A ruptura do elo conjugal gera um cenário peculiar na vida daqueles que o envolvem, notadamente quanto aos filhos menores de idade, os quais, de acordo com preceitos constitucionais, merecem prioritária tutela da família, da sociedade e do Estado. Imperioso, nesse sentido, atentar ao que vaticina o art. 227 da Carta Magna vigente:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Grifos propositais)
A aludida tutela ganhou máximo reforço com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), que ingressou no ordenamento jurídico pátrio pregando, em todo seu arcabouço, a proteção integral dos menores.
Com efeito, rompida a vida conjugal com animosidade, dentro dos conflitos a ela inerentes, encontramos, hodiernamente, a incidência da alienação parental. Ocorre quando um dos pais (ou quem tem o menor sob sua autoridade) retalia a figura do outro para o filho, desconstruindo, através de um conjunto de atos, a ligação afetiva que este tinha com o genitor alienado.
Os autores José Omir Fiorelli e Rosana Cathya Ragazzoni Mangini (2010, p. 309), sobre o assunto, vaticinam o seguinte:
Segundo o psiquiatra norte-americano Richard Gardner, a alienação parental consiste em programar uma criança para que ela odeie um de seus genitores sem justificativa, por influência do outro genitor com quem a criança mantém um vínculo de dependência afetiva e estabelece um pacto de lealdade inconsciente.
As consequências para a criança, em geral, indicam sintomas como depressão, incapacidade de adaptar-se aos ambientes sociais, transtornos de identidade e de imagem, desespero, tendência ao isolamento, comportamento hostil, falta de organização e, em algumas vezes, abuso de drogas, álcool e suicídio. Quando adulta, incluirão sentimentos incontroláveis de culpa, por se achar culpada de uma grande injustiça para com o genitor alienado.
Atentemos, por oportuno, ao teor dos artigos 2º e 3º da Lei nº. 12.318/2010:
Art. 2º. Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.
Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II - dificultar o exercício da autoridade parental;
III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Art. 3º. A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. (Destacado)
Essa situação, portanto, gerará um dano de ordem psíquica no menor (síndrome da alienação parental), o qual passará a ter um sentimento negativo com relação ao alienado. E este, por seu turno, sofrerá com a perda da afetividade de seu filho, ocasionada, propositadamente, pelo alienante.
Além dos aspectos criminais da nefasta atitude (o que não será abordado neste momento), não resta dúvida do grandioso ilícito civil praticado, tanto em detrimento do menor como do genitor alienado.
Enquadra-se, nessa situação, o que preconiza o art. 186 do Código Civil Brasileiro: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. De igual sorte, amolda-se, consequentemente, o teor contido no art. 927 do mesmo diploma legal:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Esse é o princípio geral da responsabilidade civil, a qual exige, para se configurar, a conjugação de alguns pressupostos, a saber: a ação (ou omissão) lesiva, o dano e o nexo causal. A presença de todos, na hipótese de incidência da alienação parental, é indiscutível.
Destarte, os fardos carregados pelo menor e pelo genitor alienado concretizam, indubitavelmente, uma gravíssima lesão de ordem moral, devendo ocorrer a reparação civil pelo agente causador (o alienante), na forma dos dispositivos legais supramencionados.
O valor da indenização, em favor dos ofendidos, ficará a critério do Magistrado, o qual, com base nos princípios constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 5º, inciso V, CF/88), levará em consideração a teoria do desestímulo (coibir a reincidência) e a capacidade econômica do ofensor.
Assim, a alienação parental gera um ilícito civil hábil a ensejar um dano de ordem moral e uma consequente reparação pecuniária.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº. 10.406, de 10 de Janeiro de 2002.
BRASIL. Lei nº. 12.318, de 26 de Agosto de 2010.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.
FIORELLI, José Omir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia jurídica. 2 ed. São Paulo: Editora Atlas S.A., 2010.
MYRA Y LÓPEZ, Emílio. Manual de psicologia jurídica. São Paulo: LZN Editora, 2003.
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