1. INTRODUÇÃO;
O presente trabalho visa trazer uma reflexão sobre uma prática constante em nosso cenário político administrativo, no qual muitos administradores, sejam eles na esfera federal, estadual ou municipal, insistem em nomear obras e prédios público no intuito de promoção pessoal, fazendo da coisa público como se sua fosse.
Assim, será analisado a questão da impessoalidade que deve pautar todo ato administrativo em parâmetros que visam a moralidade dos atos administrativos, atos esses relacionados a nomeação de obras e prédios públicos, em que os administradores reiteradamente desrespeitam parâmetros constitucionais para sua instituição.
2. DESENVOLVIMENTO;
Qualquer autoridade, seja ela de qualquer dos três poderes que compõem o Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) merece consideração geral pela sua grandeza, fidalguia, dignidade, honestidade, pureza, coragem, probidade, retidão e competência. Vossas Excelências estão aptos a receberem homenagens por serviços prestados à Nação. Entretanto, homenagens legais. Venerações, atos de cortesia, de consideração e de reconhecimento devem vir através de condecorações, distinções honoríficas, insígnias, diplomas, comendas, títulos de cidadania e mesmo com outorga de título de doutor "honoris causa". Jamais através de uso de nome de pessoa viva em prédio público, por ser tal prática antidemocrática e proibida expressamente pelo art. 37, §1º, CF, cuja redação é a seguinte:
“§ 1º. A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.
Esse dispositivo da Constituição está intimamente ligado ao princípio da impessoalidade ao vedar que os agentes públicos se valham das atividades administrativas para promoção pessoal.
O STF, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 307/CE, analisou a constitucionalidade do art. 20, V, da Constituição do Ceará, que veda ao Estado e aos Municípios atribuir nome de pessoa viva a avenida, praça, rua, logradouro, ponte, reservatório de água, viaduto, praça de esporte, biblioteca, hospital, maternidade, edifício público, auditórios, cidades e salas de aulas.
Nesse julgamento, os Ministros do STF declararam constitucional o referido inciso V do art. 20 da Constituição cearense, considerando que a atribuição de nome de pessoa pública viva a bens públicos é inconstitucional.
Inclusive, na esfera federal, há lei nesse sentido: Lei 6.454/77. Veja trecho desta lei:
“Art. 1º. É proibido, em todo o território nacional, atribuir nome de pessoa viva a bem público, de qualquer natureza, pertencente à União ou às pessoas jurídicas da Administração indireta.
Art. 2º. É igualmente vedada a inscrição dos nomes de autoridades ou administradores em placas indicadores de obras ou em veículo de propriedade ou a serviço da Administração Pública direta ou indireta.
Art. 3º. As proibições constantes desta Lei são aplicáveis às entidades que, a qualquer título, recebam subvenção ou auxílio dos cofres públicos federais”.
No dizer de Celso Antônio Bandeira de Melo, o descumprimento a um princípio "é a mais grave forma de ilegalidade, ou inconstitucionalidade". A esse respeito diz esse jurista em candentes palavras:
"A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade, ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustém e alui-se toda a segurança reforçada" (Curso de Direito Administrativo", Malheiros Editores, 5a. Edc., 1994, pág. 477).
A moral administrativa é, por sua vez, condição sine qua non para a transformação da sociedade brasileira. Sem moral administrativa jamais o Estado terá condições de garantir os direitos fundamentais e acabar com as injustiças sociais. Por isto, a Constituição Federal jurisdicizou a "moralidade" e consagrou no art. 37 que a administração pública deve respeitar os princípios, não só o da moralidade, mas o da impessoalidade e da legalidade.
Celso Antônio Bandeira de Mello vincula o princípio da moralidade administrativa à ética: “De acordo com o princípio da moralidade, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que as sujeita à conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição”.
Bandeira de Melo ensina que o princípio da moralidade está ainda vinculado aos princípios da lealdade e boa-fé: "Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos".
Hely Lopes Meirelles ressalta que a moralidade administrativa é condição de validade dos atos administrativos e cita julgado do Tribunal de Justiça de São Paulo: "o controle jurisdicional se restringe ao exame da legalidade do ato administrativo, mas por legalidade ou legitimidade se entende não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo".
Daí que DEMÓCRITO RAMOS REINALDO, Ministro do STJ, em trabalho intitulado "O PRINCÍPIO DA MORALIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA", publicado na Revista dos Tribunais n. 711/17, desenvolve o tema com inegável acerto, nestes termos:
"Os princípios serão sempre aplicáveis, ainda que o sejam em suas funções inibidoras e desconstitutivas de atos que os infrinjam, sejam estes normativos ou concretos, diferentemente dos preceitos, que podem ter toda a sua exeqüibilidade deferida. A função "sistêmica" que permite ligar ou cimentar objetivamente todo o sistema constitucional, com uma identidade irradiante e que se dirige a todos, indistintamente, legisladores, administradores e juízes, pois é por ela que se expressa a opção moral do legislador constituinte; a função "inibidora", com eficácia impeditiva de prática de qualquer ato que contraria o princípio adotado. Dirige-se igualmente a todos, sem exceção. O constituinte jurisdicionalizou a "moralidade", definindo-a como princípio para viger paralelamente ao da legalidade. O legislador constituinte, ao instituir o princípio da moralidade não cuidou de mero "reenvio" da norma legal à norma moral, mas atribuiu à moralidade administrativa relevância jurídica, de eficácia plena e mandamentalmente autônoma - e de vida própria. Há de se distinguir a ordem jurídica positiva, que caracteriza a legalidade, da ordem jurídica positiva, que caracteriza a moralidade, ambas compondo a mesma ordem jurídica integral, porque "nem tudo que é legal é moral". Decorre daí que não basta que o administrador se atenha ao estrito cumprimento da legalidade, devendo sua atividade ser balizada e informada pelo princípio ético, porquanto a declaração de nulidade constitui sanção à moralidade administrativa (art. 5º, XIX). Cabe pois ao administrador, ao formar o ato, atender ambos os princípios. Não importa, ainda, que o ato administrativo seja "vinculado" (ou regrado) e que tenha preenchido todas as solenidades previstas em lei. A moralidade alcança os atos da administração de qualquer natureza, sejam "regrados" ou "discricionários". O ato pode ser legal, mas ao mesmo tempo inconstitucional, incidindo na eiva de inconstitucionalidade".
O princípio da impessoalidade da Administração Pública foi ferido nesse caso. Tal princípio assenta-se no fato de que a Administração Pública se destina a atender fins públicos e coletivos e não a beneficiarem pessoas em particular.
O princípio da impessoalidade recebeu distintas análises da doutrina brasileira.
Para José Afonso da Silva "os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário (...). Por conseguinte, o administrado não se confronta com o funcionário ‘x’ ou ‘y’ que expediu o ato, mas com entidade cuja vontade foi manifestada por ele" (Curso de direito constitucional positivo, 1992, p. 570).
Hely Lopes Meirelles associou a impessoalidade ao princípio da finalidade, que significa o atendimento do interesse público: "O administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros". E a finalidade – prossegue – terá sempre um objetivo certo e inafastável de qualquer ato administrativo: o interesse público".
O mesmo autor entende ainda que o princípio da impessoalidade deve ser entendido para excluir a promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos sobre suas realizações administrativas (Cf, 37, 1º).
Segundo Celso Antônio Bandeira de Melo, impessoalidade "traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações benéficas ou detrimentosas... O princípio em causa não é senão o próprio princípio da legalidade ou isonomia (Elementos de direito administrativo, 1992, p. 60)".
Uma das atribuições constitucionais do Ministério Público é a "defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Conforme nos lembra Emerson Garcia, do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o Estado Democrático de Direito emana de normas editadas segundo a vontade popular. Por conseguinte, os atos praticados pela Administração Pública, que são sinônimos da soberania popular, devem manter-se fiéis à ordem jurídica, sob pena de rompimento do elo de legitimidade que une o detentor do poder aos seus representantes.
Maculada a ordem jurídica pelos próprios agentes do Poder Público, estarão enfraquecidos os princípios basilares do ideal democrático. É, ainda, atribuição específica do MP, o dever de "zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia" e a obrigação de "promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos".
O art. 5º, I, da Lei Complementar nº 75/93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), segundo o qual "são funções institucionais do Ministério Público da União: I- a defesa da ordem jurídica, do regime democrático, dos interesses sociais e dos interesses individuais indisponíveis, considerados, dentre outros, os seguintes fundamentos e princípios: (...) h) a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade, relativas à administração pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União".
Assim é que o art. 6º, XIV, do mesmo diploma legal, que compete ao Ministério Público da União "promover outras ações necessárias ao exercício de suas funções institucionais, em defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, especialmente quanto: (...) f) à probidade administrativa." Tais dispositivos são aplicados subsidiariamente aos Ministérios Públicos dos Estados em face da redação do art. 80, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados). De notar que o art. 25, IV, "b", desse diploma legal, que dispõe ser incumbência do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei, "para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem".
Assim, o Ministério Público tem o dever de zelar pela ordem jurídica, por força do art. 80, da Lei nº 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público dos Estados). E o princípio da impessoalidade integra a ordem jurídica e os cidadãos têm o direito a terem uma administração honesta, cumpridora dos princípios administrativos constitucionais, da moralidade e da impessoalidade.
3 CONCLUSÃO;
Com isso verificamos que esta prática tão abolida desde promulgação da Carta Constitucional de 1988, esta cada vez mais com os dias contados, visto a importância de algumas instituições como o Ministério Público em todas as suas esferas, assim como uma crescente conscientização que o cidadão brasileiro vem ganhando nesses mais de 20 anos da nova democracia, pós ditadura militar.
Cada dia que se passa notamos uma diminuição nesta pratica tão nefasta que visa dar aos bens públicos de titularidade de todo o cidadão, uma conotação pessoal e promocional daquele que haje tão e somente só em nome do povo, povo este que é legitimador de todo o poder estatal, poder este abrangido nas esferas executiva, legislativa e judiciária.
REFERENCIAS
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MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 22.ed. São Paulo, RT, 1997.
Técnico do Ministério Público do Estado de Sergipe; Bacharel em Direito pela Universidade de Tiradentes/SE e Pós-Graduando em Ciências Penais no LFG.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Eduardo de Sousa Carvalho. Princípio da Impessoalidade na nomeação de Prédios Públicos e o Papel do Ministério Público na moralização da aplicação do Erário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 out 2010, 08:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21800/principio-da-impessoalidade-na-nomeacao-de-predios-publicos-e-o-papel-do-ministerio-publico-na-moralizacao-da-aplicacao-do-erario. Acesso em: 22 nov 2024.
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