Antes da criação do instituto da tutela específica, as obrigações de fazer e não fazer eram resolvidas em perdas e danos caso o devedor não quisesse cumprir com a obrigação que lhe fora imposta. Com o surgimento da possibilidade de se requerer ao Estado-juiz uma tutela específica no sentido de compelir o devedor ao cumprimento da prestação, a resolução em perdas e danos tornou-se uma exceção.
Hoje, entretanto, a lei traça as hipóteses em que, ao invés da tutela específica, pode haver a sua conversão em perdas e danos.
Se o devedor não cumpre com sua obrigação, ao credor é dado o direito de ir até o Estado-juiz e exigir que o inadimplente cumpra com a obrigação (caso seja possível o seu cumprimento posterior) ou, ainda, que esta prestação, por já não mais ser possível o seu cumprimento ou por não mais existir interesse do credor (§ 1º do art. 461 do CPC), seja convertida em indenização pecuniária por perdas e danos.
Vê-se claramente que as perdas e danos nada mais são do que a exata reparação pelo prejuízo sofrido pelo credor com o inadimplemento da obrigação. É o exato valor da prestação a que estava obrigado o demandado.
Portanto, a natureza da indenização em perdas e danos é, sem dúvida, reparatória, pois tem o condão de amenizar os danos sofridos pelo credor com a prática ilícita do devedor.
A multa constante do art. 461 do CPC, ao contrário da indenização, tem natureza processual (coerção e sanção) e sua finalidade é compelir o devedor ao cumprimento da obrigação para que se dê ao credor a tutela específica ou resultado prático equivalente.
À multa processual prevista no art. 461, § 4º, do Código de Ritos foi dada a função de suavizar os efeitos do tempo sobre o processo, haja vista ser o seu principal objetivo coagir o devedor ao cumprimento da decisão o quanto antes, sob ameaça de ter seu patrimônio invadido com a cominação de uma multa fixada por tempo de atraso, garantindo-se, assim, a efetividade e a rapidez desejada pelo Estado-juiz e pela sociedade.
Cândido Rangel Dinamarco, citado por Misael Montenegro Filho, entende que “as multas diárias, ao lado de outras medidas de pressão psicológica para que o obrigado cumpra, constituem a execução indireta (...). Essas medidas todas, dispostas abstratamente, visam agravar a pressão psicológica incidente sobre a vontade do sujeito, mostrando-lhe o dilema entre cumprir voluntariamente o comando contido no direito e sofrer os males que elas representam”.
Ora, é mais do que evidente que a astreinte e a indenização por perdas e danos são institutos distintos e que mantêm uma independência entre si, não sendo difícil concluir que os dois institutos podem ser cumulados, assim como preconiza o § 2º do art. 461, in verbis:
“Art. 461. (…)
(...)
§ 2o A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287)”.
Nesse sentido, entendeu o Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul quando do julgamento do Agravo por Instrumento nº 70019562008, pela 17ª Câmara Cível do TJRS, que teve por Des. Relator Marco Aurélio dos Santos, datado de 28/06/2007, ipisi litteris:
SUBSCRIÇÃO DE AÇÕES. EXECUÇÃO DE FAZER CONVERTIDA EM QUANTIA CERTA. ASTREINTE. INCIDÊNCIA. A conversão da obrigação de fazer por perdas e danos não afasta a incidência da multa, na medida em que a primeira decorre da impossibilidade material de cumprimento na forma determinada, ao passo que a astreinte tem natureza coercitiva, de forçar o adimplemento da obrigação, é um meio indireto de compelir o devedor a cumprir a determinação judicial imposta. Tem por objetivo garantir a efetividade da decisão judicial. Demonstrado o descumprimento judicial, a multa incide da data em que foi determinada, sem necessidade de prévia notificação. Aplicação do art. 461, § 2º, do CPC. AGRAVO PROVIDO.
Destarte, em que pese haver posições doutrinárias contrárias, como, por exemplo, Araken de Assis, que adota a posição de que a multa processual não pode ser cumulada com as perdas e danos e que, justamente por isso, o credor da obrigação não se mostra como o beneficiário da multa, as naturezas jurídicas de ambos os institutos e suas respectivas finalidades expurgam qualquer dúvida acerca do tema.
REFERÊNCIAS
ASSIS, Araken de. Manual de Execução. 11 ed., rev., ampl. e atual. com a Reforma Processual – 2006/2007. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
DIDIER JR., Fredie. Leituras complementares de processo civil. 5 ed. Bahia: Jus Podivm, 2007.
GAGLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Obrigações. Abrangendo os Códigos Civis de 1916 e 2002. Vol. II. 7 ed. rev., atual., e reformada. São Paulo: Saraiva, 2006.
SILVA, Rosana Ribeiro da. Tutela específica da obrigação (art. 461, CPC). Jus Navigandi. Teresina, ano 3, nº. 34, ago. 1999. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=886. Acesso em: 12 de agosto de 2010.
Notas:
[1] SILVA, Rosana Ribeiro da. Tutela específica da obrigação (art. 461, CPC). Jus Navigandi. Teresina, ano 3, nº. 34, ago. 1999. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=886. Acesso em: 12 de agosto de 2010.
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