RESUMO
O presente estudo faz uma análise da abordagem do direito à saúde na Constituição Federal de 1988, com ênfase na estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS).
A Constituição cidadã de 1988, no artigo 1º, inciso III, definiu como um dos seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, considerado uma valor constitucional supremo elaborado para orientar os atos jurídicos do Estado Brasileiro. Dentro desse contexto, estão elencados os direitos à saúde, uma vez que a essência da pessoa humana requer uma condição objetiva: os cuidados da preservação da vida. Em uma análise mais rebuscada do texto da Lex maxima, extraímos pontos que fazem referência expressa ao direito à saúde, a exemplo do artigo 6º, CF. In verbis:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifei)
Dessa forma, a garantia à saúde está inserida nos direitos ditos de 2ª geração, ou seja, aqueles voltados à redução das desigualdades com o objetivo de buscar o equilíbrio entre igualdade política e social, frente à necessidade de impor ao Estado uma atuação direcionada para atender as demandas da coletividade.
Ato contínuo, em uma seção específica, o constituinte destacou no art. 196, CF, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Com essa redação, o entendimento firmado é que o poder público tem o dever de elaborar e adotar políticas públicas de caráter preventivo e, na insuficiência destas, medidas de cunho reparativo. In casu, transcrevemos entendimento jurisprudencial do STF sobre a questão:
STA 175 AgR / CE - CEARÁ
AG.REG. NA SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA
Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente)
Julgamento:17/03/2010 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010
EMENTA: Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. (grifei)
Outro ponto importante a se discutir é o princípio do acesso universal e igualitário aos serviços de saúde, que impõe aos gestores públicos o dever de garantir meios adequados e razoáveis para a promoção da saúde de todo cidadão, independente de sua condição financeira ou social, fortalecendo o princípio da isonomia e aplicando os recursos de forma ampla e suficiente para atender toda e qualquer necessidade ou interesse individual.
Com o objetivo de integrar e pôr em prática a idéia de um regime de saúde eficiente, a Constituição Federal elencou, em seu artigo 198, as diretrizes do sistema de saúde brasileiro:
Art. 198. As ações e serviços público de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III - participação da comunidade.
De posse desses dispositivos, o relator deu ênfase ao sistema de descentralização, que delimitou aos entes federados obrigações para implantação, manutenção e aperfeiçoamento do sistema por meio de cooperação financeira e técnico-científica. Entretanto, ressaltamos que, apesar de o sistema ser único e integrado, a idéia de descentralização faz referência às ações de execução, tendo em vista a necessidade de garantir um atendimento mais efetivo à comunidade.
O inciso II do art. 198 faz menção à integralidade de assistência, entendida como um conjunto articulado e contínuo das ações preventivas e curativas, individuais e coletivas, exigidas para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema. Nesse sentido, o caráter quantitativo deve atuar em sintonia com o aspecto qualitativo, uma vez que o conceito de integralidade não está associado unicamente ao número de serviços prestados ao usuário, mas também de que forma esse processo se dá e sua verdadeira influência na prevenção ou cura dos pacientes atendidos no sistema de saúde.
Mais uma vez, fazemos uso de entendimento da egrégia corte superior do país a fim de compreendermos o valor jurídico desse quesito, a saber:
RE 393175 AgR / RS - RIO GRANDE DO SUL
AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO
Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Julgamento: 12/12/2006 Órgão Julgador: Segunda Turma
Publicação DJ 02-02-2007
E M E N T A: PACIENTES COM ESQUIZOFRENIA PARANÓIDE E DOENÇA MANÍACO-DEPRESSIVA CRÔNICA, COM EPISÓDIOS DE TENTATIVA DE SUICÍDIO - PESSOAS DESTITUÍDAS DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - NECESSIDADE IMPERIOSA DE SE PRESERVAR, POR RAZÕES DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO, A INTEGRIDADE DESSE DIREITO ESSENCIAL - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS INDISPENSÁVEIS EM FAVOR DE PESSOAS CARENTES - DEVER CONSTITUCIONAL DO ESTADO (CF, ARTS. 5º, "CAPUT", E 196) - PRECEDENTES (STF) - ABUSO DO DIREITO DE RECORRER - IMPOSIÇÃO DE MULTA - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.
Ato contínuo, uma importante questão abordada no texto constitucional foi a participação da comunidade nas ações de saúde, consagrando a idéia de participação democrática nesse serviço. Desse modo, todo cidadão tem o direito de atuar como agente fiscalizador na aplicação dos recursos financeiros do sistema, acompanhar as ações ora desenvolvidas e participar do planejamento e elaboração de metas e programas de governo para o setor.
No aspecto prático, além da legitimidade individual, o usuário pode participar dos conselhos municipais, estaduais e federal de saúde, grupos de atuação colegiada que contam com membros da sociedade civil e possuem caráter deliberativo e permanente, de acordo com a Resolução nº 333, de 04/11/2003.
Segundo essa norma, os Conselhos de Saúde assumem uma instância privilegiada na proposição, discussão, acompanhamento, deliberação, avaliação e fiscalização da implementação da Política de Saúde, inclusive nos seus aspectos econômicos e financeiros. A Legislação estabelece, ainda, a composição paritária de usuários em relação ao conjunto dos demais segmentos representados na seguinte proporção: 50% de entidades de usuários, 25% de entidades de trabalhadores da saúde e 25% de representação de governo, de prestadores de serviços privados conveniados ou sem fins lucrativos.
Com o intuito de materializar as diretrizes do novo sistema, foram definidas atribuições para o mesmo, a saber:
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;
II - executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;
III - ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;
IV - participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;
V - incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;
VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;
VII - participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Em uma primeira análise, destacamos que o presente dispositivo fez uma previsão generalizada das atribuições do SUS, ficando a legislação infra constitucional, em específico a lei 8080/90, responsável por explicitar as metas desse sistema. Nesse diapasão, os objetivos definidos do sistema de saúde são os seguintes: identificação e divulgação dos fatores condicionantes e determinantes da saúde; formulação de políticas de saúde destinadas a promover, nos campos econômico e social, a redução de riscos de doenças e outros agravos e execução de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde, integrando as ações assistenciais com as preventivas, de modo a garantir às pessoas a assistência integral à sua saúde.
Por fim, um ponto objeto de muita discussão foi sobre a fonte de financiamento do SUS, ficando estabelecido que o mesmo seria mantido com recursos do orçamento da seguridade social, além da obrigação dos entes federados em aplicar um percentual mínimo da receita na área de saúde. Com essas medidas, o legislador procurou garantir uma segurança mínima não só do ponto de vista financeiro, mas também no aspecto gerencial e da prestação de um serviço que atenda por completo a demanda da sociedade.
CONCLUSÃO
Diante da abordagem realizada, observamos que o regular funcionamento da estrutura do Sistema único de Saúde, por meio de suas diretrizes sugeridas na Constituição de 1988, é de grande importância no atendimento contínuo e eficiente da demanda dos usuários que necessitam desse serviço.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm. Acesso em: 10. ago. 2010.
BRASIL. Lei 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8080.htm. Acesso em: 10 ago. 2010.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Dignidade da pessoa humana e Direitos Fundamentais na constituição de 1988. Porto Alegre. Livraria do advogado. 2001.
VENÂNCIO, A. T. PHYSIS: Revista de Saúde Coletiva, Rio de Janeiro. 2004.
Portaria nº 3.916 / MS. Disponível em: http://www.anvisa.gov.br/legis/consolidada/portaria_3916_98.pdf. Acesso em 10.ago.2010.
Técnico do Ministério Público de Sergipe. Graduando em farmácia pela Universidade Federal de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Plínio Marcos Prudente. O direito à saúde na Constituição de 1988 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 out 2010, 09:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21732/o-direito-a-saude-na-constituicao-de-1988. Acesso em: 26 nov 2024.
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