A prescrição virtual, também denominada de prescrição antecipada, projetada ou em perspectiva, muito embora venha sendo rechaçada pela maioria dos Tribunais Pátrios sob o argumento de impossibilidade do seu reconhecimento por ausência de expressa previsão legal, ainda é bastante aplicada pelos julgadores partidários do instituto sob o argumento de que buscam evitar que a máquina estatal seja movimentada sem motivo.
A prescrição em matéria criminal extingue a punibilidade do réu e pode ser compreendida em duas espécies: a prescrição da pretensão punitiva e a prescrição da pretensão executória. A primeira verifica-se antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e subdivide-se em retroativa e superveniente; já a segunda ocorre após o trânsito em julgado da decisão.
No texto legal, o marco regulatório da prescrição da pretensão punitiva, antes de ter sido prolatada a sentença penal condenatória, é estabelecido pelo artigo 109, caput, do Código Penal Brasileiro, que considera, como regra, a pena máxima em abstrato prevista no tipo penal para o respectivo cálculo do prazo prescricional.
Em se tratando de prescrição da pretensão punitiva intercorrente e retroativa, será levado em conta a pena em concreto, pois em ambas já existe uma sentença condenatória, ainda não transitada em julgado. É o que se extrai da previsão legal resultante da combinação dos artigos 109 e 110, parágrafo 1º do Código Penal.
A prescrição projetada é modalidade não prevista em lei, trata-se de criação doutrinária e jurisprudencial e relaciona-se com o reconhecimento antecipado da prescrição na modalidade retroativa, só que com lastro na pena que seria imposta ao acusado, tomando por base o evento futuro e “provável” de condenação, computando-se as circunstâncias judiciais subjetivas e objetivas, nos termos do art. 59 e 68 do Código Penal, e antevendo a aplicação da suposta pena.
O instituto em questão implica na extinção da punibilidade do réu pela prescrição da pretensão punitiva estatal, de forma antecipada, baseando-se na pena “ideal” a ser aplicada ao caso concreto, ou seja, regula-se por uma pena hipotética a ser aplicada, caso sobreviesse condenação.
A possibilidade ou não do reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva em perspectiva, virtual ou antecipada ensejou junto ao Supremo Tribunal Federal o enfrentamento de repercussão geral, cujo resultado do julgamento concluiu pela sua inadmissibilidade sob o fundamento de ausência de previsão legal da figura.
Em que pese dominante a orientação jurisprudencial contrária, muitos operadores do direito continuam defendendo a prescrição antecipada, sob a perspectiva da utilidade da existência da ação penal, argumentando que evitaria o prosseguimento de um processo penal quando se pode afirmar, com segurança, que não levará a um resultado útil, porque inevitável o reconhecimento da prescrição retroativa.
Assim, mesmo sendo modalidade de prescrição estranha ao Direito Penal, muitos julgadores a reconhecem em homenagem ao princípio da instrumentalidade do processo.
A tese defensiva da prescrição virtual, no entanto, é minoritária e de acordo com as elucidativas razões expostas no pensamento do ilustre Juiz Federal RICARDO FELIPE RODRIGUES MACIEIRA, consignado no voto do Recurso Criminal 2005.39.00.003137-1/PA, do TRF1ª Região, mostra-se inaplicável:
“Na medida em que vigora no sistema processual penal, ainda que de forma mitigada, a regra da obrigatoriedade, é perigoso o argumento de que o reconhecimento da prescrição antecipada evitaria uma ação inútil. No sistema acusatório, com atribuições bem definidas a cada um dos sujeitos processuais, o escopo do processo penal não é a condenação, mas a justiça do caso concreto. A jurisdição criminal não se desenvolve para condenar ou absolver – isto é consequência do provimento final –, mas para realizar precipuamente a manutenção e reintegração da ordem jurídica, o que ocorre, também, quando se pronuncia juízo de inocência do réu. Parece-me, pois, que o critério do interesse-utilidade não pode ser transposto do processo civil para o penal, de maneira absoluta.”
Assim, observa-se que o posicionamento majoritário jurisprudencial de considerar inaplicável a prescrição projetada, visa resguardar as regras do sistema processual penal pátrio que exige que a prescrição somente possa ser regulada pela pena concretamente aplicada ou, ainda, pela sanção máxima, in abstrato, cominada ao caso em questão, inexistindo previsão legal para a prescrição antecipada.
Para dirimir a questão, foi editada pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça a súmula 438, que teve como referência os artigos 109 e 110 do Código Penal, dispondo que: "é inadmissível a extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva com fundamento em pena hipotética, independentemente da existência ou sorte do processo penal".
Desse modo, embora o embate jurídico ainda não tenha chegado ao seu fim, sabe-se que para a melhor doutrina e jurisprudência, carece de amparo jurídico a denominada prescrição antecipada ou “virtual”, não devendo ser extinta a punibilidade do réu com base na pena em perspectiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2000.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal – Parte Geral. 6 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.
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NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal – Parte Geral e Parte Especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
[1] STF – RE 602527, QO/RS, rel. Min. Cezar Peluso, 19.11.2009.
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