O crescente custo das eleições no Brasil torna os candidatos dependentes de doações privadas a fim de financiar suas campanhas eleitorais. Essa vinculação direta entre financiador e eleito transfere o elemento definidor da eleição, do programático-ideológico para o elemento econômico, impactando diretamente o interesse da maioria da população brasileira em detrimento aos interesses de uma minoria, favorecendo assim, a abertura de canais propícios à corrupção e à defesa de interesses que não se coadunam com os princípios republicanos. O combate à influência do poder econômico e a corrupção é fundamental para a o fortalecimento do sistema de representação e da Democracia.
Por vedar a doação de recursos por parte da iniciativa privada, o financiamento público exclusivo de campanha é visto por setores da sociedade organizada como a solução para a dependência dos partidos políticos para com os seus financiadores, prática esta que deturpa o fundamento maior da democracia representativa, em que a escolha dos representantes deve ser efetuada pela população e não pelo poder econômico.
No Brasil, o debate acerca do financiamento exclusivamente público de campanhas eleitorais não aparece isolado. A temática se apresenta correlacionada às propostas de reforma política, uma discussão mais ampla, aventada, quase sempre, frente a denúncias de corrupção em período eleitoral. Se o financiamento deve ser público ou privado é uma discussão muito mais discreta, eclodindo, em regra, como “solução mágica” aos escândalos vinculados à existência de caixa dois em campanhas eleitorais.
Infelizmente, estes escândalos acabam por desviar o foco do debate de seu ponto nevrálgico, tais qual, a influência do poder econômico nas eleições, abreviando a discussão à “simples” proposta de alternativa para abolir os recursos financeiros não declarados aos órgãos de fiscalização, assunto este também importante, porém, não nuclear da polêmica, em nosso entendimento.
Oportuno ressaltar que essa não é uma preocupação restrita aos brasileiros, tampouco limitada aos países em desenvolvimento. Ao contrário, trata-se de um fenômeno global, cristalizado nas democracias ditas mais consolidadas. Palast, importante jornalista americano relata, por exemplo, o drama do Estado da Califórnia com o consumo de energia elétrica. Em 2001, George Bush ordenou a construção de usinas atômicas naquele Estado, sempre ameaçado por terremotos. A construção de tais usinas ficaria a cargo da Empresa Brown & Root, subsidiária da Halliburton Corporation, cujo chefe recente havia sido o Vice-Presidente, Dick Cheney. Ainda assim, pouco antes do fim de seu mandato, Bill Clinton criou barreiras ao mercado de energia na Califórnia. Cinco empresas TXU, Reliant, Dynergy, El Paso Corporation e a antiga Enron colaboraram com 4,1 milhões de dólares para a campanha de Bush, e apenas três dias após sua posse, “Bush revogou as ordens de Clinton para o fornecimento de energia na Califórnia”, beneficiando, principalmente, estas empresas.
Não menos emblemático é o caso do ex-Chanceler alemão Helmut Kohl, que governou a Alemanha de 1982 até 1998. Helmut Kohl foi denunciado, ao final do ano de 1999, de receber doações políticas, irregulares, destinadas ao seu partido, o CDU (União Democrata-Cristã), criando, para tanto, "contas secretas". A denúncia foi formulada por um ex-tesoureiro do partido, Walter Leisler Kiep, arrolado num processo atinente à evasão fiscal. Ademais, está sendo investigada a participação do Presidente da França, François Mitterrand, que teria ordenado o pagamento de uma comissão para o partido de Kohl, em cenário de campanha eleitoral para reeleição, em 1994, comissão esta proveniente da refinaria ELF nas negociações envolvendo a compra e reforma da refinaria alemã LEUNA.
A campanha presidencial de Carlos Menem de 1989 também não passou ao largo de acusações sobre doações: importantes empresários afirmaram que doaram até 3 milhões de pesos, entretanto, o Partido Justicialista declarou ter recebido apenas 700 mil em doações.
No Brasil, são muitos os casos de incompatibilidade de recursos captados com a respectiva prestação de contas. Impossível não vir a memória o “caso PC Farias”, que provocou o impeachment do Presidente Fernando Collor de Mello. O esquema movimentou mais de US$ 1 bilhão dos cofres públicos em verbas manipuladas pelo caixa de campanha do ex presidente, administrada pelo seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias. Outro triste capítulo da nossa política foi o escândalo dos “anões do orçamento”, mais um caso de improbidade administrativa que maculou nossa história contemporânea. Nesse episódio, os parlamentares faziam emendas para a inclusão de verbas orçamentárias afim de beneficiar grandes empreiteiras, financiadoras de suas campanhas.
As recentes denúncias do denominado pela imprensa brasileira “escândalo do mensalão” atraíram o tema a tona novamente, e não faltaram vozes para levantar a bandeira do financiamento público de campanha como solução ao crime de caixa dois.
São inúmeras as propostas de financiamento eleitoral, promovidas ora no legislativo, ora em âmbito acadêmico, ou por entidades de classe, como a Ordem dos Advogados do Brasil, tratando desde as formas de arrecadação até mesmo a forma de eleição. Muito embora o voto de todos os cidadãos possua o mesmo valor, a capacidade de contribuir com os partidos em uma campanha não. Visto assim, aquele que detêm mais recursos possui participação muito mais decisiva em uma eleição àquele que não os possui. A possibilidade de eleger-se fica condicionada à capacidade contributiva do eleitor, viciando as eleições pela lógica da manutenção do status quo.
Candidatos com plataforma voltada a poderosos interesses econômicos têm mais chances de se sagrarem eleitos, distorcendo assim a representação democrática, favorecendo amplamente quem detém o poder econômico em detrimento da maior parte da população brasileira, proveniente das classes menos favorecidas. Nesse sentido, o regramento atual de financiamento político distorce e descaracteriza a representação democrática, excluindo os setores mais impacientes das estruturas de controle social.
Cada vez mais caras, as eleições dependentes do marketing político e vultosos recursos consagram setores comprometidos com agentes econômicos que depois de eleitos estarão compromissados com seus financiadores, e, de alguma forma, terão de retribuir, provocando muitas vezes a sangria do erário e promovendo o descrédito da democracia.
Do envolvimento da sociedade organizada nas estruturas de governo, somada a democracia representativa e a fusão da participação direta das pessoas com a eleição democrática que leva o mandatário a governar, é que pode sair uma síntese positiva para o avanço democrático da sociedade e o desenvolvimento econômico e social.
Não devendo atribuir-lhe ter um peso que lhe permita determinar as políticas públicas.
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