INTRODUÇÃO:
Diante da evolução dos anseios sociais muitas modificações ocorreram ao longo da história, sobretudo na ciência jurídica que, sem dúvida, é um dos ramos que mais transparece a realidade social.
Mas, mesmo sendo notório que o Direito vem sofrendo alterações significativas o Estado ainda, infelizmente, não oferece ao cidadão uma satisfatória prestação jurisdicional, motivo pelo qual toda a sociedade indaga se realmente o Poder Judiciário exerce a função jurisdicional a contento.
Esses obstáculos são representados especialmente pelo pagamento das custas judiciais que, diga-se de passagem, são bastante elevadas. E, a partir disso, alguns questionamentos vêm à tona: será que essas custas têm respaldo constitucional?
De que forma a eventual inconstitucionalidade poderá ser suscitada? O acesso à justiça não deveria ser gratuito? Será que alguns cidadãos deixam de ingressar com ação judicial por não ter recursos financeiros para tanto ?
Estas, caro leitor, são perguntas que, sem dúvida, merecem ser respondidas.
Com esse intuito é que se propõe e se justifica o tema proposto, mesmo porque a sociedade, mais do que nunca, clama por justiça, e não em seu aspecto formal ou abstrato, mas sim em seu aspecto real e efetivo, evitando-se, pois, que essa nefasta tendência de descrença no Poder Judiciário prolongue ao longo dos anos.
2- DAS CUSTAS PROCESSUAIS
É notório que o processo judicial demanda custo, mas não é utópica a aspiração a um sistema processual inteiramente gratuito, pelo menos no que se refere ao pagamento das custas processuais.
Insta salientar que não estamos falando em isenção do pagamento de honorários advocatícios, em se tratando de advogado particular, mas sim ao pagamento das taxas cobradas pelo Poder Judiciário como requisito para intentar uma demanda judicial.
Nestes termos, oportuniza Cândido Rangel Dinamarco (2002, p.633): “Custo do processo é a designação generalizada de todos os itens entre os quais se distribuem os recursos financeiros a serem despendidos no processo. Engloba despesas processuais e honorários advocatícios”.
Escrevendo acerca do tema, assevera Cândido Rangel Dinamarco (2002, p.635): “As custas e taxas judiciárias constituem renda do Estado e conceituam-se como taxas, sendo por isso uma modalidade de tributo”.
Sendo assim, para entendimento do entendimento aqui esposado cumpre-se atentar que as custas processuais são espécies do gênero despesas processuais, aquelas referentes às taxas pagas ao Poder Judiciário para se obter a prestação jurisdicional acerca de uma caso concreto.
As custas judiciais possuem natureza tributária, classificadas na sub-espécie taxas remuneratórias de serviços públicos, sendo, pois, um tributo vinculado. Assim, portanto, sujeito ao regime jurídico constitucional, especialmente aos princípios fundamentais que regem a matéria, destacando as garantias essenciais da reserva de competência impositiva, da legalidade, da isonomia e da anterioridade.
2.1. Exigiblidade do pagamento – lei 1.060/50:
Como será demonstrado, as custas judiciais não têm amparo constitucional por afrontarem os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil e, por isso, não gozam de respaldo jurídico para sua exigibilidade.
Entretanto, cabe-nos esclarecer, de logo, os principais aspectos da lei 1.060/50, haja vista que esta disposição legal serve de fundamentação, na maioria das vezes, para indeferimento da isenção do pagamento das custas processuais.
Destaca-se, a partir de então, diferenciar assistência jurídica gratuita e assistência judiciária gratuita. A primeira diz respeito à gratuidade na prestação de serviços jurídicos, como exemplo, a defensoria pública; já a segunda diz respeito à isenção do pagamento das despesas processuais, dentre elas as custas.
Nesse diapasão, é entendimento uníssono, garantia constitucional, contemplada no artigo 5º LXXIV, tem como objetivo dar assistência, sobretudo, advocatícia; resguardando ao cidadão o direito de ter um defensor acaso não tenha recursos suficientes para o pagamento custear advogado particular. Demonstra-se, então, que, neste caso, é obrigatória a comprovação da insuficiência de recursos para se obter a assistência jurídica gratuita.
Já a lei 1.060/50 versa sobre assistência judiciária gratuita, e esta, ressalta-se, em nenhum momento afirma a necessidade de se comprovar a insuficiência de recursos para fazer jus ao benefício, bastando a simples alegação da parte de que é pobre na forma da lei.
Senão vejamos o que preleciona o artigo 2°, desta lei, in verbis:
Gozarão dos benefícios desta lei os nacionais ou estrangeiros residentes no País que necessitarem recorrer à justiça penal, civil, militar, ou do trabalho.
Parágrafo único: Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou da família.
Com efeito, repise-se, quando se trata de isenção no pagamento de honorários, certamente a demonstração de miserabilidade demonstra-se obrigatória, mas quando se trata de isenção no pagamento de custas esta deverá ser deferida com a simples alegação da parte de que não tem condições de arcar com tal ônus.
Com efeito, para a efetividade do processo, ou seja, para plena consecução dos fins almejados pelo corpo social, necessário se faz afastar os entraves que dificultam o acesso à justiça.
Nessa linha de raciocínio, defendem Antônio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco[1]:
É preciso eliminar as dificuldades econômicas que impeçam ou desanimem as pessoas de litigar ou dificultem o oferecimento de defesa adequada. [...]
A justiça não deve ser tão cara que o seu custo deixe de guardar proporção com os benefícios pretendidos.
A partir disso, não cabe ao magistrado ou aos tribunais o julgamento da miserabilidade alegada pela parte. Somente a parte adversa é que poderá impugnar tal alegação, acostando aos autos provas inequívocas da falsidade do que foi alegado.
Inferindo-se que o pagamento das custas não é exigível, primeiro porque é inconstitucional, consoante demonstrado a seguir, e segundo, porque a Lei 1.060/50 resguarda o direito ao benefício aquele que suscitar, em sede de petição inicial, sua miserabilidade econômica.
3- A INCONSTITUCIONALIDADE DA COBRANÇA ABUSIVA DAS CUSTAS PROCESSUAIS:
É fato que o Estado tomou para si a responsabilidade de oferecer e garantir a reparação de eventual direito lesado, entretanto o faz de forma mitigada, já que impõe ao jurisdicionado, na maioria das vezes, a obrigatoriedade do pagamento de tributos como requisito necessário ao acesso à Justiça.
Neste compasso, você já parou para pensar acerca da constitucionalidade desta cobrança?
Penso que é importante fazer este questionamento, já que a Carta Republicana de 1988 foi muito clara ao elencar no artigo 5°, XXXIV, o direito de petição como preceito fundamental, independentemente do pagamento de taxas, e, ainda, garantiu, no artigo 5°, LXXVII, o direito à gratuidade nos atos necessários ao exercício da cidadania, e sem dúvida, o direito de movimentar a máquina judiciária é uma das maiores manifestações de cidadania.
Destarte, inconteste que os novos ideais do Estado Social também alcançaram o Poder Judiciário e, neste contexto, a Carta Republicana é mais do que simples norma instituidora e garantidora de direitos, mas, também, uma universalização de valores a serem realizados pelos poderes públicos, especialmente, pelo Judiciário.
Nesse sentido é que se embasa a tese aqui defendida, demonstrando, através de argumentos satisfatórios e subsistentes, que o acesso efetivo à justiça é premissa básica de realização e justificativa da existência do próprio Estado Democrático de Direito.
Pontua-se, então, que a Lei Maior não é neutra nem tão pouco ausente de axiologia, e essa visão valorativa é imprescindível para a efetividade satisfatória dos próprios preceitos fundadores do Estado brasileiro.
Obviamente, os valores precedem à criação de um sistema normativo, já que se encontram no plano axiológico influenciando-o diretamente; enquanto que as normas em si, constituem o plano deontológico, pois o direito não é um fim em si mesmo, apenas transmuta os anseios sociais para o plano jurídico.
Nestes termos, admite-se, atualmente, que os princípios são normas jurídicas vinculantes, dotados de efetividade no interior da ordem jurídica e essa nova tendência vem sendo chamada pela doutrina de pós-positivista, o que torna imprescindível a reflexão dos constitucionalistas contemporâneos acerca do tema.
Não tenho dúvidas de que o acesso à justiça constitui corolário do Estado Democrático de Direito, razão porque não se deve criar meios que dificultem o exercício do direito de ação, o que significa dizer que não basta haver Judiciário no plano formal, muito pelo contrário, deve sim, haver um Judiciário que resolva satisfatoriamente cada caso concreto.
Nesta esteira de pensamento afirma Clémerson Merlin Clève (1993, p.51):
O acesso à decisão judicial constitui importante questão política. Não há verdadeiro Estado Democrático de Direito quando o cidadão não consegue, por inúmeras razões, provocar a tutela jurisdicional.
O problema do acesso à justiça tem sido muito discutido. Ninguém desconhece a existência de sérios obstáculos impeditivos do referido acesso. Ninguém desconhece, também, que muitas medidas têm sido sugeridas para a ultrapassagem desses obstáculos. De certo modo, a Constituição se preocupou com essa questão. Trata-se, agora, de tornar efetivas as normas constitucionais que dispõem a respeito.
Nestes termos, conclui-se facilmente que a visão atual do acesso à justiça é muito mais social do que jurídica, e para colocar em prática essa nova visão o Estado deve promover meios efetivos e substanciais para a concretização dos objetivos almejados pelos próprios cidadãos, pois são eles que justificam, mantêm e tornam legítimo o próprio poder estatal.
É por isso que quando se fala em acesso à justiça, na verdade estamos nos referindo ao acesso à ordem jurídica justa e, isso só é possível quando se respeita e se cumprem os princípios e garantias processuais constitucionalmente previstos.
Nestes termos, afirma-se que mais do que um princípio, o acesso à justiça é a unificação ou a convergência de todos os princípios constitucionais e infraconstitucionais, ou seja, a garantia de ingresso ao judiciário só alcançará sua plenitude quando for colocada à disposição dos jurisdicionados uma justiça para todos.
E, com essa perspectiva, as custas processuais certamente configuram verdadeiro entrave de acesso ao Judiciário, uma vez que, muitas das vezes, o cidadão deixa de exercer o direito de ação por insuficiência de recursos, ou por não conseguir o benefício da justiça gratuita por insensibilidade do Estado-Juiz.
Isto significa, caros leitores, que a todos é garantido o direito de postular a tutela jurisdicional, estando aqui contemplados além dos direitos individuais, os direitos difusos e coletivos, evidenciando-se, é claro, que somente a fruição plena do direito de ação está apta a permitir o legítimo julgamento de mérito, seja ele procedente ou não.
Com efeito, floresce, desde logo, a ideia de que qualquer norma infraconstitucional que impeça ou dificulte o cidadão que se considerar titular de uma posição jurídica de vantagem, de movimentar a máquina judiciária será considerada violadora do direito de ação, e, por via de conseqüência, contrária à Lei Maior, porquanto inconstitucional.
Como se tudo não bastasse, tem-se que o princípio da reserva legal, corolário da exigibilidade tributária, é desrespeitado a todo o momento, haja vista que os tribunais instituem taxas por meio de portarias, regulamentos ou decretos, ensejando a inconstitucionalidade formal do tributo.
Assim sendo, o processo, mecanismo fundado para conferir às partes a prerrogativa de influir para a consecução da tutela pretendida, restou estrangulado, conquanto passou a não mais acalentar aqueles que necessitam e merecem a tutela jurisdicional responsável.
4- CONCLUSÃO:
É salutar a preocupação dos processualistas contemporâneos em dar uma nova visão instrumentalista ao direito, garantindo-lhe, por meio de novas leis, mecanismos que acelerem e tornem efetiva a prestação jurisdicional, dirimindo os conflitos sociais de maneira justa e satisfatória.
Considerando, então, que as grandes transformações porque passou a ciência jurídica trouxe como corolário processual a efetividade, é preciso oferecer à população canais eficientes para o acesso à justiça, alinhando-o a um aspecto positivo de exaurir os objetivos sociais, políticos e jurídicos que legitimam a existência do próprio processo.
Destaca-se, pois, que não basta dar celeridade ao processo, antes disso imperioso que os juristas se preocupem com o acesso ao Judiciário, visto que não podemos falar em eficiência jurisdicional se o Estado não oferece meios de acesso à Justiça.
Malgrado o entendimento de que as custas judiciais são constitucionais este, no meu modesto entendimento, não configura acertado, pois, ao mesmo tempo em que o ordenamento jurídico pátrio contempla o direito de ação, bem como a gratuidade dos atos necessários ao exercício da cidadania, vem a norma infraconstitucional e obriga os jurisdicionados ao pagamento de taxas abusivas.
Culmina, desde logo, a flagrante inconstitucionalidade da cobrança desse tributo, de característica vinculada, haja vista que mitiga e porque não dizer fere de morte os direitos e garantias fundamentais do cidadão.
A toda evidência, as custas processuais constituem verdadeiro óbice de acesso à justiça, visto que muitos cidadãos abdicam do seu direito de reparar eventual dano, por não ter recursos financeiros para arcar com o elevado custo, ou até mesmo ingressam com uma demanda, mas desistem no decorrer do processo, por não conseguirem pagar as custas e emolumentos.
De mais a mais, os tributos pagos ao Estado, se aplicados honestamente, são suficientes para financiar a prestação dos serviços públicos, como já acontece com a saúde, educação, incluindo-se, pois, a prestação jurisdicional.
Nós, cidadãos, sujeito de direitos e deveres, não podemos e não devemos aceitar passivamente as aberrações jurídicas; sob pena de tornar a ciência jurídica obsoleta e distante dos anseios sociais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria geral do processo. 20 º ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
CLÈVE, Clémerson Merlin. Temas de Direito Constitucional. São Paulo: Ed. Acadêmica, 1993.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4º ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. Vol. II. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 12º ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional. 22º ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
SILVA, Marco Antônio Marques. Acesso à justiça penal e o Estado democrático de direito.São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001.
VIEIRA, Oscar Vilhena (Colaboração de Flávia Scabin). Direitos Fundamentais. Uma Leitura da Jurisprudência do STF. Editora Malheiros. São Paulo, 2006.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe, Pós-Graduanda em Direito Público pela Universidade Tiradentes - UNIT
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENEZES, Silvia Fernanda Carvalho. (In) Constitucionalidade das custas judiciais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 out 2010, 08:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21951/in-constitucionalidade-das-custas-judiciais. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Isnar Amaral
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: REBECCA DA SILVA PELLEGRINO PAZ
Por: Isnar Amaral
Precisa estar logado para fazer comentários.