Em decisão proferida no dia 30 de setembro de 2009, o ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski indeferiu pedido de liminar em habeas corpus (HC 100831) impetrado pela Defensoria Pública da União, objetivando a soltura do paciente indigitado como traficante de drogas, tendo em vista a expunção do óbice legal à liberdade provisória antes presente no art. 2º, inciso II, da Lei 8.072/90 pela Lei 11.464/2007, além da inconstitucionalidade remanescente no art. 44 da Lei 11.343/2006.
Este dispositivo traz cláusula genérica de proibição à concessão de liberdade provisória, quando tratar-se de tráfico de drogas, nos seguintes termos: “Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.”
Registrou o ministro Lewandowski que apesar de “o tráfico ilícito de drogas ser tratado como equiparado a hediondo, a Lei 11.343/06 é especial e posterior àquela – Lei 8.072/90. Por essa razão, a liberdade provisória viabilizada aos crimes hediondos e equiparados pela Lei 11.464/2007 não abarca, em princípio, a hipótese do tráfico ilícito de drogas”.
Com a devida vênia, não se pode corroborar com o entendimento esposado pelo ilustre julgador(1). Primeiro porque a clausura cautelar é motivada pela necessidade de assegurar o normal deslinde do caso e, portanto, deve estar sustentada pelos requisitos legais com a demonstração do fumus comissi delicti e periculum libertatis.
A liberdade, como consectário dos princípios da dignidade da pessoa humana e da presunção de inocência, não pode ser tolhida de plano pelo legislador; deve sua restrição ser objeto de análise pelo juízo competente, pois somente ele tem condições de aferir sobre a imprescindibilidade da medida, a qual é revestida pelo caráter da excepcionalidade.
Em segundo lugar, a Lei 8.072/90 equipara a hediondo o tráfico ilícito de drogas, conferindo igualdade de tratamento a tais delitos consoante as disposições daquele Diploma. Do cotejo entre as leis em aparente conflito, na verdade, nota-se que a retirada da proibição genérica concernente à liberdade provisória da Lei dos Crimes Hediondos foi posterior ao advento da Lei Antidrogas. Por conseguinte, neste mote, resta superada a justificativa, atinente ao aspecto temporal, de que a Lei 11.343/2006 é (simplesmente) posterior à Lei 8.072/90, tendo em vista justamente a atualização desta pela Lei 11.464/2007.
Também o critério da especialidade, ventilado naquela decisão, não serve como supedâneo para o afastamento da possibilidade de concessão de liberdade provisória. Ora, quanto ao tratamento dado à hediondez e respectiva equiparação, o que justifica a adoção de medidas mais severas, a lei específica é a 8.072/90. Portanto, se esta traz dispositivo mais benéfico para o rol dos delitos de maior repulsa social, incogitável a exasperação no trato de um destes crimes por outra lei que não vise alterar aquela ou dedicar-se à regência da hediondez.
Ora, há evidente desproporção ao conferir tratamento diferenciado para os crimes de mesma natureza, admitindo para alguns a concessão de liberdade provisória e para outros não. Em que restaria, então, a equiparação aos crimes propriamente hediondos quando estes (art. 1º, Lei 8.072/90) são regidos por disposição mais favorável?
Contudo, é suficiente para concluir pelo afastamento da norma do art. 44 da Lei Antidrogas, no que tange à vedação irrestrita da liberdade provisória, a pecha de inconstitucionalidade. Esta mácula não guarda vínculo com a natureza (ou melhor: “a gravidade”) do delito. Qualquer que seja a hipótese de eventual proibição abstrata e genérica à liberdade provisória ferirá a Constituição Federal. Seu art. 5º, inciso XLIII, apenas permitiu que a lei considerasse como “crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos”.
Os mesmos fundamentos admitidos para o reconhecimento da inconstitucionalidade do art. 21 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003), na apreciação da ADI 3112/DF(2), vale para o citado enunciado da Lei 11.343/2006. Espera-se que nesse sentido delibere o Colendo Supremo Tribunal Federal quando proceder à análise do mérito do HC 100831.
Notas:
(1) Entendimento esse já firmado em outras oportunidades como aludiu o próprio ministro.
(2) Registrou-se na ocasião: “(...) Insusceptibilidade de liberdade provisória quanto aos delitos elencados nos arts. 16, 17 e 18. Inconstitucionalidade reconhecida, visto que o texto magno não autoriza a prisão ex lege, em face dos princípios da presunção de inocência e da obrigatoriedade de fundamentação dos mandados de prisão pela autoridade judiciária competente. (...)”. (ADI 3112/DF, Relator Min. Ricardo Lewandowski, julgamento de 02/05/2007, publicação no DJe-131 de 26-10-2007 e DJ de 26-10-2007).
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