1 INTRODUÇÃO
Antes de passarmos a abordar o Direito Ambiental do Trabalho do ponto de vista mais dogmático, mister se faz um estudo minucioso da principiologia que envolve o mencionado tema.
Para tanto, nos socorreremos das lições de Ruy Samuel Espínola[1], que leciona acerca das noções gerais do conceito de princípios:
Desenvolvendo este raciocínio, torna-se necessário sublinhar que o termo princípio é utilizado, indistintamente, em vários campos do saber humano, Filosofia, Teologia, Sociologia, Política, Física, Direito e outros servem-se dessa categoria para estruturarem, muitas vezes, um sistema ou conjunto articulado de conhecimentos a respeito dos objetos cognoscíveis exploráveis na própria esfera de investigação e de especulação a cada uma dessas áreas do saber.
(...)
Pode-se concluir que a idéia de princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenha em mente, designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou subordinam.
Em adição ao exposto, colacionamos as palavras do professor Maurício Godinho Delgado[2]:
A palavra princípio traduz, na linguagem corrente, a idéia de ‘começo, início’, e, nesta linha, ‘o primeiro momento da existência de algo ou de uma ação ou processo’.
Mas traz, também, consigo o sentido de causa primeira, raiz, razão’ e, nesta medida, a idéia de aquilo ‘que serve de base a alguma coisa’.
Por extensão, significa, ainda, ‘proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de conhecimentos’ e, nesta dimensão, ‘proposição lógica fundamental sobre a qual se apoia o raciocínio.
Assim, princípio traduz, de maneira geral, a noção de proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após tomadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade.
Um dos grandes marcos na criação de uma teoria principiológica para o Direito Ambiental e aí englobado o Direito Ambiental do Trabalho foi, sem dúvida, as Conferências de Estocolmo, na Suécia (1972) e a ECO-92, realizada na cidade do Rio de Janeiro.
Estes eventos culminaram na elaboração de importantes e fundamentais paradigmas para a ciência ambiental, resultando, inclusive, no estabelecimento dos princípios fundamentais deste ramo do saber jurídico. Os países que participaram das referidas Conferências, em sua maioria, iniciaram uma adequação em suas legislações ordinárias. Nesta esteira, o legislador constituinte nacional estabeleceu o art. 225, de nossa Magna Carta, o qual pontua os mais importantes princípios ambientais acolhidos pelo Brasil, a saber: 1. Princípio da prevenção, 2. Princípio da precaução, 3. Princípio da participação, 4. Princípio da ubiquidade, 5. Princípio do poluidor pagador e 6. Princípio da dignidade da pessoa humana.
Cuidaremos de cada princípio elencado acima de forma detalhada a partir de agora.
1.1 Princípio da atuação preventiva e da precaução
Na doutrina há um impasse quanto à terminologia adequada deste princípio, encontrando quem defenda que a correta nomenclatura seria princípio da prevenção, outros sustentam que deveria ser rotulado de princípio da precaução, outros, ainda, afirmam tratar-se, tão somente, de mera questão terminológica, mas que o alcance e significado seria o mesmo, sendo possível referir-se a um ou outro pelo mesmo nome.
Para este trabalho adotaremos a posição do professor Édis Milaré[3] que sustenta a existência do princípio da prevenção, o qual engloba o princípio da precaução, nos seguintes termos:
Com efeito, há cambiantes semânticos entre essas expressões, ao menos no que se refere à etimologia. Prevenção é substantivo do verbo prevenir, e significa ato ou efeito de antecipar-se, chegar antes; induz uma conotação de generalidade, simples antecipação no tempo, é verdade, mas com intuito conhecido. Precaução é substantivo do verbo precaver-se (do latim prae = antes e cavere = tomar cuidado), e sugere cuidados antecipados, cautela para que uma atitude ou ação não venha resultar em efeitos indesejáveis. A diferença etimológica e semântica estabelecida pelo uso sugere que prevenção é mais ampla do que precaução e que, por seu turno, precaução é atitude ou medida antecipatória voltada preferencialmente para os casos concretos.
Não descartamos a diferença possível entre as duas expressões nem discordamos dos que reconhecem dois princípios distintos. Todavia, preferimos adotar princípio da prevenção como fórmula simplificadora, uma vez que prevenção, pelo seu caráter genérico, engloba precaução, de caráter possivelmente específico.
A doutrina nacional tem concluído que o Princípio da Prevenção tem alcance em cinco pontos específicos do universo jurídico ambiental, quais sejam: 1. Identificação e inventário das espécies animais e vegetais de um território, quanto à conservação da natureza e identificação e inventário das fontes concomitantes das águas e do mar, quanto ao controle da poluição; 2. Identificação e inventário dos ecossistemas, com a elaboração de um mapa ecológico; 3. Planejamento ambiental e econômico integrados; 4. Ordenamento territorial ambiental para a valorização das áreas de acordo com sua aptidão e 5. Estudo de impacto.
O princípio da prevenção está localizado na Constituição Federal no art. 225, caput, in verbis:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
O ilustre membro do Ministério Público do Trabalho, Dr. Raimundo Simão de Melo[4], traça a aplicação deste princípio nas relações de trabalho:
Na aplicação deste princípio no âmbito trabalhista, deve-se levar em conta a educação ambiental a cargo do Estado, mas também das empresas, nos locais de trabalho, orientando os trabalhadores sobre os riscos ambientais e fornecendo-lhes os equipamentos adequados de proteção, como menciona a CLT, no art. 157, podendo, inclusive, depois de bem orientar os trabalhadores sobre os riscos ambientais, puni-los pela recusa em observar as normas de segurança e medicina do trabalho (art. 158 da CLT).
Decorre também deste princípio a necessidade de punição adequada do poluidor nos aspectos administrativos, penais e civis, neste último, observando-se o seu poder econômico. Mas, também não se pode perder de vista a necessidade de alteração da legislação para conceder incentivos fiscais e outros às atividades em que os empreendedores levem em conta a prevenção do meio ambiente do trabalho, como, por exemplo, a diminuição das contribuições do Seguro de Acidente do Trabalho – SAT, previstas na lei n.º 8.212/91 (art. 22, II).
(...)
Portanto, não precisa haver certeza científica absoluta sobre a possível ocorrência do dano ao meio ambiente ou à saúde do trabalhador. Basta que o suposto dano seja irreversível e irreparável para que não se deixe de adotar medidas efetivas de prevenção, mesmo na dúvida, porque a proteção da vida se sobrepõe a qualquer aspecto econômico.
1.2 Princípio da participação
O legislador constitucional (art. 225, caput, CF) procurou através deste princípio dividir a responsabilidade pela proteção ao meio ambiente e aí incluído o do trabalho, entre o poder Público e a coletividade, buscando uma forma de vigilância mais efetiva, uma vez que é impossível ao Estado estar em todos os lugares, simultaneamente.
Acerca do referido princípio a Declaração do Rio de Janeiro de 1992, em seu art 10, estabelece:
(...) a melhor maneira de tratar questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.
No que tange ao meio ambiente do trabalho o princípio em análise adota um viés tripartite, isto é, deve ser composto pelo Estado (Executivo, Legislativo, Judiciário e MPT), pelos empregadores e pelos empregados, ambos representados por seus sindicatos.
Sobre a aplicação do princípio da participação no meio ambiente do trabalho transcrevemos a lição do Professor Raimundo Simão[5]:
Com relação ao meio ambiente do trabalho, sabe-se que existe o Estado, por meio do Ministério Público do Trabalho e Emprego, encarregado não somente de elaborar normas de prevenção e melhoria dos ambientes de trabalho, como estabelece o art. 156 da CLT, mas também de orientar trabalhadores e empregadores quanto ao cumprimento dessas normas e fiscalizá-las, imprimindo sanções administrativas pelo seu descumprimento. Essas sanções vão desde a aplicação de multas pecuniárias previstas no art. 201 da CLT até a interdição de estabelecimentos, setores de serviços, maquinários e equipamento ou embargo de obra (CLT, art. 161).
Ao Sistema Único de Saúde – SUS, cabe importante tarefa de executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador, e colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho (CF, art. 200, incisos II e VIII). Essa tarefa deve ser executada em conjunto e harmonia com o Ministério do Trabalho e Emprego, com os Centros de Referência de Saúde do Trabalhador e outros órgãos incumbidos da tutela ambiental do trabalho.
De outro lado, incumbe aos sindicatos, como parte da sociedade organizada, a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas (CF, art. 8º, III), o que inclui o meio ambiente do trabalho. Também com a tarefa de prevenir riscos ambientais no trabalho existem as Comissões Internas de Prevenção de Acidentes – CIPA’s, cujos representantes eleitos pelos trabalhadores têm garantia de emprego para bem cumprirem o seu papel (ADCT, art. 10, inciso II, letra a).
1.3 Princípio da ubiquidade
A professora Maria Helena Diniz[6] em seu dicionário jurídico esclarece:
PRINCÍPIO DA UBIQUIDADE DO MEIO AMBIENTE. Direito Ambiental. Aquele que requer a consideração da proteção do meio ambiente por ocasião do desenvolvimento de uma obra, atividade, política etc. (Celso A. P. Fiorillo e Marcelo A. Rodrigues).
O princípio da ubiqüidade recebe a seguinte conotação para o meio ambiente do trabalho, nas palavras do Professor Raimundo Simão:[7]
Quando se fala em meio ambiente do trabalho, por sua vez, não se está referindo apenas ao local de trabalho estritamente, mas às condições de trabalho e de vida fora do trabalho como conseqüência de uma sadia qualidade de vida que se almeja para o ser humano; quando se fala em meio ambiente do trabalho, é de se pensar nas conseqüências de um acidente ou doença laboral que atingem não somente como trabalhador, mas este como ser humano; é de se pensar nas conseqüências financeiras, sociais e humanas para a vítima, mas também para a empresa, e, finalmente, para toda a sociedade, a qual, em última análise, responde pelas mazelas sociais em todos os seus graus e aspectos.
Portanto, a responsabilidade pela adequação e manutenção dos ambientes de trabalho salubres e seguros é de todos e de cada um ao mesmo tempo.
1.4 Princípio do poluidor pagador
Sem dúvida um dos mais controversos princípios da ordem ambiental mundial e, como não podia ser diferente, da seara jurídico-ambiental brasileira.
O Professor Édis Milare[8] discorre sobre o tema, in verbis:
Assenta-se este princípio na vocação redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo (v.g. o custo resultante dos danos ambientais) precisam ser internalizados, vale dizer, que os agentes econômicos devem levá-los em conta ao elaborar os custos da produção e, consequentemente, assumi-los. Busca-se, no caso, imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre os bens e pessoas, mas sobre toda a natureza. Em termos econômicos, é a internalização dos custos externos.
É evidente que o referido princípio não deve gerar um aforismo do tipo – pago, logo posso poluir à vontade. Mas, visa criar uma conscientização no poluidor.
Desta sorte, o princípio do poluidor pagador tem caráter educativo e exemplificativo, buscando através da imposição de sanções à pessoa (natural ou jurídica) a proteção do ambiente natural.
Outrossim, surge a questão: Como aplicar este princípio no âmbito do Direito Ambiental do Trabalho?
O Professor Raimundo Simão exemplifica e esclarece a dúvida posta:
É o caso, por exemplo, de um dano ao meio ambiente do trabalho, que deverá ser recomposto e indenizado genericamente, sem se excluir o direito de o trabalhador lesado ir a juízo pleitear a reparação concreta do dano ao seu patrimônio material e/ou moral. Imagine-se a situação de uma empresa poluidora do meio ambiente do trabalho por altos índices de ruídos acima dos permitidos pela lei e que, em consequência, deixa vários trabalhadores surdos. Nesta situação, poderá haver uma ação coletiva buscando a prevenção do meio ambiente com a eliminação do ruído excessivo e uma indenização genérica por dano causado ao meio ambiente, uma vez que é impossível o retorno ao estado anterior, por completo, ou seja, a adequação do meio ambiente vai ocorrer somente a partir daquela ação, pelo que os danos anteriormente ocasionados deverão em nome do princípio aludido, ser reparados integralmente. Além disso, os trabalhadores submetidos àquele ambiente insalubre poderão pleitear indenização individual pelo pagamento de adicional de insalubridade e, se tiverem perda auditiva, buscar ainda indenizações por danos material e moral, conforme o caso.
É esse o alcance do princípio do poluidor-pagador na sua plenitude, que a alguns assusta, o que é até natural, porém, sua finalidade é exatamente encarecer o custo para o poluidor, a fim de que ele adote doravante todas as medidas de cunho preventivo nos momentos adequados.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Dayse Coelho de. A fundamentabilidade dos Direitos Sociais. Revista IOB – Trabalhista e Previdenciária. Porto Alegre, setembro/2006, pgs. 86/96.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2 ed. rev., atual. e aum. Vol 3. São Paulo: Saraiva, 2005.
ESPÍNOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2009.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 12. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.
MELO, Raimundo Simão. Direito Ambiental do Trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2006.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção jurídica à saúde do trabalhador. 3. ed. São Paulo: LTr, 2001.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1994.
[1] ESPÍNOLA, Ruy Samuel. Conceito de princípios constitucionais. 2 ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 52;53.
[2] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 184.
[3] MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 3. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 144.
[4] MELO, Raimundo Simão. Direito Ambiental do Trabalho e a saúde do trabalhador: responsabilidades legais, dano material, dano moral, dano estético, indenização pela perda de uma chance, prescrição. 2. Ed. São Paulo: LTr, 2006, p. 41e 42.
[5] MELO, Raimundo Simão. op. cit. p. 46.
[6] DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2 ed. rev., atual. e aum. Vol 3. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 847.
[7] MELO, Raimundo Simão. op. cit. p. 47.
[8] MILARÉ, Édis. op. cit. p. 142.
Especialista em Direito e Processo do Trabalho. Assessor Jurídico MP/RR<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Alcenir Gomes De. Direito ambiental do Trabalho - princípios basilares Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 fev 2010, 08:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/19230/direito-ambiental-do-trabalho-principios-basilares. Acesso em: 22 nov 2024.
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