Resumo: Discorre sobre a prática comum de utilização de palavrões e gestual obsceno durante a realização de práticas esportivas, entre atletas, torcedores, dirigentes esportivos e sobre a forma de apenação de tais condutas pelos Tribunais de Justiça Desportiva. Faz considerações sobre usos e costumes e comportamento cultural no território brasileiro. Discute a necessidade da queixa, manifestação da vontade do ofendido, como requisito indispensável à instauração do processo por infrações dessa natureza.
Palavras-chave: ofensa moral – agressão à honra – palavrão – gesto obsceno – costume – ética – disciplina – banalização – auto-estima – injúria – desporto - fair play – legislação – tribunal – queixa – ação privada – procedibilidade.
Aos moldes da Legislação Penal e como desdobramento da proteção constitucional à honra, vida privada, intimidade e imagem da pessoa, o Direito Desportivo também possui dispositivos específicos que coíbem ofensas a esses valores, quando acontecidas durante eventos da espécie.
A Lex Poenalis especifica as agressões contra a honra, classificando-as por diferentes rubricas como Calúnia, Difamação ou Injúria, ao passo que a Legislação Desportiva adota conceituação genérica, obviamente envolvendo qualquer comportamento que atinja a dignidade, o decoro ou a reputação de outrem, conforme se vê no artigo 243-F do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.
Ora, no meio desportivo, na torcida, entre os participantes da competição, contra dirigentes, uma das práticas mais comuns é o uso do palavrão ou gesto obsceno. É claro que essa conduta pode agredir o sentimento de auto-estima de seu destinatário e lhe acarretar sofrimento.
As torcidas organizadas, por sua vez, costumam entoar “gingles” e coros constituídos exclusivamente de jargões chulos, expressões moralmente condenáveis, impondo qualidades negativas e adjetivos pejorativos a atletas, diretores ou árbitros. Com certeza que isso pode trazer constrangimento e dor moral ao alvo dessas provocações.
Por outro lado, reportagem televisiva recente mostrou, em entrevista, um árbitro nacionalmente conhecido dizer que as referências negativas à sua genitora não possuíam o condão de deprimi-lo pela banalização de seu uso e de seu desprezível significado naquele meio laboral.
Há pessoas, também, que comparecem assiduamente a campos de futebol, em jogos diversos, simplesmente pelo fato de poder, na condição de torcedor, gritar, pular e xingar sonoros palavrões durante o evento, pelo alívio psicológico que proporciona às tensões do seu cotidiano familiar ou profissional, contribuindo para racionalização de suas frustrações, tensões e ansiedades, com eficiência maior que qualquer divã de psicanalista.
Não se discute que o palavreado de baixo calão pode ser comportamento característico do desabafo emocional e nem sempre o seu conteúdo oprime gravemente a pessoa a quem se destina, em face do eufemismo cultural que tolera a sua prática em inúmeros ambientes e ocasiões. Há que se admitir que pouquíssimas pessoas podem garantir que nunca se utilizaram de acidez verbal, em nenhuma hipótese, em nenhum lugar, em nenhuma condição.
Certo é, ainda, que a agressão descrita deve ser relativizada, pelo seu potencial lesivo, de conformidade com o contexto em que é proferida. Indiscutível que se tolerável num estádio, é, entretanto, completamente abominável se feita durante a realização de um culto religioso, num templo, ou no exercício de atividade judicante, em sessão dos Tribunais Esportivos, entre outros locais onde se exija sobriedade e introspecção.
As Comissões Disciplinares do TJD mineiro têm sido, algumas, intolerantes com essa prática. Outras fazem a necessária análise contextual das circunstâncias que envolveram a indigitada transgressão, aplicando, por isso, sanções menos severas ou, até, absolvendo o atleta da imputação.
Realmente, o dever da Justiça deve ser o de tentar diagnosticar, a despeito da elevada subjetividade que comporta, a potencial lesividade à honra do ofendido, partindo do pressuposto de que os palavrões e gestos ditos imorais podem ser classificados dentro de uma escala de gravidade que se inicia pelos dizeres mais corriqueiros até aqueles que podem fazer corar as pessoas mais resistentes ou psiquicamente galvanizadas.
Interessante trazer à baila, por oportuno, que alguns representantes da Procuradoria, seguidos por número significativo de Auditores, têm entendido o palavrão como “ato contrário à disciplina ou à ética desportiva”, quando praticado por um contra outro atleta, transferindo sua tipicidade para o artigo 258 do CBJD.
As condutas, de fato, são semelhantes, apesar de não exatamente idênticas no que concerne à objetividade jurídica. Honra tem conceituação própria na doutrina Administrativa e Penal, divergente dos conceitos cabíveis à Ética. Não comporta nenhum esforço aceitar que a agressão à honra constitui, em sentido lato, ofensa à ética, como conjunto de princípios que devem prevalecer nas relações que permeiam as atividades do desporto. Não existem grandes diferenças, também, nas propostas legais de apenação para uma ou outra infração.
Incumbe, ademais, apontar a polêmica que a infração contra a honra tem carreado aos Tribunais em face de serem, na seara penal, de ação privada, exigindo para seu processamento a queixa expressa do ofendido. Trata-se de bem jurídico personalíssimo e disponível. Por analogia possível e necessária, deduz-se que a condição de procedibilidade deve anteceder, nos TJDs, o procedimento administrativo, que não se poderá instaurar ex officio. Dessa forma, serão insuficientes para suprir a exigência legal os registros da Súmula dos Árbitros ou Relatórios dos Representantes da Federação, por lhes faltarem, inclusive, as condições da legitimatio ad causam.
Vale lembrar, por final, que o “fair play” instituído como uma das orientações principiológicas das práticas desportivas, impondo urbanidade, educação e gentileza entre todos que nelas estejam envolvidos, seguramente condena a utilização das expressões ofensivas, de qualquer espécie, em qualquer contexto ou circunstância.
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