1 INTRODUÇÃO
A família será sempre a base do Estado, ou seja, o núcleo fundamental de toda a organização social, sendo considerada inclusive uma instituição necessária e sagrada, haja vista estar ligada à própria vida do indivíduo. Por conta desta importância, a ciência jurídica passou a normatizar e disciplinar tal instituição. Vale destacar que nos primórdios da sociedade, a família só poderia ser constituída pelo casamento, sendo este regulamentado pelo Direito Canônico.
O termo família, segundo Carlos Roberto Gonçalves significa: “[...] todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção. Compreendem os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins”.[1]
Na atualidade percebe-se claramente que a família não é mais, aquela instituição formada pelo pai, a mãe e a sua prole. Hoje se verifica a existência de casais homoafetivos, bem como a possibilidade de adoção por estes; o desenvolvimento tecnológico, fazendo surgir à fecundação artificial; o reconhecimento constitucional da união estável, etc.
Vislumbra-se que a família moderna enseja repercussões no contexto internacional, isto decorre principalmente da globalização, que permite uma grande mobilidade dos indivíduos, fazendo com que ocorra um aumento significativo no número de famílias transnacionais, trazendo várias consequências para o Direito Internacional Privado.
Como a família está intimamente ligada à cultura, às tradições e à religião de cada sociedade, a existência de famílias transnacionais enseja um grande entrave para o Direito Internacional Privado, que tem como principal função lidar com o conflito de culturas.
2 CASAMENTOS E IMPEDIMENTOS
O casamento é um ato complexo para o Direito Internacional Privado, devido a isto a doutrina elaborou alguns sistemas para solucionar os conflitos originários dele. De acordo com o sistema analítico ou plural, criado por Story, deve-se adotar a lei do domicílio conjugal, para solucionar as lides decorrentes das relações pessoais entre os cônjuges, incluindo inclusive o divórcio, bem como a destinação dos bens móveis; já no que diz respeito aos bens imóveis, adota-se a lei da situação da coisa. Contrapondo ao sistema supramencionado, surgiu o sintético ou unitário, tendo um único elemento de conexão. Para Savigny, o elemento seria o domicílio; já para Mancini, o elemento seria a nacionalidade. Conclui-se, portanto, que o casamento seria regido pela lei pessoal (domicílio ou nacionalidade). Vale destacar que o sistema sintético não é capaz de solucionar todos os conflitos, como exemplo, qual o regime de bens aplicável (o do homem ou o da mulher), quando ambos são de países diferentes.[2]
O direito brasileiro, através da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC), adota o sistema analítico, haja vista que em seu artigo 7º traz a lei do domicílio como elemento de conexão para reger os assuntos pertinentes à capacidade e ao direito de família; e a lex rei sitae para o conhecimento de ações relativas aos imóveis, pertencentes a estrangeiro, situados no Brasil, conforme o artigo 12, §1º, da LICC.[3] Neste diapasão Maria Helena Diniz afirma que:
No Brasil houve, ante tais problemas, reações doutrinárias e jurisprudenciais em favor da lex domicilii, que, finalmente, veio, com a edição da atual Lei de Introdução, a substituir a lei da nacionalidade, atendendo aos reclamos de um país onde o afluxo de estrangeiros é considerável, e a aplicação da lei nacional criara véritables nappes juridiques étrangerès, usando a expressão de Maurice Carasso. Calando assim as vozes que reconheciam, apesar de lege lata se aplicasse no Brasil a lei nacional, ser conveniente de lege ferenda que se utilizasse a lei domiciliar, que melhor atendia aos interesses nacionais. Assim aos direitos pessoais passaram a ser disciplinados pela lei do domicílio, de mais fácil determinação do que a da nacionalidade, satisfazendo a necessidade de se tornar com segurança conhecida a lei pessoal reguladora da capacidade das pessoas, eliminando o inconveniente a da dupla nacionalidade ou da falta de nacionalidade (heimathlosat), e, além disso veio a facilitar a solução de certos problemas.[4]
Com a vigência da LICC, permite-se a interpenetração de norma estrangeira vigorando no território brasileiro, desde que não atente contra a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes, ao que a doutrina denomina estatuto pessoal. Estatuto pessoal segundo Diniz “é a situação jurídica que rege o estrangeiro pela lei de seu país de origem”[5].
Contudo, há doutrinadores que comungam do entendimento de que o artigo 7º da LICC não é suficiente para regular todas as situações. Neste sentido Nádia Araújo lembra que:
[...] Devido a esta complexidade, o caput do art. 7º não é suficiente para solucionar, pela simples aplicação da regra domiciliar, todos os problemas de conflitos de leis existentes em relação ao casamento. Os parágrafos 1º ao 6º do art. 7º vão regular questões pertinentes ao casamento, em alguns casos trazendo exceções ao critério domiciliar geral. Essas questões dizem respeito a: celebração; invalidade; regime de bens; e efeitos do divórcio estrangeiro. No tocante à natureza das normas de DIPRs que cuidam especificamente do casamento temos uma predominância de norma de caráter unilateral, pois somente os parágrafos 3 e 4 são bilaterais.[6]
A capacidade para o casamento segue a lei pessoal de cada um dos nubentes, ou seja, deve ter a capacidade para se casar segundo a lei do seu Estado. Desta forma, o nubente brasileiro só terá capacidade para contrair núpcias aos dezoito anos completos, conforme preconiza o artigo 5º, do Código Civil, de 2002.[7]
Vale ressaltar, que o casamento será celebrado conforme determina a lei do local da celebração (lex loci celebrations), mesmo que esta seja diferente da forma ordenada pela lei pessoal de um dos nubentes. Neste diapasão vale transcrever o artigo 7º, § 1º, da LICC: “realizando-se o casamento no Brasil, será aplicada a lei brasileira quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades de celebração”.[8] Esta norma possui caráter unilateral e imperativo, aplicando desta forma a lei brasileira aos casamentos realizados no território nacional, mesmo que os nubentes não estejam domiciliados no Brasil.
Concluí-se, portanto, que a capacidade matrimonial regular-se-á segundo o estatuto pessoal de cada um dos nubentes, conforme denota o artigo 36, do Código de Bustamante.[9]lex domicilii, de acordo com os artigos 43 a 46 do referido código.[10] Enquanto que, as relações pessoais dos cônjuges, ou seja, os direitos e deveres oriundos do casamento serão regidos pela
O casamento celebrado no exterior, desde que as formalidades legais do local da celebração sejam obedecidas, será reconhecido como válido no Brasil, em respeito ao direito adquirido. Entretanto, só não será válido se contrariar a ordem pública ou se não forem observados os impedimentos dirimentes fixados legalmente, conforme normatiza o artigo 40 do Código de Bustamante.[11]
O artigo 1521, do Código Civil, elenca os impedimentos dirimentes absolutos, cuja violação conduz o casamento à nulidade absoluta. Desta forma, tal disposição deverá ser respeitada, mesmo que venha a conflitar com a lei pessoal de um dos cônjuges. Por exemplo, um estrangeiro casado não poderá convolar núpcias pela segunda vez no Brasil, mesmo que a sua lei pessoal permita a poligamia.[12]
No que pertine às causas suspensivas, também designadas de impedimentos impedientes ou proibitivos, elencados no artigo 1523, I a IV, do Código Civil[13], na hipótese de serem desrespeitados, não há invalidação, mas acarretam-se sanções de ordem econômica, que estão previstas nos artigos 1641, inciso I, e 1489, inciso II, do Código Civil[14]; a título de exemplo, teremos como sanção quando a lei impõe o regime obrigatório da separação de bens.
Para que o documento certificando a existência de um casamento ocorrido no exterior produza efeitos no Brasil, deverá ser autenticado, isto é, deverá ser legalizado pelo cônsul brasileiro do lugar da celebração, com firma reconhecida no Ministério das Relações Exteriores ou nas repartições fiscais da União. Após a autenticação, deverá ser registrado em 180 dias, a contar da volta de um ou de ambos os cônjuges, no Cartório do respectivo domicílio; na hipótese de ainda não terem firmado um domicílio, poderá fazer o registro no Cartório do 1º Ofício da Capital do Estado em que pretenderão residir. Feito os trâmites legais de autenticação e registro, será concedida eficácia ex tunc ao casamento, ou seja, a eficácia retroagirá à data de sua celebração.[15]
3 CASOS DE INVALIDADE DO MATRIMÔNIO
A questão sobre o domicílio conjugal pode parecer simplória, mas é de grande importância para o Direito Internacional, já que depende dele, a determinação da lei aplicável aos efeitos patrimoniais do matrimônio. Por isso, a princípio torna-se oportuno estabelecer uma diferença entre o domicílio pessoal e o domicílio conjugal, pois este último é levado em consideração para fins de estabelecimento da vida em comum, sendo utilizado pelo Direito Internacional como elemento de conexão para aplicação da lei. Frise-se que um indivíduo pode ter dois domicílios, um conjugal e o outro pessoal (lugar no qual desenvolve as suas atividades laborais).
De acordo com o artigo 7, § 3º: “tendo os nubentes domicílios diversos, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal”[16]. Em conformidade com a leitura do supramencionado artigo, a regra é a aplicação da lex domicilii dos nubentes, caso tenham em comum. Na hipótese de não terem em comum, a invalidade matrimonial será regida pela lei do primeiro domicílio conjugal. Ressalta-se que tal invalidade está ligada aos requisitos intrínsecos ou substanciais do casamento, já que os requisitos extrínsecos são regidos pela lei do local da celebração. Neste contexto Maria Helena Diniz explica:
[...] Se uma domiciliada no Brasil, que se casou com um domiciliado na Bélgica, viesse a descobrir o passado criminoso de seu marido, só poderia requerer a anulação do casamento baseada no art. 1557, II, do Código Civil brasileiro, se o Brasil fosse o primeiro domicílio conjugal. Se um domiciliado na Alemanha, que contraiu matrimônio com domiciliada na Itália, crendo ser sua esposa uma mulher honrada, tivesse após as núpcias ciência de sua vida irregular, por ser uma prostituta, somente poderia pleitear a invalidade do casamento invocando o art. 1557, I do Código Civil brasileiro se o Brasil for o primeiro domicílio conjugal, pouco importando que a lei pessoal de sua mulher não o considere como anulável por aquela razão. Se os noivos franceses, domiciliados na França, casarem no Brasil, o casamento, ao celebrar-se, será regido pela lei brasileira (LICC, art. 7º, § 1º), mas, se a sua validade vier a ser discutida no Brasil, será aplicável a lei francesa, por ser a lei domiciliar comum dos nubentes.[17]
A doutrina explicita que o artigo 7º, § 3º, somente se refere ao casamento realizado no exterior, quando os nubentes possuindo domicílios diferentes, tenham a intenção de se estabelecer no Brasil, como primeiro domicílio conjugal.
Conforme Edgar Carlos Amorim e Florisbal de Souza Del’olmo, o referido dispositivo é incongruente, pois permite que existam duas leis regendo o casamento. O casamento será realizado com base na lei do local da sua celebração, e na hipótese dos cônjuges, após o matrimônio, irem residir em outro domicílio no exterior, caso venha a ser arguida qualquer anulação, deverá seguir o ordenamento jurídico do local onde estão convivendo.[18] Há quem afirme que seria ilógico o ordenamento jurídico de um Estado, submeter à validade de um ato jurídico praticado em seu território à disciplina de uma norma que lhe é estranha[19].
Um dos meios de prova do domicílio conjugal no direito brasileiro é a declaração prestada pelos nubentes, perante o oficial do Registro Civil, do local onde será fixado o domicílio comum dos cônjuges. Tal determinação ocorre, quando estrangeiros com domicílios internacionais diferentes, manifesta o desejo de se casarem no território brasileiro.[20]
[1] GONÇALVES, Carlos Roberto. Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1. Vol. 6.
[2] AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 121.
[3] BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil). In: _____. Código Civil e Constituição Federal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 4.
[4] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 11 ed. Saraiva: São Paulo, 2005, p. 209.
[5] Ibidem, p. 208.
[6] ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática. Rio de Janeiro, Renovar: 2009, p. 420.
[7] BRASIL Código Civil e Constituição Federal . 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 24. (Coleção Legislação Brasileira)
[8] BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil). In: _____. Código Civil e Constituição Federal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 4.
[9] CÓDIGO de Bustamante. In: BRASIL. Legislação de Direito Internacional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1292. (Coleção Saraiva de Legislação).
[10] Ibidem, p. 1292.
[11] Ibidem, p. 1293.
[12] BRASIL Código Civil e Constituição Federal . 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 202. (Coleção Legislação Brasileira)
[13] Ibidem, p. 202.
[14] Ibidem, p. 219 e 197.
[15] ARAÚJO, Nádia de. Op. cit., p. 420.
[16] BRASIL. Decreto-Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil). In: _____. Código Civil e Constituição Federal. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 4.
[17] DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 11 ed. Saraiva: São Paulo, 2005, p. 243.
[18] AMORIM, Edgar Carlos de. Direito Internacional Privado. 10 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 124; DEL’OLMO, Florisbal de Souza. Curso de Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 167.
[19] ARAÚJO, Nádia de. Direito Internacional Privado: Teoria e Prática Brasileira, Rio de Janeiro, Renovar: 2009, p. 427.
[20] DINIZ, Maria Helena. Op. cit., p. 244.
Técnica do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JACQUELINE DE LIMA MENDONçA, . Casamento e Suas Causas de Invalidade no Âmbito do Direito Internacional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 set 2010, 07:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21457/casamento-e-suas-causas-de-invalidade-no-ambito-do-direito-internacional. Acesso em: 22 nov 2024.
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