INTRODUÇÃO
O presente artigo visa estabelecer uma analise entre as regras e os princípios que permeiam nosso ordenamento jurídico, fazendo uma abordagem sobre os dois conceitos e estabelecendo suas distinções frente à sistemática normativa do Direito Brasileiro.
DESENVOLVIMENTO
1. Regras;
O ordenamento jurídico constitui-se através das leis que estabelecem as diretrizes para com as quais a ciência do direito deve orientar-se. Dessa forma o Direito Moderno e Contemporâneo regra-se a partir das normas codificadas sob as diversas formas normativas estabelecidas na lei, como é o caso da Constituição Federal, considerada a maior das leis, cuja finalidade é direcionar todos os demais dispositivos legais que são regidos pelas normas constitucionais. Logo após pode-se elencar o rol de dispositivos legais que estão subordinados hierarquicamente a essa Constituição, como as emendas constitucionais, as leis complementares, as leis ordinárias, e toda uma gama legislativa existente em nosso ordenamento jurídico.
Hart (1994, p. 91) ensina que, na busca sobre a natureza do Direito, há certas questões principais recorrentes: uma delas refere-se a que o sistema jurídico consiste, pelo menos em geral, em regras. Ele mesmo constrói um modelo complexo, o Direito como a união entre regras primárias e regras secundárias, que é, assim, "a chave para a ciência do direito".
Há, portanto, necessidade de assinalar os diferentes tipos de regras, o que se faz distinguindo-as em regras primárias e as regras secundárias. Nas palavras de Hart, as regras do primeiro tipo impõem deveres, obrigações, e as regras do segundo tipo atribuem poderes.
Ainda segundo Hart (1994, p. 102), as regras secundárias seriam: a) de reconhecimento (rule of recognition), permitem definir quais as regras que pertencem ao ordenamento, seu objetivo é eliminar as incertezas quanto às regras primárias; b) de alteração (rules of change), que conferem poder a um indivíduo ou a um corpo de indivíduos para introduzir novas regras primárias e eliminar as antigas, impedindo, assim, que sejam estáticas; c) de julgamento ou de adjudicação (rule of adjudication), dão poder aos indivíduos para proferir determinações dotadas de autoridade respeitantes à questão sobre se foi violada uma regra primária.
Tais regramentos normativos prescrevem de forma imperativa uma exigência a ser realizada, que pode impor algo, permitir ou proibir, exigência essa que pode vir a ser cumprida ou não, diferentemente dos princípios sua convivência é antinômica, já que elas excluem-se através de vários critérios que visam tão somente determinar qual delas deve ter seus mandamentos aplicados a cada caso concreto.
Dessa forma as regras são consideradas mandamentos definitivos, já que estabelecem condutas ou situações que devem decorrer de circunstâncias fáticas ou jurídicas predeterminadas, ou seja, sendo válidas, exigem seu exato cumprimento, sem exceder ou diminuir a valoração de suas determinações pré-determinadas em mandamentos normativos que se consignam na própria lei positivada (Braga, 2001). Sendo que as regras possuem têm um descritor mais detalhado sendo aplicadas a situações pelo menos determináveis.
As regras estão restritas às situações específicas às quais se reportam, dessa forma elas descrevem uma hipótese específica e prevêem a conseqüência de sua inobservância. Tais regras aplicam-se a situações hipotéticas específicas que, ocorrendo faticamente, acarretam as conseqüências nelas apontadas. Assim, sua fórmula pode ser resumida, da seguinte maneira: dado fato previsto, devem surgir efeitos jurídicos previamente estabelecidos. Pode-se dizer que as regras excluem-se através da clausula de exceção, ou são invalidadas.
Tais regras jurídicas muitas vezes visam estabelecer padrões de comportamento quanto a exigibilidade das condutas a serem tomadas pelos indivíduos que integram toda a nossa sociedade. Assim como fora dito anteriormente as regras trazem de forma específica e pré-determinada as obrigações de fazer e não fazer, culminadas como as devidas sanções caso não sejam obedecida ou desconsideradas. Como exemplo pode-se citar as regras de direito penal que trazem em seus preceitos primários as condutas que gerarão um sanção caso venha ser efetuadas, ou as regras administrativas que impõem aos administradores o que lhes é devido fazer a frente da Administração Pública, caracterizando a pena nesse sentido a realização de condutas que não estão descritas em lei ou ato normativo. Dessa forma as regras possuem uma aplicabilidade direta e muita mais especifica já que sua aplicabilidade é diretamente imposta pelo legislador seja ele o constituinte, no caso das regras constitucionais, ou pelo legislador infraconstitucional, que estabelece as diretrizes legais das demais leis que encontram-se hierarquicamente abaixo da Constituição Federal.
Assim, as regras devem ser aplicadas pelos profissionais do Direito de forma genérica, abstrata e hipotética, tal como foram concebidas pelo legislador, respeitando-se as formas de sua aplicabilidade e de sua exigibilidade, já que muitas vezes tais regras podem conflitar-se com outras devido à natureza de sua matéria. Entretanto, existem meios plausíveis para determinação de quais regramentos normativos deverão ser utilizados em cada caso concreto.
2. Princípios;
Os princípios caracterizam-se como meios orientadores para verificação e aplicação de parâmetros normativos que venham a ser dicotomizados por dois ou mais juízos de valores, tais juízos pode figurar materialmente como próprios princípios, dessa forma para o sopesamento de uma situação fática muitas vezes conflitante ao ponto de haver a verificação de conflito entre duas regras ou dois princípios é que se pode fazer uso desses valores para se conseguir chegar a solução que traga o menor prejuízo possível.
Assim pode-se determinar que os princípios são, pois, verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados por um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições que, apensar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários (CLAUDIUS ROTHENBURG, 2003)[1].
Nos dizeres de Cármen Lúcia A. Rocha[2]:
Os princípios constitucionais são conteúdos intelectivos dos valores superiores adotados em dada sociedade política, materializados e formalizados juridicamente para produzir uma regulação política no Estado. Aqueles valores superiores encarnam-se nos princípios que formam a própria essência do sistema constitucional, dotando-o, assim, para cumprimento de suas funções, de normatividade jurídica. A sua opção ético-social antecede a sua caracterização normativo-jurídica. Quanto mais coerência guardar a principiologica constitucional com aquela opção, mais legítimo será o sistema jurídico e melhores condições de ter efetividade jurídica e social.
Entretanto, os princípios são dotados de certa vagueza, no sentido de uma enunciação larga e aberta, capaz de hospedar as grandes linhas na direção das quais deve orientar-se todo o ordenamento jurídico. Trata-se da expressão dos valores principais de uma dada concepção do Direito, naturalmente abstratos e abrangentes. Não quer isso dizer, todavia, que os princípios são inteiramente ou sempre genéricos e imprecisos: ao Contrário, esses mesmos princípios possuem um significado determinado, passível de um satisfatório grau de concretização por intermédio das operações de aplicação desses preceitos jurídicos nucleares às situações de fato, assim que os princípios sejam determináveis em concreto (CLAUDIUS ROTHENBURG, 2003).
Contudo afirma Boulanger apud Bonavides (1994, p. 240) que “os princípios são um indispensável elemento de fecundação da ordem jurídica positiva. Contém em estado de virtualidade grande número das soluções que a prática exige”.
3. Distinção;
A ordem jurídica constitucional constitui-se através de dois tipos de normas: as regras e os princípios. As regras estabelecem condutas ou situações que decorrem de circunstâncias fáticas ou jurídicas predeterminadas, ou seja, sendo válidas, exigindo seu exato cumprimento, dispostas nos vários diplomas legais que constituem todo nosso ordenamento jurídico, sendo considerados por alguns doutrinadores por mandamentos definitivos. Os princípios estabelecem diretrizes de interpretação preceituando o que pode ser feito, possuindo ampla margem de atuação, na melhor medida possível, levando em conta as diversas possibilidades jurídicas e reais. Devendo sua aplicabilidade sempre estar vinculada a interpretação do profissional jurídico que analisa o caso concreto (Braga, 2001, p. 26).
Os princípios nas palavras de Karl Larenz apud Silva Braga são:
“desprovidos de hipóteses (descrição do fato que se quer jurisdicizar) e conseqüência determinadas, consistindo em uma idéia sobre a qual se funda o processo normativo de concretização. Em outras palavras, sua amplitude não é predeterminada, pois seu enunciado não é prefixado/limitado, sendo que, somente através da analise das circunstâncias fáticas e jurídicas apresentadas no caso concreto e da ponderação entre princípios, podem ser aplicados/realizados e na maior amplitude possível”.
Por conseguinte, necessário se faz uma análise entre princípios e valores com os quais muitas vezes os doutrinadores e os profissionais jurídicos têm dificuldades perante sua identificação e sua utilização no ordenamento jurídico. Os princípios são considerados conceitos deontológicos que tutelam bens jurídicos, enquanto que os valores são conceitos axiológicos que otimizam a tutela desses bens, sendo que aqueles, portanto, são a atuação mais concretizada destes (Canaris, 1997, p. 314). Para o referido autor os princípios “excedem os valores em termos de concretização, por já delinearem indicações sobre as conseqüências jurídicas, mas ainda não alcançaram o grau de densidade das regras, pois não têm delimitadas com a precisão necessária, as respectivas hipóteses de incidência e conseqüência jurídicas”. Já Robert Alexy estabelece uma diferença entre os critérios estabelecidos entre os conceitos axiológicos e os deontológicos, sendo que o primeiro exerce critérios pelos quais podemos qualificar algo como bom, e o segundo estabelece mandamentos contendo dever-ser). Dessa forma para Alexy os valores estabelecem o que melhor e os princípios determinam o que é devido (Robert Alexy, 1997, p. 474).
A doutrina enfatiza que os princípios constituem valores superiores da sociedade, pois, servem de raiz e meta do sistema constitucional. Os princípios são definidos por Marcelo Harger como normas jurídicas implícitas ou explícitas no ordenamento jurídico, dotados de alto grau de abstração e generalidade, não possuindo aplicações predeterminadas, mas sendo preponderantes em relação às demais regras, representando valores fundamentais da sociedade e constituindo-se em verdadeiras vigas mestras do sistema, motivo pelo qual não podem ser contrariados (Harger; 2001, p. 24).
Nos dizeres de Paulo Bonavides os princípios antes de sua constitucionalização eram considerados como subsidiários, sendo que hoje, no entanto, são reconhecidos hegemônicos relativamente às regras, na fase pós-positivista do Direito, eles são dotados de supremacia as regras, pois foram convertidos pela ordem constitucional como “verdadeiro pedestal normativo sobre o qual assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais”. (Bonavides, 1997).
Canotilho aponta alguns critérios de distinção entre os princípios e as regras. Em primeiro lugar ele aborda a abstração, com o qual os princípios possuem um maior grau de abstração, sendo considerados mais vagos, diferentemente das regras que possuem e menor grau de abstração. Em segundo lugar a sua determinabilidade, dizendo que enquanto os princípios, em virtude de seu alto grau de vagueza e indeterminação, necessitam ser concretizados através de outras normas, as regras possuem aplicação direta e imediata, sendo mais fácil apontar a ocorrência de violação a um princípio do que definir-lhe o conteúdo, pois o seu raio de atuação é maior que as regra. Por conseguinte a fundamentalidade no sistema que os incorporam, sendo os princípios base fundamentais de todo o ordenamento jurídico, possuindo maior importância que as regras, preponderando sobre estas. Adiante aborda sobre a proximidade da idéia de direito, sendo que os princípios são baseados no ideal de justiça, tendo acentuada carga de caráter valorativo, enquanto que as regras possuem conteúdo do funcional. E por fim a natureza normogenética no qual as regras decorrem dos princípios (Canotilho apud Braga, 2001, p. 28 e 29).
Assim nos dizeres de Valeschka e Silva Braga, “enquanto as regras são aplicadas a situações e sujeitos pelo menos determináveis, os princípios admitem um amplo e indefinido rol de aplicações e de indivíduos aos quais serão aplicáveis, sendo sua aplicabilidade relacionada à dimensão de peso e importância”. Dessa forma as regras estão restritas às situações específicas às quais se reportam e os princípios possuem uma abstração insuscetível de subsunção direta. Regras descrevem um hipótese específica e prevêem a conseqüência de sua inobservância, já os princípios são dotados de valores, tendo uma dimensão de peso ou de importância inexistente nas regras. Desta forma, ainda quando positivados normativamente, os princípios não se revestem das peculiaridades das regras, mesmo que se entenda que eles possuem vários graus de concretização (Silva Braga, 2001).
Conforme os argumentos utilizados pode-se afirmar que as regras são descrições de uma hipótese, da qual advém conseqüências especificas, regendo determinados atos e fatos da vida. Já os princípios podem ser considerados como a prescrição de um valor, não possuindo hipótese normativa específica, alcançando um indefinido rol de aplicações, necessitando de uma maior concretização para serem aplicados do que as regras em si, pois a mera subsunção não é possível para sua devida concretização no ordenamento jurídico (Silva Braga, 2001). Assim, necessário se faz a adequação das razões analisadas pelos profissionais jurídicos para o enquadramento do princípio analisado em cada caso concreto, visto os seus diversos graus de abstralidade e a indefinição perante a sua aplicação. A fim de que a interpretação seja a mais condizente possível com a realidade do caso, e dentro dos parâmetros de justiça individual e coletiva, ponderando-se sempre pelos menores gravames possíveis.
Os princípios possuem uma função positiva determinando um conteúdo mínimo das demais normas que compõem todo o ordenamento jurídico servindo-lhe de norte parte sua aplicação. E outra função negativa com a qual expurgam do sistema as normas que com eles são incompatíveis, entretanto tal hipótese de colisão muitas vezes pode ocorrer em relação aos próprios princípios integradores desse ordenamento jurídico, devendo-se esses serem balanceados entre si, e não simplesmente invalidados, já que possuem mesma fundamentam-se da mesma fonte normativa, a Constituição Federal. Assim, eles asseguram a unidade de todo o Sistema Jurídico regente de uma sociedade (Silva Braga, 2001).
Para Canotilho[3] vários são os critérios que distinguem as regras jurídicas dos princípios pode-se analisar:
grau de sua abstração, onde os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado, diferentemente das normas que possuem uma abstração relativamente reduzida; quanto o grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto, no qual os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras, enquanto que as regras são susceptíveis de aplicabilidade direta; quanto o caráter de fundamentalidade no sistema de fontes do direito, em que os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes ou à sua importante estruturante dentro do sistema jurídico; a proximidade da idéia de direito, no qual os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça, ou na idéia de direito, já as regras podem ser normas vinculantes com um conteúdo meramente formal; sua natureza normogenetica, no qual os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenetica fundamentante.
Dessa forma pode-se concluir com os ensinamentos de Valeschka e Silva Braga que “os princípios são uma espécie do gênero norma jurídica, que tem conteúdo otimizador, devendo ser aplicados na maior extensão possível. Eles são estruturantes e fundantes do ordenamento jurídico e não apenas meras supletivas de integração do sistema”.
CONCLUSÃO
Nota-se, portanto, duas vias distintas que permeiam nosso ordenamento jurídico: a via das regras que visam estabelecer preceitos ordenadores da vida em sociedade, no qual o seu não cumprimento gerará uma sanção de natureza administrativa, civil ou penal, conforme a normal desrespeitada, e a via dos princípios que muitas vezes não geram sanção de natureza imediata, mas cujo desrespeito fere muitas vezes não só uma regra, mas todo um conjunto harmônico de bens que são tutelados por esses princípios que norteiam, muitas vezes, várias áreas e searas jurídicas, dando funcionalidade e integralidade aos ramos que sempre devem ser analisados de forma sistemática e teleológica.
Técnico do Ministério Público do Estado de Sergipe; Bacharel em Direito pela Universidade de Tiradentes/SE e Pós-Graduando em Ciências Penais no LFG.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Eduardo de Sousa Carvalho. Uma análise acerca das regras e dos princípios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 out 2010, 20:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/21989/uma-analise-acerca-das-regras-e-dos-principios. Acesso em: 22 nov 2024.
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