Tenho amigos para saber quem eu sou,
pois vendo-os loucos e santos
bobos e sérios,
crianças e velhos,
nunca me esquecerei
que a normalidade é uma ilusão estéril.
(Autoria de Silvânia Margarida)
Resumo
Este artigo articula o Ministério Público como instituidor do Estado democrático de Direito.Delimitam-se aqui algumas funções primordiais que tal órgão tem na continuidade dos Poderes, fixando os efeitos da ordem social, das relações públicas e privadas que circundam o Estado. Primou-se, por aspectos da obediência à lei e os aparatos constitucionais
Descritores: constituição, Ministério Público, Estado, Poderes, direito público
1 INTRODUÇÃO
A Constituição de um país vige paulatinamente, na medida da necessidade que o direito público precisa criar mecanismos próprios para minimizar os efeitos e impactos dos três primeiros poderes (executivo, legislativo e judiciário), o segundo poder (empresa) e o terceiro poder (ONGs e OSCIPs) no seio da sociedade. O direito tem por objetivo, entre outros, impor e manter a ordem social, bem como diminuir as tensões existentes nas relações públicas e privadas que circundam o Estado democrático de Direito. Deste modo, o Ministério Público, nos meandros de obediência restrita à lei, no combate à corrupção, na falta de denúncia imperativa à desobediência da lei, também deve, em si, voltar suas atenções no sentido de promover a cobrança dos objetivos sociais e jurídicos, quando do exercício de suas atividades. Assim, a questão se volta para a necessidade de se fixar atos de disposições constitucionais transitórias de modo a fixar um conteúdo ministerial que viabilize a passagem ou adequação da realidade normatizada para a nova situação jurídica estabelecida, a denúncia. Neste sentido, é fundamental o Ministério Público não só fixar-se nas novas regras constitucionais e infraconstitucionais que vão surgindo, mas, sobretudo, estabelecer as regras de imposição. O Ministério Público, junto com o Estado democrático de Direito, são o legítimo representante do povo.
A constituição atual situa o Ministério Público em capítulo especial, fora da estrutura dos demais poderes da República, consagrando sua total autonomia e independência e ampliando-lhe as funções (arts. 127/130), sempre em defesa dos direitos, garantias e prerrogativas da sociedade.
Assim, constitucionalmente, o Ministério Público abrange:
1. o Ministério Público da União, que compreende:
a. o Ministério Público Federal;
b. o Ministério Público do Trabalho;
c. o Ministério Público Militar;
d. o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios;
2. os Ministérios Públicos dos Estados.
Como salienta Nagib Slaibi Filho,
O Ministério Público brasileiro, com a moldura e a consistência que lhe foi dada pela Constituição de 1988, bem representa a contradição decorrente de tais influências, pois: (a) dos Estados Unidos, herdou a desvinculação com o Poder Judiciário, a denominação de sua chefia, o controle externo de determinadas atividades administrativas ligadas ao Poder Executivo, o resquício de poder participar da política partidária, ainda que em hipóteses restritas previstas em lei, a postura independente que aqui somente se subordina à consciência jurídica de seu membro, como, aliás, está na Lei Maior ao assegurar sua autonomia funcional e administrativa (art. 127); (b) da Europa continental, herdou a simetria da carreira com a magistratura, inclusive as prerrogativas similares, o direito de assento ao lado dos juízes, as vestes próprias e até mesmo o vezo de atuar como se magistrado fosse, embora devesse ter o ardor do advogado no patrocínio da causa. O Ministério Público desenvolveu-se sob a influência do Novo e Velho Mundo, e da simbiose vem a sua força.
Com base na Constituição da República foi editada a Lei nº 8.625, de 12-2-1993, que institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispondo sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados. A Lei Complementar Federal nº 75, de 20-5-1993, dispõe sobre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público da União. No Estado de São Paulo, a Lei Complementar nº 734, de 26-11-1993, institui a Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da Constituição da República, art. 12 da Lei nº 8.625/93, art. 1º da Lei Complementar Federal nº 75/93 e art. 1º da Lei Complementar/SP nº 734/93).
2 PRINCÍPIOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO
São princípios institucionais do Ministério Público, previstos na Constituição da República, a unidade, a indivisibilidade, a independência funcional e o princípio do promotor natural.
A doutrina enumera outros princípios infraconstitucionais: o exercício da ação penal, a irrecusabilidade e a irresponsabilidade.
A) Unidade
A unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção única de um só Procurador-geral, ressalvando-se, porém, que só existe unidade dentro de cada Ministério Público, inexistindo entre o Ministério Público Federal e os dos Estados, nem entre o de um Estado e o de outro, nem entre os diversos ramos do Ministério Público da União.
B) Indivisibilidade
O Ministério Público é uno porque seus membros não se vinculam aos processos nos quais atuam, podendo ser substituídos uns pelos outros de acordo com as normas legais. Importante ressaltar que a indivisibilidade resulta em verdadeiro corolário do princípio da unidade, pois o Ministério Público não se pode subdividir em vários outros Ministérios Públicos autônomos e desvinculados uns dos outros.
C) Princípio da independência ou autonomia funcional
O órgão do Ministério Público é independente no exercício de suas funções, não ficando sujeito às ordens de quem quer que seja, somente devendo prestar contas de seus atos à Constituição, às leis e à sua consciência.
Nem seus superiores hierárquicos podem ditar-lhes ordens no sentido de agir desta ou daquela maneira dentro de um processo. Os órgãos de administração superior do Ministério Público podem editar recomendações sobre a atuação funcional para todos os integrantes da Instituição, mas sempre sem caráter normativo.
Como ensina Benecdito de Campos (1976), quando se fala de um órgão independente com autonomia funcional e financeira, afirma-se que o Ministério Público é um órgão extrapoder, ou seja, não depende de nenhum dos poderes de Estado, não podendo nenhum de seus membros receber instruções vinculantes de nenhuma autoridade pública.
No direito constitucional pátrio, só se concebe no Ministério Público uma hierarquia no sentido administrativo, pela chefia do Procurador-Geral da instituição, nunca de índole funcional.
A independência funcional mostra-se presente, exemplificadamente, na redação do art. 28 do Código de Processo Penal, pois, discordando o Procurador-geral de Justiça da promoção de arquivamento do Promotor de Justiça, poderá oferecer denúncia, determinar diligências, ou mesmo designar outro órgão ministerial para oferecê-la, mas jamais poderá determinar que o proponente do arquivamento inicie a ação penal.
A Constituição da República valorizou de tal modo a independência e autonomia do Ministério Público que considera crime de responsabilidade do Presidente da República a prática de atos atentatórios ao livre exercício da Instituição (CR; art. 85, II).
D) Princípio do promotor natural
O Plenário do Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência do presente princípio por maioria de votos, no sentido de proibirem-se designações casuísticas efetuadas pela chefia da Instituição, que criariam a figura do promotor de exceção, em incompatibilidade com a Constituição da República, que determina que somente o promotor natural é que deve atuar no processo, pois ele intervém de acordo com seu entendimento pelo zelo do interesse público, garantia esta destinada a proteger, principalmente, a imparcialidade da atuação do órgão do Ministério Público, tanto em sua defesa quanto essencialmente em defesa da sociedade, que verá a Instituição atuando técnica e juridicamente.
2.1 Funções
A Constituição da República de 1988 ampliou sobremaneira as funções do Ministério Público, transformando-o em um verdadeiro defensor da sociedade, tanto no campo penal com a titularidade exclusiva da ação penal pública (cf. comentário sobre art. 5º, LIX) quanto no campo cível como fiscal dos demais Poderes Públicos e defensor da legalidade e moralidade administrativa, inclusive com a titularidade do inquérito civil e da ação civil pública.
Dessa forma, a Constituição da República enumera exemplificadamente as importantíssimas funções ministeriais.
São funções institucionais do Ministério Público:
I. promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
II. zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia;
III. promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público .e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
IV. promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta constituição;
V. defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;
VI. expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII. exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII. requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.
Importante ressaltar, novamente, que o rol constitucional é exemplificativo, possibilitando ao Ministério Público exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade constitucional, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.
A própria Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625/93) em seu art. 25 estabelece outras funções ministeriais de grande relevância.
1. propor ação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais, em face da Constituição Estadual.
2. promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a. para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;
b. para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem;
3. manifestar-se nos processos em que sua presença seja obrigatória por lei e, ainda, sempre que cabível a intervenção, para assegurar o exercício de suas funções institucionais, não importando a fase ou grau de jurisdição em que se encontrem os processos;
4. exercer a fiscalização dos estabelecimentos prisionais e dos que abriguem idosos, menores, incapazes ou pessoas portadoras de deficiência;
5. deliberar sobre a participação em organismos estatais de defesa do meio ambiente, neste compreendido o do trabalho, do consumidor, de política penal e penitenciária e outros afetos à sua área de atuação;
6. ingressar em juízo, de ofício, para responsabilizar os gestores do dinheiro público condenados por tribunais e conselhos de contas;
7. interpor recursos ao Supremo Tribunal Federal e ao Superior Tribunal de Justiça.
Outras funções podem ser previstas em nível estadual, seja pelas Constituições Estaduais, seja pelas diversas leis complementares dos Estados-membros, desde que adequadas à finalidade constitucional do Ministério Público.
Importante ressaltar a total impossibilidade de legislação municipal estabelecer atribuições ao membro do Ministério Público em atuação no Município, inclusive no que disser respeito à participação obrigatória em Conselhos Municipais, uma vez que somente leis federais e estaduais poderão estabelecer essas atribuições, sempre, repita-se, compatíveis com sua finalidade constitucional.
Ademais, além de garantidor e fiscalizador da Separação dos Poderes, o legislador constituinte conferiu ao Ministério Público funções de resguardo ao status constitucional dos indivíduos, armando-o de garantias que possibilitassem o exercício daquelas e a defesa destes.
Assim, não podemos nos esquecer que a proteção ao status (Jellinek) constitucional do indivíduo, em suas diversas posições, hoje, também é função do Ministério Público, que deve preservá-lo. Assim, uma das posições do status constitucional corresponde à esfera de liberdade dos direitos individuais, permitindo a liberdade de ações, não ordenadas e também não proibidas, garantindo-se um espectro total de escolha, ou pela ação ou pela omissão. São os chamados status negativos. Outra posição coloca o indivíduo em situação oposta à da liberdade, em sujeição ao Estado, na chamada esfera de obrigações; é o status passivo. O status positivo, por sua vez, permite que o indivíduo exija do Estado a prestação de condutas positivas, ou seja, reclame para si algo que o Estado estará obrigado a realizar. Por fim, temos o status ativo, pelo qual o cidadão recebe competências para participar do Estado, com a finalidade de formação da vontade estatal, como é o caso do direito de sufrágio. Conclui-se, portanto, que a teoria dos status evidencia serem os direitos fundamentais um conjunto de normas jurídicas que atribuem ao indivíduo diferentes posições frente ao Estado, cujo zelo também é função do Ministério Público.
Portanto, garantir ao indivíduo a fruição total de todos os seus status constitucionais, por desejo do próprio legislador constituinte, que em determinado momento histórico entendeu fortalecer a Instituição, dando-lhe independência e autonomia, e a causa social para defender e proteger é também função do Ministério Público, juntamente com os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário.
No tocante à aposentadoria dos membros do Ministério Público e à pensão de seus dependentes, determina a Constituição da República observância das normas aplicáveis aos magistrados (CR; art. 129, § 4º, e 93, VI), que, atualmente, em face da Emenda Constitucional nº 20/98, são as normas gerais previstas no art. 40.
2.2 Ministério Público e legitimidade para defesa do patrimônio público e zelo dos direitos constitucionais do cidadão
A Constituição da República prevê no inciso III, do art. 129, que compete ao Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
Benecdito de Campos (1976) salienta que o inquérito civil e a ação civil pública foram criados pela Lei nº 7.347/85, com a finalidade de efetivar a responsabilização por danos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, concluindo que
o texto constitucional alargou o alcance desses instrumentos. Por um lado, estendeu-os à proteção do patrimônio público em geral, dando, pois, à ação civil pública, âmbito análogo ao da ação popular (v. art. 5º, LXXIII). Por outro lado, tomou meramente exemplificativa uma enumeração que era taxativa. Note-se que a regra constitucional se refere a outros interesses difusos e coletivos.
Ao analisar estas importantes funções do Ministério Público, o Ministro Sepúlveda Pertence afirmou que o legislador constituinte concedeu uma "titularidade genérica para promover medidas necessárias à proteção da vigência e da eficácia da Constituição", e mais adiante, comenta a introdução da legitimação para "uma proteção a patrimônio público", concluindo que a Constituição introduziu ao Ministério Público "vigilância ativa com legitimação processual, sob a legalidade da administração".
Esta atuação do Ministério Público visa a adequar nosso ordenamento jurídico à tendência contemporânea de todo o Direito Constitucional universal, que é impedir, de todas as formas possíveis, o desrespeito sistemático às normas Constitucionais, que conduz à erosão da própria consciência constitucional.
Assim, como decidiu o Superior Tribunal de Justiça, "na sociedade contemporânea de massa, e sob os influxos de uma nova atmosfera cultural, o processo civil, vinculado estreitamente aos princípios constitucionais e dando-lhes efetividade, encontra no Ministério Público uma instituição de extraordinário valor na defesa da cidadania".
2.3 Garantias do Ministério Público
As garantias constitucionais do Ministério Público foram-lhe conferidas pelo legislador constituinte objetivando o pleno e independente exercício de suas funções e podem ser divididas em garantias institucionais e garantias aos membros. Tão importante este objetivo, que a Constituição da República considera crime de responsabilidade do Presidente da República a prática de atos atentatórios do livre exercício do Ministério Público (art. 85, II, da Constituição da República).
As garantias e prerrogativas dos membros do Ministério Público, do mesmo modo que as imunidades parlamentares e os predicamentos da magistratura, não são privilégios nem quebram o princípio da isonomia. É essa a razão pela qual se pode falar da vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos dos promotores e dos juízes como prerrogativas visando à defesa do Estado democrático de Direito e dos direitos fundamentais.
Garantias da instituição
A. Autonomia funcional, administrativa e financeira
O art. 127, § 2º, da Constituição da República prevê autonomia funcional e administrativa ao Ministério Público, enquanto o art. 32 da Lei Orgânica Nacional ampliou esta autonomia, prevendo também a financeira.
A autonomia funcional, como já comentado em tópico anterior, significa que os membros do Ministério Público, no cumprimento dos deveres funcionais, submetem-se unicamente aos limites determinados pela Constituição, pelas leis e pela sua própria consciência, não estando subordinados a nenhum outro Poder, isto é, nem ao Poder Executivo, nem ao Poder Legislativo, nem ao Poder Judiciário.
O próprio art. 127, § 2º, da Constituição da República prevê que ao Ministério Público é assegurada autonomia funcional e administrativa, podendo, observado o disposto no art. 169, propor ao Poder Legislativo a criação e extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-os por concurso público de provas ou de provas e títulos, a política remuneratória e os planos de carreira; a lei disporá sobre sua organização e funcionamento.
As autonomias administrativa e financeira vêm especificadas no art. 3º da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, permitindo-lhe, entre outras funções, praticar atos próprios da gestão, tais como:
Praticar atos e decidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal, ativo e inativo, da carreira e dos serviços auxiliares, organizados em quadros próprios; elaborar suas folhas de pagamento e expedir os competentes demonstrativos; adquirir bens e contratar serviços, efetuando a respectiva contabilização; propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção de seus cargos, bem como afixação e o reajuste dos vencimentos de seus membros; propor ao Poder Legislativo a criação e a extinção dos cargos de seus serviços auxiliares, bem como afixação e o reajuste dos vencimentos de seus servidores; prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como nos casos de remoção, promoção e demais formas de provimento derivado; editar atos de aposentadoria, exoneração e outros que importem em vacância de cargos de carreira e dos serviços auxiliares, bem como os de disponibilidade de membros do Ministério Público e de seus servidores; organizar suas secretarias e os serviços auxiliares das Procuradorias e Promotorias de Justiça; compor seus órgãos de administração; elaborar seus regimentos internos; exercer outras competências dela decorrentes.
Ressalte-se que a autonomia do Ministério Público é complementada pelas normas constitucionais que concedem ao Procurador-Geral da República e aos Procuradores-Gerais de Justiça iniciativa de lei sobre a organização, respectivamente, dos Ministérios Públicos da União e dos Estados.
2.4 Da impossibilidade de supressão ou alteração das funções, garantias e prerrogativas constitucionais do Ministério Público
Assim, se é verdade que no regime democrático da República Federativa do Brasil os Poderes do Estado são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário (art. 2º, CR), todos autônomos entre si; não é menos verdade que
"o mínimo irredutível de uma autêntica Constituição deve conter regras de separação de poderes: um mecanismo de cooperação e controle desses poderes - 'cheks and balances'; um mecanismo para evitar bloqueios respectivos entre os diferentes detentores de funções do poder...".
Dessa forma, o legislador constituinte criou, dentro do respeito à teoria dos "freios e contrapesos" (cheks and balances), um órgão autônomo e independente deslocado da estrutura de qualquer dos Poderes do Estado, um verdadeiro fiscal da perpetuidade da federação, da Separação de Poderes, da legalidade e moralidade pública, do regime democrático e dos direitos e garantias individuais: o Ministério Público.
Para a garantia desta fiscalização e do próprio regime democrático, a constituição conferiu importantes funções e garantias institucionais ao Ministério Público, impedindo a ingerência dos demais poderes do Estado em seu funcionamento, pois como escrevia Madison, todo o poder tende a ser invasor e, por isso, deve ser posto em condições de não exceder os limites que lhe são traçados, razão pela qual, depois da divisão de poderes, o mais importante é garanti-los contra suas recíprocas invasões.
Todas estas garantias e funções dos membros do Ministério Público, assim como as imunidades e prerrogativas parlamentares do chefe do Executivo e dos órgãos do Poder Judiciário são garantias institucionais fixadas pelo legislador constituinte para a defesa da sociedade e dos direitos constitucionais fundamentais.
Poderiam tais garantias, prerrogativas e funções serem alteradas, retirando da Instituição Ministério Público os instrumentos constitucionais concedidos pelo legislador constituinte originário, para o exercício autônomo e independente de seu mister? Acreditamos que não.
Qualquer alteração constitucional decorre, no exercício do Poder Constituinte derivado reformador, de uma regra jurídica de autenticidade constitucional, uma vez que o legislador originário estabeleceu limites, materiais, circunstanciais, formais e implícitos, correspondentes às cláusulas de irreformabilidade da Constituição da República.
Deve ser considerado que a Constituição da República, no art. 60, § 4º, a, erigiu como cláusula pétrea a forma federativa, cujo contexto engloba, constitucionalmente, o "regime democrático", tanto em relação às regras constitucionais para sua consecução, quanto às regras constitucionais para sua fiscalização.
Como um dos fiscais do regime democrático, o legislador constituinte originário escolheu o Ministério Público, ao afirmar que é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.
Para garantir que o Ministério Público, em defesa da sociedade, exercesse seu mister constitucional, entre eles a defesa da federação, do regime democrático, diversas garantias de independência e autonomia foram previstas, bem como diversos sistemas de controles.
Todas as garantias e prerrogativas previstas constitucionalmente aos membros do Ministério Público têm finalidade definida pelo legislador constituinte, qual seja, a defesa impessoal da ordem jurídica democrática, dos direitos coletivos e dos direitos fundamentais da cidadania. Suprimi-Ias por meio de alterações constitucionais, retomando a um conceito de unipessoalidade e verticalidade hierárquica do Poder Executivo, é afastar a autonomia e independência do Ministério Público, fortalecendo o Poder Executivo, em detrimento dos demais Poderes do Estado, incabível no Estado Moderno e prejudicando a fiscalização das regras do regime democrático, função constitucional, repita-se, também do Ministério Público.
Importante verificarmos que a tendência contemporânea de todo o Direito Constitucional universal é impedir, de todas as formas possíveis, o desrespeito sistemático às normas constitucionais, que conduz, pela deformação da vontade soberana do poder constituinte, à erosão da própria consciência constitucional.
Para a garantia da constituição, o legislador constituinte conferiu funções institucionais ao Ministério Público, tais como o exercício privativo da ação penal pública, zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, promoção da ação direta de inconstitucionalidade interventiva, entre outras não menos relevantes funções.
Porém, também em respeito ao mecanismo de cooperação e controle aos órgãos que exercem as funções de Estado, o legislador Constituinte fixou severo controle externo à Instituição, tanto por parte do Poder Legislativo (controle orçamentário, através do Tribunal de Contas; destituição do Procurador-Geral), quanto pelo Poder Executivo (escolha e nomeação do Procurador-Geral da República dentre os integrantes da carreira e nomeação do Procurador-Geral de Justiça, através de lista tríplice composta de integrantes da carreira e por ela eleitos) e do Poder Judiciário, a quem são dirigidas as pretensões e iniciativas dos membros do Ministério Público.
Alterar este sistema de controles, suprimindo funções controladoras ou mesmo garantias do Ministério Público, seria alterar o mecanismo de cooperação e controle desses poderes (Executivo/Legislativo/Judiciário) e da própria Instituição do Ministério Público, em relação ao regime democrático, desrespeitando a doutrina dos "Freios e Contrapesos" (cheks and balances), modificando um mecanismo para evitar bloqueios respectivos entre os diferentes detentores de funções do poder, uma vez que retomaríamos à hipertrofia do Poder Executivo. Lembremo-nos de que a Separação de Poderes também é cláusula pétrea, devendo impedir, todavia, não só a supressão da ordem constitucional, "mas também qualquer reforma que altere os elementos .fundamentais de sua identidade histórica".
As funções e garantias institucionais do Ministério Público, assim como já afirmado igualam-se às imunidades e prerrogativas dos membros do Legislativo, Judiciário e do chefe do Poder Executivo, em defesa das garantias e direitos fundamentais do cidadão e da sociedade, do regime democrático e da própria Separação de Poderes, dentro da já citada teoria dos freios e contrapesos.
As garantias constitucionais dos membros do Ministério Público, portanto, são garantias da própria sociedade, de que a Instituição, incumbida pela Constituição de ser a guardiã da legalidade formal e material das liberdades públicas, do regime democrático e da Separação de Poderes, contra os abusos do poder Estatal, não sofra pressões odiosas no exercício de seu mister.
Neste contexto surge o Ministério Público, com a missão de fiscalização do cumprimento das liberdades públicas, ou seja, com a missão de tomá-las efetivas no plano concreto. Para isto concedeu-lhe o legislador constituinte nobres funções, entre outras, de promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (efetividade, inclusive, ao direito à vida - art. 5º, XXXVIII e XLVII); zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta constituição (todo o extenso rol do art. 5º, entre outros), promovendo as medidas necessárias a sua garantia (remédios constitucionais do art. 5º, incisos LXVIII, LXIX, LXX, LXXI, LXXII); promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difuso e coletivos; promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados nos casos previstos nesta constituição (defesa da Federação, arts. 34, 35 e 60, § 4º, I).
Sendo as liberdades públicas objeto da proteção jurídica em matéria de direitos constitucionais, em cuja defesa deve agir o Ministério Público; a independência funcional da Instituição transforma-se em garantia fundamental implícita da Constituição da República, com o escopo de concretizar as liberdades-públicas positivas previstas, principalmente, no art. 5º da Constituição da República.
Ao retomar a idéia central das "cláusulas pétreas", de que a vedação atinge a pretensão de modificar bastando que a proposta de emenda se encaminha ainda que remotamente, "tenda" (emenda tendentes, diz o texto), para sua abolição qualquer pretensão de alterar as funções, garantias ou prerrogativas da Instituição, alteraria diretamente o art. 60, § 4º, da Constituição da República, pois alteraria a fiscalização do regime democrático e dos direitos e garantias fundamentais, repercutindo na Separação de poderes, sendo, pois, de flagrante inconstitucionalidade.
A alterabilidade constitucional, embora se possa traduzir na alteração de muitas disposições da constituição, sempre conservará um valor integrativo, no sentido de que deve deixar substancialmente idêntico o sistema originário da constituição. A revisão serve, pois, para alterar a constituição, mas não para mudar radicalmente a constituição, uma vez que a revisão constitucional não é propriamente o meio propício para fazer revoluções constitucionais. A substituição de uma constituição por outra exige uma renovação do poder constituinte e esta não pode ter lugar, naturalmente, sem uma ruptura constitucional, pois é certo que a possibilidade de alterabilidade constitucional, permitida ao Congresso Nacional, não autoriza o inaceitável poder de violar o sistema essencial de valores da constituição, tal como foi explicitado pelo poder constituinte originário.
Desse modo, por ser o Ministério Público instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, incumbido, entre outras importantíssimas funções, da defesa de cláusulas pétreas como a separação de Poderes, os direitos e garantias individuais e a própria existência da Federação e do voto direto, secreto, universal e periódico, ao defender o regime democrático, nenhuma norma do Poder Constituinte derivado poderá alterar sua estrutura orgânica, suas garantias de independência e imparcialidade e suas funções de controle, todas fixadas em defesa da própria sociedade e da perpetuidade da democracia.
3 CONCLUSÃO
Todas as decisões que se deve tomar com relação ao desempenho público, ou seja, algo que dele e para ele, é importante que sejam bem explícitas, ou seja, claras e objetivas. Haja vista o registrado nos incisos constitucionais, nos infraconstitucionais que passam a ser de interesse público. Portanto, são medidas que ultrapassam a colocação de um dado particular ao público de onde serão tiradas sugestões, normas declinativas à constitucionalidade, não para um só brasileiro, mas para a brasilidade de interesse público em geral.
Para que haja coerência a uma adequação nas propostas do Ministério Público no Estado Democrático de Direito, em que se apontam nas leis as cobranças próprias deste ministério, é preciso que o legislador, além de consciente exímio da matéria, venha a se colocar como sujeito entre os cidadãos, aferidos pela proposta de se interrogar culturalmente, pois cada povo tem o MP que merece.
É imensa a responsabilidade de um legislador, assim como sua transparência e seus princípios constitucionais. Considerando a evolução dos valores, ou seja, as mudanças sociais por que passam os indivíduos, as propostas legais não podem se afastar do campo em que a antropologia jurídica apresenta um potencial de extrema representação nesta questão. Com tal conclusão, o legislador deve ir fundo ao que tange as precípuas obrigações do MP; fazer assim do Ministério o suporte sustentável à travessia do Estado democrático de Direito.
REFERÊNCIAS
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
CAMPOS, Benecdito. O Ministério Público e o novo Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976.
MINISTÉRIO PÚBLICO. Disponível em: <http://nagib.net/> Acesso em: 07 nov. 2009.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br>. Acesso em: 07 out. 2009.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Disponível em:< http://www.stf.gov.br > Acesso em: 26 out. 2009.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em:< http://www.stj.gov.br > Acesso em: 26 out. 2009.
VADE MECUM. Código de Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
Bacharel Em Direito Pela Faculdade Minas Gerais. Mestra em Linguística pela UFMG e Doutora em Educação pela Ujaen-ES. MBA em Direito Educacional e Gestão Ambiental. Lato Sensu em História e Língua Portuguesa. Professora Universitária e Consultora.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARGARIDA, Silvania Mendonça Almeida. O Ministério Público e o Estado Democrático de Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 fev 2011, 07:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23607/o-ministerio-publico-e-o-estado-democratico-de-direito. Acesso em: 22 nov 2024.
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