RESUMO: O presente trabalho acadêmico possui como objetivo desenvolver o estudo acerca do criminoso portador da psicopatia e a sua relação com o direito penal brasileiro vigente. A discussão se estenderá em compreender o comportamento dos agentes portadores deste transtorno, pois embora a psicopatia não seja considerada uma doença mental, mas sim um transtorno de personalidade antissocial, existe uma dificuldade em classificar esses indivíduos no sistema legal, levando a debates sobre a sua responsabilidade penal e tratamento. Majoritariamente, o sistema penal brasileiro trata os infratores com psicopatia de forma similar aos criminosos comuns, preservando sua responsabilidade penal e aplicando penas sujeitas ao cárcere. No entanto, essa abordagem pode ser considerada inadequada, já que os psicopatas tendem a manipular e buscar benefícios próprios, dificultando a ressocialização na prisão e aumentando a possibilidade de reincidência em crimes mais graves. Por outro lado, as medidas de segurança também possuem falhas no tocante as suas aplicações, pois não garantem a reabilitação do indivíduo portador da psicopatia, em razão desse transtorno ser visto, hoje, como incurável. Assim, ao longo desta pesquisa, será destrinchado o papel ressocializador das medidas de segurança e da pena privativa de liberdade no tocante ao tratamento fornecido pela legislação brasileira aos agentes portadores de psicopatia.
Palavras-chave: Direito Penal. Psicopatia. Sanção penal. Pena. Medida de segurança.
ABSTRACT: The present academic work aims to develop a study on criminals with psychopathy and their relationship with current Brazilian criminal law. The discussion will extend to understanding the behavior of agents with this disorder, because although psychopathy is not considered a mental illness, but rather an antisocial personality disorder, there is a difficulty in classifying these individuals in the legal system, leading to debates about their criminal liability and treatment. For the most part, the Brazilian criminal system treats offenders with psychopathy in a similar way to common criminals, preserving their criminal responsibility and applying sentences subject to imprisonment. However, this approach can be considered inappropriate, as psychopaths tend to manipulate and seek their own benefits, making resocialization in prison difficult and increasing the possibility of repeating more serious crimes. On the other hand, security measures also have flaws in terms of their applications, as they do not guarantee the rehabilitation of the individual with psychopathy, because this disorder is seen, today, as incurable. Thus, throughout this research, the resocializing role of security measures and the custodial sentence will be unraveled in relation to the treatment provided by Brazilian legislation to agents with psychopathy.
Key-words: Criminal law. Psychopathy. Criminal sanction. Pity.Security measure.
1. INTRODUÇÃO
O termo psicopata frequentemente é utilizado para definir os indivíduos que possuem predisposição para o cometimento de crimes perversos. Suas ações costumam ocorrer pelo fato de possuírem um comportamento frio, calculista e dissimulado, e a preocupação ocorre pelo motivo de que esses indivíduos habitam em nosso próprio meio não identificados, por assim dizer, a olho nu, pois, como portadores de personalidade psicopática, apresentam comportamentos indiferentes ou até mesmo de boa inteligência, o que não nos permitem identificá-los pelos atos violentos e cruéis que venham a cometer.
Não obstante, em razão de tal personalidade psicopática, o estado brasileiro esbarrou em dificuldades para definir a responsabilidade penal do psicopata frente aos seus delitos cometidos. A minuciosa avaliação dos tipos de sanções impostas a esses indivíduos costuma apresentar diferentes obstáculos. A primeira delas é quanto à sua classificação, há divergências entre entendimento de variados autores em classificá-los como imputáveis ou semi-imputáveis. A segunda, como já mencionado, é a dificuldade em se aplicar uma correta e justa sanção, seja ela em forma de cárcere ou medida de segurança.
O presente trabalho tem como objetivo geral analisar a psicopatia frente ao Direito Penal Brasileiro vigente.
Possui como objetivos específicos aplicar o conceito de psicopata a partir da dogmática psiquiátrica, analisar o tratamento dado ao psicopata pelo ordenamento jurídico brasileiro e aprofundar sobre a possibilidade da aplicação da pena ou da medida de segurança em casos de psicopatia como mecanismo de controle social.
A metodologia utilizada será de pesquisa bibliográfica, na qual será analisado a Legislação vigente, doutrina e jurisprudência que tratem do assunto, como também, em fontes secundárias (artigos, reportagens, revistas, publicações especializadas), para discorrer sobre o problema apresentado.
A pesquisa será dividida em cinco capítulos, sendo o primeiro intitulado como “Introdução”, que buscará apresentar o conteúdo que será tratado, e abrirá o desenvolvimento do trabalho.
Já o segundo capítulo intitulado como: “Da psicopatia”, abordará as tipologias clínicas catalogadas para indivíduos portadores deste transtorno, bem como as suas principais características e diferenças, e a existência ou não de uma possível cura para este transtorno. O terceiro capítulo definido como: “O tratamento dado ao agente portador de psicopatia pelo ordenamento jurídico brasileiro” tratará as implicações jurídico-penais aos agentes portadores deste transtorno sobre a possibilidade de impor a ele a pena privativa de liberdade ou a medida de segurança. Será destrinchado de ambos os meios de punição (pena ou medida de segurança) o conceito, requisitos e aplicabilidade dessas duas medidas impostas.
Por sua vez, o quarto capitulo nomeado como: “Da responsabilidade penal” abordará o conceito de responsabilidade penal, destacando a sua importância na manutenção da ordem social e na proteção dos direitos individuais. Será explorado, sobretudo, com base nos institutos da imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade gerados pela culpabilidade do agente delinquente.
Por fim, o quinto capítulo conceituado como: “Análise da aplicação da medida de segurança ou da pena em casos de psicopatia”, tratar-se-á respeito da resposta jurídica revertida pelo Estado Brasileiro aos psicopatas oferecida como pena privativa de liberdade ou medida de segurança como meio imposto ao seu tratamento.
Ex positis, se busca analisar o tratamento jurídico fornecido pelo Direito Penal Brasileiro ao indivíduo portador de psicopatia, dedicando-se, sobretudo, à proteção do viés civilizatório.
2. DA PSICOPATIA
A psicopatia, também conhecida como “Transtorno de personalidade antissocial”, vem despertando enorme interesse de estudiosos do tema em razão de seu alto nível de influência no comportamento humano. Isto é tanto que, cada vez mais, psicólogos e psiquiatras tem se debruçado na psicopatia apresentando estudos a respeito da complexidade em se diagnosticar indivíduos portadores deste transtorno. Pelo senso comum, a psicopatia pode ser conceituada pela ausência de sentimentos em um indivíduo que não enxerga a humanidade e não é capaz de conviver harmonicamente em sociedade.
Para a literatura médica, indivíduos que apresentam sinais de psicopatia são classificados no rol do TPAS (Transtorno de Personalidade Antissocial), enquanto que, o termo psicopata seria mais utilizado no âmbito jurídico para classificar sujeitos que apresentam tendências de condutas antissociais para a prática criminal. (Morana, 2006).
Segundo, Robert D. Hare, o transtorno se descreve como um conjunto de comportamentos ilícitos e antissociais, já a psicopatia seria conceituada como um conjunto de traços de personalidade que vão além dos comportamentos sociais. Há uma distinção entre o TPAS (Transtorno de Personalidade Antissocial) e a psicopatia, pois a psicopatia não se define apenas por uma conduta antissocial, mas sim, principalmente, pelo transtorno emocional e afetivo carregado pela ausência de culpa e/ou remorso em suas ações. (Hare, 2013, p.40-41).
Por conseguinte, os psicopatas se caracterizam pela falta de acreditar e de ter sentimentos com o seu semelhante, e não se importam com o que é imoral ou moral, pois não sabem diferenciar um do outro em seus atos. E seria justamente esta ausência de culpa, arrependimento, e preocupação empática em suas ações que os tornam uma figura humana com elevado grau de periculosidade, quando, apresentam tendência criminal. (Achá, 2011)
Isto é tanto que indivíduos portadores deste transtorno, possuem incapacidade em aprender com a punição, condição que os fazem dispor de uma taxa de reincidência criminal de aproximadamente três vezes maior quando comparados a outros criminosos. (Hemphill, Cols, 1998, n.p).
Fernando Galvão esclarece acerca dos psicopatas:
O psicopata tem plena consciência sobre o carácter ilícito do comportamento que realiza e também possui a plena capacidade para determinar-se em conformidade com esta consciência. A psicopatia é um transtorno de personalidade que produz efeito direto no comportamento, mas não interfere na consciência de seu caráter ilícito ou na autodeterminação do sujeito que livremente escolhe realizá-lo. Os psicopatas tem plena consciência do carácter ilícito do que estão fazendo e de suas consequências, pois sua capacidade cognitiva ou racional é perfeita. (Galvão, 2013, p. 456).
No que pese a tal entendimento, entretanto, tais sujeitos ora estão sujeitos à pena de cárcere ora a medida de segurança, não havendo posição unânime sobre a culpabilidade e a forma de aplicação da sanção penal em relação a esses indivíduos, principalmente em casos onde o magistrado reconheça a semi-imputabilidade do agente, pois será optado ou aplicação à pena de prisão ou sujeição a medida de segurança, consoante artigo 98 do Código Penal. (Savazzoni, 2019, p. 136).
2.1. Psicopatia e suas características
A psicopatia observada como síndrome age por meio de um conjunto de sintomas. Para diagnosticar indivíduos portadores deste transtorno, o psicólogo Robert Hare desenvolveu a estrutura da Psychopathy CheckList que retrata a necessidade do agente possuir a maioria ou todos os principais sintomas da psicopatia para ser considerado, de fato, um psicopata.
Em sua visão, indivíduos com psicopatia são indiferentes com os danos causados na sociedade e não exprimem qualquer preocupação com as suas vítimas. Estes fatores terminam sendo impulsionados pela sua ausência de demonstrar qualquer tipo de remorso, culpa e arrependimento em seus atos. A mentira e o comportamento manipulador também são traços característicos nestes indivíduos. Neste diapasão, ainda segundo Robert Hare, “mentir, enganar e manipular são considerados talentos naturais dos psicopatas”. (Hare, 2013, p. 61).
Outro fator característico destes agentes, é a sua capacidade de ignorar com facilidade as suas responsabilidades, pois os psicopatas fazem sempre o que tem vontade, e se depreendem de qualquer obrigação e somente se tornam responsáveis quando isto é necessário para atingir algum objetivo seu. Assim, por não se importarem com nenhuma de suas responsabilidades impostas socialmente e nem por se arrependerem das suas condutas praticadas, esses indivíduos realizam diferentes atos reprovados socialmente.
Além disso, quando exprimem seus sentimentos, eles podem ser frutos apenas de sua capacidade de enganar, pois uma das maiores aptidões do psicopata é ocultar e simular suas emoções para atrair a confiança dos outros. (Rodrigues, 2018, p. 124).
Ainda neste sentido:
Os psicopatas são pessoas insensíveis. São incapazes de vivenciar sentimentos puros. Pois, mesmo sendo perfeitamente capazes de externar ‘seus sentimentos’, seus atos devem ser vistos com ressalvas, uma vez que qualquer demonstração de afeto ou sentimentalismo é fruto de aprendizagem. (Sadalla, 2019, p.33).
Outra característica encontrada nestes agentes é referente ao seu modo de agir. Pois, mesmo possuindo consciência em seus atos, esses indivíduos costumam agir de forma bastante impulsiva, simplesmente para obter prazer, satisfação ou alívio imediato, ignorando até mesmo as regras da sociedade. Eles não possuem preocupação empática perante terceiros e não refletem as consequências de seus atos, agindo de forma quase que instantânea. Assim, muitos dos seus crimes praticados terminam ocorrendo por uma mera vontade momentânea. No entanto, como Robert Hare preceitua “embora os psicopatas tenham ‘impulsos de raiva’ e imediatas reações agressivas subsequentes, os psicopatas não perdem o controle sobre o próprio comportamento no decorrer do episódio”. (Hare, 2013, p. 74).
Quando analisamos os fatores biológicos e genéticos dos indivíduos portadores de psicopatia, temos estudos que comprovam que, esses, possuem a capacidade de desencadear problemas de comportamento ainda na infância. Esses traços, porém, tendem a se acentuar ainda mais na vida adulta, permanecendo o comportamento autocentrado e antissocial durante toda a vida. (Hare, 2013, p. 81). A psicopatia, portanto, não é adquirida, como uma doença comum, no sentido de quem adquire uma gripe, por exemplo, uma vez que o indivíduo nasce com ela e isso se prolonga até a sua morte.
Suas anomalias são encontradas biologicamente por uma diminuição no seu córtex pré-frontal, região do cérebro responsável por emoções como a culpa, o medo e o remorso. Essa particularidade anatômica afeta esses indivíduos de tal forma que eles costumam apresentar uma baixa atividade neural nesta área quando comparados a outros grupos populacionais. (Hare, 2013, p. 173).
Devido a este déficit cerebral responsável pelas emoções humanas, esses agentes não conseguem demonstrar compaixão e nem se solidarizar com a dor de terceiros. Portanto, é pacífico que “os psicopatas são insensíveis aos sentimentos alheios; não possuindo capacidade de respeitá-los e reconhecê-los”. (Sadalla, 2019, p. 38).
Cabe destacar, também, que embora os fatores biológicos estejam particularizados nos indivíduos portadores deste transtorno, os fatores ambientais também possuem a capacidade de formar e influenciar o seu nível de psicopatia. Pois, há uma maior tendência em indivíduos psicopatas com condições ambientais favoráveis virem a cometer crimes menos violentos, enquanto que um indivíduo com o mesmo grau de psicopatia, mas que conviveu em um ambiente conturbado tende a se tornar um delinquente mais violento.
Verifica-se, portanto, que os indivíduos psicopatas apresentam inúmeras características que os distinguem do restante da população, sejam elas psíquicas ou biológicas, que os fazem se enquadrar em uma categoria bastante específica da sociedade. Tal particularidade faz com que o tratamento destinado a eles seja, também, de forma diferenciada e individualizada, pois, tratá-los como criminosos comuns poderia acentuar os seus próprios sintomas ou os danos à sociedade.
A psicopatia deve ser tratada com procedimentos que neutralizem ou diminuam potenciais ações e influências ilícitas, variando de acordo com o nível de psicopatia de cada indivíduo.
2.2. Tipologia
Existem diferentes tipologias de psicopatia de acordo com estudos realizados por diferentes autores. Um desses, considerado o principal representante da Escola de Heidelberg, Schneider, deixou importante marca na história da psicopatologia que ainda reflete nos dias de hoje. Segundo o autor, o ser psicopata é aquele que se desvia dubiamente do comportamento normativo e é descrito, sobretudo, nos clássicos da criminologia. (Schneider, 1980, n.p).
Tomando por base da sua teoria em evidências, a sua classificação refletiu em 10 tipologias diferentes da psicopatia que apareceram em seu livro “Las Personalidades psicopáticas” no ano de 1943. Nesse estudo, Schneider, resume os principais tipos de psicopatas da seguinte forma:
A primeira, os hipertímicos, se caracterizam pela apresentação de um humor ativo, alegre e impulsivo, são considerados pessoas fundamentalmente amigáveis, imprudentes e infiéis, porém, são pessoas propensas a cometer delitos ligados, sobretudo, a ofensa, falsidade, fraude e pequenas transgressões.
Os depressivos se apresentam como um tipo de psicopatia com predisposição reservada, neles há a predominância do mau humor ou a paranoia. Em ambos os casos, o psicopata depressivo pode vir a desenvolver uma forte tendência ao alcoolismo.
No grupo dos inseguros, se destacam dois tipos de psicopatia: os sensíveis e anâncaticos. Ambos são caracterizados por sua insegurança, motivada por uma timidez interna. Os sensíveis costumam ter dificuldades em expressar as suas emoções, já os anancásticos transformam as suas inseguranças em obsessões. Ressalta-se, no entanto, que raramente este grupo de psicopatia costuma cometer crimes.
Os fanáticos são costumeiramente caracterizados por uma personalidade ativa e expansiva. Este grupo tende a realizar atos de perturbação de ordem social, porém podem cometer crimes menores, dependendo de sua convicção.
Os vaidosos ou necessitados por estima, são pessoas com necessidades excêntricas, que adoram ser notadas. São indivíduos que desejam parecer mais do que realmente são e, por isto, este tipo de psicopatia costuma refletir em mentiras e falsidade, onde o sujeito geralmente não possui a capacidade de estabelecer traços íntimos e amar o próximo.
A psicopatia lábil ou de humor instável, reflete em sujeitos que tendem a mudar o seu humor de maneira brusca, neste caso, o indivíduo passa por episódios de tristeza ou de mau humor inesperadamente e, em razão disso, podem vir a provocar reações impulsivas, como, crimes emocionais ou ocasionais.
Os psicopatas explosivos costumam apresentar um humor violento, se irritam e ficam com raiva com facilidade, são personalidades com pouco autocontrole e, por isso, é comum que participem em crimes causando instabilidade em quem os rodeia. Por norma, desrespeitam e desobedecem às orientações dos outros e até das autoridades.
Os psicopatas desalmados representam aqueles que possuem a principal característica da psicopatia, pois são sujeitos que carecem de compaixão, vergonha ou culpa em suas ações. Tendem a ser pessoas frias, antissociais e incorrigíveis, e o viés criminal costuma incidir em todos os tipos de crimes e contravenções. No entanto, mesmo com tais características, sujeitos portadores deste tipo de psicopatia são capazes de viver em sociedade sem violar a lei.
O psicopata abúlico costuma ser um tipo de sujeito extremamente influente, porém inconstante e facilmente maleável, pois podem cometer crimes apenas influenciados pela pressão do grupo ou do ambiente. Indivíduos com tal personalidade quando incidem criminalmente costumam se associar ao furto, ao peculato, a fraude e a prostituição.
Por fim, os psicopatas astênicos são descritos pelo seu nervosismo e por um sentimento de preocupação exacerbada por eles mesmos. Muitas vezes apresentam baixa capacidade de desempenho, incapacidade de concentração e diminuição da memória. Além disso, são sujeitos que podem vir a sofrer com doenças imaginárias devido a sua hipervigilância e, por este fato, costumam se envolver em crimes.
2.3. A psicopatia tem cura?
A psicopatia é relacionada a um tipo de transtorno de personalidade que apresenta como causa fatores biológicos, psíquicos e sociais. Não é possível se falar em cura, uma vez que os psicopatas não sofrem com as consequências de seus atos, e não há como mudar à sua maneira de ver e sentir o mundo. Pois, quem sofre deste distúrbio geralmente carrega consigo a falta de empatia em relação ao próximo e um tipo de desprezo perante as obrigações sociais.
Neste sentido, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a psicopatia também apresenta as seguintes particularidades:
Como um transtorno de personalidade há um desvio considerável entre o comportamento e as normas sociais estabelecidas. O comportamento não é facilmente modificado pelas experiências adversas, inclusive pelas punições. Existe uma baixa tolerância à frustração e um baixo limiar de descarga da agressividade, inclusive da violência. Existe uma tendência a culpar os outros ou a fornecer racionalizações plausíveis para explicar um comportamento que leva o sujeito a entrar em conflito com a sociedade. (CID-10 ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 1993, online).
Diante de inúmeras características singulares, este transtorno pode ser considerado um problema para a sociedade quando o agente apresenta tendência criminal. Os psicopatas não sentem remorso ou culpa pelos danos causados às vítimas, mas sentem prazer ao causar sofrimento a elas, dificultando então a sua cura, pois, além de não sentir culpa, não apresentam a capacidade de julgar as suas ações como erradas, e não observam motivos para mudá-las.
Muitos estudiosos postulam que o dano emocional do psicopata é neurológico e de nascença, e o indivíduo que não é tratado em tempo pode vir a desenvolver um quadro agravado deste transtorno. Neste sentido, a grande maioria dos autores defende que o confinamento e a vigilância seria a melhor maneira de lidar com esses indivíduos, pois não creem em uma cura capaz de reinseri-los na sociedade. (Nunes; Jorge; Gonzaga, 2011, p. 1-5).
Neste diapasão, a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa (Silva, 2017) também entende a impossibilidade de existir uma cura para a psicopatia, pois ela não é uma doença, e sim um traço de personalidade, o jeito de agir do indivíduo. A vista disso, a ciência já atua com possíveis tratamentos deste transtorno que, a depender do caso, principalmente aqueles diagnosticados em graus iniciais é cabível um tratamento psicológico, medicamentoso e com terapias biológicas que podem trazer resultados eficientes, controlando e inibindo esse padrão comportamental. Passo importante, pois, até mesmo nas prisões, esses indivíduos tendem a se destacar pelo seu alto poder de manipulação sobre os demais detentos, sendo cirúrgicos em manipular pessoas e ambientes, na sede de seus objetivos. Isto é tanto que, de acordo com estudos, a taxa de reincidência de psicopatas é duas vezes maior do que de outros presos comuns e a reincidência por crimes violentos é de até três vezes maior do que por outros crimes, portanto faz-se necessário encontrar meios para diminuir esses índices, visto que psicopatas são altamente perigosos para a sociedade e não há cura. (Stefano, 2016, p. 235).
Outro fator é que segundo a psicanalista, Soraya Hissa, do total da população carcerária, aproximadamente 20% sofrem desse mal, sendo assim é de suma importância a busca por possíveis tratamentos deste transtorno seja por meio de terapias especializados e remédios como parte da reabilitação, além de exames periódicos como forma de acompanhar a evolução do examinado. (Carvalho, 2011).
No entanto, cabe frisar que a personalidade psicopática não possui disposição para fazer terapia, pois não são cooperativos e jamais sentem culpa ou vergonha, assim é difícil que psicopatas busquem tratamento espontaneamente, uma vez que não acreditam possuir um problema, e não enxergam necessidade em mudar os seus comportamentos. (Hare, 2013, n.p).
3. O TRATAMENTO DADO AO AGENTE PORTADOR DE PSICOPATIA PELO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Conforme já aduzido, o atual sistema penal brasileiro prevê aos autores de delitos criminais a imposição de determinadas espécies de sanções, tais como a pena ou a medida de segurança. Isto é válido para o agente portador de psicopatia classificado como semi-imputável, pois ele pode vir a receber tanto a pena privativa de liberdade quanto a medida de segurança.
Dentre essas duas espécies de sanções, a Legislação Brasileira optou como principal resposta jurídica frente as infrações penais a imposição da pena privativa de liberdade. Pois, ela possui como principal alicerce a reeducação e a ressocialização do condenado, na busca de inseri-lo, novamente, na sociedade, de maneira que ele não reincida criminalmente. Ocorre que o Estado Brasileiro tem enfrentado dificuldades frente ao seu objetivo de ressocializar o apenado e recolocá-lo em sociedade, e isto fica ainda mais evidente quando o agente é portador de psicopatia. Cesar Bitencourt alude que “[...] grande parte das críticas e questionamentos que se faz à prisão se refere à impossibilidade – absoluta ou relativa – de se obter algum feito positivo sobre o apenado”. (Bitencourt, 2017, p. 471). Cortes Superiores, por exemplo, já se manifestaram em face de indeferir pedidos de Livramento Condicional a indivíduo portador de psicopatia, por entender que ele não estaria apto ao convívio social, consoante:
HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. PACIENTE CUMPRINDO PENA DE 12 ANOS, 9 MESES E 18 DIAS DE RECLUSÃO, EM REGIME FECHADO, POR EXTORSÃO QUALIFICADA E ROUBO QUALIFICADO. ANTERIOR CUMPRIMENTO DE MEDIDA DE SEGURANÇA, EM RAZÃO DE DIVERSOS OUTROS DELITOS. PEDIDOS INDEFERIDOS DE PROGRESSÃO DE REGIME E LIVRAMENTO CONDICIONAL. REALIZAÇÃO DE EXAME PSICOLÓGICO PERICIAL. CONSTATAÇÃO QUE O PACIENTE É PORTADOR DE TRANSTORNO DE PERSONALIDADE ANTI-SOCIAL. NÃO COMPROVADO O MÉRITO SUBJETIVO DO PACIENTE PARA O ALCANCE DOS BENEFÍCIOS PLEITEADOS. EXAME CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE DE SUA REALIZAÇÃO. SÚMULA 439/STJ. PARECER DO MPF PELA DENEGAÇÃO DO WRIT, COM CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO, PARA QUE O JUÍZ DA EXECUÇÃO PENAL EXAMINE A POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. ORDEM DENEGADA, COM RECOMENDAÇÃO QUE O JUÍZO DA EXECUÇÃO PENAL AVALIE A NECESSIDADE DE INTERNAÇÃO DO PACIENTE EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA PARA FINS DE TRATAMENTO DOS TRANSTORNOS MENTAIS DIAGNOSTICADOS NO LAUDO PERICIAL. 1. Conforme entendimento cristalizado nesta Corte Superior, a realização do exame criminológico pode ser solicitada quando as peculiaridades da causa assim o recomendarem. Súmula 439/STJ. 2. O exame criminológico constitui um instrumento necessário para a formação da convicção do Magistrado, de maneira que deve sempre ser realizado como meio de se obter uma avaliação mais aprofundada acerca do merecimento do apenado para obter a progressão de regime, ocasião em que o terá maior contato com a sociedade. De outra parte, é procedimento que não constrange quem a ele se submete, pois se trata de avaliação não-invasiva da pessoa, já que se efetiva por meio de entrevista com técnico ou especialista, não produzindo qualquer ofensa física ou moral. 3. O paciente foi submetido a exame pericial, onde foi constatado que ele é portador de Transtorno de Personalidade Antissocial (CID-X:F 60.2), e os peritos esclareceram que pessoas portadoras desse tipo de transtorno são de difícil tratamento, pois possuem atitudes persistentes de irresponsabilidade e desrespeito por normas e regras e que o comportamento prisional do sentenciado foi marcado por conduta desafiadora e agressiva. 4. Parecer do MPF pela denegação da ordem; opina pela concessão da ordem de ofício, para que o Juízo das Execuções Penais avalie a possibilidade de internação do ora paciente em hospital de custódia para fins de tratamento dos transtornos metais diagnosticado em laudo pericial. 5. Ordem denegada, com recomendação para que o Juízo da Execução Penal avalie a necessidade de internação do ora paciente em hospital de custódia para fins de tratamento dos transtornos metais diagnosticado em laudo pericial. (HC 141.640/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, QUINTA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 21/03/2011).
Quanto a segunda hipótese de sanção penal, a medida de segurança pode ser considerada como um tipo de punição para os agentes infratores que possuem a capacidade de entendimento e determinação parcialmente diminuída, incluindo portadores de enfermidades mentais e os possuidores de determinados Transtornos de Personalidade como os psicopatas, narcisistas, entre outros. Insta ressaltar que a medida de segurança possui um caráter preventivo e somente é aplicada quando for reconhecida a periculosidade do agente e a possibilidade de tratamento para a condição apresentada por esse sujeito, de modo que, enquanto estiver recluso, será necessário a realização de uma perícia anual.
Nos dias atuais, a medida de segurança se reflete em internações em hospitais de custódia e ao tratamento psiquiátrico. A princípio, este tipo de sanção pode ser aplicada por um período indeterminado ou enquanto durar a periculosidade do indivíduo, porém a jurisprudência tem recomendado que ela não seja aplicada por tempo superior a situações utilizadas para as penas de restrição de liberdade, conforme o entendimento a seguir:
MEDIDA DE SEGURANÇA – PROJEÇÃO NO TEMPO – LIMITE. A redação de alguns dispositivos quais sejam 75 e 97 do Código Penal e 183 da Lei de Execuções Penais devem ser rigorosamente aplicados, a fim de evitar que uma prisão se torne perpétua. Pois, nosso sistema penal admite que um condenado cumpra somente o máximo de trinta anos de prisão. (Brasil, 2005).
Nesse mesmo sentido, a medida de segurança:
Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato entendido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado. (Nucci, 2014, p. 459).
Vale ressaltar, no entanto, que atualmente não há consenso quanto ao melhor enquadramento do psicopata, bem como de qual a melhor sanção a ele a ser aplicada, em razão de todas as suas particularidades e características singulares. Isto é tanto que existem casos onde os tribunais brasileiros classificam os psicopatas como semi imputáveis, e há casos onde esses mesmos agentes são condenados como criminosos comuns. Esta controvérsia se dá, sobretudo, pelo tratamento ineficaz dado ao delinquente portador de psicopatia, pois, como não são passiveis de ressocialização, necessitam da imposição de uma outra medida de forma a não pôr em risco a sociedade, algo que é resolvido apenas de acordo com o entendimento de cada magistrado.
Este problema se torna evidente quando avaliamos a falta de capacidade de aprendizado dos psicopatas com as sanções penais, uma vez que estudiosos alertam para o problema da reincidência criminal, pois, para eles, a pena não significa um meio coercitivo e preventivo eficaz, esvaziando a sua finalidade de reprimenda. Desse modo, “é inútil qualquer tentativa de reeducação ou regeneração aos psicopatas, pois não existe na sua personalidade o móvel ético sobre o que se possa influir” (Trindade, 2012) .
No mesmo entendimento:
Estudos revelam que a taxa de reincidência criminal (capacidade de cometer novos crimes) dos psicopatas é cerca de duas vezes maior que a dos demais criminosos. E quando se trata de crimes associados à violência, a reincidência cresce para três vezes mais. (Silva, 2008, p. 133).
Assim, considerando todas as particularidades negativas desses agentes, sobretudo a sua inclinação para a reincidência criminal, faz-se necessário identificá-los e avaliá-los corretamente antes de uma possível condenação ou garantia de benefícios durante a execução de suas penas, a fim de evitar uma reinserção social precoce fundamentada apenas em “positivos atestados carcerários” do condenado, pois, ao retornarem para o convívio social certamente voltarão a delinquir.
Nesse sentido, a solução para o problema da psicopatia estaria na criação de prisões especificas destinadas a psicopatas, onde eles ficariam isolados dos presos comuns, de forma que não poderiam controlá-los. Em alguns países desenvolvidos isto já é realidade, psicopatas são separados em celas específicas (individualizadas) em relação aos demais presos (Canadá, Austrália e parte dos Estados Unidos, por exemplo). Além dessa, se faz necessário também a criação de políticas públicas voltadas para este grupo criminal dotada de meios eficazes de punição e controle para esses indivíduos, pois, atualmente, não há nenhuma previsão normativa cabível para o caso concreto (Costa, 2008). Ademais, existe a necessidade da diferenciação legal entre criminosos psicopatas e não psicopatas.
No entanto, apesar da atual deficiência do nosso sistema, caso a internação não esteja resolvendo o problema mental do apenado, ali internado sob o regime de medida de segurança, a solução será a sua desinternação, passando-se para tratamento ambulatorial. Entretanto, não devemos liberar de forma livre o paciente, se este ainda demonstra que, se não for corretamente submetido a um tratamento médico, voltará a trazer perigo para si próprio, bem como para aqueles que com ele convivem. (Greco, 2017, p. 120-121).
Parafraseando a legislação americana, os indivíduos portadores da psicopatia não possuem direito a liberdade condicional ou a progressão de regime carcerário, pois o fato do indivíduo possuir o diagnóstico de psicopatia é suficiente para ser negado a sua reinserção social, chegando, em alguns casos, a prisão perpétua.
Por conseguinte, a psicopatia necessita de fiscalização rigorosa e intensiva, pois qualquer falha em seu acompanhamento pode vir a trazer resultados imprevisíveis. As suas penas, portanto, devem ter acompanhamento e execução diferenciada dos demais presos. (Trindade, 2012, p. 19).
3.1. A pena
A pena é uma punição ou uma consequência imposta a alguém que violou uma regra ou uma lei. As penalidades podem ser de natureza criminal ou civil, e a penalidade imposta dependerá da natureza do delito e do sistema jurídico em que foi cometido.
Em casos criminais, surge para o Estado, via ação penal, o direito-dever de punir aquele que pratica uma ação típica, antijurídica e culpável que pode incluir multas, prisão, serviço comunitário, entre outras. Em casos civis, as penalidades podem incluir danos monetários ou uma liminar ordenando que o indivíduo interrompa determinado tipo de comportamento. O objetivo de uma penalidade é dissuadir as pessoas de cometer ofensas e responsabilizar os indivíduos por suas ações. Em alguns casos, o objetivo de uma penalidade também pode ser reabilitar o infrator e ajudá-lo a se tornar um membro produtivo da sociedade.
Segundo a definição dada por dicionários jurídicos brasileiros, entende-se como pena:
A imposição da perda ou diminuição de um bem jurídico prevista em lei e aplicada, pelo órgão judiciário, a quem praticou ilícito penal. No Brasil, elas podem ser: privativas de liberdade; restritivas de direito; de multa. (Santos, 2001, p. 182).
A pena criminal é, portanto, uma forma de sanção imposta pelo Estado e consistente na “perda ou restrição de bens jurídicos do autor da infração, em retribuição à sua conduta e para prevenir novos delitos”. (Dotti, 2005, p. 433).
Neste mesmo raciocínio:
A pena é como uma medida de caráter repressivo, consistente na privação de determinado bem jurídico, aplicada pelo Estado ao autor de uma infração penal. É a retribuição, privação de bens jurídicos, imposta ao criminoso em face do ato praticado. (Leal, 2004, p. 349).
No âmbito da pena, logo após a sentença condenatória, em conformidade com o artigo 8º da LEP, e o art. 34 do Código Penal, o condenado deverá ser submetido a exame criminológico, para comprovar o seu grau de periculosidade, a fim de contribuir com a individualização da sua pena que deverá ser adequada ao perfil de cada condenado, de modo individual. O art. 59 do Código Penal menciona que o juiz deve fixar a pena de modo a ser necessária e suficiente para a reprovação e para prevenção do crime.
Ocorre que no tocante aos delinquentes portadores de psicopatia, no momento da realização do exame criminológico, esse transtorno passa por muitas vezes despercebido, tanto pelo fato de que o sistema penitenciário brasileiro não possui infraestrutura adequada para o seu diagnóstico, quanto pelo desconhecimento dos profissionais em se aplicar métodos na sua avaliação. (Morana, 2006, p. 74-76).
Adentrando ainda mais no quesito das sanções penais, as penas podem assumir variadas formas diferentes e podem ser impostas para uma variedade de ilícitos diferentes. Em geral, as penas visam punir indivíduos ou entidades por violar a lei e impedir que outros cometam delitos semelhantes. Alguns tipos comuns de penas incluem multas, prisão, e serviço comunitário. A penalidade específica imposta em um caso particular dependerá da gravidade do delito, da jurisdição em que o delito foi cometido e de outros fatores.
O Brasil tem um sistema legal codificado, e as penalidades para os delitos são estabelecidas em nosso Código Penal e em outras leis especificas. As penas devem levar em consideração as características individuais do infrator, como idade, nível de escolaridade e outros fatores relevantes.
A pena, é entendida como:
Uma espécie de sanção penal consistente na privação ou restrição de determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado em decorrência do cometimento de uma infração penal, com as finalidades de castigar seu responsável, readaptá-lo ao convívio em comunidade e, mediante a intimidação endereçada à sociedade, evitar a prática de novos crimes ou contravenções penais. (Masson, 2009, p. 514).
O Direito Penal Brasileiro tipifica a pena para quem comete delitos em três espécies, sendo elas: a pena privativa de liberdade, a pena restritiva de direito e multas.
As chamadas penas privativas de liberdade são aquelas em que o condenado fica preso, tendo o seu direito de locomoção suspenso enquanto durar a sua prisão. Elas podem ser cumpridas inicialmente em regime fechado, semiaberto ou aberto, conforme a gravidade do crime e de acordo com a modalidade da prisão (Reclusão, detenção e prisão simples).
A reclusão admite o seu cumprimento nos três regimes (fechado, semiaberto, aberto), já a detenção compreende apenas aos regimes semiaberto e aberto, salvo a necessidade de transferência do condenado para o regime fechado e, por fim, a prisão simples admite o seu cumprimento em casos de contravenções penais.
No entendimento do artigo 33 do Código Penal, as penas em regime fechado devem ser cumpridas em estabelecimento de segurança (penitenciárias), já as penas de regime semiaberto devem se limitar as colônias penais e, por último, as penas em regime aberto são previstas para casas de albergado.
No entanto, por ausência de colônias penais e casas de albergue, as medidas geralmente adotadas são a de utilização de tornozeleira eletrônica para o regime semiaberto e cumprimento da pena domiciliar no caso do regime aberto.
Por outro lado, as penas restritivas de direito ou também chamadas como “penas alternativas” conforme estabelecidas no artigo 32 do Código Penal tem o objetivo de evitar a imposição do encarceramento do indivíduo condenado. Elas são aplicadas de acordo com o perfil de cada apenado e podem ser admitidas na forma de trabalho a comunidade (serviços comunitários), prestação pecuniária, sequestro de bens e valores, interdição temporária de direitos e/ou limitação de finais de semana.
Cabe destacar, no entanto, que a substituição entre a pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos somente pode ocorrer em hipóteses previstas no artigo 44 do nosso Código Penal, sendo elas: quando não houve violência ou grave ameaça no cometimento do crime, quando a pena aplicada não for maior do que 4 anos, ou para crimes culposos independente da pena, quando o réu não for reincidente em crime doloso, e quando o réu não possuir maus antecedentes. (Brasil, 2023, pag. 438).
Entretanto é válido ressaltar que para casos de condenação em crimes na esfera de violência doméstica, mesmo que a pena seja inferior a 4 anos, não é admitida a substituição por pena restritiva de direito, conforme entendimento enunciado na Súmula nº 588 do Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, as multas são entendidas como uma penalidade de natureza monetária que podem ser aplicadas para uma variedade de delitos tendo o seu valor calculado de acordo com a gravidade do crime e o seu dano ocasionado.
A finalidade da pena no Brasil é a de garantir a ordem pública, proteger a sociedade e assegurar a aplicação da lei penal. A pena também é utilizada como medida para garantir o comparecimento do acusado aos processos judiciais, bem como forma de cumprimento da pena imposta em caso de condenação.
Isto se reflete no artigo 59 do Código Penal, no qual estabelece que as penas devem ser necessárias e suficientes para reprimir e prevenir crimes. No Direito Penal é possível visualizar três grandes teorias que se destacam no quesito de se identificar a finalidade da pena, são elas: Absolutas, Relativas e Mistas.
A teoria denominada absoluta, observa a sanção como uma forma de retribuir o mal causado pelo infrator com um outro mal. Para esta teoria, a pena é vista como um mero instrumento de vingança contra aquele que praticou o crime.
Com base neste pensamento:
As teorias absolutas fundam-se numa exigência de justiça: pune-se porque se cometeu crime (punitur quia peccatum est.) Negam elas fins utilitários a pena, que se explica plenamente pela retribuição jurídica. É ela simples consequência do delito. É o mal justo aplicado ao mal injusto do crime. (Noronha, 2003, p. 225).
Em contrapartida, esta teoria não visa a recuperação social do infrator do tipo penal, pois ela é baseada principalmente na ideia de que a punição é necessária para proteger a sociedade dos infratores e não leva em conta, por exemplo, as nuances e as circunstâncias individuais de cada caso, o que pode resultar em punições desproporcionais e injustas.
Por outro lado, a chamada teoria relativa da pena, atribui a sanção a função preventiva do crime, ela se baseia na ideia de que a punição deve ser proporcional ao crime cometido e deve ter como fundamento principal a reabilitação e a reinserção social do infrator. Existem duas espécies de teorias relativas: da prevenção geral e da prevenção especial.
A prevenção geral se concentra na prevenção da criminalidade como o principal objetivo da punição. Ela se baseia na ideia de que a imposição de penas deve ser proporcional ao crime cometido, mas também deve ter em conta o impacto que a punição tem na sociedade e na prevenção de novos crimes. Esta espécie é dividida em duas categorias: a prevenção geral especial negativa e a prevenção geral especial positiva. A primeira, se concentra em intimidar e desestimular os infratores a cometer novos delitos, já a prevenção geral especial positiva, tem como objetivo a reabilitação e a reinserção social do criminoso, fortalecendo as normas penais e reduzindo a criminalidade a longo prazo.
Já a prevenção especial defende que além de se punir o infrator, existe o dever de que o condenado seja “corrigido” de forma que não volte a delinquir. Nessa, o intento principal não é o de intimidar, mas sim, reeducar e ressocializar o criminoso. Corroborando este entendimento “na prevenção especial, a pena visa o autor do delito, retirando-o do meio social, impedindo-o de delinquir e procurando corrigi-lo”. (Jesus, 2003, p. 519).
Por fim, a teoria mista utiliza uma abordagem que combina elementos tanto da Teoria Absoluta quanto da Teoria Relativa da Pena. Ela defende que a punição deve ser proporcional ao crime cometido, levando em conta as circunstâncias específicas do caso e do acusado, mas também deve incluir um componente retributivo para proteger a sociedade de indivíduos perigosos e diminuir os índices de criminalidade.
Outros doutrinadores ao se referirem a ela, compreendem que:
A teoria mista ou unitária da pena tem caráter retributivo preventivo. Retributivo porque consiste numa expiação do crime, imposta até mesmo aos delinqüentes que não necessitam de nenhuma ressocialização. Preventivo porque vem acompanhada de uma finalidade prática, qual seja, a recuperação ou reeducação do criminoso, funcionando ainda como fator de intimidação geral. (Barros, 2003, p. 438).
Ela se concentra, então, em garantir que as penas sejam aplicadas de forma proporcional e justa, e também busca incluir medidas de prevenção e reabilitação para reduzir a reincidência criminal e contribuir para a reinserção social do infrator.
Nesse viés, segundo entendimento majoritário, esta é a teoria observada no Código Penal Brasileiro, pois como já supracitado, o artigo 59 traz tanto a necessidade de prevenção quanto a necessidade de reprovação do crime. Senão, vejamos:
Art. 59 – O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para a reprovação do crime. (Brasil, 2023, pag.436).
3.2. A medida de segurança
As medidas de segurança são previstas no ordenamento penal brasileiro como uma espécie de sanção, com o objetivo de garantir a ordem pública, a aplicação da lei penal e a proteção da sociedade, sem a necessidade de prisão.
A Legislação Penal, entre os artigos 96 e 99, as descreve segundo a dogmática de que as medidas de segurança representam formas de tratamento obrigatório para agentes que cometem atos que configuram como crimes, mas por serem dotados de doenças ou transtornos em sua saúde mental, não podem sofrer as penas típicas do nosso ordenamento.
Elas possuem um caráter preventivo, aplicada ao sujeito que possui a condição de inimputável ou semi-imputável. Segundo o artigo 26 do Código Penal, caput, considera-se inimputáveis os agentes declarados inteiramente incapazes de compreender a natureza ilícita do seu ato em virtude de doença mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, já para os indivíduos semi-imputáveis, esses, possuem a sua capacidade diminuída de discernimento, em razão de perturbação da saúde mental ou similar.
As medidas de segurança: “são sanções penais destinadas aos autores de um injusto penal punível, embora não culpável em razão da inimputabilidade do agente.” E, para que tais sanções possam ser aplicadas, “exige-se o concurso simultâneo de todos os requisitos e pressupostos do crime, com exceção da imputabilidade do autor, unicamente”. (Queiroz, 2010, p. 437).
Nesse mesmo entendimento, Guilherme Nucci define medida de segurança como:
Uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado. (Nucci, 2007, p. 479).
A partir destes conceitos, é essencial destacar que este instituto se difere das penas, pois, enquanto as penas possuem um caráter retributivo e se baseia na culpabilidade do agente, as medidas de segurança se fundamentam na periculosidade do agente, além de que não incide sobre ela os benefícios do sistema progressivo.
Outro fator é que:
A medida de segurança constitui uma providência do poder político que impede que determinada pessoa, ao cometer um ilícito-típico e se revelar perigosa, venha a reiterar na infração, necessitando de tratamento adequado para sua reintegração social. (Ferrari, 2001, p. 15).
Ressalta-se que esse mecanismo, ao contrário das penas, pode ser imposto pelo magistrado por período indeterminado e pode permanecer enquanto a periculosidade do agente não cessar. A periculosidade será constatada a partir de avaliação médica revista periodicamente para garantir que o agente não venha a cometer novos delitos. No entanto, cabe ressaltar que, embora o ordenamento jurídico não preveja, de forma expressa, o tempo máximo para a aplicação das medidas de segurança, o Código Penal determina em seu artigo 96, § 1º, que a internação ou tratamento deve durar, no mínimo, 1 (um) a 3 (três) anos.
Com base no entendimento doutrinário, nota-se que, para este instituto, há três requisitos necessários para a sua aplicação, pois, obrigatoriamente, deve haver a realização de um fato tido como ilícito, e, necessariamente, tem de ser constatada a periculosidade do agente, além de sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade.
Bitencourt, entende por periculosidade, “um estado subjetivo mais ou menos duradouro de antissociabilidade, constituído por um juízo de probabilidade – tendo por base a conduta antissocial e a anomalia psíquica do agente”. (Bitencourt, 2017. P. 783).
Ainda nesta esfera da periculosidade criminal, pressuposto necessário para aplicação da medida de segurança, doutrinadores a entendem como “um risco representado por circunstâncias que prenunciam um mal para alguém, ou para alguma coisa, resultando ameaça, medo ou temor à sociedade”. (Ferrari, 2001, p. 153).
Destaca-se também que o Código Penal preceitua dois tipos de periculosidade: a periculosidade presumida quando o agente for inimputável, nos termos do artigo 26, caput, e a periculosidade real reconhecida pelo magistrado, quando se tratar de agente semi-imputável que necessite de “especial tratamento curativo”.
Retornando os aspectos acerca da medida de segurança, essa, conceitualmente falando, é um tipo de sanção penal, imposta pelo Estado aos agentes que cometeram delitos, mas por possuírem perturbações em sua saúde mental, não podem sofrer as penas típicas. O fundamento de sua aplicação reside na questão de evitar que o criminoso que apresente periculosidade volte a delinquir.
Em via de regra, ao sujeito inimputável por doença mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que era, ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato, não se aplica pena, mas medida de segurança.
Já em relação ao indivíduo considerado semi-imputável que, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato, aplica-se, por decisão do magistrado, a pena reduzida ou a sua substituição por medida de segurança, de acordo com o disposto no art. 98 do Código Penal.
Em nosso ordenamento, há dois tipos de medidas de segurança que a Legislação Penal, em seu art. 96 e incisos, preceitua: A medida de segurança detentiva e a medida de segurança restritiva.
A medida de segurança detentiva é prevista no art. 96, inciso I, do CP, e consiste na internação do agente em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico.
O artigo 99 do Código Penal estabelece que “o internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento” (Brasil, 2023, p. 443) impedindo que o internamento ocorra em estabelecimento penal comum. Pois, o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico “trata-se de um hospital-presídio, destinado a tratamento e, paralelamente, à custódia do internado”. (Ferrari, 2001. P. 84).
Cabe ressaltar que este tipo de pena se destina, obrigatoriamente, aos sujeitos inimputáveis ou semi-imputáveis que cometeram crimes passíveis com pena de reclusão e, opcionalmente, aos agentes inimputáveis ou semi-imputáveis que praticaram crimes puníveis com pena de detenção.
Por outro lado, a medida de segurança restritiva, é prevista no art. 96, inciso II, CP, e consiste na submissão do indivíduo inimputável ou semi-imputável a tratamento ambulatorial. Este tipo de tratamento é fornecido aos agentes que cometeram crimes classificados de menor potencial ofensivo, puníveis apenas com detenção, cumprida sem a privação da liberdade do enfermo mental.
Cabe destacar que a diferenciação de aplicabilidade entre as duas espécies de medidas de segurança vem gerando controvérsias, pois, segundo alguns autores, há a necessidade de abolir a diferenciação entre os efeitos da decisão acerca de crime punido com reclusão e detenção, contida no art. 97 do Código Penal, pois:
O fato do crime ser punido com reclusão não pode resultar em internação inadequada e desnecessária. A espécie de medida de segurança deve (ria) variar de acordo com a necessidade do sujeito, e não conforme a espécie de pena privativa de liberdade cominada. (Junqueira, 2010, p. 52).
Rogério Greco, no mesmo sentido entende que:
Independente desta disposição legal (art. 97 CP), o julgador tem a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável, não importando se o fato definido como crime é punido com pena de reclusão ou de detenção. (Greco, 2017, p. 641/642).
Quanto aos prazos máximos de cumprimento dessas duas espécies de medida de segurança, os parágrafos 1º e 2º do art. 97 do CP, estabelecem que será por tempo indeterminado, e perdurará enquanto não for constatada a cessação da periculosidade do agente, mediante perícia médica. Esta falta de prazo máximo, no entanto, culminou, em 2015, na edição da Súmula nº 527 do Superior Tribunal de Justiça que determinou que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. Antes disso, o Superior Tribunal Federal, já tinha se posicionado no sentido de que o tempo de duração da medida de segurança não poderia exceder o limite máximo de trinta anos, previsto no art. 75 do Código Penal. Convém destacar que, atualmente, com a aprovação do Pacote Anticrime o prazo máximo passou para 40 (quarenta) anos.
No entanto, para o prazo mínimo da medida de segurança, seja ela detentiva ou restritiva, o Art. 97, § 1°. Preceitua que será de 1 (um) a 3 (três) anos. Após este prazo mínimo, será realizada perícia médica no agente, que se repetirá de ano em ano ou a qualquer tempo, por determinação judicial, conforme estabelecido no art. 97, parágrafo § 2.º, do CPB.
Ex positis, destaca-se que a medida de segurança é uma espécie de sanção de natureza preventiva aplicada ao agente que não goza da plena ou parcial capacidade de culpa, em decorrência da prática de um ilícito penal. Esta espécie de pena possui como principal objetivo retirar o indivíduo do convívio social e submetê-lo a tratamento clinico com o intuito de cessar a sua periculosidade sob a forma de ressocialização. (Levorin, 2003, p. 161).
Para alcançar esta finalidade, como já visto, a medida de segurança necessita do preenchimento de três requisitos, sendo eles: a prática do fato previsto como crime, a classificação do sujeito delinquente como inimputável ou semi-imputável e a constatação da periculosidade do agente, todos esses enunciados no art. 26 do CP.
Ela possui esta finalidade, pois, constitui uma forma de controle social, anulando ou diminuindo as causas individuais de novos delitos, uma vez que possui o intento de modificar, a partir de tratamentos, a personalidade do infrator.
Observa-se o entendimento trazido por Cléber Masson, que entende que:
Medida de segurança é a modalidade de sanção penal com finalidade exclusivamente preventiva, e de caráter terapêutico, destinada a tratar inimputáveis e semi-imputáveis portadores de periculosidade, com o escopo de evitar a prática de futuras infrações penais. (Masson, 2017, p. 955).
Assim, a sua finalidade preventiva atua com base na recuperação do enfermo mental, a fim de torná-lo apto a reintegrar a sociedade sem voltar a praticar fatos lesivos.
Ressalta-se, no entanto, que esta reintegração somente será possível após a cessação da periculosidade do agente fundamentada através exame clínicos, o qual será aplicado ao fim do período mínimo imposto pelo juiz para a duração da medida de segurança ou a qualquer momento mesmo antes do término da pena se determinado pelo Juiz da Execução, conforme artigo 176 da Lei de Execuções Penais. Porém, apenas após a determinação pelo perito de que o indivíduo submetido à medida de segurança não apresenta mais periculosidade (para a sociedade) este será remetido à liberdade e a finalidade da medida de segurança estará alcançada.
4. DA RESPONSABILIDADE PENAL
A responsabilidade para o Direito representa a obrigação de responder por determinados comportamentos. Quando tal comportamento viola um dever jurídico, se tem a autorização de impor uma sanção jurídica ao violador. As sanções podem variar, pois temos, por exemplo, em nossa Legislação a previsão constitucional da responsabilidade decorrente do cometimento de ato antijurídico, no âmbito do Direito Civil, em que se permite a responsabilização do culpado mediante a obrigação de indenizar em favor do titular do direito afetado.
Já em termos de Direito Penal, a responsabilidade criminal foi formulada a partir da ideia de livre arbítrio, tendo se consolidado a partir da Escola Clássica, e somente ocorre em desfavor do sujeito ativo do crime, onde a intervenção penal pode variar desde a suprimir ou até restringir direitos garantidos constitucionalmente. Neste viés, apenas indivíduos e pessoas jurídicas são passíveis de responsabilização criminal, e esta responsabilização consoante com o princípio da culpabilidade ocorre de forma subjetiva, a qual é necessário provar a existência de dolo ou culpa por parte do agente delituoso. Pois, não se pode atribuir a responsabilidade a determinado indivíduo, se ele não produziu culposa ou dolosamente o resultado ilícito. (Masson, 2014, p. 70).
A responsabilização criminal pressupõe, então, o cometimento, por parte do agente, uma conduta típica, ilícita e culpável (teoria do crime), em que se visa a prevenção de delitos e a retribuição do mal causado. A prevenção, moralmente estabelecida, está vinculada à ideia de merecimento de pena com fins puramente punitivos e preventivos ao agente praticante da conduta delituosa. Tal noção, é fundamentada em nossa doutrina pela necessidade de pena ao agente que, com livre arbítrio, se emergiu na prática criminosa.
É fato que, para haver responsabilização criminal, há de existir culpabilidade do agente, pela simples razão de que o Direito Penal só pode impor uma sanção caso, este, seja culpável. Pressupõe-se ainda mais que a responsabilidade penal dependa da imputabilidade do agente, vez que apenas o indivíduo com capacidade de entendimento e autodeterminação pode sofrer uma pena. Somente este e ninguém mais pode ser penalmente responsabilizado pelo seu comportamento ofensivo a direito alheio. E em razão disso:
A imputabilidade distingue-se da responsabilidade por ser antecedente lógico desta última, ou, noutras palavras, pelo fato de somente pode haver responsabilização penal se o agente delituoso for imputável. (Silva, 2011, p. 22).
Assim, a imputabilidade do agente necessariamente não implica em sua responsabilidade, pois ele pode não ter atuado culpavelmente por lhe faltar liberdade para agir de acordo com a norma penal. Posto isto, o fundamento da responsabilidade penal é definido a partir da livre vontade do sujeito, uma vez que, somente quando atua livremente, o agente pode ser responsabilizado penalmente, e em consequência disso, poderá suportar as consequências de sua conduta delituosa.
4.1. Da culpabilidade e da imputabilidade
A culpabilidade é conceituada como um dos elementos do conceito jurídico de crime. É o juízo de reprovação pessoal, presente na conduta típica e antijurídica, à qual, o agente do delito praticou.
Segundo a teoria tripartida do crime, não é possível se falar em crime sem a junção desses três elementos (culpabilidade, tipicidade e ilicitude do ato). A culpa, é responsável pelo elo, nexo causal entre a ação e o resultado. Não há que se falar em culpa, quando o agente não concorreu com o resultado, ou seja, quando este último fora gerado pelo acaso. Nulla crimen sine culpa. Já no âmbito da fixação da pena, este instituto procura ser proporcional à culpabilidade do agente, assim, quanto maior for a reprovabilidade da conduta praticada, é provável que maior seja a intensidade da sanção a ele correspondente.
A legislação penal define, ainda, como causas de exclusão de culpabilidade aquelas condutas que ocorrem quando o sujeito ativo pratica determinado ato ilícito tipificado no Código Penal, sem a culpa de tê-lo cometido. O texto legal, configura como causas de exclusão da culpabilidade aquelas descritas no artigo 22, caput, como: “Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. (Brasil, 2023, pag. 436).
Portanto, a Legislação Penal, exime de culpa o agente que comete um ato antijurídico sob “coação irresistível” ou em estrita obediência hierárquica.
Por imputabilidade, um dos pressupostos da culpabilidade, essa, é conceituada, nos termos do texto legal brasileiro, como a capacidade do indivíduo de entender o caráter ilícito do fato e comportar-se de acordo com este entendimento. Em outras palavras, a imputabilidade é a capacidade de entendimento e autodeterminação do indivíduo e, em consequência disto, o agente inimputável suprime a sua culpabilidade, e a existência do próprio fato punível, impedindo a sua responsabilização como autor da conduta típica e ilícita, uma vez que: “Não se pode reprovar nem castigar a quem não seja capaz de reprovação e de castigo’’. (Maggiore, 2000, p. 479).
Essa esteira de pensamento é estabelecida no artigo 26, caput, do Código Penal Brasileiro, que considera inimputável quem era: “Ao tempo da ação ou omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento”. (Brasil, 2023, pag. 437).
Por sua vez, o critério para a especificação da inimputabilidade é de fator biopiscológico que exige anomalias mentais no agente ou a sua total incapacidade de entendimento. Como já aduzido, o nosso sistema jurídico trata, em alguns casos, o indivíduo portador da psicopatia com culpabilidade diminuída, impondo a ele, uma pena de cárcere com redução de caráter obrigatório ou medida de segurança, conforme disposto no art. 26, parágrafo único do Código Penal.
Porém, ao contrário do agente inimputável, o imputável é aquele capaz de entender (o que faz) e de querer (o que faz), possuindo todas as suas capacidades de entender e de querer praticar o ato típico e ilícito, ao tempo de sua ação, totalmente preservadas. Ou seja, se o agente possui a plena capacidade de discernir o que é certo e o que é errado e de controlar as suas vontades, este, é considerado como imputável, já aqueles que não gozam de nenhum discernimento sobre a situação que praticou, inimputáveis.
O texto legal do Código Penal Brasileiro, preceitua como causas de exclusão de imputabilidade os agentes que, ao tempo do fato, possuem doença mental, desenvolvimento mental incompleto ou retardado, menoridade, embriaguez acidental completa, e embriaguez patológica completa.
Por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, retardado, a doutrina e a jurisprudência entendem ser uma variação de comportamento, em que o indivíduo pensa e age diferente da maioria, sentindo dificuldades cognitivas para se relacionar e se expressar. Será necessário uma espécie de avaliação de insanidade mental do acusado, por meio de perícia psiquiátrica, a fim de avaliar se o agente, no momento do fato, apresentava a falta de capacidade em compreender a ilicitude de sua ação. Caso o juiz concorde com a perícia, ao sujeito será aplicado uma pena diminuída (de um a dois terços) ou uma medida de segurança, conforme estabelecido no art. 26, caput, do CPB. (Brasil, 2023, pag. 437).
4.2. Imputabilidade x semi-imputabilidade
Como já mencionado, a imputabilidade consiste na capacidade de entendimento do caráter ilícito da conduta de um indivíduo, no qual:
Sempre que o agente for imputável será penalmente responsável, em certa medida, e se for responsável, deverá prestar contas pelo fato crime a que der causa, sofrendo, na proporção direta de sua culpabilidade, as consequências jurídico-penais previstas em lei. (Toledo, 2000, p. 314).
Nesse diapasão, entende-se que imputável é o agente que, no momento de sua ação, possuía capacidade de entendimento ético jurídico e de auto entendimento, sendo inimputável, aquele que, ao tempo do seu ato, em razão de enfermidade cognitiva, não gozava desta capacidade.
O elemento fundamental é, portanto, a aptidão mental de entender o caráter ilícito do tipo penal, que consiste essencialmente na sua higidez psíquica, na qual a sua ausência permite ao sujeito ser tratado como inimputável. Porém, não basta que o agente possua algum tipo de enfermidade mental, é necessário que, ao tempo do seu ato, ele esteja inteiramente incapaz de entender e de querer o resultado ilícito de sua ação ou omissão. (Mirabete, 2010, p. 119).
Por outro lado, a semi-imputabilidade elencada no artigo 26 do Código Penal, se encontra presente em casos onde o agente possui a perda de parte da capacidade de entendimento e de autodeterminação, em razão de influência de perturbação mental ou de desenvolvimento mental incompleto ou retardado. A semi-imputabilidade se diferencia da inimputabilidade pelo fato de que, a primeira, tem o elemento classificador como a presença de perturbação mental, enquanto que a inimputabilidade é a própria doença mental. Nesta esfera, a doutrina entende como perturbação mental: “As alterações do pensamento, das emoções e do comportamento”. (Sadalla, 2019, p. 105).
E ainda que seja uma diminuição psíquica, esta, não condiciona ao agente a retirada, totalmente, de sua inteligência e vontade. Na verdade, o instituto da semi-imputabilidade é tratada como uma zona que flutua entre a imputabilidade e a inimputabilidade do agente, pois, os semi-imputáveis não são portadores efetivamente de doenças psíquicas, mas possuem alterações mentais que os impedem de ter total discernimento a respeito dos seus atos praticados.
Nesse sentido, em razão do agente possuir parcial capacidade de entender suas ações, ele será classificado como imputável, porém, sua responsabilização criminal será diminuída pelo fato de ter a culpabilidade reduzida por consequência das suas condições psíquicas. Nestes casos, se entende que não há a inteira condição psicológica do agente, mas sim parcial. Assim, a responsabilidade penal também deverá ser proporcional a sua condição mental.
Por este viés, a pessoa classificada como semi-imputável: “Contém diminuída sua capacidade de censura, de valoração, consequentemente a censurabilidade de sua conduta deve sofrer redução”. (Bitencourt, 2018, p. 710).
Sendo reconhecido como semi-imputável, ao agente será sentenciado uma pena reduzida de um a dois terços ou pena privativa de liberdade substituída por medida de segurança, conforme preceitua o art. 98 do Código Penal.
Ressalta-se que para a classificação de um indivíduo como semi-imputável, o ordenamento jurídico brasileiro prevê a requisição do incidente de sanidade mental e do exame médico legal a fim de reconhecer se o indivíduo realmente não era totalmente capaz de entender o caráter ilícito do seu ato.
Por conseguinte, a prova da semi-imputabilidade do agente:
É feita por meio de um laudo pericial, no qual o psiquiatra forense atesta a qualidade da consciência crítica e das faculdades mentais do examinando, o que também orienta, no que cabível, a escolha judicial da medida de segurança, sem determiná-la. (Abdalla-Filho; Chalub; Telles, 2016, p. 1.039-1.040).
Posto isto, verificada a alteração psíquica do indivíduo, o magistrado deverá despachar uma sentença condenatória para, então, analisar a pena mais adequada e a finalidade da sanção: redução de pena ou aplicação de medida de segurança. Imposta a redução de pena, esta, deverá ser prescrita em proporção com o grau de perturbação mental do semi-imputável. No entanto, admitida uma necessidade de tratamento especial para o transtorno psíquico do indivíduo, o magistrado deverá substituir a pena restritiva de liberdade por uma medida de segurança, como internação hospitalar ou tratamento ambulatorial.
5. ANÁLISE DA APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA OU DA PENA EM CASOS DE PSICOPATIA
A medida de segurança é um instituto jurídico previsto no Código Penal Brasileiro para casos em que o autor de um crime não pode ser considerado plenamente culpado devido a transtornos mentais que o tornam inimputável ou semi-imputável, ou seja, incapaz de entender a ilicitude de seus atos ou de se comportar de acordo com essa compreensão. Neste sentido:
Atualmente, o imputável que praticar uma conduta punível sujeitar-se-á somente à pena correspondente; o inimputável, à medida de segurança, e o semi-imputável, o chamado fronteiriço, sofrerá pena ou medida de segurança, isto é, ou uma ou outra, nunca as duas, como ocorre no sistema duplo binário. (Bitencourt, 2017, p 689).
Para casos de indivíduos com psicopatia a medida de segurança visa controlar a sua periculosidade, uma vez que se trata de internação compulsória, a qual afasta o indivíduo do convívio social, o deixando sob supervisão, seja ela internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou tratamento ambulatorial.
Ressalta-se que a sua coordenação é realizada por profissionais da saúde, principalmente psiquiatras, que possuem conhecimento técnico para administrar o tratamento adequado de tais indivíduos, sendo eles encarregados pelo acompanhamento e diagnóstico do seu grau de periculosidade. Isto porque, analisando todos os atributos desfavoráveis dos criminosos psicopatas, em especial a sua predisposição para a reincidência, faz-se necessário acompanhá-los detalhadamente a fim de se evitar a sua reinserção social antecipada, tendo em vista o perigo que eles apresentam à sociedade.
Adentrando no quesito da aplicabilidade da medida de segurança frente a casos de indivíduos portadores de psicopatia, Mariana Oliveira (2017) e Brito (2005, p. 9-17) esclarecem que o psicopata possui saúde mental afetada, no entanto, sem incumbir totalmente a sua compreensão a respeito das regras éticas e morais. Isto posto, afirmam que os psicopatas não são doentes mentais, logo são semi- imputáveis, devido a sua periculosidade. Portanto, passíveis de receberem medida de segurança.
Assim, a possibilidade em se aplicar a medida de segurança em casos de psicopatia no Brasil pode ser justificada, em parte, pela preocupação com a reabilitação e tratamento desses indivíduos e pelo seu alto grau de reincidência e periculosidade. Pois, como já aduzido, a psicopatia é um transtorno difícil de tratar, mas intervenções terapêuticas podem ajudar a reduzir comportamentos prejudiciais e a melhorar a qualidade de vida dos indivíduos afetados. Além disso, de igual modo, a aplicação da medida de segurança pode proteger a sociedade ao restringir a liberdade desses indivíduos, impedindo que cometam novos crimes enquanto recebem tratamento.
Isso se faz necessário, pois esses indivíduos necessitam de controle vigiado e intenso, uma vez que qualquer falha em seu sistema de acompanhamento carcerário pode vir a trazer resultados inesperados. Convém destacar, entretanto, que a aplicação da medida de segurança em casos de psicopatia não se dá de forma automática e depende de uma avaliação cuidadosa por profissionais de saúde mental e do próprio sistema de justiça.
Tendo em vista a medida de segurança como possibilidade de tratamento o seu objetivo central é a recuperação do sujeito ao ser submetido a está sanção penal (Prado, 2010, p.394). Ademais, este mesmo mecanismo de controle social mostra-se apto para os apenados considerados inimputáveis ou semi-imputáveis.
Por sua vez, por motivos de periculosidade, o indivíduo psicopata possui a tendência em voltar a cometer delitos, e, por este sentido requer tratamento curativo. (Capez, 2008, p.310-313). Desse modo, embora a medida de segurança possa apresentar falhas em seu tratamento curativo, para alguns, ela pode ser considerada eficaz no controle do psicopata, pois habilita o seu tratamento enquanto está recluso em uma unidade de saúde e por conseguinte, possibilita um acompanhamento especializado.
Não obstante, caso não seja aplicada a medida de segurança em casos de psicopatia e sim a pena, Mira y Lopez (2005), Trindade (2004) e Oliveira (2001) asseveram que a pena com privação de liberdade não seria uma maneira de punição adequada pelos comportamentos criminosos do agente portador de psicopatia. Está dedução ocorre pelo fato de que, esses agentes, não conseguem aprender com a experiência vivida, descaracterizando a finalidade de ressocialização imposta na pena.
Entretanto, mesmo que para alguns doutrinadores a pena privativa de liberdade não seja considerada plenamente adequada para portadores da psicopatia pela sua dificuldade em assimilar a relação crime-castigo, essa, pode ser uma alternativa viável, pois, até o presente momento não há nenhum tratamento farmacológico ou terapêutico que tenha se mostrado plenamente eficiente no controle do caráter psicopático do agente. Somado a isso:
Um estudo de follow-up em um programa de comunidade terapêutica, realizado em um centro de saúde mental de segurança máxima em Ontário, encontrou que psicopatas que completaram a terapia, recidivaram em elevado grau, comparados com aqueles que não receberam nenhuma terapia. Outras experiências ocorreram e confirmaram a ideia de que o tratamento comunitário, ao invés de fazer com que os psicopatas aumentem o seu grau de empatia com os outros, os ensinam a manipular as vulnerabilidades e inseguranças humanas. (Morana, 2003, p.68).
Assim, observamos que assim como a pena privativa de liberdade, a medida de segurança não representa uma completa solução para definir que os problemas causados por psicopatas serão extintos, pois tal transtorno não possui cura e as sessões de psicoterapia podem vir a torná-lo um criminoso ainda mais habilidoso na capacidade de manipular, elevando o seu grau de periculosidade. Diante desse cenário, mostra-se também inadequado a aplicação da medida de segurança em indivíduos portadores da psicopatia.
Pois, por mais que a finalidade da medida de segurança seja divergente da aplicação da pena, ambas não são consideradas eficazes para a ressocialização do criminoso psicopata.
Como já visto, a primeira apresenta finalidade de cunho preventivo, devido ao intermédio de seu tratamento curativo, já a pena, possui caráter retributivo e intimidatório, com finalidade na reinserção social, entretanto, em nenhuma delas, o psicopata é atingido pela função da sanção penal. Quanto ao prazo de duração, do mesmo modo que é descrito nas penas privativas de liberdade, as medidas de segurança possuem prazo máximo de duração, que não pode superar a pena máxima abstratamente cominada ao delito, disposição que decorre da interpretação e aplicação dos princípios fundamentais do direito penal, além de entendimento pacificado no Supremo Tribunal Federal (STF), através do julgamento do habeas corpus nº 107432/RS, na qual a medida de segurança não poderá ultrapassar o tempo da pena cominada em abstrato ou não poderá ser superior a 30 anos, posteriormente modificado para 40 anos pela Lei 13.964/19, sendo que após tal período o indivíduo deve ser posto em liberdade.
Outra razão para que a medida de segurança não atinja de forma plena o seu caráter preventivo e terapêutico aos agentes diagnosticados com psicopatia, se dá porque esses indivíduos acreditam que estão bem, e não há nada de errado com eles, e isso acaba sendo um grande obstáculo no processo psicoterápico, pois é essencial que o paciente desse tipo de programa perceba o seu problema para, uma vez trabalhando junto ao terapeuta, possa superar suas limitações e melhorar o seu comportamento. Ademais, assim como em regimes prisionais fechados, esses agentes acabam ludibriando os psicoterapeutas que se encontram à frente dos programas de tratamento, simulando uma falsa evolução clínica de forma a visar a sua liberação antecipada.
5.1. Reincidência do estado mórbido do agente com psicopatia
Com base no estudo publicado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) no ano de 2015, o estado brasileiro possui mais de 80% de reincidência criminal. Desses 80%, uma grande parcela é de encarcerados portadores de psicopatia tendo em vista a sua incapacidade de aprendizado com a sanção penal e a sua extrema capacidade em adaptar-se a regras quando lhes convém. E é devido a essas singularidades que, quando postos em liberdade, é provável que irão reincidir, criando, assim, um ciclo interminável, pois “A psicopatia é um dos prognósticos mais poderoso de reincidência de crimes” (Porter, 2009, p. 12) principalmente porque:
Os psicopatas iniciam a vida criminosa em idade precoce, são os mais indisciplinados no sistema prisional, apresentam resposta insuficiente nos programas de reabilitação, e possuem os mais elevados índices de reincidência criminal. (Trindade, 2009, p. 23/24).
Na mesma perspectiva:
Estudos revelam que a taxa de reincidência criminal (capacidade de cometer novos crimes dos psicopatas é cerca de duas vezes maior que a dos demais criminosos. E quando se trata de crimes associados à violência, a reincidência cresce para três vezes mais. (Silva, 2008, p. 133).
Mesmo de posse de tamanha individualidade, estes agentes, por muita das vezes, são considerados imputáveis ao ordenamento jurídico brasileiro, devendo cumprir suas penas dividindo o ambiente com outros delinquentes. No entanto, é durante esta convivência que os psicopatas assumem o controle prisional, provocam motins e rebeliões e prejudicam a ressocialização de outros apenados. Esse comportamento ímpar, por sua vez, se deve a grande habilidade que os psicopatas possuem em manipular e dissimular o meio em que habitam. Acerca da cura deste indivíduo através de internação compulsória visando a sua efetiva ressocialização, atualmente é impossível, uma vez que, as terapias, medicamentos e psicoterapia, não geraram resultados positivos, pois não foi possível a introdução do sentimento de culpa em suas consciências. (Silva, 2008).
E é em razão dessas singularidades que a execução de suas penas deve ocorrer de forma rigorosa e intensa, pois para onde quer que sejam destinados, causarão malefícios ao redor. Por isso, faz-se necessário identificá-los e avaliá-los de forma mais minuciosa antes da execução de suas penas e/ou concessão de benefícios legais, uma vez que ao retornarem para o convívio social certamente voltarão a transgredir.
Uma das soluções para a problemática de identificação destes agentes é a utilização do chamado teste PCL-R (Psychopathy Checklist Revised) nos sentenciados, como forma de definir o diagnóstico do infrator e avaliar o grau da possível psicopatia. Entretanto, como é perceptível, o judiciário brasileiro ainda não é apto o suficiente em utilizar as técnicas da Psicologia Forense, pois não possuímos estrutura e tampouco orçamento para viabilizar a contração e capacitação de peritos qualificados no assunto, que sejam habilitados a utilizar a tabela PCL-R), a fim de verificar a psicopatia do infrator.
5.2. Casos concretos de aplicação da medida de segurança e da pena em indivíduos portadores de psicopatia como mecanismo de segurança social.
Adentrando no quesito legal da utilização da medida de segurança como mecanismo de controle social para sentenciados portadores de psicopatia:
A medida de segurança é uma sanção penal e, embora mantenha semelhança com a pena diminuindo um bem jurídico, visa precipuamente à prevenção, no sentido de preservar a sociedade de ação de delinquentes temíveis ou de pessoas portadoras de deficiências psíquicas, e submetê-las a tratamento curativo. (Mirabete, 2010, p. 119).
No que pese a sua utilização, existem magistrados que entendem que os agentes portadores de psicopatia são semi-imputáveis e, com escopo no art. 26 do CPB, gozam, assim, da vantagem da diminuição de sua pena em 1 a 2/3 ou da substituição dessa por medida de segurança. (Leal, Leão, 2019).
No entanto, infere-se que tal assunto é polêmico, pois há juristas que entendem que o criminoso portador de personalidade psicopática deva ser condenado com pena privativa de liberdade e obrigação de cumprir a sua pena com presos considerados “comuns”.
Mesmo de posse de tais divergências, o STF já reconheceu a possibilidade da utilização da medida de segurança, tendo por base a semi-imputabilidade do agente delituoso com diagnóstico de psicopatia, o que conforme o Ministro Sebastião Reis Júnior:
Embora a psicopatia não seja analisada como uma doença mental, pode ser vista como uma ponte entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais, pelo que os agentes psicopáticos necessitam ser considerados semi-imputáveis. (Reis Júnior, 2018).
Nota-se, portanto, a principal característica da medida de segurança em que se busca evitar que um violador da norma penal, com alto grau de periculosidade, volte a delinquir.
Adiante, será apresentado dois casos reais de crimes praticados por indivíduos portadores de psicopatia que foram sentenciados, em momentos distintos, a aplicação da medida de segurança e à pena privativa de liberdade. Apesar de cada um possuir sua singularidade, é possível perceber algumas semelhanças entre as suas condutas, como a simples ausência de razões para os seus cometimentos e a brutalidade empregada.
O primeiro, com grande notoriedade à época no Brasil, foi o assassinato do casal Felipe Caffé e Liana Friendenbach, tendo como autor a pessoa de Roberto Aparecido Alves Cardoso, popularmente conhecido como “Champinha”, e por local do crime a região de Embu-Guaçu no estado de São Paulo. A morte das vítimas ocorreu de forma injustificada, pois nenhuma das partes possuía qualquer ligação. “Champinha” as assassinou utilizando arma de fogo e facas, simplesmente para satisfazer o seu prazer instantâneo de causar sofrimento a elas. Convém ressaltar que antes de assassinar a jovem, Champinha a abusou sexualmente por diversas vezes. Por ser menor de idade ao tempo de sua ação, Champinha foi condenado a medidas socioeducativas, porém, em meados de 2007, a justiça o submeteu a uma medida de segurança com prazo incerto.
O segundo, possui como autor a pessoa de Francisco Costa Rocha ou vulgarmente conhecido como “Chico Picadinho”. Francisco, cometeu uma série de assassinatos, tendo sido o primeiro datado em 4 de agosto de 1966, ao assassinar Margareth Suida, uma bailarina e massagista austríaca, no interior de seu apartamento. Francisco esquartejou e cortou o corpo da vítima, utilizando armas brancas, tais como: faca de cozinha, tesoura, lâmina de barbear e chave de fenda. (Sacramento, 2012). No entanto, após cumprir oito anos de prisão por este homicídio, Chico foi solto, em razão de um laudo pericial de uma junta médica, a qual ressaltou a sua aptidão em voltar ao convívio social. Porém, em outubro de 1976, praticou mais um homicídio. Dessa vez, a vítima se chamava Ângela Souza, a qual foi morta esquartejada no interior de um apartamento de propriedade de um amigo de sua família. Após vinte e oito dias foragido, o delinquente novamente foi preso e apenado com uma pena privativa de liberdade, entretanto, em 2017, após decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, Francisco obteve a substituição de sua pena para internação na Casa de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Taubaté/SP, enquanto não houver a extinção de sua periculosidade. (Leimig, 2017).
Nestes casos em concreto, verifica-se o mesmo modus operandi empregado nos delitos, no qual é utilizado de forma a satisfazer o próprio instinto do psicopata criminoso.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de toda exposição aqui detalhada, observa-se que embora a psicopatia não seja enquadrada como uma doença mental, mas sim como um transtorno de personalidade antissocial, é perfeitamente plausível classificá-los com culpabilidade diminuída e, consequentemente, como semi-imputáveis.
Não obstante, devido a tal transtorno comportamental, o sistema penal brasileiro adota dificuldades em gerir tais indivíduos quando recaem criminalmente, uma vez que há posições divergentes tanto a nível de doutrina quanto na própria jurisprudência, em razão da não pacificação da matéria pela Legislação penal vigente. Somado a isto, a aplicação de suas penas também é apresentada de forma controversa, pois juristas encontram dificuldades em enquadrá-los ao cárcere comum ou a medida de segurança. No que pese a tais dificuldades, majoritariamente, o ordenamento penal brasileiro trata os infratores portadores de psicopatia da mesma forma que os criminosos comuns, ou seja, com a sua responsabilidade penal totalmente preservada e com a aplicação de penas sujeitas ao cárcere.
No entanto, tal enquadramento, para alguns, poder ser visto de forma inviável, uma vez que o portador da psicopatia, utiliza de meios persuasivos para obter vantagens em prol de seus próprios interesses, além de manipular todos a sua volta, visando a concessão de benefícios como, por exemplo, liberação antecipada por bom atestado carcerário. Neste sentido, é perceptível que, para esses, a pena privativa de liberdade perde o seu caráter ressocializador, pois tais agentes não são passíveis de gerarem sentimento de culpa e remorso, impossibilitando a sua correção, sendo certo que quando postos em liberdade voltarão a cometer atos ilícitos, podendo ser ainda mais graves. Tal fato se comprova pelas estatísticas de reincidência dos psicopatas elencadas ao longo do presente projeto e pelo caso exposto de Francisco Costa Rocha, conhecido vulgarmente como “Chico Picadinho”, que sendo um indivíduo diagnosticado pela psicopatia, e sentenciado pela prática do crime de homicídio e destruição de cadáver, após cumprir a sua pena em regime fechado e posto em liberdade, voltou a delinquir com o modus operandi idêntico aos ilícitos anteriores.
Sendo assim, mantê-los no sistema penitenciário comum, pode vir a não ser considerado como a medida mais adequada, pois certamente não irá atingir a sua função ressocializadora, tendo em vista a impossibilidade de cura desses indivíduos e o perigo que eles oferecem à sociedade. Outrossim, é notório que diante de todas as falhas no qual o sistema prisional brasileiro enfrenta, há dificuldades em diagnosticar e em receber tais indivíduos. Em países como Estados Unidos e Canadá, há a individualização de celas específicas para esses agentes, de modo que permaneçam isolados de outros criminosos, além da utilização do método PCL-R (Psychopathy Checklist-Revised) em seus diagnósticos, algo ausente no Brasil.
Não obstante, quando a medida de segurança é optada pelo magistrado do caso em concreto, pode-se encaminhar o indivíduo às instituições, tais como: hospitais psiquiátricos e unidades de saúde. Esse direcionamento, por sua vez, possibilita resguardar a vida de outros detentos sentenciados a penas privativas de liberdade em regime fechado, além de garantir tratamento adequado para o próprio psicopata de modo a ser possível, mesmo que de forma mínima, estabilizar e controlar o seu transtorno. Isto pode ser considerado válido, pois a partir do momento em que não se existe uma cura desenvolvida ou um isolamento especifico para estes agentes, resta a internação em hospital especializado como uma tentativa em garantir a segurança da sociedade.
Neste sentido, importante destacar que os agentes portadores de psicopatia quando cometem atos ilícitos, possuem conhecimento, no mínimo em parte, do resultado de sua conduta criminosa, mas o faz, em grande parte, para satisfazer suas vontades próprias. Assim, no momento da prática do crime, tais indivíduos não são inteiramente capazes de compreenderem, de forma total, a ilicitude do fato, principalmente aqueles diagnosticados com grau mais elevado de psicopatia, podendo ser puníveis de acordo com a classificação da semi-imputabilidade. Tal enquadramento, como já exposto, possibilita a substituição da pena em medida de segurança ou redução do tempo da privação de liberdade de um a dois terços, conforme preceituado no artigo 26 do CPB. Contudo, devemos lembrar que, aplicada a medida de segurança, deve-se observar e respeitar o prazo máximo de cumprimento da pena do caso em concreto, sendo de acordo com o tempo definido na sentença transitada em julgado, assegurando assim a não aplicação de sanções em caráter perpétuo. (STJ – HC 130.162).
Assim, fica claro que embora a medida de segurança possua falhas no tocante a durabilidade de seu processo terapêutico, essa, para alguns juristas, pode ser considerado eficaz na reabilitação do portador de psicopatia, pois habilita o agente a um tratamento e acompanhamento de forma especializada. Isto se torna evidente, pois diferentemente da pena privativa de liberdade que possui uma função mais voltada a correção do apenado, a medida de segurança possui como finalidade a prevenção de novos crimes, internando o agente de forma compulsória e conferindo a ele tratamento psicoterapêutico individualizado. Em tese, durante a internação em ambiente hospitalar, o indivíduo receberá acompanhamento médico de forma a cessar a sua periculosidade para, somente depois, retornar ao convívio social. Entretanto, na prática isto é diferente, pois as peculiaridades dos criminosos psicopatas, a falta de exames médicos detalhados e a ausência de tratamento especializado, combinadas com a falta de estrutura do sistema penal brasileiro e a inexistência de treinamentos específicos dos profissionais envolvidos nas avaliações torna a medida de segurança de certa forma inócua.
Percebe-se, portanto, que o sistema de aplicação de penas para indivíduos portadores da psicopatia ainda não é eficaz, pois as duas possibilidades existentes de punições somente atenuam a problemática do criminoso psicopático, pois, de um lado, a pena privativa de liberdade (o que como relatado não é a ideal, por ser aconselhável que estes permaneçam isolados de detentos comuns) e as medidas de segurança (que são as penas impostas aos indivíduos inimputáveis ou semi-imputáveis, como no caso da psicopatia, mas tratamentos já se mostraram ineficazes para esses). No tocante a essa última, outro grande problema é que depois de postos em liberdade esses indivíduos não têm mais nenhum tipo de acompanhamento psicológico assistido pelo estado. Ademais, especialistas no tema afirmam que eles atrapalham – ou tornam impossível - a recuperação dos demais presos ou doentes mentais internados. Posto que o seu objetivo é tratar e curar o sujeito, não obstante, a psicopatia não possui cura, na maneira que não se trata de uma doença mental e sim de um transtorno antissocial.
Por conseguinte, verifica-se que não há uma unanimidade no tocante a aplicação das sanções penais oferecidas aos psicopatas. Constata-se que nem a pena privativa de liberdade, tampouco a medida de segurança cumpre o seu papel ressocializador.
É notório que a Legislação Brasileira ainda é incipiente no assunto, pois de um lado há a privação de liberdade em regime prisional comum, sem direito a qualquer tipo de terapia que vise a sua melhora comportamental, enquanto que de outro há internação em hospital psiquiátrico, comumente baseado em uso de medicamentos, não sendo possível ao estado impor esse tipo de tratamento ao agente portador de psicopatia sem a sua cooperação. Em paralelo, em países internacionais, sobretudo, nos Estados Unidos, há leis específicas para os crimes cometidos por essas pessoas, resultado de um entendimento de que os atos infracionais cometidos por indivíduos merecem uma observação individualista.
Assim, tomando por base a ineficácia do sistema imposto como punição aos agentes portadores de psicopatia previsto no Brasil, é necessário que a execução de suas penas ocorra de forma diferenciada, por meio de uma criação de uma nova política criminal específica para esses agentes.
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Advogado licenciado, bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e atualmente desempenhando o papel de Assessor Ministerial no Ministério Público de Pernambuco, além de pós graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Damas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO, . A psicopatia e o direito penal: discussão acerca da aplicabilidade de pena ou medida de segurança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 nov 2024, 04:53. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/66996/a-psicopatia-e-o-direito-penal-discusso-acerca-da-aplicabilidade-de-pena-ou-medida-de-segurana. Acesso em: 12 nov 2024.
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