O presente texto remonta à problemática discussão acerca da responsabilidade civil extracontratual do Estado em caso de omissão do Poder Público. Diz-se problemática porque, ainda que a jurisprudência pareça caminhar no sentido de dar guarida à responsabilidade subjetiva do Estado, com a nítida ideia de culpa, a doutrina, em muitos casos, adota a responsabilidade objetiva, porquanto somente o evento dano seria possível para caracterizar que o Estado não tenha cumprido o seu dever de agir. Vale destacar, no entanto, que também a doutrina tem oscilado entre uma e outra teoria.
Para respeitar a ordem dos argumentos apresentados, apresenta-se alguns julgados do STJ e do STF, que adotam a teoria subjetiva, em que o Estado deve agir com culpa. Nesse sentido, segue acórdão relatado pela Min. Eliana Calmon, que adota a responsabilidade subjetiva:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ACIDENTE DE TRÂNSITO EM RODOVIA FEDERAL - ANIMAL NA PISTA - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC - INOCORRÊNCIA - LEGITIMIDADE DA UNIÃO E DO DNER - RESPONSABILIDADE SUBJETIVA - OMISSÃO - OCORRÊNCIA DE CULPA - PENSIONAMENTO - TERMO A QUO - REVISÃO DOS DANOS MORAIS - IMPOSSIBILIDADE - PROPORCIONALIDADE.
1. Não há violação do art. 535 do CPC quando o Tribunal de origem analisa adequada e suficientemente a controvérsia objeto do recurso especial.
2. Legitimidade do DNER e da União para figurar no polo passivo da ação.
3. Caracterizada a culpa do Estado em acidente envolvendo veículo e animal parado no meio da rodovia, pela ausência de policiamento e vigilância da pista.
4. O termo a quo para o pagamento do pensionamento aos familiares da vítima é a data da ocorrência do óbito.
5. Manutenção do valor fixado nas instâncias ordinárias por dano moral, por não se revelar nem irrisório, nem exorbitante.
6. Recurso especial não provido.
(REsp 1198534/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/08/2010, DJe 20/08/2010) (Grifou-se)
Ora, no caso apresentado, caracterizou-se a culpa estatal em acidente que envolveu veículo e animal parado na rodovia, na medida em que estava ausente policiamento e vigilância na pista, com a demonstração do nexo de causalidade. No mesmo sentido é a jurisprudência do E. Supremo Tribunal Federal, a seguir:
EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO. POLICIAL AGREDIDO POR DETENTO NO INTERIOR DE DELEGACIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA. ART. 37, § 6º, DA CB/88. Policial civil agredido por detento no interior de delegacia. Obrigação do Estado de indenizar o funcionário pelos danos sofridos. Agravo regimental a que se nega provimento.
(RE 602223 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 09/02/2010, DJe-045 DIVULG 11-03-2010 PUBLIC 12-03-2010 EMENT VOL-02393-05 PP-01062 RT v. 99, n. 897, 2010, p. 163-165) (grifou-se)
Ora, a jurisprudência das Cortes Superiores, que também têm o condão de uniformizar o entendimento do Poder Judiciário, é assente do sentido de que a responsabilidade do Estado, no caso de omissão, é subjetiva, baseado inclusive na teoria da falta do serviço. No mesmo sentido das Cortes Superiores é o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, a seguir:
“Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente) é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo."
Por outro lado, o Eminente Professor Hely Lopes Meirelles aponta em outro sentido, sustentando a natureza objetiva da responsabilidade por omissão:
“Nessa substituição da responsabilidade individual do servidor pela responsabilidade genérica do Poder Público, cobrindo o risco de sua ação ou omissão, é que se assenta a teoria da responsabilidade objetiva da Administração, vale dizer, da responsabilidade sem culpa, pela só ocorrência da falta anônima do serviço, porque esta falta está, precisamente, na área dos riscos assumidos pela Administração para a consecução de seus fins”
Vale dizer que a responsabilidade civil do Estado subjetiva por omissão se assenta na premissa de que a responsabilidade contida no art. 37, §6º da Constituição Federal, que é de natureza objetiva, somente pode ser aplicável às condutas comissivas e que a vítima do dano deve demonstrar, de maneira inequívoca, que o Estado se omitiu.
De acordo com essas premissas, o Professor Lucas Rocha Furtado as rebate, aderindo ao entendimento de que a responsabilidade civil por omissão é objetiva, por força da dificuldade, quando o Estado deixa de agir, de se encontrar o agente que deixou de praticar o ato ou de desenvolver a atividade que lhe competia. Para ele, se houve dano e se este este decorreu de omissão estatal, a discussão sobre a culpa é irrelevante.
Ora, tal entendimento traz em seu bojo a efetiva discussão se ambas teorias não são muito parecidas, ou se tangenciam quando da análise de eventual culpa. Diz-se isso porque, caso a vítima demonstre o dano e o nexo de causalidade, só há relevância para o Estado descobrir quem foi o agente omissivo para fins de direito de regresso. Ademais, veja-se que há a possibilidade de se estabelecer a culpa anônima, como por exemplo, o da queda de árvores em veículos, nos estacionamentos públicos.
Não há como se estabelecer, nesse caso, um culpado. No caso concreto, caso haja uma demanda judicial de ressarcimento dos danos, caso o Estado demonstre que tomou todas as atitudes para evitar a queda, desconstitui-se o nexo de causalidade e não porque existiu ou não a culpa. Daí a irrelevância da discussão sobre a culpa, a qual eu me adiro.
O que se conclui, portanto, é que as teorias não se distinguem, fundamentalmente, umas das outras. O que ocorre é uma aproximação e,
“na prática, utilizar uma pela outra não resulta em grande distinção. A divergência reside tão somente na circunstância de que, na teoria subjetiva, a omissão do Estado é identificada como uma conduta necessariamente culposa; ao passo que os defensores da responsabilidade objetiva identificam a omissão como o eventus damni, sendo, a partir dele estabelecido o nexo de causalidade com o dano, independentemente da razão que tenha levado à inação do Estado.”
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