I – Introdução
Pretende-se, com o presente estudo, analisar a previdência privada integrante do sistema de seguridade social brasileiro, com vistas a demonstrar a necessidade de constituição prévia de reservas para pagamento de benefícios previdenciários.
Para tal, nos serviremos do método de sistemático, para interpretação das normas relativas à seguridade social – que prevê o conjunto de ações destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, assistência social e previdência social – dada a sua possibilidade de análise conjunta dos dispositivos acerca do tema que permeiam a Constituição.
Comungamos, assim, do entendimento do Prof. Wagner Balera: “Para a inteligência das normas previdenciárias entendemos que o estudioso não pode deixar de considerar a vocação universalista da seguridade social, sistema que quer proteger todas as pessoas humanas nas situações de necessidade.[1]
II – O Sistema de Seguridade Social Brasileiro
Com o advento da Constituição Cidadã de 1988, a Ordem Social passou a constituir um título próprio, no qual se insere o Capítulo da seguridade social.
De fato, o art. 1º da Constituição Federal de 1988 estabelece os fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre os quais está o da dignidade da pessoa humana.
No mesmo sentido, o art. 3º, prevê, como objetivo da República Brasileira, a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais (inciso III).
Na busca de medidas de efetivação do bem-estar e da justiça social, a seguridade social foi definida na Constituição Federal de 1988 como “um conjunto de integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.”[2]
Para o Professor Wagner Balera, “o objetivo do Sistema Nacional de Seguridade Social se confunde, na dicção constitucional, com o objetivo da Ordem Social.”[3]
Da leitura do disposto no dispositivo acima citado, verifica-se que o conceito de seguridade social é gênero, do qual a Previdência Social é espécie. A Seguridade Social é um sistema destinado a todos os cidadãos que se encontram em estado de necessidade. A Previdência Social, por sua vez, emerge como “um sistema de cobertura dos efeitos de contingências associadas ao trabalho, resultante de imposição legal e lastreado nas contribuições dos afiliados para seu custeio; tem por objetivo ofertar benefícios aos contribuintes – previdentes – quando, em ocasião futura, ocorrer perda ou redução da capacidade laborativa dos mesmos”[4].
III. Da Previdência Privada como Integrante do Sistema de Seguridade Social Brasileiro
O Sistema de Seguridade Social Brasileiro, no atual desenho constitucional, corresponde ao Capítulo II do Título VIII (Da Ordem Social). Referido Capítulo está subdividido em quatro Seções, a saber: Disposições Gerais; Da Saúde; Da Previdência Social e da Assistência Social. Daí porque se diz que o Sistema de Seguridade Social está alicerçado em um tripé: saúde, previdência social e assistência social.
Especificamente com relação à previdência social, nosso objeto de estudo, a Carta Política também prevê suas três subdivisões: Regime Geral de Previdência Social (art. 201), Regimes Próprios de Previdência Social (art. 40) e a Previdência Privada (art. 202). Em que pesem estarem os referidos regimes estarem regulamentados em diferentes momentos no texto constitucional, não restam dúvidas de que todos integram a Previdência Social que, por sua vez, é sub-sistema da Seguridade Social.
A Constituição Federal de 1988, reformada pela Emenda Constitucional nº 20/1998 sinaliza claramente o intuito do legislador em positivar as normas referentes à previdência privada ao inseri-las no Capítulo da Seguridade Social.
Nas palavras de Flavio Martins Rodrigues e Thiago Cardoso Araújo:
“... a matéria recebe pormenorizado tratamento, o que, por si só, denota um acentuado progresso no trato da matéria, reconhecendo-se sua elevada dimensão axiológica. Esse dispositivo indica a importância crescente da previdência complementar no ambiente jurídico nacional, pois, se até 1977, esse regime de seguridade fundava-se em regras gerais trazidas no Código Civil de 1916 e, a partir da vigência da Lei nº 6.435/1977, em lei ordinária, tem-se, a partir de 1998, a previdência complementar como bem constitucionalmente resguardado.”[5]
Para nós, não restam dúvidas de que o intuito do legislador, ao inserir a matéria atinente à previdência complementar no Capítulo “Da Seguridade Social”, o fez justamente para que suas normas – agora elevadas ao status constitucional – fossem interpretadas de acordo com as regras gerais atinentes a esse sistema, bem como porque entendeu o constituinte derivado que a tutela constitucional do regime de previdência complementar é relevante para a busca dos objetivos da Ordem Social: o bem-estar e a justiça sociais[6].
III. Da Regra da Contrapartida – Necessidade de Custeio Prévio
Apesar de este princípio não estar elencado no rol do art. 194 da Constituição Federal, trata-se de questão basilar para o funcionamento do sistema de seguridade social brasileiro. A necessidade de custeio prévio em relação ao benefício ou serviço, previsto no art. 195, § 5º da Carta Magna, está assim redigida: “Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total.”
Em que pese as inúmeras inovações trazidas pela Constituição de 1988, especialmente no que tange à Ordem Social, este princípio não é inédito.
Já na Constituição de 1946, emendada em 1965, havia a previsão acerca da necessidade de custeio para pagamento dos benefícios da seguridade social[7]. E o texto se repetiu em todas as constituições posteriores, inclusive na atualmente vigente.
A esse princípio, o Prof. Wagner Balera denominou de “regra da contrapartida”, esclarecendo que: “Não pode haver, diz a regra da contrapartida, benefício ou serviço sem fonte de custeio.”[8]
Sem demérito dos demais princípios explícitos constantes no art. 194 da Carta Constitucional, a este princípio dedicaremos maior atenção, tendo em vista tratar-se do enfoque que pretendemos abordar no presente estudo.
Da leitura do § 5º do art. 195, verifica-se que a criação, majoração ou extensão de qualquer benefício da seguridade social está condicionada à constituição prévia da correspondente fonte de custeio total.
Mas o que vem a ser esta fonte de custeio total? Trata-se, em verdade de uma vedação imposta pelo legislador constituinte, em consonância com os princípios explícitos constantes no art. 194, à concessão de benefícios ou prestações de seguridade social sem a prévia constituição do “caixa” necessário ao seu pagamento. Busca-se, então, o equilíbrio financeiro de proteção social, sem o qual não será possível o atendimento às finalidades da Seguridade Social, quais sejam, o pagamento de benefícios e prestações sociais.
Na definição de Zélia Luiza Pierdoná, “no preceito constitucional em referência, que não há saída (prestações de saúde, previdência e assistência), sem que haja entrada (receitas que possibilitem os pagamentos das referidas prestações), ou seja, poderão ser criadas, majoradas ou estendidas prestações de seguridade social somente se houver recursos para tanto. Isso significa que o sistema protetivo não proporcionará benefícios sem que haja a contrapartida financeira.”[9]
Especificamente no campo da previdência complementar, com a necessidade de formação de reservas para o pagamento dos benefícios é uma constante em qualquer discussão em torno da matéria. Ou seja: a maior preocupação de uma entidade fechada de previdência complementar é, sem dúvida, como arrecadar e gerir os recursos necessários à cobertura das obrigações assumidas com os seus participantes, independentemente do modelo de plano adotado[10].
Dada a relevância do tema, além do disposto no art. 195, § 5º da Constituição Federal que, ao nosso ver, aplica-se também às previdência complementar, eis que esta integra o sistema de seguridade social, o artigo 202 da Carta Política de 1988 também trata da questão do custeio, ao determinar que a previdência privada seja baseada na “constituição de reservas que garantam o benefício contratado”.
Sinale-se, a princípio, que o ditame constitucional indica que as entidades fechadas de previdência complementar, ao gerir os recursos aportados pelos participantes e pelos patrocinadores, devem buscar o equilíbrio entre reservas e obrigações assumidas. Não se busca o déficit nem o superávit.
E acerca da matéria, Flavio Martins Rodrigues esclarece: “Nesse sentido, os planos previdenciários devem estar estruturados para atender às obrigações de curto, médio e longo prazo, não bastando que existam recursos para saldar compromissos atuariais ou num futuro breve. O equilíbrio pretendido tem alcance muito maior, volta-se para todo o grupo envolvido, devendo projetar um fluxo alongado de entradas e saídas financeiras de acordo com as perspectivas atuarialmente estimadas.”[11]
Acreditamos, ante a tais considerações, estar demonstrada a relevância da matéria atinente ao custeio dos benefícios previdenciário complementares fechados.
IV - Conclusões
Especificamente com relação ao custeio dos benefícios previdenciários complementares, conforme já demonstrado nos tópicos anteriores, a questão é de suma relevância e está positivada na Constituição, tanto nos princípios gerais explícitos da seguridade social, quanto na regra da contrapartida, prevista no § 5º do art. 195 e no art. 202, que trata especificamente da previdência complementar.
Conforme demonstrado, a interpretação sistemática da Constituição Federal demonstra que a previdência complementar integra o sistema de seguridade social brasileiro. A regra do § 5º do art. 195, por tratar-se de disposição geral do sistema, aplica-se, também, ao custeio dos benefícios previdenciários complementares.
O art. 202 da Constituição Federal foi regulamentado pela Lei Complementar nº 109, de 29 de maio de 2001, que tratou da questão do equilíbrio financeiro e atuarial da previdência complementar fechada em seu art. 7º: “Os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial.”
A preservação do equilíbrio financeiro e atuarial dos planos de previdência administrados pelas entidades fechadas de previdência complementar está constitucionalmente garantida, em termos principiológicos (art. 195, § 5º) e específicos (art. 202, “caput”).
Referencias Bibliográficas
BALERA, “Sistema de Seguridade Social”. 4ª edição. LTr.
PIERDONÁ, Zélia Luiza. “A proteção social na Constituição de 1988”. Revista de Direito Social nº 28. Notadez, Porto Alegre, 2007
RODRIGES, Flavio Martins e ARAÚJO, Thiago Cardoso. “A Governança dos Fundos de Pensão: os Princípios e as Regras Incidentes.” In: Revista de Previdência/Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito, Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino de Direito (CEPED). Rio de Janeiro: Gramma, 2006, n. 5, p. 105-132, out 2006
RODRIGES, Flavio Martins. “Previdência complementar: Conceitos e elementos jurídicos fundamentais” In: Revista de Previdência/Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito, Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino de Direito (CEPED). Rio de Janeiro: Gramma, 2006
VIANNA, Maria Lucia Teixeira Werneck. “Seguridade Social e Combate à Pobreza no Brasil: O Papel dos Benefícios Não-Contributivos.” Disponível em http://www.enap.gov.br/downloads/ec43ea4fprog_nao_contri.pdf
[1] BALERA, “Sistema de Seguridade Social”. 4ª edição. LTr. Pág. 161.
[2] Artigo 194 da Constituição Federal.
[3] BALERA, “Sistema de Seguridade Social”. 4ª edição. LTr. Pág. 13.
[4] VIANNA, Maria Lucia Teixeira Werneck. “Seguridade Social e Combate à Pobreza no Brasil: O Papel dos Benefícios Não-Contributivos.” Disponível em http://www.enap.gov.br/downloads/ec43ea4fprog_nao_contri.pdf
[5] RODRIGES, Flavio Martins e ARAÚJO, Thiago Cardoso. “A Governança dos Fundos de Pensão: os Princípios e as Regras Incidentes.” In: Revista de Previdência/Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito, Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino de Direito (CEPED). Rio de Janeiro: Gramma, 2006, n. 5, p. 105-132, out 2006, pág.108.
[6] Nesse sentido, assim está redigido o art. 193 da Constituição Federal de 1988:”A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.”
[7] Art. 157 omissis.
§ 2º Nenhuma prestação de serviço de caráter assistencial ou de benefício compreendido na previdência social poderá ser criada, majorada ou estendida sem a correspondente fonte de custeio total.”
[8] BALERA, Wagner. Ob. Cit. Pág. 161.
[9] PIERDONÁ, Zélia Luiza. “A proteção social na Constituição de 1988”. Revista de Direito Social nº 28. Notadez, Porto Alegre, 2007.
[10] Apenas a título de ilustração, existem planos de benefícios na modalidade Benefício Definido (BD), Contribuição Definida (CD) e Contribuição Variável (CV).
[11] RODRIGES, Flavio Martins. “Previdência complementar: Conceitos e elementos jurídicos fundamentais” In: Revista de Previdência/Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito, Centro de Estudos e Pesquisas no Ensino de Direito (CEPED). Rio de Janeiro: Gramma, 2006, n. 3, out 2005, pág.20.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOLLO, Renata. A necessidade de constituição de reservas para pagamento dos benefícios de previdência complementar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2010, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/22098/a-necessidade-de-constituicao-de-reservas-para-pagamento-dos-beneficios-de-previdencia-complementar. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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