CONSIDERAÇÕES INICIAIS.
É de trivial sabença que a população mundial tem aumentado a expectativa de vida, principalmente devido ao desenvolvimento da medicina e à preocupação com regras essenciais de higiene o que resulta em uma maior longevidade. Aliado a isso, há também uma significativa diminuição das taxas de natalidade e de mortalidade, o que colocou a população como um todo em um processo de envelhecimento geral.
É de grande valia ressaltar que, de acordo com as lições de Denise Gasparini Moreno (2007, p. 02) “a vida longeva expõe de modo cruel e acentuado a fragilidade dos idosos, revelando-os incapazes de se defender e de se manter com suas próprias forças e tornando-os, excessivamente, dependentes das famílias.”
Nos países desenvolvidos existe significativa parcela da população com idade superior a 60 anos, o que leva, até mesmo, a uma falta de mão de obra nesses locais. Além do mais, há algum tempo tem se percebido que o envelhecimento da população vem atingindo os países ainda em desenvolvimento, como por exemplo, o Brasil que hoje se encontra no 62º lugar no mundo em relação à quantidade populacional de idosos (Ibdem, p. 02).
Em decorrência de tal processo de envelhecimento, a ONU, no ano de 1982, realizou em Viena a Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento, que teve como resultado a divulgação do Plano Internacional de Ação sobre o Envelhecimento que continha “sessenta e seis recomendações sobre diversos temas, como saúde, assistência social, habitação, transportes, previdência, trabalho e educação” (Internet, 2009).
Desde então, os países em desenvolvimento começaram a conferir uma maior preocupação às políticas direcionadas aos idosos.
1. A Carta Política de 1988.
Dentro desse contexto, algum tempo depois da realização da referida assembléia, foi promulgada a Constituição Federal Brasileira de 1988, que, por sua vez, trouxe diversos artigos que resguardaram os direitos dos idosos, concedendo, pois, vários privilégios por entender que os mesmos fazem parte de uma classe diferenciada, com menor vigor físico, na medida em que já despojaram grande força na “construção” da sociedade atual.
Inicialmente, deve-se levar em consideração o objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, o qual encontra-se disposto no inciso IV do artigo 3º da Carta Magna, qual seja “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. (grifo nosso)
Segundo as lições de Silva (2002, p. 802), o sufrágio universal é: “[...] um direito subjetivo de natureza política, que tem o cidadão o direito de eleger, ser eleito e de participar da organização e da atividade do poder”. Sendo o voto a ação de eleger, a nossa Carta Política faculta ao idoso o direito de votar.
Portanto, para o maior de 70 (setenta) anos, o voto deixa de ser obrigatório e passa a ser facultativo, consoante reza o inciso IV, do artigo 14 da Carta Magna de 1988.
Registre-se que o constituinte originário não proibiu os idosos de votar, tão-somente conferiu-lhes o poder de escolha. Foi uma atitude sábia, posto que os efeitos da idade são sentidos de forma diferenciada entre as pessoas, havendo aqueles que com 70 anos tenha força física e disposição para exercer sua cidadania através do voto da mesma maneira que existem pessoas que não possuem condições de se dirigir a uma sessão eleitoral.
Em sentido reverso, ensina Dalmo de Abreu Dalari (2003, p. 31) que a faculdade do voto representa:
“[...] a convicção de que as pessoas idosas estarão deixando de participar da vida social, pressupondo-se que elas deverão estar fisicamente debilitadas e por isso deverão ser dispensadas de fazer esforços, pelo simples fato de terem mais idade”.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, Paulo Roberto Barbosa Ramos (2003, p. 223), diz que:
“Não pareceu ter sido pertinente, diante de uma sociedade que marginaliza os idosos, a CF/88 ter garantido a faculdade de o idoso votar a partir dos 70 anos, na medida em que essa previsão pode contribuir para a apatia política de parte desse grupo populacional”.
No que tange à preocupação econômica, a Constituição Federal previu no seu artigo 201, inciso I, que um dos objetivos da Previdência Social é atender as pessoas de idade avançada. De fato, com o passar do tempo, o vigor físico diminui, a saúde fica mais fragilizada, o organismo não mais é aquele que se tinha na juventude. Por isso, não há como se exigir dos idosos preparo e disposição para enfrentar a jornada laborativa. Contudo, nessa fase da vida eles não podem ficar sem perceber um valor pecuniário.
Para tanto, a Constituição Federal dispõe no inciso I do artigo 203 que a assistência social visa a proteção à velhice, independentemente de qualquer contribuição para com a seguridade social. Seguindo esta linha de raciocínio, o mesmo dispositivo legal, em seu inciso V, o legislador originário conjeturou aos idosos a percepção de, pelo menos, um salário mínimo mensal a título de benefício, contanto que comprove não possuir meios de prover sua subsistência por conta própria ou com o auxílio de seus familiares.
No mais, o texto constitucional, em seu artigo 229, estabelece a responsabilidade aos filhos maiores e capazes de amparar seus genitores na velhice, bem como em qualquer doença ou enfermidade. Trata-se apenas de um dever ético positivado pelo legislador constituinte.
Sobre o assunto, manifesta-se Wladimir Novaes Martinez (1997, p. 32) que:
“Boa parte do esfacelamento da família patriarcal acontece porque os filhos casados, a não ser em casos privilegiados, não conseguem sequer administrar suas despesas. Não dispõem de condições de dar assistência financeira aos pais. Limitam-se a acudi-los nas enfermidades, quando não, apenas pagando os altos custos do plano de saúde”.
No mesmo diapasão, o caput do art. 230 da Constituição Federal confere à família, à sociedade e ao Estado o dever de amparar as pessoas idosas, “assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.
Entende-se como bem-estar o “conjunto complexo de medidas, na esfera das relações pessoais iniciado no ambiente doméstico, exercitado no convívio social e mediante prestações pecuniárias capazes de outorgar certa independência” (Op. cit., p. 32).
Percebe-se, portanto, que tanto a família, como a sociedade e também o Estado possuem obrigação constitucional de proporcionar a integração social dos idosos, para que estes possas ter uma vida com um certo deleite, sendo sempre respeitado por toda a comunidade.
Além de todos os benefícios explanados, a Carta Magna de 1988 ainda assegura transportes coletivos gratuitos para as pessoas maiores de 65 (sessenta e cinco) anos. O já citado mestre Dallari (Op. Cit, 2003, p. 32) aduz que:
“[...] neste caso, o que tem ocorrido com grande freqüência, como tem sido registrado algumas vezes pela imprensa, é que os operadores dos veículos de transporte coletivo mostram irritação e impaciência quanto devem recolher um passageiro idoso, que não irá pagar. É comum que dispensem ao idoso um tratamento desrespeitoso e humilhante, o que deixa evidente que existe um viés cultural, uma falha de natureza ética, que somente poderá ser corrigida gradativamente, por meio da educação”.
Em resumo, não se pode olvidar que a Constituição Federal de 1988, em várias partes, preocupou-se em dar um tratamento mais que especial aos idosos, concedendo-lhes benefícios ou privilégios para que tivessem uma vida digna e integrada ao meio social.
2. Normas Infraconstitucionais.
Consoante já explanado, a Lei Maior em diversas situações trouxe dispositivos de caráter protetivo para com os cidadãos que se encontram em idade mais avançada.
Acompanhando esta tendência, diversas normas infraconstitucionais foram surgindo, entre elas, apresentam-se como fundamentais para este trabalho, as leis ordinárias de números 10.173/01 e 10.741/03, sendo esta última conhecida como Estatuto do Idoso.
2.1 Código de Processo Civil.
A Lei nº. 10.173/01 foi responsável por uma verdadeira reforma processual no Código de Processo Civil, no sentido de conferir maior celeridade na resolução de litígios.
Entre todas as inovações trazidas por esta lei, uma das mais importantes, foi o benefício concedido aos maiores de sessenta e cinco anos de terem prioridade na tramitação dos procedimentos judiciais em que figurem como partes ou intervenientes (art. 1.211-A, CPC)[1].
De fato, a morosidade processual prejudica todo e qualquer indivíduo que busca a tutela jurisdicional. Entretanto, por uma questão lógica, a tendência natural, é que as pessoas de idade mais avançada possam esperar por tal prestação em menos tempo. Logo, a morosidade pode impedir que a parte idosa usufrua do direito pleiteado.
Com bastante maestria, Dinamarco (2002, p. 78) complementa a justificativa para tal prioridade, afirmando que as “pessoas de mais idade são ordinariamente sujeitas a maiores necessidades, notadamente às de ordem econômico-financeiro (aposentadorias insuficientes, queda do poder aquisitivo, despesas com saúde)”.
Assim sendo, mais adiante, o renomado doutrinador ressalva que a previsão do benefício nada mais é do que o respeito ao direito constitucional de acesso à justiça, na medida em que este só é observado quando há uma tutela jurisdicional justa, efetiva e tempestiva (Ibdem, p. 78).
A doutrinadora Denise Gasparini Moreno (Op. Cit., p. 143) atenta para um possível problema relacionado a tal preferência, in verbis:
“O óbice a eficácia desta Lei é que aqueles que ajuizaram ações quando ainda não tinham completado a idade de 65 anos não poderão, quando esta alcançarem, requerer o referido benefício. A constitucionalidade desta disposição pode ser questionada, pois fere o princípio da igualdade dos cidadãos previsto no artigo 5º da Constituição Federal”.
Porém, a lei foi bastante clara ao determinar que, o interessado, assim que complete a idade exigida, requeira ao juízo em que tramita o respectivo processo a concessão do benefício (art. 1.211 –B, CPC), visto que não há porque se cogitar a exclusão da concessão de tal benefício para aqueles que só atingiram a idade limítrofe antes de iniciada a ação judicial.
Ressalva-se apenas que a única condição exigida para sua concessão é ter, o processo, como parte ou interveniente, pessoa com idade superior a sessenta anos, apresentando-se, pois, tal requisito, com um caráter estritamente objetivo.
Portanto, após o requerimento da parte, frente ao preenchimento de tal condição, o magistrado deverá determinar ao cartório que sejam tomadas todas as medidas visando assegurar o respeito a esta preferência. Trata-se de uma obrigação legal, já que a prioridade na tramitação se caracteriza como um direito do idoso, devendo, assim, ser respeitado.
Além do mais, de acordo com o art. 1.211–C do Código de Processo Civil, o benefício da prioridade não se extinguirá se o herdeiro do beneficiário falecido for o cônjuge supérstite, o companheiro ou a companheira, em união estável.
Em síntese, o menor tempo de vida e a maior necessidade econômica justificam a concessão da prioridade conferida ao idoso frente à tramitação dos procedimentos judiciais.
2.2 Estatuto do Idoso.
A lei nº. 10.741/03, que instituiu o Estatuto do Idoso, teve como objetivo fundamental positivar um tratamento diferenciado para as pessoas de idade igual ou superior a 60 (sessenta anos), ratificando alguns direitos fundamentais de natureza constitucionais, bem como prevendo outros privilégios.
Tavares (2006, p. 101), com bastante clareza, afirma que a primeira inovação trazida pelo citado estatuto, refere-se à idade necessária para ser considerado idoso, pois previu como idoso a pessoa de idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, derrogando, por ser lei especial, a previsão do artigo 1.211-A do CPC, o qual estabelecia a idade de 65 (sessenta e cinco)[2].
Porém, esta regra não serve para todo e qualquer caso tutelado por tal diploma legal, posto que, em algumas situações, faz-se necessário que a pessoa tenha idade igual ou superior a 65 (sessenta e cinco) anos, como por exemplo, pode-se citar o benefício da Assistência Social (art. 34) e a gratuidade de transportes (art. 39) (Ibdem, p. 18).
Com todo respeito ao legislador infraconstitucional, acredita-se que “melhor seria uniformizar a redação de todo o Estatuto, com idade-limite deste art. 1º = 60 (sessenta) anos, que fixa o conceito de idoso” (Ibdem, p. 18).
Destaca-se também como de suma importância o art. 2º da lei ora em análise, pois garante aos idosos
“[...] todos os direitos inerentes a pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei por outros meios, todas as oportunidades e facilidades para preservação de sua saúde física ou mental, e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social nas condições de liberdade e dignidade”.
Na verdade, este artigo apenas repetiu as previsões constitucionais referentes aos direitos fundamentais que decorrem da liberdade e da dignidade, porém, enfatizando que a aplicabilidade dos mesmos deve se dar de forma que auxilie na integração social desse grupo vulnerável (Ibdem, p. 19).
Salienta-se, ainda, sobre este mesmo artigo 2º que, assim como outros dispositivos do Estatuto, há uma previsão bastante semelhante no artigo 3º do Estatuto da Criança do Adolescente, demonstrando, pois, a intenção dos legisladores de proteger essas duas classes de pessoas que pelo tempo (extremos diferentes) possuem limitações (Ibdem, p. 20).
Há ainda o artigo 3º do diploma legal sob análise, o qual se coaduna com o artigo 230 da Carta Política e Jurídica do Brasil, vez que confere à família, à comunidade, à sociedade e ao Poder Público a obrigação de
“[...] assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.
Conforme já foi relatado no tópico anterior, o Código de Ritos em seu artigo 1.211 – A conferiu prioridade na tramitação dos processos judiciais àquelas pessoas de idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, desde que estas funcionem como partes ou intervenientes. O artigo 71, caput, do Estatuto do Idoso, por sua vez, confirma tal prioridade.
Ademais, no parágrafo terceiro do supracitado artigo 71, o legislador conferiu prioridade aos idosos na tramitação dos processos e procedimentos da Administração Pública, dando, pois, preferência a estas pessoas que, provavelmente, não possuem mais um grande tempo de vida, na ordem de pagamento das dívidas do Poder Público declaradas por sentença judicial, ou seja, na linguagem técnica, na ordem de pagamento dos precatórios.
Portanto, o estatuto deu a possibilidade ao idoso de ter suas pendências resolvidas com mais celeridade, inclusive aquelas cujo devedor é o ente que mais deveria dá exemplo de honradez: o Estado.
Por fim, deve-se ter em mente que a preferência conferida tanto pelo Código de Processo Civil como pelo Estatuto de Idoso, encontra guarida nos princípios basilares da Constituição Federativa Brasileira, sendo até mesmo uma confirmação desses preceitos fundamentais do Estado Democrático de Direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
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DALLARI, Dalmo de Abreu. Pessoa Idosa e Pessoa Portadora de Deficiencia: da Diginidade Necessária. Tomo I. Coleção do Avesso ao Direto. Ministério Público do Estado do Espírito Santo Centro de Estudos e Aperfeiçoamento Funcional. Vitória, 2003.
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[1] Ressalte-se, porém, que com a entrada em vigor da Lei nº 12.008/2009 passou-se a se considerar como idosa a pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.
[2] O que foi ratificado pela Lei nº 12.008/09 que alterou de 65 (sessenta e cinco) para 60 (sessenta) anos a idade limítrofe.
Analista do Ministério Público de Sergipe - Especialidade Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FEITOZA, Nathalia Xavier. Tratamento conferido pelo ordenamento jurídico brasileiro aos direitos dos idosos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2010, 20:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21416/tratamento-conferido-pelo-ordenamento-juridico-brasileiro-aos-direitos-dos-idosos. Acesso em: 22 nov 2024.
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