Notas introdutórias: prognose póstuma objetiva, o contexto inserido
A teoria da imputação objetiva, sob a dicção de Claus Roxin, construiu suas bases doutrinárias em alicerces de caráter teleológico-funcional, isto é, com o intuito de funcionalização de seus aparatos de aferição de atribuição do resultado ao comportamento deflagrado.
Para tanto, foram instituídos três segmentos a orientar o processo analítico de verificação da imputação, quais sejam, a criação de um risco juridicamente relevante e proibido e sua realização específica no resultado, bem como sob o alcance do tipo penal.
Com o desiderato de trazer maior concretude à aplicação da imputação objetiva, houve o desdobramento destes três segmentos, sendo que no âmbito da criação do risco relevante e proibido, surgiram outros três mecanismos que enquadram-se como pressuposto de imputação ou de exclusão objetiva, sendo o aumento do risco como requisito e o risco permitido e a diminuição do risco como elementos de exclusão da incidência de imputação.
Inserido no cerne do aumento do risco, Roxin introduziu dispositivo utilizado pelo intérprete para a aferição da ocorrência de um incremento do perigo, denominado prognose póstuma objetiva, objeto de nossas elucubrações.
A prognose póstuma como dispositivo de aferição da imputação objetiva
A prognose póstuma objetiva decorre da formulação da teoria da adequação, que após anos de desenvolvimento e aprimoramento teórico, passou a entender que “[...] se considera adequada uma condição, quando ela eleva a possibilidade de produção do resultado de maneira não irrelevante, quando não é simplesmente improvável que o comportamento traga consigo um tal resultado” (ROXIN, 2002, p.303).
No entanto, a teoria da adequação, reputada como teoria de imputação e não como uma teoria da causalidade, não vingou em decorrência da restrição quanto à sua aplicabilidade, bem como em razão do excesso de abstração da teoria, que se resolvia, tão somente por via da verificação da adequação, o que resultou na sua insuficiência autônoma, vindo a ser incorporada pela teoria da imputação objetiva, reduzindo-se a elemento estrutural desta.
Destarte, a prognose póstuma objetiva, inserida no contexto do aumento do risco, avalia se a conduta provocada pelo agente realmente criou um risco juridicamente relevante a ponto de cogitar a possibilidade de poder atribuir o resultado a este comportamento apriorístico.
Acerca deste critério de avaliação do incremento do risco, Luís Greco segmenta o conceito de prognose póstuma objetiva, o que facilita o entendimento sobre o instituto
“Prognose, porque é um juízo formulado de uma perspectiva ex ante, levando-se em conta apenas dados conhecidos no momento da prática da ação; Objetiva, porque a prognose parte dos dados conhecidos por um observador objetivo, por um homem prudente, cuidadoso – e não apenas por um homem médio – pertencente ao círculo social em que se encontra o autor. Póstuma, porque, apesar de tomar em consideração apenas os fatos conhecidos pelo homem prudente no momento da prática da ação, a prognose não deixa de ser realizada pelo juiz, ou seja, depois da prática do fato” (GRECO, 2007, p.25-26)
Com isso, o dispositivo de avaliação da imputação abarcado por Roxin visa considerar o indivíduo antes da prática da conduta criadora de um risco, juntamente com os conhecimentos exigíveis de um homem prudente do seu meio social, que visa a conservação dos bens jurídicos, bem como os conhecimentos especiais, de índole eminentemente subjetiva – contrastando com a predominância da estrutura da imputação objetiva composta por elementos objetivos – que é tudo aquilo que o agente sabe sobre as circunstâncias fáticas, independente de seu dever como homem prudente integrante do corpo social.
Assim, este critério não se restringe ao papel social do indivíduo, como o faz Jakobs na sistematização de sua teoria de imputação objetiva, que incita a stardandização na avaliação do comportamento, e não o que realmente o agente conhece, mas o que um indivíduo na sua posição de portador de seu papel deveria conhecer. A adição dos conhecimentos especiais carreia para a prognose póstuma objetiva característica peculiar que a redefine como juízo crítico em contato direto com a realidade dos fatos, e por conseguinte, atenua a abstração antes vislumbrada.
Interessante ressaltar como Guilherme Guimarães Feliciano explica a respeito da prognose, em que “[...] o juiz deve apreciar os eventos causais com objetividade e perspectiva apriorística (juízo ex ante), como se fora observador apto a examinar os fatos antes do evento causal[...]” (FELICIANO, 2005, p.71).
Desta forma, o magistrado apreciará face ao caso concreto, extrinsecamente, se houve ou não um incremento relevante do risco perpetrado, como observador situado na posição que se encontra o agente que virá a produzir o risco, e, reiterando o exposto acima, aditado ao âmbito cognitivo próprio os conhecimentos do homem prudente, como também os conhecimentos especiais, que o agente produtor do risco tinha ciência.
Para melhor entender, trazemos à baila exemplo em que um médico, tio do paciente aplica uma dose de determinada substância neste, que, em razão de reação alérgica ao que fora injetado vem a falecer, não tendo sido possível detectar a alergia por meio de todos os exames que eram necessários e foram oportunamente realizados pelo médico. Neste caso, aplicando a prognose póstuma objetiva, considerando os dados conhecidos anteriormente ao ato de injetar, conforme o homem prudente, isto é, um médico diligente com seus pacientes, não haveria o incremento do risco, elidindo a imputação do resultado ao médico.
No entanto, utilizando o mesmo exemplo, se o médico tinha conhecimentos especiais, por ser tio do paciente, isto é, ter ciência desta alergia que um médico qualquer não teria acesso, mas apenas soube na qualidade de familiar, haverá a atribuição das conseqüências da provocação deste risco relevante e proibido ao médico.
Nesta perspectiva, a aplicação da prognose póstuma objetiva afigura-se facilmente utilizável na prática jurisdicional penal. No entanto, ainda aparece acanhado seu emprego no âmbito jurisprudencial, não obstante existir pontuais decisões que já usaram deste dispositivo, como o trecho de acórdão abaixo mencionado
“A aferição da criação de um risco juridicamente desaprovado se desenvolve em dois planos: a geração do risco baseado no critério da prognose póstuma objetiva e a sua desaprovação jurídica, com fulcro em normas jurídicas e extrajurídicas de cautela.” (Apelação Criminal nº 1.0405.07.001467-6/001 da 5ª Câmara Criminal TJMG. Relator: Alexandre Victor de Carvalho. Data do Julgamento: 25.11.08. Unânime. Data da Publicação: 09.12.08)
Neste diapasão, apesar da incipiência da aplicação da prognose póstuma objetiva como critério de aferição do aumento do risco nos pretórios tupiniquins, apresenta grande potencial, em decorrência de sua consonância com a equidade ansiada pela sociedade.
Considerações Finais
Conforme explanado acima, a prognose póstuma objetiva de resume a um juízo de apreciação do aumento do risco, em que o magistrado no transcurso do processo, isto é, ulteriormente à ocorrência do fato, coloca-se, hipoteticamente, como um observador na cena do ato, em momento anterior à sua prática, considerando os conhecimentos de uma pessoa prudente do círculo social do agente. Somado a isso, acrescente-se os conhecimentos especiais deste naquela ocasião. Pronto, esta é a fórmula de análise da prognose póstuma objetiva.
Entrevê-se que a verificação do aumento do risco proibido necessita das balizas instituídas pela prognose póstuma objetiva, sobretudo por assentar conceitos abstratos em um procedimento analítico, que desemboca em convergência concreta à pragmática judicial, sem se perder em divagações infrutíferas.
Neste ponto, cabe ressaltar que o critério de prognose, embora pouco conhecido pela doutrina e jurisprudência pátrias, exsurge conjuntamente com toda a estrutura da teoria da imputação objetiva como arcabouço plenamente tangível e aplicável, prescindindo de lege ferenda para fazer valer suas disposições doutrinárias, bastando tão somente à compreensão e propagação de sua órbita sistêmica.
Referências Bibliográficas
FELICIANO, Guilherme Guimarães. Teoria da Imputação Objetiva no Direito Penal Ambiental Brasileiro. São Paulo: LTr, 2005.
GRECO, Luiz. Um panorama da teoria da imputação objetiva. Rio de Janeiro: Lúmen Iuris, 2007.
JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no Direito Penal, tradução de André Luís Callegari, São Paulo: RT, 2000.
ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal – Tradução e Introdução de Luiz Greco. São Paulo: Renovar, 2002.
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