O dinheiro foi o meio encontrado pelo homem para promover a troca riquezas, sendo este considerado o bem mais fungível dentre os demais, já que com a sua circulação não ocorre comprometimento de seu valor, ou de sua qualidade, sendo sempre aceito na formalização das mais variadas transações.
Apesar disso, com a necessidade de viagem à locais distantes, os riscos de carregar tais valores eram cada vez maiores na medida em que tornavam-se mais complexas as atividades desenvolvidas, ocorrendo muitos casos de roubos em estradas com danos irreparáveis aos negociantes.
Era preciso uma solução que permitisse essa circulação sem ocasionar risco da perda desses valores, uma forma mais segura de promover a circulação de riquezas. A solução encontrada foi a emissão de Títulos de Crédito representativos dos valores negociados, de fácil troca e circulação.
Foi de Cesare Vivante a conceituação que mais perfeitamente explicou o que seriam esses títulos, tanto que teve a maior aceitação em sede doutrinária. Para ele os títulos de crédito representam o documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele contido.
O Código Civil veio adotando esta conceituação, ao estabelecer em seu art. 887 o que se segue:
“Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei.”
A perfeição deste conceito deve-se ao fato de estarem presentes os princípios mais característicos deste instituto, os quais o estudo é de extrema importância para a solução dos casos concretos.
Os princípios constantes no conceito de Vivante são três: a Cartularidade, Literalidade e Autonomia, cada um com características próprias, havendo doutrinadores que afirmem que o princípio da autonomia ainda poderá se subdividir em abstração e a inoponibilidade das exceções pessoais à terceiros de boa-fé.
Pelo Princípio da Cartularidade, trazido na expressão “documento necessário ao exercício do direito”, o título de crédito é representado por uma cártula, ou seja, um documento cujo porte e exibição é elemento essencial, sem o qual não poderá o devedor ser cobrado. Não existe o direito de crédito se não houver o documento.
Apesar disso, com os avanços das técnicas empresariais, e a modernização decorrente principalmente dos avanços da informática, este princípio vem sendo interpretado de forma mais flexível, ocorrendo a desmaterialização dos títulos de crédito para a perfeita adequação aos novos sistemas.
Atualmente existe atividade de crédito mesmo sem a emissão de qualquer documento, como ocorrem com as duplicatas virtuais. Mais do que isso, com a instituição do processo eletrônico, basta a digitalização do título, sendo a sua exibição uma mera faculdade a ser solicitada pelo juiz, e não mais um requisito essencial para a continuidade do processo.
Algumas decisões jurisprudenciais já ilustram esta flexibilização, conforme segue transcrita.
“APELAÇÃO CÍVEL. EXECUÇÃO DE TITTULO EXTRAJUDICIAL. EMBARGOS DO DEVEDOR. COMPRA E VENDA MERCANTIL. VÍNCULO CONTRATUAL. DUPLICATAS. ENTREGA EFETIVA E RECEBIMENTO DAS MERCADORIAS. ACEITE POR PRESUNÇÃO. DESNECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO DOS TÍTULOS AO SACADO PARA ACEITE. DESMATERIALIZAÇÃO DOS TÍTULOS DE CRÉDITO. PROTESTO POR INDICAÇÃO. BOLETOS BANCÁRIOS. POSSIBILIDADE.
1. Demonstrados o vínculo contratual e a efetiva entrega e recebimento das mercadorias, desnecessária a prova da remessa das duplicatas ao sacado para viabilizar o protesto da cambial.
2. Em virtude do instituto do protesto por indicação e tendo em vista a desmaterialização dos títulos de crédito, a emissão de duplicata em suporte papel para a cobrança do crédito é plenamente dispensável, sendo de praxe comercial a utilização de boletos bancários para esse fim.”
(TJPR - Apelação Cível: AC 2868608 PR 0286860-8, Resumo: Apelação Cível. Relator(a): Fernando Wolff Bodziak, Julgamento: 10/10/2005, Órgão Julgador: 14ª Câmara Cível)
Parece representar um avanço para a desburocratização do procedimento de execução de tais títulos, apesar de ainda mostrar-se controvertido, por poder resultar em insegurança jurídica, uma vez que nada impede que o título continue em circulação mesmo após proposta a ação de execução.
O segundo princípio é o da Literalidade, trazido pela inclusão da palavra “literal” no conceito clássico, segundo o qual o crédito cobrado deverá ser idêntico ao valor constante no título, ou seja, não poderá ser cobrado nem mais e nem menos do que está inscrito no documento.
Qualquer obrigação, mesmo que essencial ao liame material entre as partes e decorrente do contrato que deu origem ao título, se não estiver nele inscrita não poderá ser por ele exigida, devendo haver uma discussão fática em processo de conhecimento.
Na aplicação de tal princípio deve-se dar preferência para a importância escrita por extenso, caso haja qualquer divergência de valores.
Por fim, existe ainda o Princípio da Autonomia, pelo qual o título passa a constituir ele próprio uma obrigação, imune a qualquer outro vício não incidente sobre o próprio documento, mesmo que decorrente da relação jurídica que lhe deu origem.
Deste princípio parte da doutrina afirma surgirem dois outros, que seriam a Abstração e o da Inoponibilidade das Exceções Pessoais aos Terceiros e Boa-fé, apesar disso, ambos parecem mais com importantes características da autonomia do título.
Pela abstração, a partir do momento que o título é colocado em circulação ele poderá ser exigido independente de qualquer situação fática, ainda que esta situação tenha dado origem à formação do título. Apenas poderá ser discutida a regularidade na emissão do documento e não mais a relação que lhe deu origem.
Caso ocorra a prescrição do título ele perderá a característica da abstração, mas ainda poderá ser cobrado. Neste caso deverá dar-se por meio de uma ação de conhecimento para este fim, onde a natureza do débito será amplamente discutida.
Os títulos de crédito possuem ainda a característica de não se poder alegar contra terceiros de boa-fé qualquer exceção pessoal que exista em face de outro credor, o que acontece como forma de garantir a segurança jurídica da negociação.
Importante ressaltar que aqui fala-se em exceções pessoais, pois se estas incidirem sobre o próprio título, ou qualquer formalidade inerente a ele, elas poderão sim ser opostas.
Além disso, importante estabelecer que deverá o terceiro estar de boa-fé, uma vez que se este tinha conhecimento das exceções, mas mesmo assim a circulação do título foi realizada com o intuito de fraudar a aplicação desta exceção, a transmissão do crédito estará eivada de vício, pelo que poderá ser alegada a referida exceção.
Tais princípios, ainda que flexibilizados para adaptação das exigências das transformações legais e fáticas no mundo dos negócios, são basilares ao estudo do Direito Cambiário, sendo seu conhecimento de vital importância para a formação doutrinária do operador do direito, sendo que o documento, se não estiver enquadrado nesses princípios não será reputado como um título de crédito perfeito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Vol. 1. São Paulo: Saraiva, 2003
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Empresarial. 3ª Ed. Rev. Ampl. Atual. Salvador: JusPodivm, 2009
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. Vol.2. São Paulo: Saraiva, 2003
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