultar num Estado muito mais eficiente.
Inicialmente o Estado Social contrapõe ao Liberal, no que diz respeito ao individualismo deste, para aquele o coletivo deve sobressair sobre o individual, a sociedade deve ser vista pura e simplesmente como um conjunto de indivíduos. Após a II Guerra Mundial ficou claro que essa contradição não podia existir, o social não pode ser colocado como um valor supremo em detrimento do individual, os dois devem ser considerados.
No Brasil, o grande impulso para a reforma do Estado se deu a partir da eleboração do chamado Plano Diretor de Reforma do Aparelho Estatal eleborado em 1995, durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Tinham como metas essenciais:
[...] reforma da Constituição no capítulo da administração pública, a elaboração de projetos de leis complementares à reforma constitucional, programa de organizações sociais, programa de agências executivas, sistema de contabilidade gerencial, sistema de informações gerenciais da administração pública, fortalecimento do núcleo estratágico por meio da política de carreiras, reformulação do sistema de remuneração dos cargos em comissão do Governo Federal, plano nacional de capacitação, programa de redução de custos de pessoal e eliminação de privilégios, principalmente os contidos na lei do Regime Jurídico Único, revisão e desburocratização da lei de licitações, aperfeiçoamento do sistema de serviços gerais do Governo Federal, estabelecimento da rede do governo (intranet do Governo Federal), integração dos sistemas administrativos informatizados do Governo Federal, projeto de lei sobre o processo administrativo, fortalecimento da internet como canal de comunicação do governo com os cidadãos, reestruturação e qualidade interna do MARE.[4] (BRESSER PEREIRA, 2002, p. 205-206)
Todas essas medidas podem ser resumidas em quatro postulados que serviram e servem de bússula condutora para a reformulação do Estado, apresentados por Felipe de Paula em texto seu sobre o desenho jurídico-institucional do Estado-Regulador: constitucionalmente, necessidade de acomodação das novas formas institucionais e funções estatais no acordo jurídico-político fundamental; legalmente, era capital a produção de instrumentos legislativos adequados aos novos contornos; criação de novas figuras administrativas; e doutrinariamente, era necessário a revisão de conceitos e axiomas fundantes do direito público. (2006, p. 1351)
No que diz respeito à mundaça constitucional, no Estado brasileiro isso era fundamental, exatamente porque o constituinte de 1988 optou por um Estado Social, super-provedor e a justificativa principal para a reforma do Estado, estava na inviabilidade de os poderes constituídos o implementarem. Assim, a partir de 1995 algumas reformas constitucionais foram feitas trazendo alterações pontuais, contudo, é na Emenda Constitucional n.º 19/1998 que há uma alteração profunda e sistêmica, capaz de imprimir volume ao novo perfil estatal.
Dentre algumas medidas trazidas pela Emenda Constitucional supramencionada estão: a inclusão no rol de princípios regentes da administração pública, a eficiência; a flexibilização da taxativa estabilidade funcional; o fim do regime jurídico únicos para os agentes públicos; e grandes alterações no sistema de previdência social que há muito estava em colapso, tendo sua situação piorada com a inclusão de diversos tipos de trabalhadores e adoção do regime único pelo constituinte originário. O novo sistema prima por uma técnica de contribuição e benefício mais proporcional.
No que diz respeito a produção legislativa capaz de adequar o Estado aos novos contornos, há inúmero exemplos. Destaca-se além das diversas leis de criação e regulamentação das agências reguladoras: a lei que disciplina o art. 175 da Constituição que trata da concessão e permissão de serviços públicos (lei n.º 8.987/1995); a lei que dispõe sobre a implementação do Conselho Administrativo de Defesa do Consumidor (lei n.º 9.021/1995); a lei de propriedade industrial (lei n.º 9.279/1996); a lei do processo administrativo (lei n.º 9.784/1999); a lei da modalidade licitatória pregão (lei n.º 10.520/2002), dentre tantas outras.
No que diz respeito a criação de figuras administrativas, há uma grande destaque para essa medida dentro da nova forma de Estado. As principais figuras intriduzidas com a reforma são: as entidades paraestatais, as agências executivas, e num destaque especial, as autarquias sob regime especial: as agências reguladoras. Foram incluídas no Brasil como importação das Independent Regulatory Commission, dos Estados Unidos, entidades criadas com o objetivo de regular as atividades econômicas, dotadas de autonomia, descentralização, com estrutura colegiada, tendo seus membros nomeados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado Federal, para cumprirem mandato fixo, com restrições a sua exoneração. (GOMES, 2005, p. 43) E ainda, com capacidade de produção normativa reguladora, poderes discricionários e com mecanismos de controle sobre elas mais limitados. (CAVALCANTI, 1999, p. 122)
As agências reguladoras no modelo americano não estão sujeitas ao controle pelo Poder Judiciário, havendo exceção quando se trate da proteção dos direitos e liberdades previstos na Constituição. Isso porque os valores ali empreeendidos devem ser impostos a qualquer ente que esteja sob sua égide. Elas surgiram nos Estados Unidos para proteger valores como: saúde, consumo, meio ambiente, trabalho, concorrência (idem, p. 120) e tem sido a forma pela qual, desde então, o governo americano intervém na economia regulando-a, para fins de proteger e promover o bem estar social.
Contudo, ao contrário do motivo que levou ao surgimento dessas agências nos Estados Unidos, ou seja, um Estado ausente de participação na economia e a necessidade de que este intervenha, no Brasil e assim nos país da América Latina, elas aparecem ligadas ao fenômeno de desestatização, ou seja, nascem em um cenário em que o Estado participa ativamente da atividade econômica, mas se ver obrigado pelas contigências de recursos, a deixar de participar diretamente, para se manter equidistante.
Marcos Augusto Perez define agências reguladoras como sendo entidades que tem por fim
[...] dotar o Estado de órgãos que possuíssem agilidade, especialidade de conhecimento técnico suficientes para o direcionamento de determinados setores da atividade econômica, seguimentos estes que potencialmente representariam uma fonte de constantes problemas sociais. (Apud GOMES, 2005, p. 45)
Assim, agências reguladoras seriam entidades independentes e autônomas criadas com o objetivo de regular setores, notadamente da área econômica, através de um corpo de agentes especializados na área, com poder normativo secundário para tal e garantindo-se a seus dirigentes estabilidade necessária para o bom exercício de seu cargo, pretensamente livre de ingerências do capital.
Importante notar que A atividade de regulação pelo Estado brasileiro não é nova, nem coincide com a promulgação da Carta de 1988, antes deste marco já existiam órgãos internos ao Poder Executivo que tinham a incumbência regulatória, são exemplos o Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). No entanto, dar à atividade de regulação a conotação pretendida com a reforma, era imperiosa a sua independência e autonomia. Muito embora as diversas características que pretendem dar a essa nova entidade administrativa melhor gestão e qualificação do trabalho de regulação.
Em trabalho conduzido pela autora[5] deste estudo, foi analisado que num país como o Brasil, onde o sistema político ainda emerge interesses bem diferentes daqueles que se espera, as agências reguladoras tem sido vítima dessa distorção. No trabalho se tentou demonstrar os efeitos maléficos da democracia representativa na condução de uma entidade que, muito embora seja administrativa, tem um viés técnico bastante forte, já que sua função é regular especificamente determinador setor.
No trabalho citado, foi concluído que a atividade de regulação é uma das mais importantes do Estado Regulador, daí até porque incorporou o nome. Sua criação não está alheia às mudanças, nem foi criada isoladamente, está ligada diretamente a uma das principais mudanças de concepção de Estado. Nascem da resultante da impossibilidade de subsistência do Estado Liberal e da insuficiência do Estado de bem-estar social, mas como imperativo de que o Estado não poderia se afastar por completo da atividade econômica.
Assim, o Estado consegue a distância necessária e suficiente da economia, através da atividade de regulação da mesma. Em países como o Brasil, o afastamento do Estado da economia não se dá por ser ela uma atividade privada e, portanto, deva receber liberdade, há a necessidade de afastamento porque o capital consegue influir e corromper a máquina estatal, necessitando então que elas se afastem para o melhor e mais limpo exercício do serviço público.
Passadas muitas décadas após a adoção das primeiras formas de regulação no Brasil, mesmo que tenha dotado as agências de autonomia e independência, a ingerência do mercado na política tem refletido negativamente na atividade das agências. É necessário repensar talvez, alguns pontos do funcionamento e gestão das agências para fins de adequação do modelo (que não é ruim e sim muito útil) a um país arraigado pela corrupção como o Brasil.
O importante é que o Estado é o detentor do Poder Político, então só quem tem a prerrogativa de impor limitações é ele. É fato que o capitalismo livre pode gerar, cada vez mais, concentração de renda, desigualdade social, aumentando a pobreza, a violência, a deficiência na saúde, dentre outras mazelas. Imposições precisam ser feitas, limites precisam ser colocados, pois senão grande parcela do povo se verá à margem dos direitos mínimos.
Afastar-se do exercício direto de alguma atividade econômica é essencial para uma administração da coisa pública isenta. Porém, necessário se faz que o Estado intervenha na atividade econômica para lhe impor limitações e requisitos para um bom funcionamento, evitando que ele possa se desfazer de pessoas, excluir cidadãos e abusar do consumidor. Essa tarefa do Estado é, com certeza, muito bem desenvolvida através de órgãos dotados de autonomia, independência e com caráter predominantemente técnico, ou seja, através do ente chamado Agência Reguladora.
Outro fator determinante para a possibilidade de reforma do Estado seria a revisão de alguns postulados, a exemplo do que vem ocorrendo com um princípio basilar do regime jurídico-administrativo, o da supremacia do interesse público sobre o privado. Então, ao contrário do que dizem alguns doutrinadores, não há relativização do mencionado princípio e, sim, sua reformulação. Nesse novo estado das coisas, o princípio ainda norteia e fundamenta a atividade do Estado, no entanto, ele ganha uma visão muito mais empírica e ponderada.
A defesa do interesse público não pode partir do dogma de sempre haver a dita supremacia, devendo agora haver juízos de ponderação entre os direitos fundamentais e outros interesses metaindividuais envolvidos. Segundo ele, a norma de prevalência não é suficiente nem traz parâmetros que definam qual a justa medida de prevalência do interesse público e, mais, problema este que se coaduna com o perigo de uma concepção unitária de interesse público. (BINENBOJM, 2005, p. 86)
A principal crítica a aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, está na sua ordenação de prevalência absoluta e abstrata o que para ele acaba por excluir a análise do caso concreto e a suprimir espaços para ponderações. No mundo atual tão multicultural e multidisciplinar não há como aceitar uma postulados que ignore as nuances do caso concreto e preestabeleça como melhor solução sempre a prevalência do interesse público. No mais, a aplicação radical implica uma falsa idéia de que o interesse público e os interesses individuais são sempre contrapostos.
O interesse público nem sempre coincidirá com o interesse do Estado e, por vezes, poderá ser representado por um direito individual. Observe-se, porém, que como a administração pública tem por princípio e limite a lei, “será de interesse público a solução que haja sido adotado pela Constituição ou pelas leis quando editadas em consonância com as diretrizes da Lei Maior.” (BANDEIRA DE MELLO, 2007, p. 65-66)
Ainda, outra forma de se controlar essa escolha de valores, através do manejo dos interesses envolvidos em determinada lide, é apontado por Alexandre Santos de Aragão. Ele propõe um verdadeiro controle dos argumentos, isto porque, a administração ao praticar determinado ato é obrigada a esclarecer quais os motivos que a levaram a agir de determinada forma. Afirma que numa escala de argumentos, terão sempre prioridade os argumentos que guardam respaldo diretamente em texto de lei, em detrimento aos argumentos de índole genérica e metajurídicos. Observa também que, só diante da ausência de regra expressa específica, pode a administração realmente sopesar os valores, se já houver regra que opte pela prevalência de determinada interesse, não há espaço para a ponderação. (ARAGÃO, 2005, p. 28)
Feitas todas essas considerações afirmações taxativas parecem não ter lugar, mas uma não tem encontrado qualquer discordância na doutrina, a de que o Estado que ora se desenha está baseado na idéia de Estado Mínimo. Há autores que ainda afirmam que a forma estatal atual quer sustentar o neoliberalismo, no entanto, não estão condizentes com a realidade analisada a fundo. O Estado Liberal tem como uma de suas premissas a intervenção quase inexistente do Estado atuando na esfera privada e na economia. No modelo atual, o Estado até pode atuar na economia, mas sua função essencial não está em se distanciar completamente da economia, mas sim, acompanhá-la através de sua regulação, fiscalização e planejamento.
Além do mais, a tentativa de implementação no sistema brasileiro do Welfare State, muito embora tenha sido desastrosa, produziu um efeito retórico que já ecoava há muito pelo mundo. Talvez o constituinte tenha errado no destino que deu à sociedade brasileira, mas a alertou para os direitos sociais, lhe presenteou com um poema muito bonito cheio de direitos, que hoje não há como prosperar qualquer forma de comportamento estatal alheia e isenta. Como já foi dito anteriormente neste trabalho, a contribuição maior do Estado de Bem-estar foi a idéia de que Estado e sociedade são elementos harmônicos e assim sempre devem ser considerados.
3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAGÃO, Alexandre Santos de. A “supremacia do interesse público” no advento do Estado de direito e na hermenêutica do direito público contemporâneo. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 102, n. 387, p. 23-35, set./out. 2005.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
BERCOVICI, Gilberto. Constituição e Estado de exceção permanente. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004.
BINENBOJM, Gustavo. Da supremacia do interesse público ao dever de proporcionalidade: um novo paradigma para o direito administrativo. Revista Forense. Rio de Janeiro, v. 101, n. 380, p. 79-102, jul./ago. 2005.
BOBBIO, Noberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução de Carmem C. Varriolle, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pintocascais. Coordenador da tradução João Ferreira. Revisão geral: João Ferreira e Luís Guerreiro Pintocascais. 5ª ed. Brasília: editora da Universidade de Brasília. São Paulo: imprensa oficial do Estado. 2000, 2 v.
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos. Cidadania e res pública: a emergência dos direitos republicanos. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, RJ, n. 208, p. 147-181, abril/junho de 1997.
________. Reforma do Estado para a cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo: 34. Brasília: ENAP, 2002.
CAVALCANTI, Francisco de Queiroz Bezerra. Reflexões sobre o papel do estado frente à atividade econômica. Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo, SP, ano 5, v. 20, p. 67-75, outubro/dezembro de 1997.
________. A independência da função reguladora e os entes reguladores independentes. Anuário dos Cursos de Pós-Graduação em Direito. Recife, PE, n. 10, p. 113-138, 2000.
FARIAS, Débora Barros Leal. Reflexos da teoria neoliberal e do consenso de washington na constituição brasileira de 1988. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo, SP, ano 15, n. 59, p. 70-85, abril/junho de 2007.
GOMES, Fábio Guedes. Conflito social e Welfare State: Estado e desenvolvimento social no Brasil. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro, RJ, v. 40 n. 2, p. 201-236, março/abril de 2006.
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[1] Tradução: Estado de Bem-Estar Social.
[2] A partir deste ponto serão utilizados, indistintamente, como sinônimos deste modelo de Estado: Estado de Bem-estar, Estado Social, Estado Assistencial e Estado Provedor. Todas essas designações encontradas em bibliografia utilizada para a produção do presente trabalho.
[3] A partir deste ponto serão utilizadas como expressões sinônimas: Estado-Gerencial, Estado-Gerente, Estado-Regulador. Opta-se pelo não uso da expressão Estado Neoliberal porque a corrente adotada neste trabalho está baseada pelo fato de que, apesar de o novo modelo de Estado sofrer influências do Estado Liberal, não é uma nova face do mesmo.
[4] Sigla para o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, responsável pela conduta e andamento do Plano Diretor de Reforma do Aparelho Estatal, sob o comando do Ministro Luiz Carlos Bresser Pereira. Em 1998 com a extinção do referido ministérios, a continuação da gestão reformadora ficou a cargo do Ministério do Planejamento e Gestão.
[5] ‘Crise da democracria representativa e sua influência nas agências rguladoras’ - trabalho apresentado como requisito de aprovação na disciplina ‘Estado Regulador: as agências reguladoras’, em janeiro de 2008, ministrada pelo Professor Doutor Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, na Pós-Graduação latu sensu em Direito Administrativo da Universidade Federal de Pernambuco.
Advogada, mestranda em direito constitucional e especialista em direito administrativo ambos pela UFPE
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Renata Dayanne Peixoto de. Do WELFARE STATE ao Estado Regulador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 out 2009, 09:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/18484/do-welfare-state-ao-estado-regulador. Acesso em: 22 nov 2024.
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