Foi anunciado o pagamento pelo INSS de pensão, nas relações homoafetivas, a um dos companheiros em caso de morte do outro. Também a preocupação com o crescimento da homofobia fez com que fosse criada uma comissão específica para tratar do tema.
Ao mesmo tempo em que essas manifestações elevadas são anunciadas, causa extrema preocupação entrevista concedida no mês passado pelo deputado Jair Bolsonaro, destaque-se, da Comissão de Direitos Humanos e Minorias, em que afirma que se o seu filho convivesse com gays, haveria risco de se tornar gay e, nas suas próprias palavras, “daria um couro nele para resolver o problema”.
A declaração é de gravidade elevada, na medida em que é clara manifestação de homofobia por integrante do legislativo brasileiro, da comissão responsável por combatê-lo, comissão que perde sua credibilidade, na medida em que um dos seus membros declara-se avesso ao respeito com as minorias.
Foucault, em A história da sexualidade, aprofundou o estudo da homofobia e aponta que ela sempre caminhou com os modelos de controle humano, pois a intervenção no comportamento sexual é eficaz forma de estigmatização para reafirmação do poder.
Ao contrário, a liberdade das pessoas, com o desenvolvimento de sua sexualidade sem agressão a terceiros, dá margem à ruptura com o modelo de dominação. Para impedir essa ruptura é que travestidas de pensamentos políticos e sociais são estimuladas ações de ataque às minorias sexuais para sentirem vergonha do que são, sendo mantido ativo um eficaz método de geração de estigmas e aquele que não se submete ao controle é rapidamente taxado de sexualmente desviante, sofrendo medidas de intervenção punitiva.
Como exemplo, as duas mais emblemáticas estruturas de invasão da sexualidade, inquisição e nazismo, serviram à escravização a partir de processos estigmatizantes. Em ambas se valeu do preconceito para aumentar as possibilidades punitivas, criando delitos amplos em que qualquer um podia ser enquadrado, com base em juízos valorativos e provas baseadas em boatos.
A sexualidade não é questão de opção possível de moldar com violência, como pretendido por alguns; diz respeito à própria personalidade da pessoa, sendo elemento inerente ao próprio ser, de forma que a intervenção na liberdade sexual representa grave ataque aos direitos humanos, o que é intolerável no Estado democrático.
Os direitos humanos se constituem em pauta irrenunciável do modelo democrático, devendo ser defendida e consolidada como realidade plena, por via de consequência, as medidas que os fragilizam são manifestações do autoritarismo que se fortalece quando se amplia a ignorância no meio social.
A ignorância está presente nas ações homofóbicas como manifestação da ignorância inerente ao preconceito e à intolerância em que o agressor julga-se detentor de uma verdade única e especial, quando a história humana demonstra que todos que assim pensaram estavam errados.
Convém observar exemplos de intolerância como o apartheid, o fascismo, os massacres em Ruanda e na Bósnia, em que seus defensores julgaram-se possuidores da verdade plena, mas hoje lembrados como algumas das páginas mais vergonhosas da humanidade. Para não se viver experiências como essas há necessidade premente que os valores da tolerância e do liberalismo sejam estabelecidos em políticas públicas de incremento da compreensão e da aceitação das diferenças.
A ausência de preconceito não é retórica, não basta se dizer sem ele e ao mesmo tempo praticar gestos de violência contra o diferente, afinal como Carlos Drummond de Andrade lembra: “Sou do tamanho daquilo que sinto, que vejo e que faço, e não do tamanho da minha estatura”.
É urgente aprender a ser grande sentindo, vendo e fazendo o mundo da compreensão para que o germe da intolerância que hoje se manifesta de forma preocupante nos atos homofóbicos não transforme o lindo Brasil da diferença em um feio lugar sem cores, sem luzes, vazio somente vazio.
Adel El Tasse, procurador federal, é professor de Direito Penal
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