Coautora: Denise Vicente de Almeida
Programa de Graduação em Direito da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Três Lagoas
RESUMO: Diante do contexto atual em que se encontra inserida a sociedade moderna, emergida em um constante e crescente processo de globalização, várias transformações foram propulsionadas, especialmente no que diz respeito aos impactos ambientais e seus conseqüentes desastres e perturbações a vida na Terra. É de destacar o Meio Ambiente como bem jurídico estritamente ligado a qualidade de vida e forma de desenvolvimento social, estabelecendo-se como bem difuso. Assim, por intermédio da tutela fragmentária, revelada, sobretudo em alguns bens de relevante dignidade criminal, o Direito Penal resplandece como agente capaz de promover-lhe a devida tutela. Com isso, este trabalho busca trazer uma contribuição ao estudo dos fundamentos, fins e limites da pena nos delitos ambientais, demonstrando elementos sobre a necessidade de intervenção penal na tutela do meio ambiente.
Palavras-Chave: Direito Penal do Ambiente; Fundamentação; Finalidade e limites das penas.
1. INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea apresenta uma serie de reivindicações, as quais se relacionam com exigências de bem-estar. Por outro lado, o contexto atual implica uma série de riscos, principalmente no que respeita ao clima da Terra e ao ambiente, como um todo. Diante desse novo contexto social, predominantemente globalizado, grandes transformações e inovações vão se consolidando no meio populacional, ocasionando significativos impactos sobre a vida e o ambiente.
Nessa perspectiva, o Estado se serve do Direito Penal, como um instrumento de controle social, com vistas a realizar alguns fins. Esses fins podem estar relacionados à proteção jurídica do ambiente, principalmente em se tratando de um Estado de direito democrático e social, que, em sua particularidade, faz incidir sua tutela sobre relevantes bens, os quais detenham dignidade criminal.
Nesta perspectiva, pretende-se investigar como a sociedade brasileira contemporânea busca proteger o ambiente por meio do Direito Penal, com vistas à efetivação dos princípios penais fundamentais, inseridos em nossa Carta Magna.
Assim, este ensaio se propõe a analisar os instrumentos jurídico-penais para a tutela do meio ambiente, haja vista a grande e emergente necessidade de sustentabilidade nas ações geradas pelo mundo pós-moderno frente ao processo de globalização.
A pesquisa inicia-se com a análise dos princípios penais fundamentais, descrevendo-os como possível fundamento da pena e correlacionando-os à idéia de limite da própria pena. Na fase seguinte, foram analisadas as principais teorias dos fins da pena e sua possível relação com a noção de fundamento e limite do Direito Penal contemporâneo.
É a partir dessas premissas que se torna emergente e necessária a aplicação do Direito Penal na tutela ambiental, visando estabelecer no meio social uma efetiva aplicação dos princípios fundamentais de proteção ao ambiente, concomitantemente, estabelecendo sanções com maior poder punitivo para, com isso, gerar forte receio à sociedade diante da prática de crimes ambientais.
Logo, pretende-se um modelo de Direito Penal que possa respeitar a condição do ser humano, importando investigar os fundamentos, fins e limites da pena nos delitos ambientais, como expressão de um Estado não totalitário. Nesse sentido, a principiologia constitucional penal deve ser destacada como plataforma para o alicerce e a própria limitação do Direito Penal do Ambiente no Brasil.
2 OS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA PROTEÇÃO PENAL DO AMBIENTE NO BRASIL
Pelo princípio da dignidade da pessoa humana tem-se que o cerne das preocupações ambientais encontra-se no ser humano e na expectativa de uma maior harmonia e melhores condições de vida na Terra. É com isso que se busca dar sustentação ao emanado no art. 225, caput, da Constituição Federal, ressaltando-se que a expressão do conceito de dignidade humana emerge do próprio pressuposto do exercício do direito à vida e sobrepõe-se na ordem jurídica e amplia seus efeitos sobre os demais princípios e atos normativos.
Por meio do princípio da legalidade objetiva-se combater o poder arbitrário do Estado. Conforme o preceito emanado da nossa Carta Magna, art. 5º, II, ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude da lei.
Conforme o princípio da irretroatividade, a lei penal não poderá retroagir (art. 5º, XL, da Lei Maior e art. 2º, do CP), porém, essa regra comporta uma exceção, qual seja no caso de ser benéfico ao réu.
Ao analisar o fato que a lei penal reveste-se de especial gravidade, esta somente atingirá a bens jurídicos cuja intervenção de outra esfera normativa não seja eficazmente capaz de satisfazer a sua proteção. É o que predispõe o princípio da intervenção mínima ou da subsidiariedade. Ela ocorrerá apenas em ultima ratio.
Com o princípio da fragmentariedade significa dizer que o Direito Penal será apenas uma parcela do sancionado pelo ordenamento jurídico, atingindo apenas um número bastante diminuto de bens jurídicos – os mais relevantes em matéria de proteção jurídica(PRADO, 2008, 138-139).
Segundo o princípio da ofensividade, a criminalização só está apta a se caracterizar quando um fato lesivo, ou concretamente perigoso, afete um bem jurídico de significativa importância. Não basta, portanto, mera conduta imoral.
Na aplicação do princípio da insignificância, em razão do valor ínfimo ou mínimo de determinado comportamento ilícito, o que revela uma lesão sem significância no campo jurídico, a tipicidade deverá ser excluída, estando interligada a magnitude do injusto – desvalor do resultado (PRADO, 2008, 147).
Tendo como ponto de partida as concepções de Hans Welzel, o princípio da adequação social declara que uma conduta de acordo com os parâmetros sociais daquele momento historicamente considerado, ainda que inserida formalmente no contexto legal, não será típica, uma vez que já está consolidada como tolerável pela comunidade envolvida (PRADO, 2008, 142-143).
Com o princípio da culpabilidade, tem-se a impossibilidade de incriminar alguém por algo que não tenha atuado com dolo ou culpa de maneira a contribuir com o resultado produzido, todavia, ao praticar um ato ilícito, responde por todas as suas conseqüências.
O princípio da humanidade determina que a execução penal direciona-se a uma ajuda e assistência social direcionada à recuperação do apenado (MIRABETE, 2006, 39). O Estado, submergido na responsabilidade social, objetiva a ressocialização do condenado e mantêm fundamentalmente limitada a sua função punitiva na premissa maior da dignidade da pessoa humana.
Pela pessoalidade tem-se que a pena deve ser projetada estritamente para o autor do crime (art. 5º, XLV, da CF).
Versa a individualização da pena que esta “deve estar proporcionada ou adequada à magnitude da lesão ao bem jurídico representada pelo delito e a medida de segurança à periculosidade criminal do agente” (PRADO, 2008, 139).
Haverá de se buscar uma razoabilidade entre os meios empregados pelo legislador e os fins que se busca atingir, com penas proporcionais aos delitos e ao dano causado à sociedade (PRADO, 2008, 139). É o que fundamenta o princípio da proporcionalidade da pena.
A finalidade do princípio ne bis in idem é impedir a dupla punição pelo mesmo fato ou circunstância, afasta-se a incidência de uma punição individual já aplicada.
Vale destacar, por conseguinte, que em se tratando da esfera administrativa e penal é de se ressaltar que elas compõem o ius puniendi estatal geral, portanto, as sanções aplicadas devem sempre estar em consonância com este princípio.
3 A INFLUÊNCIA DOS FINS DA PENA EM RELAÇÃO À PROTEÇÃO JURÍDICO-PENAL DO AMBIENTE NO BRASIL
O primeiro grupo teórico a tratar dos fins da pena, originário do idealismo alemão, tem por base a retribuição do mal pelo mal, atingindo o fundamento da sanção penal como uma exigência de justiça, ou seja, a pena é o mal justo para punir o fato delituoso praticado.
Os adeptos dessa teoria repulsam qualquer possibilidade de justificar a pena por seus fins preventivos, pois isso seria, em relação ao delinqüente, uma afronta ao princípio da dignidade humana.
Há quem informe que “a pena justa, a pena de acordo com a medida do injusto e da culpabilidade, é a única capaz de estabilizar a consciência jurídica” (GIL GIL, 2002, 25). A crítica parte da observação de que esta teoria aparta-se totalmente dos fins sociais, estabelecendo a norma jurídica como válida em si mesma.
Atualmente, a retribuição é vista como um proporcional ao injusto culpável. Assim, ela consolida-se em um princípio limitativo, observando o delito cometido como base de fundamentação e limite da pena, a qual deverá guardar proporcionalidade com o injusto e com a culpabilidade (PRADO, 2004, 147).
O segundo grupo, teorias relativas, corrente para a qual a pena serve como instrumento de prevenção, traduzindo-se na garantia social de evitar-se a prática de delitos futuros. Aqui, não se vê a pena como realização da justiça, mas sim por seus fins preventivos, gerais e especiais.
Subdividida em geral (dirigida à sociedade) e especial (voltada ao indivíduo que cometeu o delito), a teoria relativa vê na pena a possibilidade prática e imediata de prevenção.
A prevenção geral baseia-se na idéia de intimidação coletiva. O que se busca é inibir os cidadãos, em geral, da prática de condutas infratoras e criminosas, em conseqüência do temor interiorizado de uma possível aplicação de uma sanção.
A prevenção geral emerge das seguintes maneiras: a) com a intimidação aos autores, efetivos ou potenciais, de atos ilícitos – prevenção geral negativa; b) no sentimento de confiança da população em relação a ordem jurídica – prevenção geral positiva (FROTA, 2003, 140).
A prevenção geral negativa externa-se por intermédio da coação psicológica, onde os indivíduos não cometeriam delitos pelo temor de serem descobertos e castigados (FROTA, 2003, 141).
Noutro vértice, “a justificação da pena exclusivamente por seus efeitos preventivo-gerais negativos (pela intimidação) poderia dar lugar a um uso descontrolado do poder punitivo”(GIL GIL, 2002, 32).
Diretamente relacionada com a função absoluta da pena, a prevenção geral positiva concede a exemplaridade da pena justa quando atribui à pena valor proporcional à gravidade do delito, conduzindo assim, a um efeito preventivo.
Desta maneira, a prevenção geral positiva biparte-se em fundamentadora e limitadora (FROTA, 2003, 147). A primeira consiste-se em analisar a sanção criminal como um bom modo de funcionamento do sistema jurídico e a segunda como fator limitador do poder punitivo do Estado.
A prevenção geral positiva fundamentadora reflete um Direito Penal autoritário, repleto de leis excessivas (FROTA, 2003, 152).
Com vistas a esta análise, percebe-se a grande possibilidade de se utilizar, dentro da prevenção geral positiva fundamentadora o ius puniendi de maneira ilimitada e desmedida.
Já a prevenção geral positiva limitadora, busca exatamente o contrário da fundamentadora, utilizando-se do Direito Penal somente em última análise. Desta maneira, ela age amparada em uma prevenção geral intimidatória e limitadora, postulando os direitos e garantias fundamentais, como instrumento de defesa do cidadão frente ao poder punitivo (FROTA, 2003, 154).
Por sua vez, cabe retomarmos a abordagem dos aspectos da prevenção especial. Esta se enfocará na periculosidade individual, buscando a ressocialização do condenado, ou sua retirada do convívio social.
Tendo por base as condições pessoais de cada sentenciado, consolidam-se no “trinômio corrigir, ressocializar ou inocuizar – neutralizar” (FROTA, 2003, 139), com isso, busca reeducar o apenado e coibir a reincidência. Sustenta-se que segundo PRADO (2004, p. 153) “sua idéia essencial é de que a pena justa é a pena necessária”. Com isso, tem-se a submissão do condenado à intervenção total do Estado, uma vez que este aplicará o tratamento ressocializatório que considerar mais adequado dentro do seu regime político- penal (TASSE, 2005, 69).
Observa-se que em matéria ambiental, a prevenção especial da tutela penal visa a restauração do bem ofendido e a reeducação do infrator, destacando-se que em razão do art. 7º, I, da Lei n. 9605/98 (Lei dos Crimes Ambientais) a aplicação das penas, em sua maioria, são as restritivas de direito (SILVA, 2003, 441).
A problemática aviltada por motivo da prevenção especial denota o comprometimento da tutela jurídico-penal, haja vista que em determinadas situações caberia somente a renuncia da aplicação da pena, v.g. no caso do agente que não apresenta perigo de reincidência (PRADO, 2004, 153); ou afrontaria o princípio da dignidade da pessoa humana ao impor ao delinqüente, forçosamente, a reeducação, ferindo a liberdade de consciência e crença, assim como sua liberdade de pensamento (FROTA, 2003, 140).
O terceiro grupo, das teorias unitárias, consiste em uma junção de todas as demais já apresentadas, não podendo persuadi-las, em sua análise, de modo isolado. Decorre dela, “ser a pena, por sua natureza, retributiva; porém, sua finalidade é um misto de educação e correção. A sanção penal deve objetivar, simultaneamente, retribuir e prevenir a infração” (TASSE, 2005, 73).
Assegurando plenas condições de prevenção geral e especial, a idéia de retribuição demonstra-se na reafirmação do ordenamento jurídico, servindo-lhe como modo de contribuição uma à outra (PRADO, 2004, 155).
Nas teorias mistas, limitando o poder punitivo do Estado, a retribuição manifesta-se quando somente poderá impor uma pena se cometido um mal punível; a prevenção especial deixa de ser uma obrigação e passa a ser uma opção do condenado; já a prevenção geral sempre irá alarmar-se no sentido de exemplaridade (TASSE, 2005, 74).
O fundamento e o limite da pena serão, portanto, o delito praticado; em proporção com o grau do injusto e da culpabilidade (TASSE, 2005, 156). É sob esse efeito multifacetário, que esta posição, apesar de eventuais críticas, consolida-se atualmente como majoritária.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos reflexos vislumbrados, a partir da consideração de que nos encontramos imersos numa sociedade de risco, faz-se emergente a exigência de pronto e eficaz enfrentamento, destacando-se a necessidade do Direito Penal como um dos grandes instrumentos de controle social, especificamente quando se depara à temática ambiental.
A tutela jurídica exercida por meio do Direito Penal para a proteção do ambiente, portanto, não pode se afastar de um modelo constitucional de preservação de bens jurídicos, o qual comparece estritamente vinculado aos regramentos principiológicos da Carta Magna, demandando a incidência penal em questões de proteção ao ambiente. Assim, a definição das funções e dos fins que deve desempenhar a pena, principal consequência jurídica do delito, deve servir de componente adicional para a definição de políticas públicas – e criminais – no tocante à tutela jurídica do ambiente. Com isso, desde meado do Século XX, as teorias unitárias tem conseguido lograr certo nível de maturidade e aceitação, de forma que não se cogita afastar da pena os seus fins e função de retribuir buscando recuperar.
Desta forma, o Direito Penal Ambiental apoiando-se na dignidade humana do delinquente ambiental e na ideia motriz de preservação do bem jurídico ambiente, age principalmente motivando possíveis infratores à reparação do dano ambiental com vistas a concretizar a ressocialização e a prevenção, como finalidade e função da pena criminal.
5. BIBLIOGRAFIA
DAUAR, Ricardo Bauab. Fundamentos Constitucionais do Direito Penal Ambiental. Disponível em
%20AMBIENTAL%20FINAL.rtf> 02.set.2009.
FROTA, Hidemberg Alves da. Lineamentos sobre a teoria da prevenção geral da pena. Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, n. 45. Ano 11, p. 134/158, out/dez. 2003. ISSN 1415-5400.
GIL GIL, Alicia. Prevención general positiva y función ético-social del Derecho Penal. In: DÍEZ-RIPOLLÉS, José Luis; ROMEO CASABONA, Carlos Maria; GRACIA MARTÍN, Luis; HIGUERA GUIMERÁ, Juan Felipe (Editores). La Ciencia del Derecho Penal ante el nuevo siglo. Libro homenaje al professor doctor Don José Cerezo Mir. Madrid: Tecnos, 2002, p. 9-35.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal: parte geral. vol. I. 23 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.38.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro: parte geral. vol. I. 8 ed. rev., atual., e ampl. 2008.
PRADO, Luiz Regis. Teoria dos fins das penas: breves reflexões. Revista de Ciências Penais. n. 00, Ano 1, p. 143/158, 2004.
TASSE, Adel El. Fins e Fundamentos da Sanção Penal. In: ______. Teoria da Pena. 1ª ed. (ano 2003), 3ª tir./Curitiba: Juruá, 2005, Cap. 2. p. 65/75.
Mestre em Direito (Tutela de Direitos Supraindividuais) pela UEM; <br>Professor Assistente da UFMS (DCS/CPTL) - Campus de Três Lagoas. <br>
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