Resumo: Discute a legalidade do artigo 129 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva que, com seu preceito de favorecimento à função dos Auditores, acaba por desequilibrar a relação processual nos julgamentos que ali se efetivam e agredir o princípio do contraditório, instituído como garantia constitucional ao litigante no processo administrativo.
Palavras-chave: processo – julgamento – auditores – procuradoria – defesa – relação processual – partes – oportunidades – desequilíbrio – garantia – contraditório – réplica - tréplica.
Durante as sessões de instrução e julgamento do Tribunal de Justiça Desportiva, concluída a fase instrutória com a produção das provas, após a leitura do relatório pelo Auditor que o elaborou, quando se concede a palavra ao Defensor e, junto, o direito de solicitar o primeiro voto antes de sua própria sustentação oral, conforme previsto no artigo 125, parágrafo 2º, do CBJD, (“quando houver apenas um defensor a fazer uso da palavra na tribuna, este poderá optar entre sustentar oralmente antes ou após o voto do relator”) é recorrente a situação de, precedendo aos demais julgadores, o Relator voltar a reforçar seus argumentos, posteriormente à argumentação da Defesa.
Isso se dá principalmente porque a sustentação do Advocatum costuma desqualificar a lógica condenatória do Relator, razão pela qual, especificamente, ele volta à carga, reprisando suas idéias e teses, fazendo uso da palavra pela segunda vez, conforme lhe autoriza o seguinte dispositivo do mesmo Código, literalmente transcrito: “Art. 129. O Auditor pode usar da palavra duas vezes sobre a matéria em julgamento” (realce nosso).
A repetição do ataque verbal em apoio geralmente à tese de imputação, entretanto, torna o julgamento extremamente iníquo e desigual e desequilibra a relação processual entre as partes, em favor da Acusação, posto que não existe nenhuma outra norma permissiva de igual oportunidade para o Defensor. Ou seja, o Auditor pode falar por duas vezes e à Defesa não é concedida nova possibilidade.
Enfim, a Justiça Desportiva em seus julgamentos admite pronunciamento da Acusação seguida da Defesa; permite ainda Réplica acusatória e não aceita Tréplica defensiva. Nem adianta o Defensor pedir outro momento de manifestação, em face da renovada atuação do Relator, que, inexoravelmente, lhe é negado, sob o fundamento da inadmissibilidade tácita (não explícita) do Código Desportivo, informando-se-lhe taxativamente que “sua vez acabou”.
Essa regra e sua conseqüente prática se constituem em aberração jurídica, distorção processual e agressão à garantia constitucional do princípio do contraditório, como se demonstra através dos excertos alinhados a seguir.
A Constituição Federal não deixa nenhuma dúvida, no seu artigo 5º, LV, de que: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”... (realce nosso)
O próprio CBJD em consonância com os parâmetros constitucionais dispôs no seu artigo segundo, inciso terceiro, a orientação processual obrigatória do contraditório.
TOURINHO FILHO ensina insistentemente que
”... a defesa tem o direito de se pronunciar sobre tudo quanto for produzido em juízo pela parte contrária. Já se disse: a todo ato produzido por uma das partes caberá igual direito da outra parte de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que lhe convenha, ou, ainda, de dar uma interpretação jurídica diversa daquela apresentada pela parte ex adversa.”
Fernando A. Pedroso coloca de modo irretocável que
“Em vista do princípio da isonomia ou igualdade de todos perante a lei, ao réu confere-se o direito de atuar probatoriamente, em face do que alega, em igualdade de condições com o órgão estatal acusatório. Não fosse assim o direito de defesa assumir-se-ia como simples quimera ou fantasia legal, cuidando-se de mera formalidade e não de efetivo direito.”
NUNES, em sua obra Direito Constitucional ao Recurso, estrategicamente cita Aroldo Plínio Gonçalves para ratificar que
”o contraditório é a garantia de participação, em simétrica paridade das partes, daqueles a quem se destinam os efeitos da sentença, daqueles que são os interessados, ou seja, aqueles sujeitos do processo que suportarão os efeitos do provimento e da medida jurisdicional que ele vier a impor”.
O mesmo autor, em seu trabalho de nome “Processo Jurisdicional Democrático”, informando que o contraditório assegura influência no desenvolvimento e resultado do processo, como elemento normativo estrutural de comparticipação e policentrismo, diz mais que “Permite-se, assim, a todos os sujeitos potencialmente atingidos pela incidência do julgado (potencialidade ofensiva) a garantia de contribuir de forma crítica e construtiva para sua formação”
Em face da norma constitucional que determina igualdade de oportunidades e paridade de armas entre Acusação e Defesa, incontroversamente interpretada por constitucionalistas e processualistas de renome, como os mencionados acima, pode-se concluir, sem temor de erro, que o artigo 129 do CBJD não deve e não pode ser utilizado no exercício de seus julgamentos, através de suas comissões disciplinares, ou mesmo do tribunal pleno, sob pena de incidir em grave e imperdoável ilegalidade em desfavor do jurisdicionado.
Como alternativa que amenize a agressão do dispositivo, pode-se admitir procedimento que permita, sempre, após segundo pronunciamento do Relator, que se dê, imediatamente, nova oportunidade à Defesa, para se manifestar sobre os termos do contra-ataque. Também, que não se conceda a qualquer Auditor uso reiterado da palavra, para inusitada sustentação, a não ser que se trate de retificação de seu voto em favor do acusado, não se admitindo que retome a palavra para agravar seu posicionamento, por configurar desproporcional atuação inter partes no ato de julgar e por decorrência analógica da pacífica vedação da reformatio in pejus indireta.
A continuar como procedem, regularmente, os Tribunais Esportivos seguirão praticando franco desrespeito aos princípios universalmente assegurados no Estado de Direito, em especial no regime democrático, por seus princípios de Justiça Social que se lastreiam no necessário equilíbrio entre as forças em litígio, bem como no dever da Ciência Jurídica de limitar os poderes da Administração garantindo pacífica convivência em sociedade.
PEDROSO, Fernando de Almeida. Processo Penal, O Direito de defesa: Repercussão, Amplitude, Limites. Ed. Forense. 1996, p. 18, 19.
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