A concepção histórica dos Direitos Humanos consiste na compreensão da do reconhecimento do ser humano como único ser vivo que dirige a sua vida em função dos valores éticos e, portanto, valores construídos socialmente que se transformam com a passagem do tempo. Os direitos humanos surgem como reação e resposta aos excessos do regime absolutista, na tentativa de impor controle e limites à abusiva atuação do Estado.[1]
Direitos humanos segundo Culleton são “Aquelas exigências que brotam da própria condição natural da pessoa humana e que, por isso, exigem seu reconhecimento, seu respeito e ainda a sua tutela e promoção da parte de todos, mas especialmente daqueles que estejam instituídos em autoridade.”[2]
Conforme Comparato, no decorrer do curso da história, o resultado da dor física e do sofrimento moral do ser humano o encaminha para a compreensão da dignidade humana da pessoa e de seus direitos[3].
No processo histórico para reconhecer a criança como indivíduo com particularidades próprias, muitos anos tiveram que passar para a efetivação do combate aos maus-tratos na infância, nas diversas formas de violência pela sociedade. A abordagem do tema por vários doutrinadores remete a obra de Áries[4], considerada clássica, sobre a construção da categoria infância, quando antes e durante a idade média as crianças não eram percebidas pela consciência social como seres diferenciados do mundo dos adultos. Somente a partir do século XVII as crianças seriam descobertas, com atitudes infantis, brincando ou no colo, retratadas em obras de arte como crianças reais, pois antes eram mostradas nas telas como adultos em miniatura, (com roupas de adultos, ou trabalhando em máquinas ou exercendo uma profissão de adulto).[5]
A Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada unanimemente pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 formulou os padrões mínimos de tratamento e respeito a todos os seres humanos. Baseado nos seus dispositivos a DUDH consagrou as liberdades individuais visando um fundamental direito da humanidade, tendo por objetivo a constituição de uma ordem internacional respeitadora da dignidade humana. Assim sendo, as Nações Unidas adotaram, subseqüentemente, convenções internacionais que afetaram diretamente a organização das relações familiares e, portanto da proteção da criança.[6]
A infância e a adolescência por ser um período de vida em estado de desenvolvimento e com maior vulnerabilidade tinham ficado à margem da proteção. As Convenções Internacionais e todos os instrumentos que representaram historicamente a possibilidade de garantir-lhes todos os direitos conquistando os direitos da criança e do adolescente resultaram na mudança da Constituição Federal em 1988, a partir daí passando a condição de sujeito de diretos. A seguir houve a regulamentação da Constituição com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em 1990, visando a proteção integral.[7]
Conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, “considera-se criança, a pessoa até os doze anos de idade incompletos e adolescentes aquela entre doze e vinte e um anos de idade”.[8] São inúmeras as dificuldades em reverter o quadro da história da infância em situação de violência praticada dentro e fora da família.[9]
No que diz da violência praticada fora da família, dentre tantos autores consagrados citamos a Dra. Maria Regina Fay de Azambuja[10], Dr. José Antônio Daltoé Cezar[11] e Dra. Veleda Dobke[12], preocupados em adequar o sistema Judiciário à condição peculiar da criança quando chamada a depor em juízo.
Com a globalização, as informações na mídia ou na internet, sobre crimes de atentados contra crianças e adolescentes, vítimas de pessoas sem escrúpulos, abusadores, pedófilos, pornografia infantil, entre outros, passaram a fazer parte na vida diária das pessoas, esclarecendo para muitas famílias esses atos ilícitos.
A necessidade da vítima se submeter a exames médicos para obter provas da evidência do abuso, até entrevistas psicológicas, contatos com o Serviço Social, com o Conselho Tutelar, com a Polícia, com o Ministério Público e com a Justiça, fazem com que as conseqüências do abuso sexual contra a criança se estendam para além dos efeitos do abuso em si, produzindo uma segunda revitimização. Por isso, devem-se reduzir as várias entrevistas, as formalidades legais e a frieza dos ambientes que a criança vai circular.[13]
É de suma importância informar que o Sistema Judiciário na ânsia de resolver crimes contra crianças e adolescentes tem tentado assegurar às vítimas de violência sexual intrafamiliar a aplicação da Doutrina da Proteção Integral, prevista no Estatuto. Esta tentativa se expressa, por exemplo, no projeto Depoimento sem Dano, iniciado em 2005.
Trata-se de um projeto criado em maio do ano de 2005, para o depoimento em processo como prova, o local é modificado para a integridade da criança que é necessário ser retirado do ambiente formal da sala de audiência e transferido para sala especialmente projetada para deixarem as crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, tranqüilos, à vontade para falarem dos fatos ocorridos, das suas angústias, sofrimentos. Ligada por vídeo e áudio ao local onde se encontram o Magistrado, Promotor de Justiça, Advogado, réu e serventuários da justiça, também a integridade moral da criança deve ser alcançada podendo interagir durante o depoimento com técnicos preparados para realizar esses depoimentos de forma que a criança não seja revitimizada, por se tratar de perguntas sobre o abuso sexual.[14]
O Depoimento sem Dano é usado no meio jurídico para a redução do dano durante a produção de provas em processos, no qual a criança ou adolescente é vítima ou testemunha no caso e precisa ser ouvida. Tal procedimento é analisado com as demais provas processuais para o veredicto do julgador.
Conforme Daltoé “A busca da redução de danos às vítimas que necessitam ser inquiridas em juízo apresenta-se como o objeto principal do Projeto Depoimento Sem Dano, que procura, de forma singela e prática, adequar valores fundantes da República, como o contraditório e a ampla defesa no processo judicial, com outros não de menor importância como a dignidade da pessoa humana e prioridade absoluta ao atendimento dos direitos de crianças e adolescentes”.[15]
Segundo Leandro Feix, ao iniciar o depoimento, é importante que o entrevistador, no ambiente acolhedor, demonstre empatia à vítima ou testemunha, já que esta tenha vivenciado uma situação traumática e dolorosa, e que terá que falar sobre o crime do abuso com uma pessoa estranha, no caso o entrevistador.[16]
As mudanças no Judiciário e na Legislação estão em constante mudança à realidade brasileira, principalmente quando se trata da criança e do adolescente dando excelente resultado e devem continuar os esforços para minimizar qualquer que seja o dano causado a essas vítimas.
Com as inovações constitucionais de 1988 extensivas aos tratados internacionais de direitos humanos, o Brasil tem adotado importantes medidas com instrumentos internacionais voltados à proteção dos direitos humanos.[17]
Segundo Flávia Piovesan, o processo de criação do Direito Internacional dos Direitos Humanos e sua incorporação pelo Direito brasileiro decorrem da ratificação de diferentes convenções internacionais. Por exemplo, citamos a que trata de todas as formas de discriminação contra a mulher, contra a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos e degradantes, sobre os direitos da criança, dos direitos civis e políticos, direitos econômicos, sociais e culturais, da eliminação de todas as formas de discriminação contra pessoas portadoras de deficiência. Também citamos especialmente a que trata do envolvimento de crianças em conflitos armados, assim como venda, prostituição e pornografia infantil, entre outros; assegurando assim, a disposição do Estado brasileiro de complementar às obrigações internacionais. Esses esforços têm objetivo de compor uma imagem mais positiva do Estado brasileiro no contexto internacional, como sendo um País respeitador e garantidor dos direitos humanos. Assim, além dos direitos constitucionais previstos no âmbito nacional, os indivíduos, inclusive as crianças, passam a ser titulares de direitos internacionais[18].
[1] PIOVESAN, Flávia . Direitos Humanos e o Direito Consitucional Internacional. 9º Ed.rev.Ampl.e Atual. São Paulo.Saraiva.2008.p. 137
[2] CULLETON, Alfredo. Curso de direitos humanos. Por Alfredo Culleton, Fernanda Frizzo Bragato, Sinara Porto Fajardo. São Leopoldo.Unisinos, 2009.p 13
[3] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. Editora Saraiva. 2009. p.38
[4] Áries, Philipe, História Social da Criança e da Família.p. 50-69
[5] MOTTA, Ana Paula. As garantias processuais e o Direito Penal Juvenil:como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação. Porto Alegre. Livraria do Advogado Ed.,2005.P.47
[6] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. Editora Saraiva. 2009. p.232
[7]AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Violência sexual intrafamiliar:É possível proteger a criança?Porto Alegre. Livraria do Advogado, 2004.p.47
[8] BRASIL, Estatuto da criança e do adolescente. São Paulo. Saraiva, 2009.
[9] MOTTA, Ana Paula. As garantias processuais e o Direito Penal juvenil: como limite na aplicação da medida socioeducativa de internação.Porto Alegre. Livraria do Advogado Ed. 2005.
[10] AZAMBUJA, Maria Regina Fay de. Violência sexual intrafamiliar:É possível proteger a criança?Porto Alegre.Livraria do Advogado,2004
[11] CEZAR, José Antônio Daltoé.Depoimento sem Dano.Uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos judiciais.Porto Alegre.Livraria do Advogado Editora,2007.
[12] DOBKE, Veleda. Abuso Sexual:a inquirição das crianças - Uma abordagem interdisciplinar.Porto Alegre.Ricardo Lenz,2001.
[13] TRINDADE, Jorge e Breier, Ricardo. Pedofilia:aspectos psicológicos e penais. Porto Alegre.Livraria do Advogado.Ed.2007.p.81
[14] CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem: uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processo judiciais. Porto Alegre.Livraria do Advogado Editora. 2007.p.66
[15] CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem: uma alternativa para inquirir crianças eadolescentes nos processo judiciais. Porto Alegre.Livraria do Advogado Editora. 2007.p.
[16] STEIN, Lilian Milnitsky. (Org.) et.al. Falsas Memórias:fundamentos científicos e suas aplicações clínicas e jurídicas.p.212
[17] PIOVESAN, Flávia.Direitos Humanos e o direito constitucional internacional.9ºed.rev ampl.e atual.São Paulo.Saraiva, 2008.p.280
[18] PIOVESAN, Flávia.Direitos Humanos e o direito constitucional internacional.9ºed.rev ampl.e atual.São Paulo.Saraiva, 2008.p.278-281
Acadêmica do Curso de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CHIOT, Rosaura Correa. Crianças e adolescentes no processo judiciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 out 2010, 11:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21797/criancas-e-adolescentes-no-processo-judiciario. Acesso em: 22 nov 2024.
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