“Decidir sem tutelar, ou conhecer sem executar, não é o que se espera do processo civil no Estado Constitucional”- Luiz Guilherme Marinoni.
A função do processo é permitir a fruição do direito material pelo seu titular. Qualquer instituto processual deve ter esse axioma como parâmetro, sob risco de negar ao processo o sentido de sua existência. Diz Câmara que “o processo deve ser visto como instrumento do direito material, e não o contrário”. Logo, soa estranho à natureza do processo ações que se desenrolam por anos, e muitas vezes por décadas. Essas aberrações, antes de garantiram uma suposta certeza jurídica sobre o titular ou sobre os limites do direito material, garantem a inutilidade do processo.
É tradição no direito pátrio o lugar-comum de que no Brasil o indivíduo ganha, mas não leva. Isso é fruto de instrumentos arcaicos do nosso processo civil que aos poucos estão sendo substituídos por outros mais céleres e eficazes na prestação da tutela jurisdicional. A atual Carta Magna ao entrar em vigor prometeu uma gama de direitos materiais cuja fruição era incompatível com o sistema processual anterior, o que exigiu uma reforma que aos poucos foi mudando a feição do processo civil brasileiro. E de fato urge tornar o ordenamento jurídico harmonioso, pois de nada adianta que as leis prometam direito materiais sem que seja possível a real e efetiva fruição desses direitos, caso contrário estaríamos diante de piadas de mal gosto feitas pelo legislador. Nessa esteira, adverte Maninoni: “ Um Código de Processo Civil que se omite em fornecer ao jurisdicionado e ao juiz as técnicas processuais executivas indispensáveis às tutelas do direito material, além de desconsiderar o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, nega ao juiz o uso dos instrumentos necessários ao exercício do seu poder”. Ou seja: ou o processo fornece instrumentos adequados à prestação de uma efetiva ( e não apenas formal) prestação da tutela jurisdicional, ou está fadado a representar um contra-senso, uma aberração dentro do sistema jurídico.
Nesse novo contexto é que se possibilitou o surgimento de institutos que têm como ordem a efetividade da prestação da tutela jurisdicional, tais como a tutela antecipada e a tutela do adimplemento na forma específica. Essas modificações demonstram que o Estado deixou de ser visto como inimigo do particular.
Realmente, à medida que existe num país uma “Constituição Cidadã”, não se justifica o temor excessivo de que o Estado, em uma de suas atuações, qual seja, a jurisdição, seja uma ameaça aos indivíduos. Seguindo essa linha de pensamento, deve-se reconhecer como legítima uma atuação jurisdicional que permita a execução com base numa cognição sumária ( juízo de probabilidade). A excessiva valorização da “certeza jurídica” revela um temor fundado no Estado Liberal, que era visto como inimigo do particular, sendo necessário impor àquele deveres negativos. No Estado solidário, que é enxregado como realizador dos direitos, ao qual são incumbidos deveres positivos , é possível abandonar o apego à “certeza jurídica” ( que na verdade foi usado como um dogma pela burguesia liberal que desconfiava dos juízes) e voltar os olhos para o gozo do direito material pelo seu titular.
Ainda que tardiamente, a reforma do processo civil que alterou regras em relação à execução também representa um outro marco de compatibilização entre o Código de Processo Civil e a Constituição Federal. A desnecessidade de implementar uma nova ação quando já existente uma ação anterior que possua sentença ( ou mesmo decisão interlocutória, como a que fixa alimentos provisórios) que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia confere ao titular do direito o benefício da simplicidade, livrando-o de rigores formais excessivos e procrastinatórios.
Diante de tais exemplos, constata-se uma tendência do legislador brasileiro, pressionado por setores organizados de pensadores e aplicadores do direito, em modernizar o processo civil pátrio. Apesar das mudanças já implementadas terem alterado substancialmente o Código de Processo Civil, ainda verifica-se muitos institutos arcaicos, principalmente no sistema recursal.
O delineamento atual do duplo grau de jurisdição acarreta prejuízos muitas vezes irreparáveis para a parte que tem razão no processo, deixando-a impossibilitada de fruir do seu direito por anos e anos, enquanto o processo se arrasta lentamente, até que se considere que chegou-se a um estado de “certeza jurídica”, quando só então poderá o indivíduo dispor de seu direito. Nesse momento sublime, depois de exauridas todas as instâncias recursais, muitas vicissitudes podem ser vislumbradas, como o falecimento do titular do direito ou, ainda que vivo este, a inutilidade do provimento jurisdicional que lhe confere o bem da vida.
Uma prestação jurisdicional lenta é sinônimo de prestação jurisdicional inútil. Ainda citando Marinoni, “o recurso transformou-se em boa desculpa para o réu sem razão protelar a definição da causa”. Assim, conceder ao réu uma infinidade de recursos com efeito suspensivo, mesmo em causas de menor complexidade, é negar ao processo civil sua função de tutelar o direito material.
Já se foram mais de vinte anos da promulgação da atual Carta Magna e ainda verifica-se um descompasso desta em relação ao processo civil atual, não obstante as eficazes medidas legislativas já implementadas. Ao preceituar que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação ”, a Constituição impõe que em qualquer ponto onde o processo civil mostre-se demorado, constata-se aí um dever do legislador em torná-lo útil e eficaz. Embora essa idéia pudesse ser extraída de outras normas e valores da Constituição, pois se não fosse assim, negar-se-ia a própria razão de ser do processo, o constituinte derivado achou por bem deixar o princípio da celeridade processual expresso em forma de direito individual.
Dessa forma, verifica-se no Brasil uma tendência em abandonar temores infundados e uma obsessiva busca pela “certeza jurídica”, e consagra-se o princípio da instrumentalidade do processo, o que confere mais credibilidade à atuação jurisdicional do Estado, pois, como ressalta Fredie Didier, “as regras processuais hão de ser interpretadas e aplicadas de acordo com a sua função, que é a de emprestar efetividade às regras do direito material”.
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