O artigo 42, §3o, do Código de Processo Civil (CPC) evidencia dúvida quanto aos efeitos subjetivos da sentença, em virtude da compreensão de sua extensão aos adquirentes e cessionários quando impedidos de ingressar na relação processual – por força da sucessão do direito material.
Em primeiro plano é dizer que o princípio da estabilidade subjetiva da lide – perpetuatio legimationis – é corolário da autonomia do direito processual em função do direito material, de tal sorte que tornou defesa a sucessão processual por disposição das partes (artigo 41, CPC). É bem verdade que o legislador condicionou a alteração subjetiva da relação processual perfeita e de antemão possibilitou a sucessão das partes quando o titular do bem ou direito material o aliena ou cede.
A leitura inicial do caput do artigo 42 do CPC não manifesta com clareza as pretensões do legislador, aliás, melhor idéia está no seu § 1o o qual condiciona a sucessão subjetiva da relação processual nos casos de alienação e cessão de direito, por ato entre vivos, sem o consentimento da parte ad causam contrária ao alienante ou cedente.
Na verdade não há uma proibição legal na modificação das partes processuais em virtude de nova relação jurídica material em relação à coisa litigiosa. Quis o legislador ratificar e salientar que a mera alienação ou cessão de direito não opera automaticamente a modificação das partes do processo, porém para assegurar, não o juízo, que é imparcial, mas a parte contrária ao alienante ou cedente. Valoriza então a idéia de um direito processual autônomo, sem desprezar o interesse da parte sobre a eficácia da tutela pretendida.
A perpetuatio legitimationis não consiste na sedimentação de uma relação jurídica processual abstrata. Abstrata porque não corresponde aos fatos, em detrimento da própria parte processual interessada, podendo até mesmo obter maiores garantias com a sucessão subjetiva do processo. O princípio somente corrobora o posicionamento a economicidade e efetividade da jurisdição, sem perder eventuais recursos ou embargos de terceiro interessado, ou ações anulatórias.
Com a noção de condição da sucessão processual, e não proibição, nos casos de alienação ou de cessão de direito, importante refletir e buscar revelar desdobramentos práticos do §2o do artigo 42 mencionado.
À vista da razoabilidade, o consentimento da parte que resiste à pretensão do adquirente ou cessionárionão é mera deliberalidade, ou de uma faculdade, com efeito de privilegiar o interesse individual, olvidando da eticidade, concretude e operatividade, pilares das relações jurídicas, bem como a função social do objeto litigioso. Deve, portanto, ser fundamentada qualquer manifestação contrária à alteração da relação processual. A propósito, os Tribunais não são palcos para vingança moral; a sentença judicial não tem essa utilidade, portanto, se a parte insiste que alienante ou cedente permaneça na legitimação ad causam, garantindo o adquirente tem patrimônio suficiente para cumprir com eventual sucumbência, surge a questão: qual o real interesse de processual da parte contra a sucessão processual?
Por certo, se o adquirente possui patrimônio temerário para futura responsabilidade, ainda que improvável, entende-se que a parte pode rejeitar a mudança da relação patrimonial originária no processo. Ou seja, qualquer indício de fraude contra credores ou simulação, v.g., permitirá a proteção da estabilidade subjetiva da lide.
Com acuidade o juiz decidirá sobre a modificação subjetiva da relação jurídica processual, que desobrigará o patrimônio da parte-alienante de qualquer responsabilidade, salvo sua má-fé, ou evicção em relação ao adquirente ou cessionário, ou os vícios de consentimento e sociais quanto à parte contrária, conforme o direito material aplicado ao caso concreto. Vale realçar, porém, que dessa decisão é admissível agravo de instrumento, uma vez preenchidos os pressupostos do artigo 522, “caput”, do Código de Processo Civil.
Noutro plano, com fim de melhor compreender a extensão dos efeitos da sentença, é necessária uma análise da natureza jurídica de cada uma da relações jurídicas materiais tratadas em face da previsão do artigo 42, §3o.
Quanto à cessão de direito, o legislador ratificou o artigo 290 do Código Civil, isto é, a cessão de crédito somente terá validade se notificada ao devedor, aí sim os efeitos da sentença perseguem o cessionário que é o interessado e com legitimidade material e ad causam ativa inclusive para executar a sentença, segundo o artigo 567, inciso II do CPC, mas também passiva no caso de demanda em torno do quantum debeatum.
Destarte, o dispositivo legal do artigo 42 do CPC, ao referir-se à cessão de direito, remete ao instituto de direito material, que por sua vez por tem requisitos próprios para sua admissibilidade (artigo 286, Código Civil). Portanto, ao manifestar-se contrário à mutação da legitimação ad causam no transcurso do processo, os argumentos da parte contrária serão idênticos aos requisitos da cessão, ou seja, não se realizará cessão de crédito contrária à natureza da obrigação, à lei ou à convenção com o devedor. Nessa hipótese, ainda cabe aduzir que não tem fundamento, a priori, qualquer a análise da garantia patrimonial do cessionário em razão da permuta do credor da relação jurídica material, diferentemente da alienação, salvo a disposição legal do artigo 294 do Código Civil.
Outra configuração de modificação da parte processual determina a alienação que literalmente não apresenta a forma de simples contrato de compra e venda. Primeiramente, destaca-se a importância do estudo quanto à parte alienante-devedora, haja vista a necessária garantia patrimonial à parte-credora – o que não corresponde a idéia inversa. Assim, em princípio, o alienante, na situação de devedor da relação material originária, ao vender a coisa litigiosa, realiza em si a figura da novação capitulada no artigo 360, inciso II, do Código Civil.
A conseqüência jurídica da novação é a solvência do negócio pelo antigo devedor para com o credor, ou seja, as partes originárias da relação processual não mais terão obrigações pendentes quanto ao vínculo específico da novação. Contudo, o artigo 363 do Código Civil ressalva a insolvência do novo devedor e nisso enumera três hipóteses:
1. se aceita a novação pela parte credora e parte no processo, suportará a insolvência do novo devedor, salvo comprovada má-fé;
2. se não aceita a novação com os devidos fundamentos, fica o antigo devedor responsável, ainda que o artigo 362 do Código Civil expresse prescindível o consentimento do credor para validade da novação; entretanto, não terá eficácia processual, pois o artigo 568, inciso III, do Código de Processo Civil, exigiu o consentimento do credor para executar o novo devedor, em virtude da sucessão material; e
3. se desconhecida a novação pelo credor, não desonera o patrimônio do devedor antigo, chamado de alienante pelo artigo 42 do CPC, porquanto exigido o consentimento para executar o novo devedor do artigo 568, inciso III, anteriormente citado.
Diante da proteção patrimonial e o permissivo normativo da circulação da coisa litigiosa, para que não diminua o seu caráter econômico, o §3o do artigo 42 do CPC estendeu, sem maiores desdobramentos, a eficácia da sentença ao adquirente ou cessionário quando a resolução de mérito da sentença citar somente as partes originárias. Revela-se então uma imperfeição do CPC diante da reflexão sistemática – mesmo sem veredar sobre os efeitos da coisa julgada e embargos de terceiro –, confrontando a busca da satisfação do direito tutelado pelo processo de conhecimento, os novos devedores da relação jurídica material, e o consentimento prévio pelo credor.
De fato, o artigo 42, § 3o, do CPC apenas buscou ratificar que com quem estiver a coisa litigiosa os efeitos da sentença o perseguirá. Acrescenta-se ao quadrante normativo o mandamento legal do artigo 626 do Código de Processo Civil, sobre a responsabilidade do adquirente quanto ao bem em litígio, podendo impugnar o mandado de busca e apreensão por meio de embargos de terceiro.
Outrossim, pelo que apresenta quanto à legitimação passiva no processo de execução, a condição da sucessão processual ao consentimento da parte não significa proteger sem limites o credor, com a garantia de dois ou mais patrimônios para satisfação do crédito. É o consentimento sim a mutação subjetiva da lide pela parte contrária que permitirá o juiz aferir a responsabilidade patrimonial de alienante ou adquirente, cedente ou cessionário, em prestígio ao direito material.
Assim, para prestar a tutela jurisdicional com economia e celeridade, e sobretudo efetiva, a Lei Processual contrapôs a realização de atos jurídicos materiais válidos, mas sem eficácia no processo evocando maior proteção à justa pretensão, que deverá ser avaliada no caso concreto. Invariavelmente a eticidade, a concretude e a operatividade do direito civil irradiam o processo civil, a exigir na sucessão processual, que condiciona a eficácia da sentença, o dever de informação sobre a real situação patrimonial (solvência) do adquirente e cessionário, à luz do princípio da boa-fé objetiva, para que a parte possa manifestar o consentimento.
Advogado da União. Ex-Delegado de Polícia Civil do Distrito Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Wagmar Roberto. Efeitos da sentença na sucessão processual civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2010, 09:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22085/efeitos-da-sentenca-na-sucessao-processual-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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