1. Introdução
Quando a doutrina aborda a evolução do Ministério Público, “de Procurador-Rei à Ombudsman”, é comum referir-se à tradicional assertiva de que “o veneno virou contra o feiticeiro”. Tal afirmação se justifica em razão da independência do Parquet, desvencilhado da antiga vinculação ao Poder Executivo, passando a defender os direitos difusos da sociedade, inclusive frente ao próprio Estado.
Esse entendimento pretérito de que o Ministério Público deve ser inimigo do Executivo, data vênia, não merece prosperar, tendo em vista que a nova roupagem do órgão ministerial reclama um bom relacionamento com os três Poderes.
2. A Administração Pública e o Ministério Público
Não se pode ter em mente que o Ministério Público age contra a Administração Pública. Corroborando essa posição, Paulo Gustavo Guedes Fontes:
“A administração deve ser antes vista como uma parceira, à qual é preciso trazer a visão de um agente próximo à população e mais à lógica burocrática. Seria um erro ser sistematicamente contra a Administração; a posição vantajosa do ombudsman para propor reformas consiste justamente em estar fora do sistema, mas, ao mesmo tempo, dentro, buscando com freqüência as mesmas finalidades e compartilhando os mesmos valores das agências governamentais”.
Destarte, quando o Ministério Público soma esforços com os demais Poderes da República, propicia a prevenção de ilícitos administrativos. Com efeito, não há qualquer incoerência em afirmar da necessidade da melhoria na qualidade do relacionamento do Parquet com os três Poderes, mormente o Executivo e o Legislativo.
Um instrumento não jurisdicional posto à disposição do ombudsman é a recomendação, previsto no art. 27 da Lei nº 8.625/93 c/c o art. 6º, XX, da Lei Complementar 75/93, cujo objetivo é solucionar a celeuma sem a necessidade de ajuizar ações. O Parquet poderá utilizar-se ainda do termo de ajustamento de conduta, com espeque no art. 5°, § 6°, da Lei n. 7.347/85.
Na seara da improbidade administrativa, entretanto, a aplicação desses instrumentos, por vezes, resta prejudicada, ante a indisponibilidade da tutela do patrimônio público. Compulsando a Lei n. 8.249/92, em seu artigo 17, § 1º, tem-se como impossível a formalização de termo de compromisso de ajustamento de conduta em casos relacionados com improbidade administrativa, tendo em vista que é vedado transação, acordo ou conciliação nesta senda.
3. O Ombudsman e os atos de improbidade administrativa de menor potencial ofensivo
Atos de improbidade administrativa de “menor potencial ofensivo” é uma construção doutrinária, que os define como atos que causam pequeno prejuízo ao erário, como por exemplo, os atos culposos e omissivos, ou até mesmo os dolosos, desde que de reduzida monta, definidos em lei.
Defendendo a sua aplicação, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves:
Tal transação, cujos parâmetros devem ser fixados rigidamente pela lei de modo a impedir qualquer tipo de discricionariedade pelos operadores, poderia importar, cumulativamente, no ressarcimento integral do dano e no pagamento de multa civil e ainda, sendo o caso, na própria proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios e incentivos fiscais e creditícios por prazos menores que os atualmente previstos no art. 12 da Lei nº 8.429/92. Com isso, restariam afastadas as graves sanções de perda de função e suspensão dos direitos políticos, com relação às quais há uma grande resistência de aplicação por parte do Poder Judiciário, sobretudo quando se trata de conduta de menor potencial ofensivo. (2007, pág. 621).
Corroborando essa posição, Suana Henrique da Costa:
Na verdade, uma leitura mais atenta do art. 12, da LIA, responde a essa pergunta. Lá estão previstas uma série de sanções restritivas de direitos e pecuniárias ao agente ímprobo. Percebe-se, portanto, que a Lei de Improbidade Administrativa prevê não somente a tutela aos interesses por ela tratados, mas também, a punição do réu, nos casos de procedência da demanda. Estão em jogo, portanto, nas ações de improbidade, não somente questões referentes aos interesses metaindividuais do patrimônio público e da probidade administrativa, mas também o direito de punir do Estado. O direito de punir do Estado, por sua vez, segundo nosso ordenamento jurídico, somente se efetiva mediante decisão judicial, não havendo espaço para acordo entre as partes. Trata-se de espécie de jurisdição necessária...
Assim, nas demandas de improbidade, mesmo que o agente supostamente ímprobo concorde com a aplicação das sanções de improbidade, não é possível o acordo, sendo necessária a existência de processo judicial e da sentença condenatória.
O raciocínio acima desenvolvido, porém, não vale para o ressarcimento do dano ou para a devolução da quantia indevidamente percebida pelo agente ímprobo. Isso porque eventual condenação do réu ao ressarcimento ou a devolução de quantias não configuram sanções, mas sim decorrência natural da aplicação das regras de responsabilidade civil. Destarte, tais condutas podem ser ajustadas em sede de compromisso de ajustamento, pois dispensam a tutela jurisdicional nos casos em que haja acordo entre as partes, não se tratando de hipótese de jurisdição necessária.
4. Conclusão
Desse modo, conclui-se que o reconhecimento pelo ordenamento jurídico pátrio da existência de “atos de improbidade administrativa de menor potencial ofensivo”, facilitará a célere reparação do dano, evitando-se a morosidade típica das ações de Improbidade Administrativa. Ademais, o agente infrator teria afastada a possibilidade de aplicações de sanções graves, a exemplo da perda da função pública e suspensão de direitos políticos.
REFERÊNCIAS
COSTA, Suzana Henrique (coordenação). Comentários à Lei de Ação Civil Pública e Lei de Ação Popular. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 424.).
FONTES. Paulo Gustavo Guedes. O Controle da Administração pelo Ministério Público. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.
GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pachecco. Improbidade Administrativa. 3ª Ed. Rio de Janeiro. Ed. Lumen Juris. 2006.
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