No princípio era tudo uma enorme camada de pó e ácaros... Os planetas não existiam mais, as galáxias eram poeiras dispersas ou apenas purpurinas retidas em pequenos vidrinhos...
A raça humana se reduzia a um amontoado de máquinas, livros e vestígios gráficos dispersos em telas, papéis, sites e pasmem, em até algumas camisetas...
As roupas teriam perdido sua razão de ser, pois todos optaram por ser apenas espectros, libertaram-se definitivamente de ser matéria, de ter carne, ossos, contornos, celulites e muitos complexos estéticos cruéis e,inúteis e absurdos.
Mas havia ainda uma reduzida tribo de seres humanos completamente jurássicos, que acreditavam ainda em conceitos abstratos, na percepção subjetiva e interiorana das coisas e do mundo...
Entre os conceitos intangíveis e inalcançáveis estavam a felicidade, o amor, a lealdade e a compaixão... Os números que antes traduziam maiorias e minorias perderam absolutamente seu peso e valor... pois a velocidade vertiginosa das informações e do conhecimento circulante transformava o que antes era apático em simpático, e o que antes era inexpressível passava a ser relevante item de sobrevivência na selva da imensa diversidade e dispersão.
A comunicação perderia a verbalidade e só os pensamentos se conectavam, aos outros seres, às outras máquinas e ao mundo exterior que vivia em perfeita sintonia com os milhões de mundos interiores... Não se escaparia certamente dos conflitos, das guerras e as cruzadas.
Cegos crentes em ideologias religiosas ou políticas ainda tentavam ser ditadores, e comandar o maior número possível de crentes, beatizados ou não, boçalizados ou não. Tudo em razão de uma velhíssima chave mestra que é o poder. E, na odiosa equação de poder e força.
O exercício do poder se sofisticara muito mas ainda rendia aos seus detentores um manancial de prazer, luxúria e a satisfação da dominação e da sensação de ter a superioridade de um deus.
Alguns seres mais conscientes tentavam contornar as armadilhas ideológicas, os patrulhamentos incessantes e, ainda, a ganância dos oportunistas, que apesar do caos e do desolamento, ainda pretendiam, lucrar e lucrar para todo sempre...
Mas tal tentativa é estafante. Por tal razão, fundaram uma Ordem dos Conscientes Ocasionais (cuja sigla ironicamente era OCO). Os membros da OCO queriam conhecer a essência do mundo e, ainda, perscrutar as verdadeiros valores que permitiam se chegar na eternidade.
Nenhum dos conscientes tinha a ilusão de serem permanentemente conscientes. Daí o justificado adjetivo contido no nome da organização: - ocasionais, e nesses lampejos de maturidade e intuição, articulavam a volta da poesia, dos poemas dispersos nas nuvens, esculpidos nas estrelas, e filosofias gigantes estendidas pelos ventos e sonorizadas pelas ondas do mar...
Desejavam a descoberta contínua da beleza e da verdade através da leitura homeopática e diária de poesias...
Para comemorarem a fundação da OCO todos tentavam pesquisar como fazer o pão... para cearem a mesa, com vinho orgânico e partilhar entre si, a compreensão, afeto e a saudade de todas as coisas inefavelmente humanas. Tais como errar, chorar, sorrir, brincar e simplesmente rimar amor com dor...
No encerramento da ceia todos confraternizavam: bravos e covardes, ricos e pobres, grandes e pequenos festejando a natureza através da bebedeira e entorpecimento mental como se todos fossem realmente iguais e igualmente sobreviventes e livres...
Ao final, meninas bonitas e vistosas embora travestidas de chacretes, andavam com uma tabuleta a desfilar pela festa: “ sorria pois você está sendo humano”. Será mesmo possível?
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