RESUMO: O presente artigo busca tecer breves comentários, não vislumbrando esgotar o tema, sobre as cláusulas estipuladas em contratos bancários, tais como juros remuneratórios; configuração da mora; juros moratórios; inscrição e manutenção em cadastro de inadimplentes; disposições de ofício, abordando conceito, aplicação, legalidade e a análise crítica do atual entendimento do Superior Tribunal de justiça no tocante a revisão contratual.
1. Introdução
Insta, inicialmente, destacar que a concepção liberal do direito privado livre das ingerências estatais não se é mais vislumbrado, hodiernamente, o novo direcionamento do direito civil parte do ideal da justiça, e equilíbrio, denotando a concretização de um novo fenômeno conhecido como Constitucionalização do direito civil, com o tratamento a nível constitucional, de matérias antes apenas discutidas na seara privada, devendo as relações contratuais seguirem indistintamente esta orientação, bem como o Poder Judiciário na função que lhe é competente, aplicar o direito ao caso concreto, efetivar essa transformação[1].
O tema a ser desenvolvido versa sobre uma análise crítica a atual jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no tocante as cláusulas contratuais avençadas no mútuo bancário à luz da nova sistemática da constitucionalização do Direito Civil, dos direitos do consumidor, das legislações infraconstitucionais, de atos normativos, mormente, jurisprudências vanguardistas.
O presente estudo tem como fito apreciar os pontos principais do recurso especial representativo 1.061.530 – RS[2] , que em virtude da multiplicidade de questões idênticas de direito foi estabelecido pelo STJ o incidente de processo repetitivo sendo processado em conformidade com o art. 543-c do CPC.
Destarte, buscar-se-á discorrer sobre os seguintes pontos, objetos polêmicos das cláusulas contratuais bancárias, tecendo as devidas críticas em consonância com o julgamento do Recurso Especial já mencionado, referente a: a) juros remuneratórios; b) configuração da mora; c) juros moratórios; d) inscrição e manutenção em cadastro de inadimplentes; e) disposições de ofício.
2. Breves comentários sobre cláusulas contratuais: sob a perspectiva do pacta sunt servanda X rebus sic stantibus
A nova sistemática adotada pelo Código Civil rompeu os laços antes existentes do modelo liberal do código civil de 1916, baseado em uma concepção individualista, mormente, na seara contratual que pregava a livre pactuação e cumprimento dos cláusulas avençadas. O Código Civil de 2002 muito influenciado pela escola solidarista dos contratos, concebe o contrato não só como ajuste de vontade entre partes, e sim uma relação social que sai da esfera dos contraentes e passa a gerar efeitos para toda a sociedade é a sobreposição do fim coletivo sobre os interesses individuais[3].
Nesta esteira, a novel lei civil traz no seu art. 421 o princípio da função social do contrato, no sentido que a liberdade de contratar está limitada a conteúdo social que produza[4].
O contrato historicamente está ligado intrinsecamente a esfera do individualismo consensual caracterizado principalmente pelo princípio da força obrigatória do contrato, que é sinônimo da impositividade inerente aos contratos, pois, se assim não o fosse de nada surtiria seus efeitos. Ocorre, no entanto, que tal princípio não deve ser considerado como absoluto, visto que, hodiernamente, a grande maioria dos negócios jurídicos contratuais se formam através dos contratos de adesão, os quais restringem a possibilidade da livre pactuação e convenção das cláusulas contratuais.
Em contrapartida a obrigatoriedade dos contratos fez-se necessário a adoção de instrumentos jurídicos para tentar galgar o equilíbrio contratual, para tanto utilizando-se da teoria da imprevisão. Nesse sentido Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona[5] ensinam que:
“ A teoria da imprevisão construída a partir da revivência da vetusta cláusula rebus sic stantibus é invocada quando um acontecimento superveniente e imprevisível torna excessivamente onerosa a prestação imposta a uma das partes, em face da outra que, em geral, se enriquece à sua custa ilicitamente”.
Diante do novo direcionamento do Direito Contratual o princípio pacta sunt servanda, a força obrigatória dos contratos, sustentáculo do postulado da segurança jurídica, torna-se princípio preterido, em razão da sua aplicação prática estar condicionada a outros fatores, tais como, a função social, as regras que beneficiam o aderente nos contratos de adesão e a onerosidade excessiva.
Pois bem, ocorrendo a desigualdade entre as parte consubstanciada pela onerosidade excessiva prevista no contrato, a parte onerada terá legitimidade a pleitear em juízo a revisão contratual, balizado na cláusula rebus sic stantibus.
Na legislação consumerista brasileira há previsão expressa contida em seu art. 6º V, que é direito do consumidor modificação das cláusulas contratuais das quais estabelcem prestações desproporcionais e excessivamente onerosa, portanto, em contrapartida é dever do judiciário em assim se verificando aplicar o princípio da boa-fé objetiva em face do dogma pacta sunt servanda, com intuito de alcançar a justiça contratual inerente a nova feição do direito contratual, da constitucionalização do direito civil e dos princípios norteadores do novo código civil, socialidade, eticidade e operabilidade.
3. Juros remuneratórios
3.1- Conceito
Consoante ensinamento do ilustríssimo professor Silvio Venosa: “juros representam o proveito auferido pelo capital emprestado; serão remuneratórios, quando representarem fruto do capital”[6]. Os juros remuneratórios consistem na compensação paga ao mutuante pelo mutuário, que representa o preço da disponibilidade econômica do credor do negócio jurídico.
3.2- Contextualização evolutiva da limitação da taxa de juros remuneratórios a 1% ao mês e inconstitucionalidade da súmula 596 do STF
O entendimento do STJ ficou firmado por esse acórdão e pela jurisprudência já consolidada, que não é motivo suficiente para caracterizar abuso contratual a estipulação de taxa de juros superior a 1% ao mês, o que se mostra compreensão equivocada, data vênia.
A suprema corte do nosso país, ainda na vigência da ordem constitucional anterior editou em 15/12/1976 a súmula 596 que dispõe “As disposições do Decreto 22.626 de 1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”, o decreto referido conhecido como lei de usura determina que as taxas de juros nas transações comerciais não poderão ser superiores a 12% ao ano, destarte, com esta súmula ficou determinado que a vedação não é aplicada as instituições que fazem parte do sistema financeiro nacional.
Porém com o advento da Constituição de 1988, essa ementa sumulada teve sua eficácia suspensa, já que no art. 192 §3º da CF limitava a taxa de juros reais relativa a concessão de crédito a 12% ao ano, celeumas surgiram a respeito da aplicabilidade desse artigo, de um lado em excelente artigo publicado pelo Juiz Federal Gabriel Wedy[7] é defendido que:
“ A retirada do §3º do art. 192 da Constituição Federal de 1988, em virtude da publicação da referida emenda constitucional, não impede o julgador de continuar a limitar os juros compensatórios no patamar de 1% ao mês, ou 12% ao ano, isto em faxe da lei 8.078/90, aplicável às instituições financeiras, da redação do novo código civil e, em especial da realidade nacional, que coloca o Brasil campeão mundial da usura bancária e eleva à atividade bancária a mais rentável em nossa economia".
Em sentido contrário o STF tinha o entendimento pacífico ao confirmar a não auto-aplicabilidade deste artigo necessitando de uma lei complementar para definir esse limite da taxa de juros reais, confirmando seu posicionamento através da sua súmula 596.
Entretanto, através da emenda constitucional nº. 40 que revogou esse parágrafo alterou-se mais uma vez esse panorama, prevalecendo nos julgados das instâncias superiores a súmula 596 do STF e seguido pelo STJ.
A súmula 596 do STF está inquinada do vício de inconstitucionalidade, pelas seguintes razões apresentadas:
a- O art. 49, V da atual Constituição Federal determina que compete ao Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que extrapole os limites de delegação legislativa. O entendimento da súmula 596 do STF, como informado acima afasta a aplicabilidade do decreto lei 22.626/ 33 que limita a taxa de juros a 12% ao ano, aplicando a lei 4.595/64 (lei da reforma bancária) com a fundamentação que a taxa de juros deve ser fixada pelo conselho monetário nacional por meio taxa média praticada pelas instituições financeiras conforme a resolução 389 de 1976 do Banco Central do Brasil, permitindo as instituições financeiras utilizarem sem restrição as taxas do mercado. Em contrapartida à luz da Constituição que vigia à época, a de 1946, e invocando o princípio tempus regit actum, no seu art. 36 §2º proibia a delegação dos poderes, portanto a tratada súmula é inconstitucional já que o conselho monetário nacional não tem a competência de inovação legislativa, somente de poder regulamentar.
b- Ainda para corroborar o posicionamento a favor da limitação dos juros tem-se os artigos 591 c/c 406 do código Civil de 2002, a lei de usura e o código de defesa do consumidor no seu art. 39, IV.
c- O Código de Defesa do Consumidor não autoriza e nem estabelece por si só no art. 39, qual seria o limite à taxa de juros para não caracterizar vantagem manifestamente excessiva, cabendo ao magistrado caso a caso estipular, defini-lo. Ressaltando que é pacifico e correta a inteligência dos tribunais superiores da aplicabilidade do CDC nas relações de direito bancário.
A orientação do STJ no sentido que a estipulação da taxa de 12% de juros não configura abusividade, deve não ter caráter absoluto se caracterizada onerosidade a uma das partes. É preciso que o julgador analise no caso concreto a presença ou não da onerosidade para a revisão contratual, não se quer afirmar com este posicionamento, que pelo código de defesa do consumidor ser protecionista ao hipossuficiente, deve o juiz deferir a onerosidade excessiva em todos os casos em que a taxa estipulada no contrato bancário mostre-se aparentemente abusiva e realize a revisão, não se pugna isso, até por que no direito contratual seguimos relativamente o princípio, pacta sunt servanda os contratos são avençados para serem cumpridos, acreditamos que o direito deve seguir o principio da igualdade material como nos ensina RUY BARBOSA[8] “ A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam”.
Porém, uma ressalva é necessária, o direito tem que ser dado a quem o procura por meio da jurisdição, com as sua particularidades, o juiz não pode tratar todos os casos da mesma forma, senão sua figura se torna dispensável e substituível, é imprescindível que o magistrado no caso in concreto analise se quem está pleiteando a revisão contratual está agindo de boa-fé e aqui nos referimos refiro a objetiva, visto que senão causaria uma insegurança jurídica se todas as pessoas firmassem contratos e por serem hipossuficientes, depois invocassem o CDC para a revisão contratual.
Outro aspecto apontado no recurso especial pela Ministra Relatora, é que se admite a revisão das taxas de juros em situações excepcionais desde que provenha de uma relação de consumo e que esteja cabalmente provada a abusividade. Foi bem nesse ponto o STJ, porém, há de se ressalvar que essa orientação do Tribunal permite que o juiz singular somente revise essa taxa em casos excepcionais delimitando extremamente o posicionamento deste, além de se mostrar uma decisão muito protecionista das grandes instituições financeiras.
Nesse sentido, já exposto, tem-se a perfeita lição de GABRIEL WEDY[9]:
“ O Decreto- Lei 22.626/ 33 está em pleno vigor, e é aplicado por juízes, desembargadores e até ministros, que têm perfeita convicção na sua vigência. O posicionamento contrário a este entendimento funda-se no fato do mesmo Decreto- Lei ter sido revogado pela lei 4.595/ 64, que autorizava o Conselho Monetário Nacional a limitar a taxa de juros. De fato, o Conselho Monetário Nacional pode limitar a taxa de juros, mas não liberar a sua cobrança em percentuais superiores aos permitidos pela lei de usura, que fixa os mesmos em 12% ao ano. Se assim fosse, haveria a oficialização da agiotagem, que é punida pela lei 1.521/ 51, a chamada Lei da Economia Popular, que, em seu art. 4º, pune os agiotas com detenção de seis meses a dois anos e multa. Entendemos que esta lei está em pleno vigor, pois não foi revogada por nenhuma outra. A situação econômica e social do Brasil exige a sua aplicação”.
3.3- Limitação dos juros remuneratórios no Código Civil de 2002
Diante de uma análise acurada do Código Civil de 2002, penso estar presente mais um fundamento autorizador da limitação dos juros remuneratórios. Isso, consoante interpretação sistemática de alguns dispositivos do novel Código Civil, tese defendida pelo magistrado GABRIEL WEDY[10], vejamos, o que dispõe o art. 591 do CC referente aos contratos de mútuo:
Art. 591. Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual. ( grifo nosso)
Tal dispositivo legal remeteu a taxa estipulada no art. 406 do CC, no capítulo do juros legais, para ser utilizada nos contratos de mútuo econômico:
Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional. (grifo nosso)
Pois bem, percebe-se que o art. 406 CC não define o percentual da taxa, restringindo-se apenas àquela em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional estipulada no §1º do art. 161 do Código Tributário Nacional, em 1% ao mês.
Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
Ademais, com forma de reflexão, surge a indagação esclarecendo que a resposta já foi dada algumas linhas acima: tendo o julgador como parâmetro a taxa de juros média designada pelo banco central para delimitar o juros compensatórios não estaria sendo outorgado as instituições financeiras o poder de possivelmente formarem um cartel, com a possibilidade de ao alvedrio de sua livre iniciativa estipularem uma taxa maior, e conseqüentemente o percentual da taxa média dos juros aumentar???
4. Configuração da mora
A respeito da configuração da mora, o STJ possui vários entendimentos ao longo dos anos, consolidando neste recurso repetitivo as seguintes orientações:
- A 2ª seção do STJ seguiu o voto da Ministra relatora Nancy Andrighi, partindo da orientação correta que o mero ajuizamento de ação revisional não descaracteriza a mora, ou seja, é preciso apenas a constatação que foram exigidos encargos contratuais abusivos no momento da contratação do serviço e no período de normalidade contratual ( encargos que incidem naturalmente antes mesmo da configuração da mora) para afastar a mora.
- Infere-se então que se não for configurada a abusividade nas cláusulas contratuais conseqüentemente a mora do devedor estará presente.
- A configuração da mora foi afastada mantendo-se a mesma conclusão do acórdão proferido pelo juízo a quo, isto por que foi constatada que houve encargo abusivo no período de normalidade contratual por meio da capitalização de juros, a qual o tribunal de origem a afastou e foi mantido pelo STJ em face da inconstitucionalidade da MP 1.963-17/00. A capitalização de juros é proibida em contratos em espécie, mesmo que tenha sido pactuado no contrato, justiçando-se por que não existe permissão legal para a capitalização. Destarte, a 2ª seção do STJ firmou-se entendimento que a cobrança abusiva no período de normalidade contratual não caracteriza a mora.
5. Juros moratórios e a inscrição e manutenção em cadastro de inadimplentes do devedor.
Juros moratórios consiste na compensação que o devedor paga para o credor em razão da mora do cumprimento da prestação pactuada. Segundo ensinamento de Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona[11] os juros moratórios: “ traduzem uma indenização devida ao credor por força do retardamento culposo no cumprimento da obrigação”.
De forma sensata e unânime, com fundamento na jurisprudência já consolidada no STJ, ficou estabelecido que os juros moratórios não podem ser pactuados acima de 1% ao mês e da vedação expressa na lei de usura.
A jurisprudência tem delineado entendimentos que havendo cumulativamente a contestação integral ou parcial do débito, “fumus boni iuris” em paralelo com a jurisprudência do STJ e STF e depositada parcela do débito incontroverso ou prestada garantia ao juízo, caberá a abstenção da inscrição ou manutenção desta em cadastro de inadimplentes, conforme requerido pelas partes mediante a antecipação da tutela ou medida liminar.
Uma vez configurada juridicamente a mora, ou seja, decidido no mérito do processo que o devedor encontrava-se em mora, será lícita a inscrição ao reenvio dos dados do devedor aos cadastros de proteção ao crédito. Assim, têm-se suspensos os efeitos da tutela antecipada ou medida liminar dantes conferida.
De fato, a responsabilidade pela comunicação ao devedor é devida pelo órgão mantenedor desses cadastros de proteção ao crédito (SPC, SERASA etc). Tal assertiva está lastreada na súmula 359 do STJ. Litteris:
Súmula 359 STJ: Cabe ao órgão mantenedor do cadastro de proteção ao crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição.
6. Revisão contratual “ex officio”
A revisão contratual não vai de encontro ao princípio da força obrigatória dos contratos, porquanto não se cogita de redefinição de cláusulas sob a argumentação de ocorrência de vício de consentimento ou de aplicação da teoria da imprevisão. A intervenção do Judiciário visa, tão-só, retirar do contrato as disposições que vão de encontro à lei. Com fulcro na cláusula rebus sic stantibus, em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do Código Civil de 2002 deverá conduzir, sempre que possível, à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual. Partindo dos pressupostos já destacados nesse estudo as atividades bancárias estão subordinadas as regras determinadas pelo Código de Defesa do Consumidor, segundo entendimento pacifico do STJ (súmula 297 STJ), juntamente com o que dispõe o artigo 3º §2º do CDC, que as atividades de natureza bancária são prestações de serviço com o intuito de atender o consumidor.
A partir desta premissa da possibilidade de revisão contratual, surge-nos mais uma indagação, a qual nos remete a uma reflexão mais detalhada à luz da jurisprudência pátria, da legislação e das construções doutrinárias, a respeito se é possível a revisão contratual “ex officio” pelo juiz? Divergências existem tendo a 2ª seção do STJ firmado a orientação da vedação das disposições de oficio do magistrado sobre cláusulas contratuais que se mostram abusivas, porém data vênia ouso divergir nesta ponto.
Importante ressaltar que o entendimento desta seção do STJ era totalmente contrário a orientação hoje adotada, até por que a jurisprudência não pode ser imutável existe uma constante mutação. Nesta lide firmou a posição que apesar de se tratar de um relação de consumo, não se aplica as normas protegidas pelo CDC, o STJ entende que o julgamento feito de oficio pelo tribunal a quo fere os princípios tantum devolutum, quantum appellatum (eficácia devolutiva dos recursos, previsto no art. 515 do CPC) e da inércia, considerando que o julgador age extra ou ultra petita, além de ir de encontro ao art. 128 do CPC.
Convém destacar que não está totalmente sem razão essa consolidação do atual entendimento do Tribunal da cidadania, porém atrevo-me discordar. Primeiramente invoco o princípio constitucional da celeridade processual, insculpido no artigo 5º, LXXVIII incluído pela emenda constitucional 45 de 2004, ora se a nível constitucional é exigido que o processo seja célere para que tenha uma razoável duração seria desarrazoado não permitir que o Juiz em matéria de ordem pública e que seja gritante a ilegalidade, intervenha de ofício. Segundo, o próprio CDC no seu art. 6º, V define que é direito do consumidor a modificação ou revisão de cláusulas contratuais que tornem a prestação excessivamente onerosa, combinado com o art. 1º do mesmo diploma legal determina que: “O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.( grifo nosso), então infere-se que pelo CDC estabelecer normas de ordem pública o Juiz está autorizado a agir de ofício, interpretando analogicamente os artigos:
"Art. 112 CPC. Argúi-se, por meio de exceção, a incompetência relativa.
Parágrafo único. A nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz, que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu" ( grifo nosso)
"Art. 168. As nulidades dos artigos antecedentes podem ser alegadas por qualquer interessado, ou pelo Ministério Público, quando lhe couber intervir.
Parágrafo único. As nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes." ( grifo nosso)
Correta a posição da Ministra relatora ao opinar que:
“Atenta ao micro-sistema introduzido pelo CDC, vinculados aos princípios e normas que orientam o direito pátrio, notadamente o CC/02, que é a sua fonte de complementação normativa, entendo que não é coerente adotar perante hipoteses identicas soluções diversas”.
O CDC é uma norma de ordem pública, que impulsiona e autoriza o Juiz a agir de oficio.
A fundamentação que mais confirma este posicionamento aqui defendido é que o art. 168, parágrafo único trata das nulidades dos negócios jurídicos e determina que o juiz deve pronuncia-las de oficio, quando tiver conhecimento do negócio, mandamento legal que adota a teoria das nulidades dos negócios jurídicos, mesma teoria adotada pelo CDC mutatis mutantis, por exemplo a abusividade é considerada pelo art. 51, IV do CDC causa de nulidade das cláusulas contratuais.
Como bem salienta VENOSA[12]: “o simples fato de uma entidade inserir-se no sistema financeiro não lhe outorga o dreito de fixar unilateralmente o montane de juros e outras taxas, acima do permitido pelos órgãos oficiais e do limite legal”.
7. Conclusão
O intuito deste artigo não foi apenas discorrer sobre: juros remuneratórios; configuração da mora; juros moratórios; inscrição e manutenção em cadastro de inadimplentes; disposições de ofício, e sim fazer uma abordagem explicativa e, ao mesmo tempo crítica de tais pontos em face da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
O correto entendimento esposado pela jurisprudência do STJ, a respeito da revisão das cláusulas dos contratos bancários é que a cobrança abusiva no período de normalidade contratual não caracteriza a mora.
No que concerne aos juros moratórios, entendeu, ser aplicável a lei de usura, esta que os restringe a 1% ao mês para evitar a caracterização de abusividade e lesividade.
A limitação da taxa de juros remuneratórios a 12% ao ano prevista na lei de usura, ainda vigente, visto que o próprio Tribunal da Cidadania lhe deu vigência ao aplicá-la para os juros moratórios, deve ser observada cabendo ao poder judiciário proceder a revisão de contratos de mútuo que fixem taxas superiores a esse patamar declarando essa claúsula abusiva e nula de pleno direito com o fulcro nas premissas acima esboçadas.
A possibilidade de revisão de ofício das cláusulas contratuais, ora vedada, mostra-se em desacordo com o sistema jurídico esboçado pelo Código de Defesa do Consumidor, penso que andou mal o STJ ao adotar a inadmissíbilidade da análise de ofício de cláusulas consideradas abusivas em contratos que regulem relação de consumo .
Faz-se mister, ressaltar a relevância na seara contratual dos temas tratados, tudo isso como uma maneira de salvaguardar os direitos do hipossuficiente nos contratos bancários.
É cediço que as instituições financeiras têm notável força política motivo este impeditivo à regulamentação específica de pontos controversos da atividade creditícia gerando disparidade nos contratos bancários, os quais com a presença de claúsulas abusivas geram um verdadeiro enriquecimento sem causa para os bancos em face dos abusos perpetrados com o hipossuficiente da relação contratual.
Resta, porém, ao Poder Judiciário na função que lhe é inerente, aplicar o direito ao caso concreto, utilizando-se de sua independência e autônomia estabelecer um equilíbrio justo com vistas à proteção do consumidor- mutuário.
Referências Bibliográficas
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[1] A nova crise do contrato: estudos sobre a nova teoria contratual. Organização Cláudia Lima Marques- São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007 p. 286
[2] DIREITO PROCESSUAL CIVIL E BANCÁRIO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CLÁUSULAS DE CONTRATO BANCÁRIO. INCIDENTE DE PROCESSO REPETITIVO. JUROS REMUNERATÓRIOS. CONFIGURAÇÃO DA MORA. JUROS MORATÓRIOS. INSCRIÇÃO/MANUTENÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES.
DISPOSIÇÕES DE OFÍCIO.
II- JULGAMENTO DO RECURSO REPRESENTATIVO (REsp 1.061.530/RS)
A menção a artigo de lei, sem a demonstração das razões de inconformidade, impõe o não-conhecimento do recurso especial, em razão da sua deficiente fundamentação. Incidência da Súmula 284/STF.
O recurso especial não constitui via adequada para o exame de temas constitucionais, sob pena de usurpação da competência do STF.
Devem ser decotadas as disposições de ofício realizadas pelo acórdão recorrido.
Os juros remuneratórios contratados encontram-se no limite que esta Corte tem considerado razoável e, sob a ótica do Direito do Consumidor, não merecem ser revistos, porquanto não demonstrada a onerosidade excessiva na hipótese.
Verificada a cobrança de encargo abusivo no período da normalidade contratual, resta descaracterizada a mora do devedor.
Afastada a mora: i) é ilegal o envio de dados do consumidor para quaisquer cadastros de inadimplência; ii) deve o consumidor permanecer na posse do bem alienado fiduciariamente e iii) não se admite o protesto do título representativo da dívida.
Não há qualquer vedação legal à efetivação de depósitos parciais, segundo o que a parte entende devido.
Não se conhece do recurso quanto à comissão de permanência, pois deficiente o fundamento no tocante à alínea "a" do permissivo constitucional e também pelo fato de o dissídio jurisprudencial não ter sido comprovado, mediante a realização do cotejo entre os julgados tidos como divergentes. Vencidos quanto ao conhecimento do recurso a Min. Relatora e o Min. Carlos Fernando Mathias.
Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido, para declarar a legalidade da cobrança dos juros remuneratórios, como pactuados, e ainda decotar do julgamento as disposições de ofício. Ônus sucumbenciais redistribuídos.
( STJ, 2ª seção, RESP 1.061.530 – RS, rel. Ministra Nancy Andrigh, não unânime. DJ 10/03/2009)
[3] TIMM, Luciano Benetti. O novo direito civil . Porto Alegre: editora livraria a do advogado, 2008, p. 65.
[4] Ver nesse diapasão RESP 838.127 DF, de lavra do Ministro Luis Fux 1ª turma do Superior Tribunal de Justiça, em que ficou assim assentado: “O Código Civil de 1916, de feição individualista, privilegiava a autonomia da vontade e o princípio da força obrigatória dos vínculos. Por seu turno, o Código Civil de 2002 inverteu os valores e sobrepõe o social em face do individual. Dessa sorte, por força do Código de 1916, prevalecia o elemento subjetivo, o que obrigava o juiz a identificar a intenção das partes para interpretar o contrato. Hodiernamente, prevalece na interpretação o elemento objetivo, vale dizer, o contrato deve ser interpretado segundo os padrões socialmente reconhecíveis para aquela modalidade de negócio”.
[5] GAGLIANO, Pablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil- contratos em espécie. São Paulo: Saraiva, 2002, v. IV, tomo 2
[6] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em espécie. 3ª edição. Cit. p. 240
[7] WEDY, Gabriel. A usura e a limitação dos juros reais compensatórios em 1% ao mês após a publicação da emenda constitucional nº 40.
[8] BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Martin Claret: São Paulo, 2003. p.19
[9] GABRIEL WEDY. O limite Constitucional dos Juros Reais. 4. ed. Porto Alegre: Sintese, 1997.Cit. p. 99
[10] Ver WEDY, Gabriel. A usura e a limitação dos juros reais compensatórios em 1% ao mês após a publicação da emenda constitucional nº 40.
[11] GAGLIANO, Pablo Stolze & PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Obrigações. 9ª edição. Cit. p.295
[12] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Contratos em espécie. 3ª edição. Cit. p. 242
Técnico do Ministério Público de Sergipe. Bacharelando em Direito pela Faculdade de Administração e Negócios de Sergipe/ FANESE-SE
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Luã Silva. Revisão dos contratos bancários: análise crítica à luz da jurisprudência do STJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2010, 08:56. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21746/revisao-dos-contratos-bancarios-analise-critica-a-luz-da-jurisprudencia-do-stj. Acesso em: 26 dez 2024.
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