Coautor - ALESSANDRO MARQUES DE SIQUEIRA - Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Professor convidado da Pós-Graduação na Universidade Cândido Mendes em parceria com a Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ na cidade de Petrópolis. Associado ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis. Concursado da Corregedoria-Geral da Justiça Fluminense.
RESUMO
Este trabalho visa discutir se a diminuição da idade penal teria o condão de diminuir os índices de criminalidade. Visa também suscitar questão se com a feição da Constituição Federal de 1988, denominada de “Constituição cidadã”, expressão cunhada por Ulisses Guimarães, seria possível a alteração da idade penal. Nos termos da legislação em vigor, a idade penal começa aos 18 anos completos ¹. Existe ainda a “Constitucionalização” do assunto no artigo 228 do texto da Lei Maior².
Percebe-se que os menores de 18 anos estão sujeitos a uma legislação especial, legislação esta que já existe: Lei 8069/90, que nada mais é do que o denominado “Estatuto da Criança e do Adolescente”. Existem também aproximadamente 200 emendas / propostas para alteração da idade penal. Os que defendem a diminuição da idade para os 16 anos, alegam que com esta idade, já é possível o alistamento eleitoral voluntário, e ocorre efetiva participação na vida política do Estado. Logo, se podem votar, também podem ser responsabilizados penalmente.
Existem propostas ainda mais radicais, sustentando a necessidade da redução da idade penal para 14, e até mesmo, para 12 anos. Alguns argumentos são sedutores, mas sem sustentação em dados concretos. Muito pelo contrário.
Com facilidade, conclui-se que todos os argumentos que pretendem a redução da idade penal partem de premissas, no mínimo equivocadas, de dados não comprovados, dando origem a um silogismo monstruoso.
PALAVRAS CHAVES: Idade Penal. Diminuição. Impacto Social
ABSTRACT
This work aims at to argue if the reduction of the criminal age would have the capacity to diminish the crime indices. It also aims at to excite question if with the feature of the Federal Constitution of 1988, called of "Constitution citizen", expression coined for Ulisses Guimarães, the alteration of the criminal age would be possible. In the terms of the legislation in vigor, the criminal age starts to the 18 complete years ¹. Still there is the "Constitucionalization" of the subject in article 228 of the text of the Law Biggest ².
Is perceived that the minors of 18 years are citizens to a special legislation, legislation this that already exists: Law 8069/90, that nothing more it is of that the called "Statute of the Child and the Adolescent". There are approximately 200 emendations / proposals for alteration of the criminal age. The ones that defend the reduction of the age for the 16 years, allege that with this age, already the voluntary registration of voters is possible, and occurs effective participation in the life politics of the State. Soon, if they can vote, also they can be made responsible criminally.
There are radical proposals still more, supporting the necessity of the reduction of the criminal age for 14, and even though, for 12 years. Some arguments are seductive, but without sustentation in concrete data. Quite to the contrary.
With easiness, it is concluded that all the arguments that intend the reduction of the criminal age leave of premises, at the very least maken a mistake, of data not proven, giving origin to a monstrous syllogism.
KEYWORDS: Age Criminal. Decrease. Social Impact.
INTRODUÇÃO
O assunto acerca da diminuição da idade penal, vez por outra, é sustentado e defendido por grupos da sociedade. A mídia, neste particular, presta um desfavor. Desta forma, basta um novo crime, cometido por algum jovem, que os noticiários e alguns setores da sociedade, com o mesmo discurso de sempre, se arvoram na “defesa” da diminuição da idade penal. Fazem isto como se a diminuição fosse o grande alento de que precisa a comunidade.
Nos termos da legislação em vigor, a idade penal começa aos 18 anos completos[1]. A par dito, há também a “Constitucionalização” do assunto no artigo 228 do texto da Lei Maior[2], que deve ser considerado.
No que respeita a inimputabilidade, três são os sistemas definidores: a) Biológico ou etiológico (sistema francês); b) Psicológico; e, c) Biopsicológico. Estes sistemas são importantes e precisam ser enfrentados à luz de toda a construção constitucional, para que não se caia em discursos vazios.
IDADE PENAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Não se pode pensar nosso ordenamento penal sem o socorre do que estabelece a Exposição de Motivos do Código Penal de 1.940, da lavra do então ministro Francisco Campos. Esta exposição de motivo, que apresenta o contexto de gestação do código é fundamental para que o tripé hermenêutico – texto, contexto e pretexto – não reste esvaziado.
Nossa doutrina, de um modo geral, parte das considerações assentadas na exposição em comento. De modo especial são as lições do professor Rogério Greco[3], que, partindo destas considerações aponta ser o artigo 26, caput do Código Penal o bastião do critério biopsicológico:
a imputabilidade por imaturidade natural ocorre em virtude de uma presunção legal, onde, por questões de política criminal entendeu o legislador brasileiro que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito. Adotou-se, portanto, o critério puramente biológico[4].
A presunção da inimputabilidade penal do menor de 18 anos é absoluta[5]. Percebe-se, tanto pela redação do Código Penal, quanto pela redação da Constituição, que os menores de 18 anos estão sujeitos a uma legislação especial. Esta legislação já existe e se encontra consubstanciada na Lei 8.069/90, o “Estatuto da Criança e do Adolescente”.
Em aula ministrada no dia 9 de dezembro de 2.004, através da rede IELF de ensino, afirmou o professor Luiz Flávio Gomes que existem aproximadamente 200 emendas/propostas, para alteração da idade penal. Haveria os que propugnam a diminuição da idade para os 16 anos, alegando que com esta idade já é possível o alistamento eleitoral voluntário e, através dele, ocorre efetiva participação na vida política do Estado. Em suma: se podem votar, também podem ser responsabilizados penalmente. Haveria, ainda, “propostas mais incisivas”[6], sustentando a necessidade da redução da idade penal para 14 e, até mesmo, 12 anos.
Os que sustentam a diminuição da menoridade penal partem da consideração que a aplicação do ECA importa impunidade. Um argumento que se apresenta pouco estruturado e, por isto mesmo, tem sido rechaçado por alguns doutrinadores de renome, caso de Augusto Jobim do Amaral:
inimputabilidade não é sinônimo de impunidade. Interpretações profundamente equivocadas zelam por este enfoque hermenêutico quando da análise do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente. De início, necessário faz-se dizer que a afirmação carece de verossimilhança. A “cortina de fumaça” é posta novamente. Ocorre que, até esta data, a lei 8.069/90 jamais foi verdadeiramente aplicada no que concerne à educação do menor. Não consigno o termo “reeducação” apresentado no ordenamento, por desacreditar que algum dia a esmagadora maioria teve condições de recebê-la[7].
Outro argumento utilizado para propugnar a redução da idade penal, é o de que o “crime organizado” se utiliza (e com freqüência), de menores para a prática de crimes. Por isto, seria necessária a redução da idade penal, para acabar com a certeza da impunidade desses jovens “delinqüentes”.
Este argumento também não se mantém, haja vista que estes jovens são apenas, e tão-somente, instrumentos na realização da conduta criminosa, consoante proposição de Roberto Bittencourt:
(...) além do crime que o menor é obrigado a praticar, (mero executor), o quadrilheiro, como mandante (homem de trás), deve responder, como autor mediato, acrescido de outro crime, que pode ser “corrupção especial de menores” ou “utilização de menores para delinqüir” (ou coisa do gênero), o nomem iuris não importa.
Ademais, se aquele argumento fosse válido, sendo rebaixada a responsabilidade penal do menor para 16 anos, os marginais começariam a usar menores de 15, 14, ou 12 anos, e assim por diante (...)[8].
IMPUTABILIDADE PENAL: ONDE COMEÇA?
Até onde? Até quando? Aliás, a partir de quando?
Pensar na maioridade penal é algo que nos faz pensar sobre o papel do Estado. É preciso que reconheçamos que o Estado tem agido como um pai omisso. Um pai que falta na educação, falta na saúde, falta no lazer, mas, ainda assim, se arvora na condição de interventor. Sua autoridade se dá pela força, e não na legitimidade decorrente do cumprimento de programas sociais. Este paradoxo é cruel. De tão cruel, e descabido, não é de se estranhar a sustentação de padrões surreais de responsabilidade. Se foram capazes de sustentar a maioridade aos 8 anos, não é de se estranhar limites próximos de 2 ou 3 anos de idade!
A caricatura do paralelo se faz necessária. É necessária para demonstrar a fragilidade dos argumentos reducionistas.
Com o reducionismo se atribui a onda crescente de criminalidade aos jovens. O argumento, conquanto sedutor e midiático, não se sustentação em dados concretos. Pelo contrário!
Segundo o último censo federal, existem no Brasil vinte milhões de adolescentes entre 12 e 18 anos. O mesmo senso aduz que o número de infratores chega a pouco mais de 20 mil. Ou seja, apenas 0,1% da população[9].
De acordo com o mesmo artigo, 73,8% das infrações pertencem ao universo dos crimes contra o patrimônio, 50% daquele universo compreendido pelo crime de furto. Não é preciso, por isto, grande esforço interpretativo para se concluir que aquela criminalidade decorre de um fator de cunho social elevado.
Políticas públicas eficientes, com acesso à educação, são imprescindíveis para a diminuição da delinqüência. Soa tacanho demais se concluir, com o açodamento da tese da diminuição da menoridade penal, de que Alice voltará ao País das Maravilhas quando adolescentes deixarem de cumprir medida sócio-educativa e passar a cumprir pena. Do ponto de vista da responsabilidade, é preciso se concluir que a criminalidade entre adolescentes, na maioria dos casos, é filha bastarda da falta de oportunidades. Em outras palavras, é preciso se assumir que a falta de oportunidades é uma catalisadora da delinqüência.
A conclusão autorizada, inquestionavelmente, é fornecida por Beccaria, quando afirma: “o meio mais seguro, porém o mais difícil para prevenir delito é aperfeiçoar a educação”[10].
Para a juventude, com ou sem ato infracional praticado, falta no mais das vezes perspectivas. Perspectivas de vida!
Quando a sociedade joga na conta do adolescente a responsabilidade penal, está se expiando de uma responsabilidade que é sua. Expia-se de sua culpa, mas pouco faz. Ataca o efeito, mas não a causa do problema:
antes de atacarmos os efeitos precisamos atacar as causas da violência e da criminalidade, principalmente a que ronda os jovens de nosso país. E as principais causas sob o nosso ponto de vista são a miséria e a falta de oportunidades em um Brasil tão rico, tão cheio de abundâncias, mas tão repleto de diferenças sociais provocadas pela má distribuição de renda e alta concentração de riquezas em uma pequena parcela da população[11].
A GRAMA DO VIZINHO É SEMPRE MAIS VERDE. SE ELES PODEM, PODEMOS TAMBÉM.
Um argumento muito reclamado pelos que defendem a redução da idade penal no ordenamento jurídico brasileiro é o de que, em vários países do mundo, a idade penal é menor. Na França, por exemplo, é de 12 anos.
Um país onde o assunto idade penal tem importância especial é os Estados Unidos. Diz-se isto, especialmente, em razão da forma de organização federada (na teoria e na prática) adotada por eles.
Nos Estados Unidos a matéria penal é disciplinada de modo diverso entre os Estados. De um modo geral, contudo, mantém-se a idéia de que esta é extraída do critério do entendimento e da vontade do ato criminoso, onde podem ser responsabilizadas até mesmo crianças. Não é de se estranhar, por isto mesmo, que criança de 8 anos sejam chamadas a responder por crimes. O critério subjetivo adotado entre ele, é tão subjetivo, que dá azo à possibilidades como esta.
SEM ESTRANGEIRISMOS E COM VONTADE DE ENCARAR A PRÓPRIA REALIDADE.
A realidade brasileira é bem outra do que experimenta França e Estados Unidos. É preciso, por isto mesmo, e de forma urgente, se deixar de lado modelos estrangeiros, já que estes não se enquadram, nem de longe, às contingências de um país tão grande e tão múltiplo como o Brasil. Uma coisa é a realidade francesa. Outra é a americana. Bem diversa é a nossa.
A Espanha, que possui o Código Penal europeu mais moderno (entrou em vigor em 1996) entendeu pela elevação da idade penal. Houve por bem o legislador espanhol de proceder ao aumento (de 16 para 18 anos), conforme redação encontrada no artigo 19 daquele Código[12].
Esta opção do Código Penal Espanhol teria sido aleatória? Por certo que não. No entanto, eventuais mudanças no Código Penal Espanhol não vêm à baila quando a mídia noticia conduta criminosa, perpetrada por algum jovem daquele país, como ocorre no Brasil.
Com facilidade, conclui-se que todos os argumentos que pretendem a redução da idade penal partem de premissas, no mínimo, equivocadas, de dados não comprovados, dando origem a um silogismo monstruoso.
DA POSSIBILIDADE DA ALTEÇÃO DA IDADE PENAL. O QUE DIZ A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA?
A questão, que é complexa, pode ser simplificada do seguinte modo: seria possível alteração da idade penal por Lei Ordinária? E por Lei Complementar? Seria possível a alteração por Emenda à Constituição?
Alteração da idade penal, por Lei Ordinária, é absolutamente defesa pela Constituição da República Federativa do Brasil. Por isto mesmo a resposta, de tão simples, dispensa maiores argumentações. Lei Ordinária alguma poderia ou poderá diminuir ou ampliar a idade penal, pois seria uma arrematada afronta, direta e literal, ao texto da Constituição. Qualquer Lei Ordinária, neste sentido, seria declarada Inconstitucional pela mais Alta Corte Judicial deste país.
Os argumentos expostos acerca da Lei Ordinária fazem-se igualmente verdadeiros em relação à Lei Complementar. Assim, questão mais tormentosa é a de saber se “Emenda Constitucional” poderia alterar a idade penal! No fator “diminuição” a questão se afigura mais tormentosa ainda: constituiria a idade penal já fixada, em 18 anos, cláusula pétrea? Há entendimento nos dois sentidos.
O professor Rogério Greco[13] perfila o bloco dos que entendem que a redução não constitui cláusula pétrea e, como tal, pode ser modificada dentro dos critérios permitidos para qualquer outra “Emenda Constitucional”:
em que pese à inserção no texto de nossa constituição Federal referente à maioridade penal, tal fato não impede, caso haja vontade política para tanto, de ser levada a efeito tal redução, uma vez que o mencionado art. 228 não se encontra entre aqueles considerados irreformáveis, pois que não se amoldam ao rol das cláusulas pétreas elencadas no inciso I a IV do parágrafo 4º, do artigo 60 da Carta Magna.
No seguimento de sua argumentação propugna ainda: “a única implicação prática da previsão da inimputabilidade penal no texto da Constituição Federal é que agora, somente por meio de um procedimento qualificado de emenda a menoridade penal poderá ser reduzida, ficando impossibilitada tal redução via lei ordinária.”
O raciocínio do professor Greco nos parece merecer uma ponderação. Dizemos isto porque a idade penal se encontra elencada no incido IV do parágrafo 4º do artigo 60 da Lei Maior[14]. Por isto mesmo, parece-nos apressada qualquer conclusão que não parta da consideração de que a idade penal constitui, direito ou garantia individual do cidadão.
Não-obstante a idade penal não estar inscrita no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil[15], devemos considerar a abertura que o parágrafo segundo deste aduz, no sentido de que é plenamente possível a existência de direitos e garantias individuais fora dele.
A doutrina constitucional mais moderna (Daniel Sarmento, Luís Roberto Barroso, Ana Paula Barcellos) defende exatamente a existência de direitos/garantias individuais fora do rol, exemplificativo, do artigo 5º do texto Constitucional.
Em síntese lapidar: ”é irrelevante para se verificar o status de um direito constitucional – se é direito fundamental e se, cumulativamente, é cláusula pétrea – a sua localização no texto da carta”[16].
Este tem sido o entendimento esposado pelo STF em matérias até menos “sensíveis”, que declarou, como cláusula pétrea, o princípio da anterioridade tributária, enunciado no art. 150, III, da CF[17].
A existência de direito/garantia individual fora do rol do art. 5º da CR também já foi objeto de apreciação e decisão pelo STF norteando interpretação abrangente de licença para gestação, através da ADIn 1.946-DF[18], em que figurou como relator o Ministro Sydney Sanches, em 3.4.2003.
Provado, portanto, restou, que a idade penal, fixada em 18 anos, constitui cláusula pétrea e em assim sendo, somente com uma brutal ruptura da ordem constitucional vigente poder-se-ia ter a “iluminada” alteração.
Paulo Rangel, a este respeito, leciona: “a matéria é constitucional – art. 228 da CRFB – não sendo lícita alteração por lei ordinária, e pensamos, nem por emenda a constituição, por se tratar de cláusula pétrea, pois fere, por conseqüência, o direito à liberdade de locomoção do indivíduo e a sua dignidade enquanto pessoa.”[19]
Ainda em artigo intitulado “Redução da idade penal: ilusão social” de Augusto Jobim do Amaral: “a Constituição Federal traz as hipóteses de proibições circunstanciais de emenda, art. 60, entre elas o inciso IV: a abolição de direitos e garantias individuais. Bastam simples ilações para se entender que o prescrito no art. 228 submete-se à limitação atinente à intangibilidade das cláusulas pétreas.”
Portanto, sem romper com a Ordem constitucional vigente, será impossível a diminuição da idade penal para aquém dos 18 anos estabelecido pela Lei Maior. Aliás, a pura concepção deste rompimento, já representa um retrocesso no Estado Democrático de Direito em que vive o país.
E quanto a ampliar a idade penal, por exemplo, para 21 anos. Seria possível?
Pelas mesmas razões apontadas em desfavor da redução, pode-se concluir pela ampliação, sem medo de qualquer heresia Constitucional. Pela sistemática de ser uma garantia/direito individual, conforme sobejamente demonstrado, o § 4º do artigo 60 da CF assegura que não será objeto de emenda, a proposta tendente a abolir direitos/garantias individuais. A ampliação não seria uma afronta a tais direitos.
Conquanto a ampliação não constitua, por si somente, empecilho à realização do programa constitucional, nos parece ser contraditória a possibilidade, sobretudo após a promulgação do Código Civil vigente, onde se fixou a maioridade civil nos 18 anos de idade[20]. Assim, em face da natureza lógica e gravitacional do sistema, a ampliação seria um contra-senso, ainda que constitucionalmente não haja entrave objetivo.
Não seria, portanto, razoável ampliar a idade penal para qualquer outra superior a já adotada pelo CP de 1940, em que as informações não percorriam o mundo na velocidade estrondosa dos dias atuais e os poderes eram, “apenas” 03 (três).
Frise-se que o princípio da razoabilidade ou proporcionalidade tem status constitucional. Não se trata de princípio implícito para professores de Escol, como Luiz Flávio Gomes, Alexandre Câmara, Luiz Roberto Barroso, entre outros.
Tal princípio encontra assento, segundo mencionados autores, no artigo 5º, nº LIV[21] (devido processo legal)[22].
No que respeita a uma eventual ampliação da idade penal, ninguém precisa se apoquentar: nenhum parlamentar haverá de levantar qualquer voz neste sentido, um sussurro que o seja, pois, além de agir na contramão dos anseios da sociedade, sedenta de respostas para amortizar o sofrimento da criminalidade, seria uma perda inútil e nada vantajosa de preciosos votos.
O perigo, que realmente “mora ao lado”, é o da defesa da redução da idade penal, para aquém dos 18 anos de idade.
A ingenuidade faz crer que tal medida haveria de curar todas as feridas abertas pela violência crescente. Ilusão.
O Direito Penal moderno, garantista, teve como argamassa o sofrimento de vários agentes de ilícitos penais, violentados em suas respectivas individualidades.
O Direito Penal moderno, garantista, deslizou no sangue resultante da tortura de muitos infelizes para alcançar o status que alcançou.
O Direito Penal moderno, garantista, tem, por isto mesmo, um dever de ancestralidade.
Este compromisso com a ancestralidade, aliado aos argumentos insertos neste artigo, autoriza a repudiar, com veemência, qualquer proposta de diminuição da idade penal.
A idéia de redução da idade penal mostra a imaturidade no respeito aos direitos humanos bem definidos na Constituição do Brasil: “Se tivéssemos alcançado o mínimo de maturidade no respeito aos direitos humanos, não estaríamos a discutir esta questão hoje”[23].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É preciso semear para colher. E a semeadura da pacificação social não nos parece passar pela redução da idade penal, que fica repudiada por qualquer ótica que se lhe empreste: a) Constitucional: como cláusula pétrea, intocável; b) Política Criminal: desconforto de Presídios ainda mais lotados, sem efeito prático relevante e sem a menor resposta de contenção da criminalidade, tão desejada pela sociedade; e, c) Religiosa: necessidade de educação da criança, para não ser necessário punir o adulto e a proposta reducionista propugna exatamente o contrário, ou seja, punir a criança, para que ela se torne um “adulto”, por reflexo, não mais necessário de punição.
Ou se ensina o caminho em que a criança vai andar, consoante Provérbios 22-6 (ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele) ou será contraditório cobrar uma postura dela lá na frente.
De tudo o que se expôs, não nos parece assistir razão à tese da redução da menoridade como remédio para os problemas sociais. Definitivamente não se pode atacar um efeito sem se cuidar das causas que o geraram. Isto é hipocrisia. Mais, é uma hipocrisia constitucional.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BITENCOURT, Cezar Roberto. Ampliação da Responsabilidade Penal – Criminosos mais Jovens! In Prática Jurídica – Ano III - nº 22, 31 de janeiro de 2004.
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______. Tratado de Direito Penal, V. 1, 8. Ed.. Saraiva: São Paulo: 2003.
CASTRO, Emerson Luiz. A maioridade penal e a diminuição da criminalidade. In Boletim do Instituto de Ciências Penais – ano III – abril de 2004.
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______. Direito Penal do Equilíbrio – Uma visão minimalista do Direito Penal. Impetus: Niterói, 2005.
PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Direitos Fundamentais, 2. Ed. Impetus: Niterói, 2003.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal, 8. Ed. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2004.
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Lumen Iuris: Rio de Janeiro, 2004.
[1] Artigo 27 do Código Penal: “Os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial
[2] “São penalmente inimputáveis os menores de 18 anos, sujeitos às normas da legislação especial”.
[3] Curso de Direito Penal – Parte Geral, fls. 439 e seguintes.
[4] Idem, p. 442.
[5] Cezar Roberto Bitencourt in “Ampliação da Responsabilidade Penal do Menor – Criminosos”.
[6] Na mencionada aula, segundo o professor Luiz Flávio Gomes, para espanto geral, ocorreu até mesmo proposta pretendendo a redução da idade penal para 8 anos.
[7] Redução da menoridade penal: ilusão social.
[8] Ampliação da Responsabilidade Penal do Menor – Criminosos mais jovens.
[9] Extraída do artigo redução da menoridade penal: ilusão social – Augusto Jobim do Amaral.
[10] Dos Delitos e das Penas.
[11] A maioridade Penal e a diminuição da criminalidade – Emerson Luiz de Castro, In Boletim do Instituto de Ciências Criminais.
[12] Cezar Roberto Bitencourt in Tratado de Direito Penal, V 1, p. 309.
[13] Curso de Direito Penal, p. 442/443.
[14] Art. 60 (...) § 4º - “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: (...) IV – os direitos e garantias individuais”.
[15] Título II – dos Direitos e Garantias Fundamentais – Capítulo 1 – Dos direitos e deveres individuais e coletivos.
[16] Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino in Direitos Fundamentais Teoria Geral e art. 5º da CF/88, pág. 41.
[17] ADIn 939.
[18] “(...) uma emenda que pretendesse, não abolir, mas reduzir o benefício de licença à gestante, seria inconstitucional (grifamos). O legislador brasileiro, a partir de 1932 e mais claramente deste 1974, vem tratando o problema da proteção à gestante, cada vez menos como um encargo trabalhista (do empregador) e cada vez mais como de natureza previdenciária. Essa orientação foi mantida mesmo após a Constituição de 05/10/1988, cujo art. 6º determina: a proteção à maternidade deve ser realizada ‘na forma desta Constituição’, ou seja, nos termos previstos em seu art. 7º, XVIII: licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias’.
Diante desse quadro histórico, não é de se presumir que o legislador constituinte derivado, na Emenda 20/98, mais precisamente em seu art. 14, haja pretendido a revogação, ainda que implícita, do art. 7º, XVIII, da Constituição Federal originária. Se esse tivesse sido o objetivo da norma constitucional derivada, por certo a E.C. nº 20/98 conteria referência expressa a respeito. E à falta de norma constitucional derivada, revogadora do art. 7º, XVIII, a pura e simples aplicação do art. 14 da E.C. 20/98, de modo a torná-lo insubsistente, implicará um retrocesso histórico, em matéria social-previdenciária, que não se pode presumir desejado.
E, na verdade, se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá apenas por R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais) por mês, durante a licença da gestante, e que o empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira, facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés da mulher trabalhadora.
Estará, então, propiciada a discriminação que a Constituição buscou combater, quando proibiu diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão, por motivo de sexo (art. 7º, inc. XXX, da C.F./88), proibição, que, em substância, é um desdobramento do princípio da igualdade de direitos, entre homens e mulheres, previsto no inciso I do art. 5º da Constituição Federal. Estará, ainda, conclamado o empregador a oferecer à mulher trabalhadora, quaisquer que sejam suas aptidões, salário nunca superior a R$ 1.200,00, para não ter de responder pela diferença. Ao menos não é de se presumir que o tenha feito, sem o dizer expressamente, assumindo a grave responsabilidade.
Estando preenchidos os requisitos da plausibilidade jurídica da ação (‘fumus boni iuris’) e do ‘periculum in mora’, é de ser deferida a medida cautelar. Não, porém, para se suspender a eficácia do art. 14 da E.C. nº 20/98, como, inicialmente, pretende o autor. Mas, como alternativamente pleiteado, ou seja, para lhe dar, com eficácia ‘ex tunc’, interpretação conforme à Constituição, no sentido de que tal normal não abrange a licença-gestante, prevista no art. 7º, inc. XVIII, da CF/88, durante a qual continuará percebendo o salário que lhe vinha sendo pago pelo empregador, que responderá também pelo ‘quantum’ excedente a R$ 1.200,00, por mês, e o recuperará da Previdência Social, na conformidade da legislação vigente.”
[19] Direito Processual Penal, pág. 241.
[20] “Art. 5º - A menoridade cessa aos 18 anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”.
[21] “Ninguém será privado da liberdade ou dos seus bens sem o devido processo legal”.
[22] Aula na rede IELF de processo civil (Alexandre Câmara), na data de 02.02.2005 e de processo penal (Luiz Flávio Gomes) em data de 01.02.2005. Luís Roberto Barroso in Interpretação e Aplicação da Constituição, fls. 218.
[23] Augusto Jobim do Amaral in Redução da menoridade penal: ilusão social.
Juíza de Direito em Roraima. Doutoranda em Ciências Jurídicas e Sociais pela UMSA. Professora licenciada de Direito Penal da FACSUM. Pós-Graduada em Direito Público pela UNIGRANRIO. Associada ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pelo Instituto Vianna Júnior.<br>
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