1.0- INTRODUÇÃO
1.1- PANORAMA GERAL NO DESENVOLVIMENTO DAS ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR.
De acordo com o Estado Democrático de Direito, há uma necessidade de participação ativa da sociedade na gestão dos interesses públicos. Ao lado deste Estado (Primeiro Setor) e do Mercado (Segundo Setor), o Terceiro Setor – conjunto de agentes (organizações ou instituições) privados com fins públicos, dotados de autonomia e administração própria, que apresentam como objetivo principal atuar voluntariamente junto à sociedade civil visando ao seu aperfeiçoamento.
O Terceiro Setor surge como uma forma do Estado realizar parcerias com entidades públicas sem fins lucrativos para atuar em setores de interesse social, no qual se inserem as sociedades civis e as fundações de direito privado, todas as entidades de interesse social, na busca do bem comum.
Entidades de interesse social são, portanto, todas aquelas associações sem fins lucrativos, que apresentem em suas finalidades estatutárias objetivos de natureza social e assistencial, as quais devem ter como destinatário a sociedade em geral, e sendo assim, é aí onde se encontra a sua natureza social, com a ausência de lucro e atendimento de fins públicos e sociais.
Neste caso, havendo interesse social nos objetivos da entidade, reconhecidos publicamente pelo Estado através, por exemplo, de título de utilidade pública federal, estadual ou municipal, ou registro no Conselho Nacional de Assistência Social, são concedidas a estas entidades concessões especiais, como o recebimento de recursos públicos em virtude dos fins sociais e humanitários que elas visam.
Sendo assim, terão estas entidades, o acompanhamento e a fiscalização do Ministério Público por meio de sua Promotoria competente, garantindo-lhes as condições de estabilidade e transparência que devem ser inerentes a todos os órgãos do Estado.
Por outro lado, se a associação tiver apenas seus objetivos estatutários voltados para seus associados, como as entidades de classe, por exemplo, que têm por objetivo a defesa de uma classe específica, ou até mesmo uma associação comunitária na defesa dos interesses de seus associados, atuando sem o recebimento de recursos públicos, não serão fiscalizadas pelo Ministério Público, de acordo com a vedação inserida no inciso XVIII, do art. 5° da Constituição Federal, de intervenção estatal em seu funcionamento.
2.0 - ANÁLISE DAS ATIVIDADES FINS DESENVOLVIDAS PELAS ENTIDADES SOCIAIS E A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
Por definição legal (art. 53, Código Civil), “constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”.
O direito de se reunir associativamente para fins lícitos integra-se num Estado que se denomine Democrático – entre os direitos e garantias fundamentais do cidadão (art. 5º, XVII a XXI, Constituição da República).
Verifica-se aí um modelo de organização através da qual pessoas naturais ou jurídicas se unem em busca de objetivos comuns, não ligados ao propósito de lucro.
Os elementos constitutivos da associação são a base contratual, a permanência (ao contrário da reunião) e o fim lícito (fim não contrário ao direito). Ressalte-se que a ilicitude não se atém somente às normas de direito penal, tendo em vista que a ordem jurídica pode rejeitar certos comportamentos sem cominar-lhes uma sanção de natureza penal (RDA, 141/76).
Na Constituição Federal existem duas restrições expressas à liberdade de associar-se:
“veda-se a associação que não seja para fins lícitos ou de caráter paramilitar, encontrando-se neste dado a sindicabilidade que autoriza a dissolução por via judicial”,
As associações só poderão então ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se no primeiro caso o trânsito em julgado. Assim, a atuação do Poder Judiciário é limitada, autorizando a dissolução da associação quando a finalidade buscada for ilícita.
Existem no Brasil, inúmeras entidades de interesse social, no entanto, à medida que crescem, aumentam também as acusações de que as mesmas estariam sendo usadas para captação de recursos públicos com o intuito de serem desviadas para propósitos ilícitos.
Tratam-se de entidades que nunca desenvolveram as atividades às quais se propôs, servindo-se de meras gestoras de recursos públicos e ocasionando um enorme déficit em seus resultados. A estas não pertecem o papel de desenvolver um serviço de utilidade pública ou de relevância social, e sim de serem usadas para facilitar a aplicação ilegal de recursos públicos, sustentando outros objetivos não-sociais.
A suspensão e a dissolução dessas entidades são formas de sanção, utilizadas pelo Estado através da sua faculdade de inspeção, para saber, por exemplo, se uma entidade age corretamente. Como fundamento, os arts. 1° e 3° do Decreto-Lei n° 41, de 18 de novembro de 1966 explicitam as hipóteses de cabimento de uma ação de dissolução de associação, quando operadas pelo Ministério Público.
Art 2º - A sociedade será dissolvida se:
I-Deixar de desempenhar efetivamente as atividades assistenciais a que se destina;
II - Aplicar as importâncias representadas pelos auxílios, subvenções ou contribuições populares em fins diversos dos previstos nos seus atos constitutivos ou nos estatutos sociais;
III - Ficar sem efetiva administração, por abandono ou omissão continuada dos seus órgãos diretores.
Art 3º - Verificada a ocorrência de alguma das hipóteses do artigo anterior, o Ministério Público, de ofício ou por provocação de qualquer interessado, requererá ao juízo competente a dissolução da sociedade.
Registre-se que, além das disposições contidas no referido Decreto-Lei, o artigo 670 do Código de Processo Civil de 1939, mantido em vigor pelo art. 1218, VII, do atual estatuto processual, determina que:
“Art. 670 – A sociedade civil com personalidade jurídica que promover atividade ilícita ou imoral será dissolvida por ação direta, mediante denúncia de qualquer do povo, ou do órgão do Ministério Público”.
Assim, quando não há provas do cumprimento dos objetivos estatutários de uma Associação, por exemplo, nem tampouco que a mesma funcione legalmente através da realização de assembleias gerais anuais, aprovação de balanço patrimonial pelo conselho fiscal e etc, O Ministério Público é legitimado a instaurar tanto o inquérito civil como propor a ação civil pública à vista de tais ilicitudes ou desvios perpetrados em prejuízo de tais entidades, como também adotar medidas preventivas com o propósito de evitar que tais males se consumem ou, em outras palavras, exercer o controle social dessas instituições.
Para a apuração de tais irregularidades, deve o órgão promotorial averiguar se a entidade promove atividades em benefício de seus associados, conforme estabelecido na consecução de seus objetivos estatutários. A Associação deve exercer sua atividade social de forma efetiva, apresentando existência completamente regular.
Cabe então a este órgão, exercer o controle social de tais entidades, velando para garantir o cumprimento da lei, dos estatutos e dos objetivos por parte dos administradores das organizações e para assegurar às pessoas o direito de livre associativismo para fins lícitos.
Uma decisão do TJ/RJ (Proc. no 0038222-83.2010.8.19.0001) chamou a atenção por caracterizar o esquema desenvolvido por uma entidade como “golpe da pirâmide”, que é um esquema comercial não-sustentável que envolve basicamente a permuta de dinheiro pelo recrutamento de outras pessoas, sem que qualquer produto ou serviço seja entregue.
O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, através de Ação Civil Pública Consumerista, obteve liminar para o fechamento da OSCIP Associação Frutos da Terra Brasil (AFTB), sob a alegação de que a “empresa prometia crédito imobiliário a juros baixos, mas não tinha recursos próprios e funcionava em sistema de pirâmide” e a alegação de que ela violou o direito do consumidor. O esquema realizado pela Associação ré denomina-se como um sistema não-sustentável, porque a ré cobra pequenas quantias dos consumidores (insuficientes para financiar a compra de imóveis, mas que geram enormes prejuízos para pessoas de baixa renda) com a promessa de futuro empréstimo em dinheiro para que o associado adquira imóvel, a juros 0% (zero por cento), mas não possui os fundos para ultimar os empréstimos, tampouco patrocinadores para financiar os valores necessários para quitação de um imóvel”.
Deve ser banido, portanto, o uso da entidade para fins espúrios, com evidente prejuízo a terceiros pela prática de ilegalidades e irregularidades que inviabilizam sua existência, utilizando-se da Associação como fachada, para praticar ato ilícito. Note-se também o perigo que uma entidade constituída juridicamente, mas sem funcionamento regular, pode causar quando utilizada como massa de manobra por dirigentes preocupados basicamente com seus objetivos particulares de causar prejuízo a terceiros de boa-fé.
A fraude, nesses causos é tão disseminada que os próprios dirigentes não se envergonham nem mesmo de tentar camuflar seus objetivos mediante tais artifícios.
O Agravo de Instrumento nº 000.315.924-1/00 - Comarca de Belo Horizonte – Rel. Des. Orlando Carvalho – publicado em 21 de março de 2003, interposto pela Sociedade dos Criadores de Galos Combatentes de Belo Horizonte, inconformada com a decisão que indeferiu seu pedido de continuidade de suas atividades, consigna:
“Agravo – Ação Civil Pública – Associação regularmente constituída – atividades ilícitas – continuidade – impossibilidade – O fato de estar a associação juridicamente regular não autoriza a prática de atividades ilícitas (...). Embora a desconstituição da sociedade deva esperar o trânsito em julgado da sentença, não há que se permitir que continuem a promover as ‘rinhas de galo’, em flagrante ilicitude.”.
Na hipótese de uma associação já possuir fins ilícitos, impediria até o seu registro, nos termos do art. 115 da Lei Federal nº 6015/73. Este artigo disciplina a proibição de registro dos atos constitutivos de pessoas jurídicas quando seu objeto ou circunstâncias relevantes indiquem destino ou atividade ilícitos, ou contrários, nocivos ou perigosos ao bem público, à segurança do Estado e da coletividade, à ordem pública ou social, à moral e aos bons costumes.
“Torcida organizada. Associação Civil. Desvio de finalidade estatutária. Cassação de autorização. O sistema jurídico autoriza a dissolução, para o bem comum, de associação de torcedores que, perdendo a ideologia primitiva (incentivo a uma equipe esportiva) transformou-se em instituição organizada para difusão de pânico e terror em espetáculos desportivos, uma ilicitude que compromete o esforço do direito em manter o equilíbrio de forças para o exercício da cidadania digna (CF 1º, III e 217). Incidência do CC /1916, 21, III, para selar o fim do ciclo existencial do Grêmio Gaviões da Fiel Torcida (RT 786/163).”
3.0- CONCLUSÃO
Essa problemática do uso do terceiro setor para fins ilícitos é uma investigação um tanto quanto difícil para os órgãos imbuídos dessa fiscalização, uma vez que nem sempre é possível corroborar todo o acervo de provas necessário para ajuizar uma ação competente.
Para isso, é importante que se realize uma análise aprofundada nas prestações de contas da entidade investigada ou se a mesma prestou serviço à sociedade, captando recursos privados para aplicação em suas finalidades sociais, independente do recebimento de recursos do Estado. Pois o que muito se vê são receitas de Instituições formadas quase que exclusivamente por verbas públicas.
A organização não governamental não deve ser constituída com o claro intuito de receber uma determinada qualificação e gerenciar o dinheiro público em desrespeito ao regime jurídico administrativo (contratação por concurso público, compras através de licitação, ampla fiscalização pelos órgãos de controle, etc.).
Nem ao menos ser assinalada por objetivo social ilícito em seu estatuto, gerindo fins nocivos para a consecução de suas atividades, caracterizadas pela contrariedade ao interesse público e à segurança do estado.
Em que pesem os recentes esforços representados pela edição de leis relacionadas ao terceiro setor, carece no Brasil de uma legislação mais sistemática e moderna que incentive a participação na execução de projetos que busquem dar cumprimento aos objetivos fundamentais da República, previstos no art. 3° da Constituição Federal.
O Terceiro Setor é movido pelo Princípio da Comunidade e sendo assim, representa um instrumento importante de ajustamento social ao lado do Estado e do Mercado, influenciando e alterando a realidade destes dois setores para assim dar ensejo a participação política da sociedade.
A probidade administrativa, considerada uma forma de moralidade administrativa, consiste no dever de servir à Administração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades deles decorrentes em proveito pessoal ou de outrem a quem queira favorecer. (Marcelo Caetano, apud José Afonso da Silva, Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ª ed., São Paulo: Malheiros, p. 571).
Segundo essa linha de raciocínio, Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona que para se constatar a violação ao princípio da moralidade “não é preciso penetrar na intenção do agente, porque do próprio objeto resulta a imoralidade. Isto ocorre quando o conteúdo de determinado ato contrariar o senso comum de honestidade, retidão, equilíbrio, justiça, respeito à dignidade do ser humano, à boa fé, ao trabalho. à ética das instituições.” (Discricionariedade Administrativa na Constituição de 1988. São Paulo, Atlas, p.119).
Por fim, não apenas os órgãos e entidades públicas, comprometidos com a sociedade civil, regulamentando os serviços prestados pela iniciativa privada e incumbidos por lei, de prevenirem e promoverem o combate à corrupção no Brasil, principalmente no que se refere a essas organizações de fachada, que se organizam sob a forma de Terceiro Setor com o fim de obter subsídios, ter acesso a crédito ou a benefícios fiscais, devem permanecer em estado de vigilância, como também a própria sociedade deve atuar nessa fiscalização constante, cuja lógica desse tipo de entidade é basicamente o lucro.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
FONSECA DIAS Maria Tereza. Terceiro Setor e Estado: Legitimidade e regulação por um novo marco jurídico. Belo Horizonte. Editora Fórum, 2008.
SABO PAES. José Eduardo. Fundações, Associações e Entidades de Interesse Social. 6ª edição. Brasília Jurídica, 2006.
SZAZI, Eduardo. Terceiro Setor: Regulação no Brasil. 4ª edição, São Paulo, Editora Peirópolis, 2006.
Decreto-Lei 41 de 18 de novembro de 1966
Constituição Federal, de 05/10/1988
Código Civil Brasileiro
site visitado: http://industriadadecepcao.wordpress.com/2010/02/24/acao-civil-publica-contra-a-aftb/
Analista do Ministério Público Estadual de Sergipe, Graduada em Direito pela Universidade Tiradentes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Caroline Oliveira. A problemática da má gestão dos recursos públicos nas entidades do terceiro setor Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 out 2010, 08:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22030/a-problematica-da-ma-gestao-dos-recursos-publicos-nas-entidades-do-terceiro-setor. Acesso em: 22 nov 2024.
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