1.1 Princípio da constitucionalidade e decisões judiciais inconstitucionais
A Constituição de um Estado vocaciona-se à estruturação do Poder, fornecendo-lhe os contornos de atuação e limites de sua atividade. É o corpo normativo máximo de uma sociedade, encontrando-se acima dos próprios governantes e traduzindo-se em instrumento de garantia dos direitos dos cidadãos. Por essa razão, cada um de seus preceitos é dotado de superioridade absoluta em relação aos atos, normativos ou não, do Poder Público ou de particulares, praticados sob a sua vigência, atos estes que dela extraem o fundamento de sua validade.
Eis o princípio da supremacia da Constituição, ou princípio da constitucionalidade, segundo o qual todos os atos devem obediência aos preceitos constantes da Carta Magna, sob pena de serem declarados inválidos. Por óbvio, não se excluem deste dever de obediência os atos jurisdicionais, os quais se sujeitam a instrumentos previstos no ordenamento para sanar eventuais inconstitucionalidades.
Ocorre que, esgotado o prazo para ajuizamento da ação rescisória, forma-se a denominada coisa soberanamente julgada, a qual, em tese, cristaliza-se e não pode mais ser objeto de discussão. Neste ponto, faz-se necessária e oportuna a análise da natureza jurídica do referido instituto.
1.2 A natureza de princípio constitucional da coisa julgada
Parcela minoritária da doutrina entende que o art. 5º, XXXVI da Constituição da República, ao dispor que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, limita-se a emitir um comando direcionado apenas ao legislador, impedindo que leis posteriores a um julgado possam atingi-lo. Seria, portanto, tema de direito intertemporal, mera positivação dos princípios da não-surpresa e da irretroatividade da lei nova, não impedindo a revisão de decisões inconstitucionais transitadas em julgado.[1]
Contudo, esta não nos parece a melhor posição.
Entendemos que o instituto da coisa julgada configura um princípio constitucional,[2] enquanto corolário do valor segurança jurídica inerente a todo Estado Democrático de Direito. É cediço que, para que este esteja plenamente configurado, é imprescindível a garantia de estabilidade jurídica, de segurança de orientação e realização do Direito. Assim, tendo a Carta de 1988, em seu art. 1º, caput, qualificado o Estado brasileiro como Estado Democrático de Direito, impensável seria que a coisa julgada, elemento essencial a este, não fosse também assegurada.
Assim manifesta-se o professor Leonardo Greco:
A segurança jurídica é o mínimo de previsibilidade necessária que o Estado de Direito deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes.[3]
Não resta dúvida da relevância do instituto para a manutenção da paz social. Embora a finalidade do processo, enquanto instrumento destinado à composição da lide, seja fazer justiça, a procura desta não pode ser infinita e forçosa é a imposição de um limite, por exigência de ordem pública.[4] Portanto, a autoridade da coisa julgada:
não pode ser interpretada de forma restritiva, resultando imune apenas contra atos futuros do Poder Legislativo, vez que seu propósito é outorgar estabilidade às relações jurídicas e (indaga-se!) de que valeria ser a relação jurídica estável apenas contra a lei, não o sendo contra atos do Poder Executivo ou do próprio Poder Judiciário?[5]
Não obstante isso, e exatamente por configurar um princípio constitucional, revela-se incorreto rotular o instituto como algo absoluto. Por isso, vem se defendendo hoje a possibilidade de ‘relativizar’[6] a coisa julgada, o que se mostra perfeitamente possível quando esta se apresenta em confronto com outro princípio constitucionalmente tutelado de maior ou igual valor no caso concreto, conforme restará demonstrado adiante.
1.3 Juízo de proporcionalidade entre princípios constitucionais e desconstituição da coisa julgada inconstitucional
Princípios são normas jurídicas que incorporam valores, apresentando grau de generalidade e de abstração superior ao das regras. A própria palavra princípio remete à idéia de verdades primeiras, aquilo que está no começo de tudo, a base.[7] Dessa significação pode-se extrair que os princípios dão coesão, unidade e imprimem harmonia ao sistema, desempenhando, muitas vezes, o papel de vetores interpretativos.[8]
Em função do grau de generalidade e abstração que possuem, os princípios comportam uma série indefinida de aplicações, o que termina por possibilitar que dois ou mais princípios incidam sobre uma mesma situação, por vezes sinalizando em direções opostas. Tal ocorrência é potencializada pela variedade de opções políticas presentes hoje em uma mesma Constituição, a qual deve retratar a sociedade plural em que se insere.[9] Diante disso, afirma-se que os princípios possuem uma dimensão de peso, o qual será identificado em cada caso concreto para que se alcance uma solução de maneira a não sacrificar nenhum dos princípios colidentes, sempre que possível.[10] A coisa julgada, enquanto princípio constitucional, insere-se nesse contexto.[11]
Entretanto, alguns doutrinadores defendem que somente é possível mitigar o princípio em questão quando tal estiver expressamente previsto no sistema, e não segundo o prudente arbítrio do magistrado.[12] Sustentam que a coisa julgada articula-se com o devido processo legal, razão pela qual só pode haver ingerência da atividade judicial na esfera pessoal dos jurisdicionados quando a lei autorizar, e pelos meios e sob as condições que ela determinar.[13]
Filiando-se a este entendimento, expõe Barbosa Moreira:
Desde que ela [coisa julgada] se configure, já não há lugar – salvo expressa exceção legal – para indagação alguma acerca da situação anterior. Não porque a res iudicata tenha a virtude mágica de transformar o falso em verdadeiro (ou, conforme diziam textos antigos em termos pitorescos, de fazer do quadrado redondo, ou do branco preto), mas simplesmente porque ela torna juridicamente irrelevante – sempre com a ressalva acima – a indagação sobre falso e verdadeiro, quadrado e redondo, branco e preto.[14]
Com a devida vênia, permitimo-nos discordar do douto professor. Segundo seu entendimento, a coisa julgada não seria capaz de transformar o falso em verdadeiro, apenas o tornaria juridicamente irrelevante, exceto nos casos em que a lei autoriza o uso da ação rescisória. Mesmo nestes casos, ultrapassado o prazo decadencial de dois anos, aquilo que possuía relevância jurídica, no entender do autor, passaria a ser irrelevante. Ou seja, o falso não se transformaria em verdadeiro no mundo dos fatos, mas apenas no mundo jurídico, o que, na prática, produz exatamente os mesmos nefastos efeitos na sociedade. Cria-se uma ficção jurídica para tornar irrelevante aquilo que para o homem médio, que nada entende de leis, é inaceitável. E considera-se que algo que era relevante, do ponto de vista jurídico, passa a não sê-lo unicamente em função do esvaimento de um prazo cujo termo inicial foi erroneamente disciplinado pelo legislador!
Não nos parece que o falso possa ser considerado juridicamente irrelevante quando é notório que o verdadeiro, se prevalecesse, produziria efeitos jurídicos totalmente diversos dos produzidos por aquele. Vale dizer, ainda, que a ordem jurídica foi criada para regular o mundo dos fatos, não sendo desejável que possa deste se desvincular a ponto de criar e fazer prevalecer decisões absolutamente teratológicas.
A situação revela-se ainda mais inadmissível quando estão em jogo normas constitucionais, pois como é possível conceber que a violação de normas estatuídas pela Lei Fundamental, da qual todos os atos do Poder Público e dos particulares extraem sua validade, seja considerada juridicamente irrelevante!?!?
Além disso, desnecessário dizer que é absolutamente inviável que o legislador preveja todas as situações que poderiam ser classificadas como juridicamente relevantes com o fim de permitir a revisão da coisa julgada. Ressalte-se que, sendo o atual Código de Processo Civil de 1973, certamente muitas situações que hoje constariam do rol do art. 485 sem gerar controvérsias não puderam ser previstas pelo legislador de então.
Por tudo isso, ousamos divergir do professado pelo grande mestre Barbosa Moreira, para sustentar que a mitigação da coisa julgada tanto pode se dar por norma infraconstitucional como pode ser inferida do sistema,[15] ficando a cargo do magistrado.
O entendimento esposado impõe-se ainda, e principalmente, em razão do princípio da unidade da Constituição. Sendo a Carta Magna o produto dialético do confronto de crenças, interesses e aspirações distintos, deve o seu intérprete buscar sempre harmonizar os diversos dispositivos constitucionais, compreendendo cada norma à luz das demais e constituindo um todo coerente e coeso, de forma a preservar a soberania do Estado, que não admite a coexistência de mais de uma ordem jurídica válida e vinculante no âmbito de seu território.
Para alcançar tal harmonia, deve-se recorrer ao método da ponderação de princípios[16], que pode ser definido como a:
operação hermenêutica pela qual são contrabalançados bens ou interesses constitucionalmente protegidos que se apresentem em conflito em situações concretas, a fim de determinar, à luz das circunstâncias do caso, em que medida cada um deles deverá ceder ou, quando seja o caso, qual deverá prevalecer.[17]
Inicialmente, a técnica era vista pelos juristas com certo receio, em função da ausência de critérios minimamente objetivos, ao contrário do que é verificado na concordância prática, doutrina alemã cujo principal instrumento é o princípio da proporcionalidade. Posteriormente, contudo, passou-se a identificar ambas as técnicas, pregando-se que “a ponderação deve, sempre que possível, buscar a concordância prática”.[18] Portanto, incumbe ao intérprete, sempre que se deparar com um conflito entre princípios, recorrer ao princípio da proporcionalidade.[19]
A doutrina alemã, berço do princípio da proporcionalidade, o decompôs em três subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Para que uma medida seja considerada proporcional, deve obrigatoriamente ultrapassar estas três fases, analisadas nesta ordem por razões práticas.
O subprincípio da adequação ou idoneidade exige que a medida emanada do Poder Público seja apta a atingir os fins que a inspiraram; o subprincípio da necessidade impõe que o Poder Público adote sempre a medida menos gravosa possível – e igualmente eficaz – para alcançar determinado objetivo; e o subprincípio da proporcionalidade em sentido estrito determina a análise da relação custo-benefício ao se adotar a medida restritiva, ou seja, o ônus imposto por ela deve ser inferior ao benefício gerado.[20]
Por todo o exposto, não resta dúvida de que a coisa julgada pode ser desconstituída diante da necessidade de se preservar, em uma dada situação, outros princípios de igual ou maior importância. Porém, faz-se imprescindível salientar que tal somente poderá ocorrer quando vulnerado algum preceito constitucional, e não a partir da mera alegação de injustiça da decisão[21], como defendem muitos autores, seja de forma proposital ou decorrente de uma involuntária abreviação do pensamento, o que sói acontecer com relativa freqüência.[22]
Por fim, vale trazer à baila os ensinamentos de Teresa Wambier e José Medina:
Quem fica com a possibilidade de impugnar tais decisões opta não só pelo valor justiça, mas pelos valores justiça e segurança, num sentido um pouco diverso do tradicional. Segurança, com os olhos voltados para o futuro, segurança no sentido de previsibilidade. É só parcialmente verdadeiro dizer-se que quem opta pela imutabilidade ou pela impossibilidade de se impugnarem decisões baseadas em leis tidas (incidenter tantum, reiteradamente) por inconstitucionais estaria optando pelo valor segurança. Que segurança é essa? Segurança da subsistência do que já há, do que já existe, do que já é conhecido, ainda que não se trate do melhor? Segurança com os olhos voltados só para o passado?
A segurança pela qual optamos, que não é a segurança por si mesma, mas a segurança de se ter conseguido o melhor, portanto segurança com conteúdo.[23]
E Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro, seguindo esta mesma linha, lecionam: “Pensar-se um sistema para o controle da coisa julgada inconstitucional é, ao contrário de negar, reforçar o princípio da segurança jurídica, visto não haver insegurança maior do que a instabilidade da ordem constitucional.”[24]
[1] THEODORO JÚNIOR, Humberto e FARIA, Juliana Cordeiro de. A coisa julgada inconstitucional e os instrumentos processuais para seu controle. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p.87; DELGADO, José Augusto. Efeitos da coisa julgada e os princípios constitucionais. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 32; TESHEINER, José Maria. Eficácia da sentença e coisa julgada no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 237-238; NASCIMENTO, Carlos Valder do. Coisa julgada inconstitucional. In: Id. (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 7; LIMA, Paulo Roberto de Oliveira. Contribuição à teoria da coisa julgada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 84-86.
[2] Neste sentido: PORTO, Sérgio Gilberto. Cidadania processual e relativização da coisa julgada. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, Porto Alegre, v. 22, 2003. p. 5; CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada material. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 193-194; MARINONI, Luiz Guilherme. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (a questão da relativização da coisa julgada material). In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 241; GÓES, Gisele Santos Fernandes. A “relativização” da coisa julgada: exame crítico (exposição de um ponto de vista contrário) In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 145; NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 867; ZAVASCKI, Teori Albino. Embargos à execução com eficácia rescisória: sentido e alcance do art. 741, parágrafo único do CPC In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 331-332.
[3] GRECO, Leonardo. Eficácia da declaração erga omnes de constitucionalidade ou inconstitucionalidade em relação à coisa julgada anterior In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 224. Neste sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do processo civil moderno. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 1145 apud WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito direito e de ação rescisória: recurso extraordinário, recurso especial e ação rescisória: o que é uma decisão contrária à lei?. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 36; NOJIRI, Sérgio. Crítica à teoria da relativização da coisa julgada. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 314-315; MOREIRA, José Carlos Barbosa. Considerações sobre a chamada “relativização” da coisa julgada material. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 206-208; THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. Reflexões sobre o princípio da intangibilidade da coisa julgada e sua relativização. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 165.
[4] SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1, p. 45; MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974. p. 127.
[5] PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 60. Neste sentido: DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada material. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 54-55; MARQUES, José Frederico. Manual de direito processual civil. 2. ed. atual. por Vilson Rodrigues Alves. Campinas: Millennium, 1998. v. III., p. 328-329; ARMELIN, Donaldo. Flexibilização da coisa julgada. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 200.
[6] Entendemos que o termo ‘relativização’ não é o mais adequado para designar o fenômeno, já que se partiria do pressuposto de que o instituto da coisa julgada é absoluto. O que se pretende, em verdade, é ampliar o terreno relativizado, alargar os limites da relativização. (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., p. 199) Também não concordamos com o termo desconsideração, haja vista que não nos parece correta a tese segundo a qual qualquer juízo poderia simplesmente ignorar a decisão coberta pela autoridade da coisa julgada e proferir uma nova decisão, ainda que em confronto com aquela. Pensamos que tal solução geraria um grau de insegurança insustentável em um Estado Democrático de Direito. Assim, ficamos com os termos ‘desconstituição’ ou ‘revisão’ da coisa julgada, operação que deverá ser realizada por meio de instrumentos próprios que lhe garantam alguma uniformidade e preservem minimamente a segurança jurídica.
[7] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 57.
[8] MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Relativização da coisa julgada. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 347.
[9] Cf. Norberto Bobbio, citado por PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Interpretação constitucional e direitos fundamentais: uma contribuição ao estudo das restrições aos direitos fundamentais na perspectiva da teoria dos princípios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 222: “nossos sistemas jurídicos não são sistemas éticos unitários [...]; eles não se fundam num único postulado ético, ou sobre um grupo de postulados coerentes, mas sistemas com muitos valores e esses são muitas vezes antinômicos entre si.”
[10] V. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2000. p. 45.
[11] ZAVASCKI, Teori Albino. Ação rescisória em matéria constitucional. In: NERY JÚNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos cíveis e de outras formas de impugnação à decisão judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. v. 4. p. 1045.; MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1983. v. 2. p. 494-495 apud BERALDO, Leonardo de Faria. A relativização da coisa julgada que viola a Constituição. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 137; THEODORO JUNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. O tormentoso problema da inconstitucionalidade da sentença passada em julgado. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 321.
Tanto é assim que o próprio ordenamento jurídico previu abrandamentos ao princípio da coisa julgada, tais como a ação rescisória, os embargos do devedor na execução por título judicial, a coisa julgada secundum eventum litis (art. 18, LAP; art. 16, LACP; art. 103, CDC) e a revisão criminal, a qual não se encontra sequer sujeita a prazo, dada a relevância do direito em causa – a liberdade – o que, ao contrário do que alardeiam alguns no âmbito civil, não gera uma crise social intolerável.
[12] GÓES, Gisele Santos Fernandes. A “relativização” da coisa julgada: exame crítico (exposição de um ponto de vista contrário) In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006., p. 145.
[13] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., p. 208. Neste sentido: NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Op. cit., p. 868.
[14] MOREIRA, José Carlos Barbosa. Op. cit., p. 204.
[15] CÂMARA, Alexandre Freitas. Op. cit., p. 194.
[16] BARCELLOS, Ana Paula de. Ponderação, racionalidade e atividade jurisdicional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 23; BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 358.
Os critérios clássicos de resolução de antinomias (cronológico, hierárquico e especialidade), porque buscam excluir uma das normas em confronto para que a outra prevaleça e a esta se subsuma a situação concreta analisada, não podem ser aplicados, pois violar-se-ia frontalmente o princípio da unidade da Constituição.
Contudo, não há unanimidade na doutrina acerca do tema, havendo críticas ao método ponderativo em razão da ausência de parâmetros para verificar a correção da ponderação realizada, da possibilidade de arbitrariedades, de sua excessiva imprevisibilidade e da violação ao princípio da separação de Poderes, pois a ponderação estaria a cargo somente do Poder Legislativo. São citados como métodos alternativos a doutrina dos limites imanentes, o conceptualismo e a hierarquização; porém, entendemos que tais teorias não escapam de empregar um raciocínio ponderativo em algum momento, seja na determinação dos limites lógicos de cada conceito, na construção do conceito do direito ou na formulação da escala hierárquica, sendo que não conferem ao processo de decisão a mesma transparência verificada na técnica da ponderação, que traz a lume os juízos de valor efetuados pelo magistrado. (Cf. BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit., p. 59-72)
Acrescente-se que não se pode confundir a hierarquização com a ponderação abstrata – definitional balancing –, a qual se contrapõe à chamada ad hoc balancing. Esta descreve a ponderação levada a cabo pelo juiz no caso concreto, independentemente de qualquer parâmetro ou standard anterior e abstrato que o vincule; já aquela é empreendida de modo desvinculado de casos concretos; estabelecem-se critérios para a compatibilização de princípios constitucionais potencialmente colidentes (SARMENTO, Daniel. Op. cit., p. 109-110). Ao contrário da hierarquização, entendemos que a ponderação abstrata não deve ser rechaçada; é desejável que a técnica desenvolva-se também antes do surgimento do caso concreto, em abstrato ou preventivamente, por meio da discussão de casos hipotéticos ou passados, de maneira que o juiz, ao se defrontar com casos reais, tenha balizas pré-fixadas, embora nem sempre os parâmetros concebidos em abstrato possam solucionar adequadamente um conflito normativo concreto. Ao menos o magistrado contará com um conjunto de standards, cabendo-lhe justificar eventual inadequação destes, ou a necessidade de algum tipo de adaptação, em uma situação específica (BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit., p. 147-152). Consideramos ser este um eficaz mecanismo contra o subjetivismo inerente ao processo de ponderação, reduzindo a possibilidade de ocorrerem arbitrariedades.
[17] PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit., p. 261.
[18] BARCELLOS, Ana Paula de. Op. cit., p. 84.
[19] Observe-se a advertência feita pelo jurista alemão Robert Alexy no sentido de que a proporcionalidade não é, na realidade, um princípio, no sentido anteriormente exposto. (PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Op. cit., p. 322) Porém, tendo em vista o fato de tal nomenclatura já estar arraigada em nosso meio jurídico, não vemos problema em continuar a utilizá-la, caracterizando a proporcionalidade como um princípio constitucional instrumental que estabelece uma estrutura de aplicação de outros princípios.
[20] Ibid., p. 324-346.
Vale lembrar que, ao optar por um dos princípios, o intérprete não está rechaçando o outro do sistema e, preferencialmente, nem mesmo do caso concreto analisado, já que podem ser aplicados em maior ou menor grau. Diz-se preferencialmente porque hipóteses haverá em que a harmonização dos princípios, a despeito de todo o esforço empregado, revelar-se-á absolutamente inviável. Nestes casos, um dos princípios em confronto deverá ceder espaço ao outro, sempre com a ressalva de que não será expelido da ordem jurídica, e sim afastado naquele caso concreto. (Ronald Dworkin apud BERALDO, Leonardo Faria de. Op. cit., p. 127)
[21] A noção de justiça como senso comum guarda evidente inconsistência. Afinal, o conceito se presta para justificar interesses antagônicos: “o autor sempre pede em nome da ‘justiça’, o réu sempre contesta em nome da ‘justiça’, o juiz sempre decide em nome da ‘justiça’ e o tribunal sempre reforma em nome da ‘justiça’.” (NOJIRI, Sérgio. Crítica à teoria da relativização da coisa julgada. In: DIDIER JÚNIOR, Fredie (org.). Relativização da coisa julgada: enfoque crítico. Salvador: JusPODIVM, 2006. p. 314-315, p. 324) Portanto, aceitar a alegação abstrata de injustiça geraria uma insegurança maior que a provocada por uma decisão injusta. (V. CÂMARA, Alexandre Freitas. Bens sujeitos à proteção do Direito Constitucional Processual. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 287; JAUERNIG, Othmar. Direito Processual Civil. Tradução portuguesa F. Silveira Ramos. Coimbra: Almedina, 2002. p. 335-336 apudCoisa Julgada Inconstitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2003. p. 194-195; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Op. cit., p. 55: “Hoje, cobra-se do juiz uma decisão justa e funcional. O juiz deve, pois, optar por uma concretização da idéia de justiça que esteja embutida no sistema jurídico.”) CÂMARA, Alexandre Freitas. Relativização da coisa julgada material. In: NASCIMENTO, Carlos Valder do (Coord.).
[22] SILVA, Juary C. Responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais. Revista de Direito Público, São Paulo, n. 20, p. 170, abr./jun. 1972.; NASCIMENTO, Carlos Valder do. Op. cit., p. 2; DINAMARCO, Cândido Rangel. Op. cit., p. 39.
[23] MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p.71
[24] THEODORO JÚNIOR, Humberto; FARIA, Juliana Cordeiro de. Reflexões sobre o princípio da intangibilidade da coisa julgada e sua relativização In: NASCIMENTO, Carlos Valder do; DELGADO, José Augusto (Coord.). Coisa Julgada Inconstitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 164.
Advogada. Pós-graduada em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WOLFF, Tatiana Konrath. Coisa julgada inconstitucional e possibilidade de sua desconstituição Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jul 2010, 09:46. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/20438/coisa-julgada-inconstitucional-e-possibilidade-de-sua-desconstituicao. Acesso em: 22 nov 2024.
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