O exercício das funções estatais é distribuído entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Através do exercício da função executiva, o Estado determina situações jurídicas individuais, concorre para a formação dessas situações e pratica atos materiais, de acordo com as leis.
Por conseguinte, a função executiva resolve os problemas concretos e individualizados, porém, não se limita apenas à execução das leis. Todos os atos e fatos jurídicos, que não sejam de caráter geral e impessoal, compreendem a função executiva, a qual, se divide em função de governo (atribuições políticas, co-legislativas e de decisão) e função administrativa (fomento, serviço público, polícia administrativa), sendo esta última objeto do presente estudo.
Ocorre que não somente o Poder Executivo exerce a função executiva. De fato, ele a exerce precipuamente, mas os demais Poderes também a exercem atipicamente quando, por exemplo, concedem férias ou punem um servidor.
É justamente a existência de atos funcionais típicos e atípicos que conduz a dois outros importantes conceitos: atos administrativos em sentido material e em sentido formal, conforme aponta Seabra Fagundes:
No sentido material, ou seja, sob o ponto de vista do conteúdo e da finalidade, os atos administrativos são aqueles pelos quais o Estado determina situações jurídicas individuais ou concorre para a sua formação.[1]
Sendo a função administrativa atribuída, normalmente, aos elementos que compõem o Poder Executivo ou Administrativo, serão atos administrativos, no sentido formal, todos os que emanarem desse poder, ainda que materialmente não o sejam.[2]
O ato administrativo em sentido material resulta, assim, do exercício da função administrativa por quaisquer dos poderes estatais. No que diz respeito ao ato administrativo em sentido formal, o Estado pratica atos administrativos diretamente através dos órgãos centrais da Administração Pública, como também através das seguintes autoridades públicas:
Além das autoridades públicas propriamente ditas, podem os dirigentes de autarquias e das fundações, os administradores de empresas estatais e os executores de serviços delegados praticar atos que, por sua afetação pública, se equiparam aos atos administrativos típicos, tornando-se passíveis de controle judicial por mandado de segurança e ação popular, tais sejam as lesões que venham a produzir.[3]
Desta feita, verifica-se a ocorrência de atos administrativos, considerados sob o ponto de vista material, que, na realidade, podem não ter sido praticados pelo Poder Executivo, e sim, por agentes dos Poderes Legislativo e Judiciário. Nestes casos, tanto um quanto outro Poder, no exercício atípico da função administrativa, constitui-se em parcela da Administração Pública. Nesse sentido, seguem as atualizações aos ensinamentos de Seabra Fagundes:
Numa visão moderna do Direito Administrativo, já ínsita ao pensamento de M. SEABRA FAGUNDES, a noção de “Administração Pública” não pode ser confundida com a de Poder Executivo. Todos os Poderes exercem atividades administrativas e quando assim agem, constituem parcela da Administração Pública.[4]
Conforme se vê, ambos os critérios (material e formal) não são suficientes para distinguir a função administrativa das funções legislativa e jurisdicional.
A solução proposta por Celso Antônio Bandeira de Mello, que se utiliza de critérios diferentes dos adotados por Seabra Fagundes, identifica as funções do Estado a partir das características impregnadas pelo próprio Direito a cada uma delas, ou seja, utiliza-se do critério objetivo formal.[5]
Com arrimo neste critério, tem-se a seguinte conceituação:
Função administrativa é a função que o Estado, ou quem lhe faça as vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário.[6] (grifo do autor)
O exercício desta função se dá, portanto, tanto pelo Poder Executivo e seus sujeitos auxiliares, quanto, atipicamente, por órgãos de outros Poderes.
Constata-se o exercício da função administrativa através da gestão de interesses públicos (quando o Estado presta serviços públicos ou quando se organiza internamente) e da intervenção no campo privado, cuja expressão maior se perfaz através do poder de polícia. Em ambos os casos o que se tem é a administração da coisa pública (res publica), com vistas a suprir necessidades da coletividade (proteção, segurança e bem-estar).[7]
Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, a função administrativa abrange o fomento, a polícia administrativa e o serviço público.[8] Esta autora também chama atenção para uma quarta atividade citada por alguns autores, a intervenção, que não se confunde com a atividade de fomento.
O fomento abrange a atividade da Administração Pública de incentivo à iniciativa privada de utilidade pública, como ocorre nas hipóteses de subvenções custeadas pelos orçamentos públicos. Já a polícia administrativa compreende medidas que visam a restringir direitos individuais em benefício de toda a sociedade. Dentre as medidas de polícia, temos as licenças, notificações e sanções. Quanto aos serviços públicos, estes são atividades desenvolvidas pela Administração, direta ou indiretamente, para satisfazer necessidades coletivas, sob o regime jurídico predominantemente público, a citar, o serviço postal e o correio aéreo nacional.
No que diz respeito à intervenção, pode-se entendê-la como espécie da atividade de fomento ou como espécie autônoma de atividade administrativa. Di Pietro chama atenção para o fato de que a intervenção “compreende a regulamentação e fiscalização da atividade econômica de natureza privada, bem como a atuação direta do Estado no domínio econômico, o que se dá normalmente por meio das empresas estatais”.[9]
Nos casos de intervenção no domínio econômico, é o próprio Estado que atua segundo normas de direito privado[10], não obstante também observar normas constitucionais, de direito público, como a constante do art. 37 da CF/88. Assim, conclui Di Pietro que, por considerar que a função administrativa é aquela que se sujeita total ou predominantemente ao direito público, a intervenção, nesta hipótese, não seria função administrativa e sim, atividade privada, exercida sob o regime de monopólio ou em regime de competição com o particular.[11]
Em síntese, excetuando-se a atividade que o Estado exerce a título de intervenção no domínio econômico, as demais atividades desempenhadas pelo Estado (seja direta ou indiretamente por meio de terceiros munidos de prerrogativas públicas) visam atender necessidades coletivas. Isso é primordial para identificar a função administrativa dentre as demais funções do Estado, quais sejam, a legislativa e a jurisdicional, que consistem na criação do direito e na composição de litígios, respectivamente.
1. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
2. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
3. FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
4. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
5. MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
Notas:
[1] FAGUNDES, Miguel Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 29.
[2] Ibid., p. 33.
[3] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 145.
[4] FAGUNDES, op. cit., p. 40.
[5] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 30. Celso Antônio, assim como José dos Santos Carvalho Filho, vale-se de três critérios para identificar a função administrativa. São eles: a) critério subjetivo ou orgânico, que dá realce ao agente da função; b) critério objetivo material, que examina o conteúdo da atividade; e c) critério objetivo formal, que explica a função pelo regime jurídico em que se situa a sua disciplina.
[6] Ibid., p. 34.
[7] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 9.
[8] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 59.
[9] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 60.
[10] Essa atuação direta do Estado se justifica pela leitura do seguinte dispositivo constitucional: Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.
[11] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 60.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Andréa dos Anjos. Função Administrativa: Breves Comentários Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 out 2010, 07:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21975/funcao-administrativa-breves-comentarios. Acesso em: 22 nov 2024.
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