“Há algum poeta imperfeito que tentou definir em palavras o que é.
Esse alguém cometeu grande erro.
Chamar-te de qualquer coisa magnífica do universo, é pouco!
Mas isso decorre da imperfeição daquele que escreve. ”[1]
RESUMO: Este artigo aborda a inversão do ônus da prova em ações ambientais, tendo por base a interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça em consonância com as Leis 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente), 7.347 (Lei da Ação Civil Pública) e 8.078 (Código de Defesa do Consumidor), e com o princípio da precaução.
PALAVRAS-CHAVE: Meio ambiente. Inversão do ônus da prova. Princípio da Precaução.
ABSTRACT: This article approaches the inversion of proof onus in environmental actions, having basis in the interpretation gave for Superior Tribunal of Justice, in consonance with Laws 6.938/81 (National Politic of Environment), 7.347 (Law of Civil Public Action) and 8.078 (Consumer`s Defense Code) and with precaution principle.
KEYWORDS: Environment. Inversion of proof onus. Precaution Principle.
Introdução
A jurisprudência mais recente do STJ vem aplicando em vários casos, a regra de inversão do ônus da prova contida no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor a ações de cunho ambiental.
O tema, apesar de interessante, guarda grandíssima lacuna doutrinária, vez que é de recente surgimento no quadro jurisprudencial, por meio, essencialmente, dos Recursos Especiais 972.902, 1.049.822 e 1.060.753, publicados em fins de 2009.
É no intuito de trazer uma elucidação do posicionamento do STJ, e da procedência da interpretação aplicada, que o artigo tentará resumidamente expor as bases do instituto da inversão do ônus da prova no Brasil, sua aplicação, e motivos que têm determinado perante os Pretórios, a procedência em relação às questões ambientais.
Alguns aspectos do instituto da inversão do ônus da prova no Brasil
A regra, consubstanciada pela letra do art. 333 do CPC, é de que cabe ao autor a prova do fato constitutivo de seu direito, e ao réu, a demonstração de fato impeditivo, modificativo ou extintivo dele.
No intuito de trazer maiores garantias à parte mais fraca da relação de consumo, seguindo à regra emanada da Carta Magna no art. 5º, XXXII, a Lei 8.078/90, também chamada de Código de Defesa do Consumidor tratou de adotar no art. 6º, uma série de medidas protetivas, dentre as quais se insere a prevista no art. 6º, VIII, relativa à inversão do ônus da prova.
Tomando parte das palavras de Arruda Alvim em seu “Código do Consumidor Comentado”: “A inversão do ônus pra prova, a critério do juiz, é outra norma de natureza processual civil com o fito de, em virtude do ‘princípio da vulnerabilidade’ do consumidor procurar equilibrar a relação das partes [...].”(1995, p. 68-69). Conforme o mesmo autor, “Esta inversão significa que caberá ao réu (fornecedor) produzir o conjunto probatório que afaste as alegações do autor (consumidor), mesmo que este não tenha apresentado provas acerca de suas alegações. (idem)”
No campo das relações de consumo, o instituto mencionado não guarda grandes polêmicas, e tem sua aplicação bem sedimentada nos Tribunais. Desde que presentes os requisitos da verossimilhança da alegação[2] ou hipossuficiência[3], percebe-se que as Cortes vêm continuamente lançando mão de tal instituto. Vejam-se alguns julgados:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. HIPOSSUFICIÊNCIA DO CONSUMIDOR. Deve ser mantida a decisão em relação à inversão do ônus da prova quando presentes os requisitos previstos no art. 6º, VIII do CDC, quais sejam, a verossimilhança da alegação ou a hipossuficiência do consumidor. (TJMG- Agravo de Instrumento 100240778474320011 MG 1.0024.07.784743-2/001(1). Relator Des. Wagner Wilson. Publicado em 09 de abril de 2010.
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REVISÃO DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - RELAÇÃO DE CONSUMO - EXIBIÇÃO DE CONTRATO. NOS TERMOS DO ART. 6º, INCISO VIII, DA LEI 8.078/90, É DIREITO DO CONSUMIDOR "A FACILITAÇÃO DA DEFESA DE SEUS DIREITOS, INCLUSIVE A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA, A SEU FAVOR, NO PROCESSO CIVIL, QUANDO, A CRITÉRIO DO JUIZ, FOR VEROSSÍMIL A ALEGAÇÃO OU QUANDO FOR ELE HIPOSSUFICIENTE, SEGUNDO AS REGRAS ORDINÁRIAS DE EXPERIÊNCIA". ASSIM, CONSTATADA A VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E A HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA E TÉCNICA DO CONSUMIDOR, AFIGURA-SE LEGÍTIMA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. (TJDF - Agravo de Instrumento: AG 14748820108070000 DF 0001474-88.2010.807.0000. Relator Des. Sérgio Bittencourt. Órgão Julgador: 4ª Turma Cível. Publicação: 07/05/2010, DJ-e Pág. 157.)
AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL - VICIO OCULTO - PROVA PERICIAL - INVERSÃO DO ÔNUS - VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E HIPOSSUFICIÊNCIA TÉCNICA DO CONSUMIDOR - CABIMENTO - INTELIGÊNCIA DO ART. 6º, INC. VIII DO CDC Sendo verossímeis as alegações do consumidor quanto aos vícios do veículo adquirido, admissível inverta o julgador o ônus de produção da prova pericial, cumprindo às rés o seu custeio. (TJSP - Agravo de Instrumento: 990101692775 SP. Relator Des. Andrade Neto. Órgão Julgador: 30ª Câmara de Direito Privado. Publicação: 11/05/2010.)
Contudo, no que diz respeito às ações de cunho ambiental, a inversão do ônus probatório trata de seara nova. Apesar do respaldo dado pela legislação em vigência, que permite interpretação sistêmica das regras, é necessário que os requisitos e formas pelas quais pode operar sejam gradativamente aclarados. Nesse intuito, o tópico seguinte tentará brevemente adentrar na explanação dos principais argumentos utilizados pela jurisprudência do STJ, para a aplicação do instituto sob análise em procedimentos ambientais.
A inversão do ônus da prova em ações ambientais: análise dos requisitos apresentados nos julgados do STJ
Tomando por base os Recursos Especiais 972.902, 1.049.822 e 1.060.753, depreende-se que os fundamentos para concessão da inversão do ônus da prova em matéria ambiental prendem-se especificamente à verossimilhança da alegação, e aos princípios ambientais da precaução e direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
A inversão encontra respaldo na interpretação sistêmica entre a Constituição, e as leis de Política Nacional do Meio Ambiente (6., de Ação Civil Pública (7.347), e Código de Defesa do Consumidor (8.078).
A Carta Magna evidencia no art. 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Para a persecução de tal finalidade, o legislador possibilitou através da Lei 7.347, que o Ministério Público, Defensoria Pública e demais legitimados relacionados no art. 5º[4][5]adentrem com Ações Civis Públicas para resguardo e proteção do ambiente. Além disso, descreveu no art. 21, que na defesa de direitos e interesses difusos[6], são aplicáveis as regras do Código de Defesa do Consumidor.
Em complemento às normas da Lei 7.347, a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, diz no art. 14, §1º, que em casos de poluição, a responsabilidade da empresa é objetiva, o que significa que independente de comprovação da existência de culpa ou dolo, tem a obrigação de indenizar pelos danos causados. Sobre o assunto, ensina o Ministro Francisco Falcão em seu voto no REsp 1.049.822:
Por conseguinte, a adoção pela lei da responsabilidade civil objetiva, significou apreciável avanço no combate a devastação do meio ambiente, uma vez que, sob esse sistema, não se leva em conta, subjetivamente, a conduta do causador do dano, mas a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e ao ambiente. Assim sendo, para que se observe a obrigatoriedade da reparação do dano é suficiente, apenas, que se demonstre o nexo causal entre a lesão infligida ao meio ambiente e a ação ou omissão do responsável pelo dano. É no princípio da eqüidade que a responsabilidade objetiva encontra o seu fundamento principal, posto que "aquele que lucra ou se beneficia com uma determinada atividade, deve responder pelo risco e pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda ). Amorim, Carpena, A reparação de dano decorrente do crime – Editora Espaço Jurídico – Rio de Janeiro – 2000, p.32. (REsp 1049822/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/04/2009, DJe 18/05/2009).
Por sua vez, a letra do Código de Defesa do Consumidor diz de forma bem clara no art. 6º, VIII, que um dos mecanismos que podem ser usados para defesa em juízo, é a inversão do ônus da prova. Conforme demonstrado acima, isso significa que é possível, em ações consumeristas nas quais se prove existência da verossimilhança da alegação ou hipossuficiência da parte, que a contrária seja compelida a provar fato impeditivo, extintivo ou modificativo, sob pena de condenação.
Nas ações de cunho ambiental, a jurisprudência do STJ, além de levar em conta a verossimilhança da alegação para inversão do ônus da prova, tomou parte do princípio da precaução.
A precaução, conforme lembra o Aurélio (2004), trata de medida antecipada que visa a prevenção de algum mal. No caso do meio ambiente, isso significa, conforme lembra Machado (2001, p. 50), que: “Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência absoluta de certeza cientifica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental”. (2001, p.50.)
O entendimento que vem sendo sedimentado pelo STJ, leva em conta a imprescindível demonstração pela empresa poluidora, de que cientificamente sua atividade não trará prejuízos desastrosos ao ambiente. No artigo “Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental”, o Ministro Herman Benjamin, ao versar sobre o princípio da precaução disse que:
[...] diante da incerteza científica quanto à periculosidade ambiental de uma dada atividade, quem tem o ônus de provar sua inofensividade? O proponente ou o órgão público/vítima? Em outras palavras, suspeitando que a atividade traz riscos ao ambiente, devem o Poder Público e o Judiciário assumir o pior e proibi-la (ou regulá-la, impondo-lhe padrões de segurança rigorosos), ou, diversamente, deve a intervenção pública ocorrer somente quando o potencial ofensivo tenha sido claramente demonstrado pelo órgão regulador ou pelos representantes não-governamentais do interesse ambiental, amparados num raciocínio de probabilidades, ou, nos termos do Direito Civil codificado, num regime de previsibilidade adequada? [...] Com isso, pode-se dizer que o princípio da precaução inaugura uma nova fase para o próprio Direito Ambiental. Nela já não cabe aos titulares de direitos ambientais provar efeitos negativos (= ofensividade) de empreendimentos levados à apreciação do Poder Público ou do Poder Judiciário, como é o caso do instrumentos filiados ao regime de simples prevenção (p. ex., o Estudo de Impacto Ambiental); por razões várias que não podem aqui ser analisadas (a disponibilidade de informações cobertas por segredo industrial nas mãos dos empreendedores é apenas uma delas), impõe-se aos degradadores potenciais o ônus de corroborar a inofensividade de sua atividade proposta, principalmente naqueles casos em onde eventual dano possa ser irreversível, de difícil reversibilidade ou de larga escala. Noutro prisma, a precaução é o motor por trás da alteração radical que o tratamento de atividades potencialmente degradadoras vem sofrendo nos últimos anos. Firmando-se a tese – inclusive no plano constitucional – de que há um dever genérico e abstrato de não-degradação do meio ambiente, inverte-se, no campo dessas atividades, o regime de ilicitude, já que, nas novas bases jurídicas, esta se presume até prova em contrário. (Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 9, ano 3, p. 17-18, jan/mar. 1998).
Aplicando o princípio da precaução como uma das bases para inversão do ônus da prova, a Ministra Eliana Calmon, no REsp 972.902, que se repetiu no REsp 1.060.753, ensinou que:
A essas normas agrega-se o Princípio da Precaução. Esse preceitua que o meio ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida no caso de incerteza (por falta de provas cientificamente relevantes) sobre o nexo causal entre determinada atividade e um efeito ambiental negativo. Incentiva-se, assim, a antecipação de ação preventiva, ainda que não se tenha certeza sobre a sua necessidade e, por outro lado, proíbe-se as atuações potencialmente lesivas, mesmo que essa potencialidade não seja cientificamente indubitável. Além desse conteúdo substantivo, entendo que o Princípio da Precaução tem ainda uma importante concretização adjetiva: a inversão do ônus da prova. [...] , a partir da interpretação do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei 7.347/1985, conjugado ao Princípio da Precaução, justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente perigosa o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento. (STJ- REsp 972.902/ RS. Relatora Min. Eliana Calmon. 2ª Turma. Publicação: DJe 14/09/2009.)
Em similar sentido, declarou o Ministro Francisco Falcão na redação de seu voto no REsp 1.049.822/RS:
O princípio da precaução sugere, então, que o ônus da prova seja sempre invertido de maneira que o produtor, empreendimento, ou responsável técnico tenham que demonstrar a ausência de perigo ou dano decorrente do uso da referida substância, ao invés da agência de proteção ao meio ambiente ou os cidadãos terem que provar os efeitos nefastos de uma substância danosa à saúde humana ou ao ambiente. [...] A justificativa para essa interpretação baseia-se no fato de que, se posteriormente for comprovada a responsabilidade da empresa ou da pessoa denunciada pela degradação ambiental causada pela dita substância, seria tarde demais para impedir ou prevenir os seus nefastos efeitos. Neste sentido, é melhor errar em favor da proteção ambiental do que correr sérios riscos ambientais por falta de precaução dos agentes do Estado. 17. Por fim, ratificando o entendimento do Parquet estadual (fl. 369), diante do princípio da precaução e da internalização dos riscos, inerentes à responsabilização objetiva, deverá a parte ré provar a existência ou irrelevância dos danos, bem como arcar com os custos para identificar o grau da degradação ambiental e as medidas mitigadoras dos impactos que serão necessárias, bastando ao Ministério Público provar a potencialidade lesiva da atividade. (REsp 1049822/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/04/2009, DJe 18/05/2009).
Note-se que é a tendência que vem sendo seguida pelos Tribunais dos Estados, que em vários recursos têm mantido a aplicação da inversão do ônus probatório, quando trata de matéria ambiental:
O meio ambiente significa o conjunto de bens da natureza, de uso comum do povo, que são de toda a coletividade, incorpóreos, indisponíveis, indivisíveis, inalienáveis, essenciais à vida e à dignidade da pessoa humana, sem valor de mercado, cujos danos são de difícil ou impossível reparação. O meio ambiente é de interesse público, as normas de seu sistema são cogentes. Determina o art. 225, caput, da Constituição Federal: "Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações". Assim, plenamente aplicável a inversão do ônus da prova, em matéria ambiental, desde que presentes os requisitos da verossimilhança das alegações ou a hipossuficiência do autor. Em suma, presentes os requisitos do art. 6º, inc. VIII, do CDC, a inversão se torna possível porque o sistema de proteção processual ambiental autoriza conforme exposto. (TJPR- Agravo de Instrumento 4866253 PR 0486625-3. Relator Des. Fábio André Santos Muniz. Publicado em 28 de abril de 2009.)
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DANO AMBIENTAL - DESTRUIÇÃO DE FLORESTA NATIVA CONSIDERADA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - ANTECIPAÇÃO DE TUTELA QUE SE IMPÕE PARA EVITAR O AUMENTO DO JÁ DETECTADO DANO AO MEIO AMBIENTE - INVERSAO DO ÔNUS DA PROVA APLICÁVEL TAMBÉM NO ÂMBITO DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE - PRECEDENTE SOBRE O TEMA. Agravo provido. (Agravo de Instrumento Nº 70012393203, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: João Carlos Branco Cardoso, Julgado em 11/01/2006).
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - POSSIBILIDADE - ANALOGIA COM O ART. 6º, VIII, DO CDC - RECURSO DESPROVIDO. O meio ambiente é bem de uso comum do povo, pertencente a toda a coletividade, incorpóreo, indisponível, indivisível, inalienável, impenhorável, essencial à qualidade de vida e à dignidade da pessoa humana, sem valor pecuniário, cujos danos são de difícil ou impossível reparação. A produção de prova pericial, seu custo, ante a inversão e tendo sido pedida também pelo requerido, deve por este ser suportado. Interpretação sistemática do art. 6º, inc. VIII, do CPC, art. 33 do CPC, art. 18 da Lei 7347/85. Invertido o ônus da prova a isenção de antecipação atinge somente o autor da ação civil pública. (TJPR - 4ª C.Cível - AI 0484295-7 - Foro Regional de São José dos Pinhais da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Juiz Subst. 2º G. Fabio Andre Santos Muniz - Unânime - J. 17.02.2009).
EMENTA: AÇÃO CAUTELAR DE PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - DANO AMBIENTAL - HONORÁRIOS PERICIAIS.- É cabível a inversão do ônus da prova no Direito Ambiental, com base nos princípios da precaução e da prevenção, e na responsabilidade objetiva daquele que explora os recursos minerais.- A inversão do ônus da prova não tem o efeito de impor ao réu o encargo de custear uma perícia requerida pelo autor, porquanto não se confunde "ônus da prova" com "ônus de custear sua realização. (TJMG- Agravo de Instrumento 105210605165930011 MG 1.0521.06.051659-3/001(1). Relator Des. Fábio Maia Vianini. Publicado em 13 de abril de 2007.)
Diante dos julgados referidos, depreende-se que a inversão do ônus da prova em matéria ambiental, segundo o STJ e demais Tribunais, resguarda o direito da coletividade de saber dos possíveis danos de alguma ação, além de permitirem ao poluidor comprovar em efetivo, que sua atividade não é prejudicial ao meio.
A atitude inversora tenta seguir especificamente a regra do caput do art. 225, que preza pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, e deve preceder à ações potencialmente lesivas. Tal preceito, pelo que é possível perceber, vem sendo base de toda fundamentação presente na forma que o Poder Judiciário tem com o ambiente principalmente após a Constituição de 1988[7].
Algumas reflexões sobre a inversão do ônus da prova em ações ambientais.
A inovação trazida pelo STJ guarda grande polêmica principalmente diante do ramo empresarial, que continuamente se vê abalado por inúmeras medidas que impõem a inversão do ônus da prova em ações consumeristas, e pesadas indenizações a consumidores lesados por erros culposamente ocorridos.
Apesar das reclamações, os argumentos acima mencionados não podem subsistir a interesse que diz respeito à coletividade. No caso, todos são titulares e têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, de forma que as atitudes que lhe possam ser prejudiciais, devem ser evitadas de plano.
Medida como a tomada pelo STJ nos REsp`s avaliados, nos quais entendeu pela inversão do ônus da prova obrigado empresas a demonstrarem que suas atividades não são prejudiciais, tratam de mecanismo imprescindível para que o zelo com o ambiente seja coerentemente mantido por organizações que muitas vezes apenas visam lucro. Conforme elucidado no artigo “Ética Ambiental: um dos grandes desafios do homem contemporâneo”:
As conseqüências que as sociedades mundiais vêm recentemente experienciando com os reflexos sobrevindos de sua relação acomedida com o meio ambiente, têm gradualmente contribuído com a inviabilidade da própria existência. [...] Culpa plena ou solidária do paradigma antropocêntrico conexo à visão dominadora na relação do homem com o ambiente, o problema do entorno pende de mecanismos que imputem uma eticidade cabal no tocante à vinculação da humanidade com o meio, pois adversamente, as conseqüências prolatadas constantemente em inúmeros veículos de comunicação e estatísticas, propiciarão o irretomável fim da biosfera. (PEREIRA, 2008, p.195-196.)
O ensinamento trazido com os julgados, que coerentemente continuarão a se disseminar dentre os Pretórios, precisa ser usado como lição para que empreendimento com atividades de alto risco ao meio ambiente sejam compelidos a demonstrar que não são prejudiciais.
A precaução é verdadeiramente necessária, pois como diz o velho ditado, é preferível prevenir algum mal a ter que remediá-lo. Importante que o poder judiciário tome medidas que obriguem as empresas a demonstrar a probidade ambiental de suas atividades, a ter que posteriormente arcar com danos oriundos de tais faazres.
Não são raros os casos em que o Poder Público acaba pagando pelos problemas causados com atividades desenvolvidas sem respeito às normas ambientais. É assim com a poluição desenfreada de nascente, com a poluição sonora, poluição do ar, construções irregulares...
A aplicação sistêmica entre Constituição Federal, Lei de Política Nacional do Meio Ambiente, Lei de Ação Civil Pública e Código de Defesa do Consumidor em prol do meio ambiente, demonstra a evidente evolução pela qual a legislação pátria vem passando, em prol de interesses voltados ao resguardo daqueles direitos fundamentais elencados na Carta Magna, em específico, aquele direito ao ambiente ecologicamente equilibrado.
Considerações Finais:
A inversão do ônus da prova em matéria ambiental, desde que resguardadas as devidas proporções, deve ser tomada pelos juízes para que o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado possa ser efetivamente resguardado à coletividade.
O STJ, com a aplicação de tal instituto nos casos mencionados, trouxe grande luz à complexa questão do ônus da prova nas ações ambientais. Em regra, deveria caber ao proponente a demonstração de que a atividade empresarial tem cunho danoso, sob pena de improcedência da ação. Acontece que muitas vezes as empresas se acobertam em inúmeros recursos e argumentos jurídicos para omitirem-se da responsabilidade. No caso de inversão do ônus probatório, a questão toma novo rumo, pois são compelidas a demonstrar que seu trabalho não traz prejuízos ao meio, sob pena de condenação.
Espera-se que com a aplicação da regra do art. 6º, VIII, do CDC, as empresas passem a tomar maior precaução no momento de desenvolver suas atividades. Diante da nova ótica aplicada pelo STJ, terão que ser mais zelosas, para que ao serem compelidas a demonstrar a salubridade de seu trabalho, não acabem por se auto-incriminarem.
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[1] PEREIRA, Pedro H. S. Te Definir. Disponível em: http://br.olhares.com/meu_almoco_foto3755510.html Acesso em 18 de junho de 2010.
[2] Significa que aquelas provas trazidas aos autos pela parte, conduzem, provavelmente a um juízo de certeza quanto ao pedido formulado. Segundo José Augusto Delgado em seu artigo “Reflexões sobre os efeitos da tutela antecipada”: “Pelo visto, o juízo de verossimilhança aproxima-se de um juízo de probabilidade. Cabe, então, ao juiz avaliar as alegações e concluir pela sua aproximação com a verdade, em face dos princípios e regras do ordenamento jurídico, especialmente, no que toca à situação concreta examinada.” (2010.)
[3] Hipossuficiência, conforme o Aurélio (2004) diz respeito à condição monetária mais fraca.
[4] Conforme ensina
[5] Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I – o Ministério Público;
II – a Defensoria Pública;
III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;
V – a associação que, concomitantemente:
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
[6] O meio ambiente trata de direito difuso, pois como bem lembra Celso Antônio Pacheco Fiorillo (2006 p.3-5) e a letra do art. 81 do CDC, é transindividual, de natureza indivisível, e tem como titulares, pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.
[7] Importante destacar que o STF, a título de exemplo, tomou decisão importantíssima ao não conhecer o MS 25.284. No caso, o noticiário do STF informou que “Decreto do presidente da República que criou a reserva extrativista Verde Para Sempre, declarando de interesse social para fins de desapropriação todos os imóveis rurais no limite da reserva, foi mantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF). As terras estão localizadas no município Porto de Moz, no Pará, em área com 1 milhão, 288 mil e 717 hectares, situada no Baixo Xingu. O espaço foi considerado de relevante interesse ecológico e social à exploração sustentável e à conservação dos recursos naturais. Os ministros, por unanimidade dos votos, indeferiram pedido feito por 54 proprietários e detentores de terras no Mandado de Segurança (MS) 25284. Eles solicitavam a nulidade do decreto presidencial, de 9 de novembro de 2004, sob alegação de que o processo administrativo que fundamentou a criação da reserva teria sido conduzido de forma equivocada, pois a própria Advocacia Geral da União concluiu que o quadro fundiário da região não estava totalmente esclarecido, exigindo melhor análise dos títulos de domínio. [...] O ministro Marco Aurélio (relator) ressaltou que a propriedade de nítido caráter individual não é um direito absoluto. Segundo ele, a Constituição Federal previu em seu artigo 225* caber ao Poder Público definir em todas as unidades da federação espaços territoriais a serem protegidos. No entanto, a alteração ou a supressão dessas áreas para conservação ambiental deve ser feita somente por meio de lei, “vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos a justificarem sua proteção”. “A proteção à propriedade não se sobrepõe ao interesse comum. Tanto é assim que a garantia constitucional respectiva está condicionada à função social versando-se procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro”, disse o relator. Ele observou que a previsão constitucional está voltada ao coletivo, ao bem comum, e não distingue áreas a serem protegidas, mas alcança as terras devolutas e também a propriedade privada.” (STF, 2010.)
Licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São João del-Rei. Professor de Filosofia. Bacharel em Direito Pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves. Pós graduado em Direito Público e Educação Ambiental. Advogado Militante. Membro da Academia Sanjoanense de Letras. Contato: [email protected]
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Pedro Henrique Santana. Reflexões sobre a inversão do ônus da prova em ações de cunho ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2010, 01:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20160/reflexoes-sobre-a-inversao-do-onus-da-prova-em-acoes-de-cunho-ambiental. Acesso em: 22 nov 2024.
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